29 de maio de 2008

A hora e a vez dos asnos

Asinus in cathedra, diziam os romanos. Asno na cátedra, querendo ensinar os outros. É isso que me vem à mente ao ler um artigo de hoje de Demétrio Magnoli. Se o texto, todavia, se mantivesse apenas no diapasão do previsível, do medíocre e do tendencioso, tudo bem. Todos os textos de Magnoli são assim. Basta ver que ele não teme usar clichês como chamar Chávez de caudilho, enquanto Uribe, que está sendo investigado no Congresso colombiano por compra de votos (para reeleger-se pela terceira vez!), é tratado com respeito. Uma pincelada de "aparelho petista" aqui, outra de contaminação ideológica acolá, bastante Chávez em toda parte, e pronto: tem-se uma mercadoria embaladinha para vender aos jornalões. Não importa a falta de sentido, a incoerência, a associação destrambelhada de idéias. Alinhava-se meia dúzia de clichês estúpidos e tem-se um belo produto para faturar trezentos ou quatrocentos reais e garantir prestígio junto aos "capos".

O problema é que o texto vai além. Trata-se de um libelo contra a Unasul, contra a esquerda de forma geral - tratada com uma condescendência ofensiva que somente um asno como Magnoli poderia fazê-lo - enfim, contra os próprios povos sul-americanos, representados por todos os presidentes da América do Sul, eleitos democraticamente.

É uma obra-prima de incoerência, porque não acusa o governo pelo que fez, mas pelo que não fez. Celso Amorim, por exemplo, diz Magnoli, "rebelou-se" a dar status político às Farc. O que seria motivo de elogios (na ótica de Magnoli) inverte-se na língua venenosa do historiador de aluguel. Isso porque haveria "tensões ideológicas" dentro do governo. Ou seja, um ministro de Estado não pratica mais política de Estado: um ministro "rebela-se". Magnoli, não satisfeito em querer controlar as ações do governo, pretende também garrotear seus pensamentos, criticando a tensão política e ideológica nas entranhas oficiais. Quer um governo sem tensão interna, um governo apático, exangue, morto.

O texto de Magnoli, do começo ao fim, assemelha-se ao latido rouco de um cão desdentado. Nâo apenas aceita passivamente as denúncias de ligação de Chávez com as Farcs, feitas pelo seu arqui-inimigo Uribe, como nelas embasa seu raciocínio. É como alguém que, interessado em traçar um perfil do torcedor rubro-negro, o faça com base em depoimentos de um vascaíno.

Leiam apenas este parágrafo, que pérola:

"Desde Rio Branco a política externa brasileira adquiriu um perfil de política de Estado, elevando-se quase sempre acima do jogo político doméstico. No governo Lula, contudo, a pressão crescente dos ideólogos ameaça a paliçada que protege o interesse nacional. Em razão dos laços estreitos que ligam o PT ao castrismo e da emergência do chavismo, a ofensiva ideológica tem intensidade singular no domínio crucial da política para a América do Sul. O espectro da falência das Farc destruiu um equilíbrio precário no núcleo decisório da política externa brasileira."

Reparem na última frase, em negrito. É uma tirada absolutamente esquizóide. Qual o mais rasteiro interesse que a política externa brasileira teria em dar sobrevida às Farc? Qualquer análise superficial indica facilmente que a existência das Farc só interessa a Uribe, por razões óbvias: elas lhe rendem votos, financiamentos paralelos (via paramilitares) e subsídios de Washington. Ideologicamente, as Farc representam um passado e uma escolha que a esquerda moderna latino-americana, democrática e internacionalista, luta para deletar. A existência das Farc, decididamente, não interessa à esquerda.

Os latinos deviam ter uma frase mais elegante para o que quero dizer, mas como meu latim ainda é incipiente, uso uma expressão brasileira bastante chula, pela qual me desculpo: Magnoli, vai cagar no mato!

Comente!