Aí vai uma excelente sugestão para a turma que estuda psicologia. Investigar os aspectos psicológicos da blogosfera. Seguramente, serão encontrados casos interessantes e instrutivos para a ciência. Enquanto nada mais científico é elaborado, nada me impede de fazer algumas elocubrações descompromissadas. Imagino, por exemplo, que o ato de publicar textos na internet tem função terapêutica para muita gente. Mas também creio que, pelas mesmas razões, a exposição pública deve gerar uma série de consequências patológicas.
Pego eu mesmo para caso de estudo, como sempre fiz, aliás. Sempre usei, descaradamente, minha própria personalidade como laboratório de experimentações e análises pseudo-científicas sobre a psique humana. Eu devo guardar, em mim, umas três ou quatro doenças mentais. Não sei quais são, mas acredito tê-las. Acho que todo mundo tem, de qualquer forma, umas três ou quatro doenças mentais. Por outro lado, não quero ser leviano. Já visitei diversos hospícios e tenho consciência de que não se brinca com doença mental. É muito doloroso, é trágico, e se as pessoas tivessem noção do que é, não ficariam se auto-proclamando loucas, a torto e direito.
Mesmo assim, temos as doenças, em estado latente, como que dormindo, em nossa psique. O homem contemporâneo, assim como carrega, em si, milhares de doenças biológicas, também convive, em sua mente, com diversas patologias da mente.
Há correntes da psicologia que preferem não mais chamar esses recorrentes problemas mentais de patologias, e sim classifica-os num patamar mais nobre, algo como uma diferença, ou originalidade da pessoa. No entanto, acredito que uma doença é realmente uma doença quando a pessoa sente dor. Uma depressão, por exemplo, pode ser algo extremamente doloroso, que leva ao suicídio, ao alcoolismo, ao crime. Ou à blogosfera. Ou a escrever cartinhas para o jornal.
Hoje eu fiquei triste, por exemplo. Depois de resolver um negócio no banco, vim caminhando pela rua do Catete, para casa, em velocidade lenta. Estava quase depressivo, mas era uma depressão ligada exclusivamente ao bolso, ou à falta de conteúdo nele. Está provado cientificamente que, se o dinheiro não traz felicidade, a falta dele igualmente não contribui para o bom humor de ninguém. Também sentia um pouco de vergonha, por ter reclamado da vida neste blog. Tentei consertar no post seguinte, mas não adiantou muito. Por isso apaguei os dois posts recentes aos quais me refiro. Foi um erro publicá-los, em todos os sentidos. Abri o flanco para os inimigos. Mostrei fraqueza.
Possuir um blog assemelha-se, algumas vezes, a ter uma janela permanentemente aberta para o mundo. É excitante ver o mundo por ali, e também escutar, dali, o clamor das multidões. Mas, depois de um tempo, você percebe que, mais do que ver e escutar o mundo, mais do que apreciar um espetáculo, é você que passa a ser observado, é você que se torna um espetáculo. A internet, o blog, instala uma câmera de reality show diante de seu rosto. Daí que você não pode mais errar. Não pode mais titubear. Deve ser forte e bonito o tempo inteiro.
Esses também são ossos do ofício para um blogueiro. Por isso, é tão difícil manter um blog, e a maioria desiste depois de um tempo. Há um desgaste psicológico tremendo. Mesmo quando você não publica nada, apenas o fato de ter consciência de que seus pensamentos e personalidade encontram-se ali expostos à visitação pública, cansa muito. A única forma de suportar um esforço continuado dessa espécie é encará-lo como obrigação profissional. Isso não significa esquecer seu caráter lúdico e artístico, inerente à toda atividade criativa, mas aceitar suas dificuldades em nome ou do nobre esforço pela sobrevivência ou da busca pela realização de um ideal – a última opção, por enquanto, tem sido a única a motivar a maioria dos blogueiros.
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E por falar em psicologia, a baixa autoestima dos brasileiros tornou-se, definitivamente, uma patologia gravíssima. É um caso antigo, mas que não pára de piorar. Na fila do banco, no botequim, na casa de parentes, em todas as classes sociais, contemplo um incessante desfilar de clichês antibrasileiros. E não apenas antibrasileiros, mas antipolíticos em geral, o que significa, sem que as pessoas se apercebam, antidemocráticos. Conversando com uma senhora, ela lembrou que são os juristas que conhecem as leis. “Então como é possivel que as nossas leis sejam feitas pelos deputados?”, ela perguntou. Ao se referir aos deputados, vem implícita a afirmação: “como é possível entregar uma responsabilidade dessa magnitude a tal classe de salafrários?”
Uma visão assim nada mais é do que um desdobramento de uma grave patologia social, que há muito tempo assola a sociedade brasileira; mas não só a brasileira. A descrença na democracia é uma doença que vitimou algumas das melhores cabeças da humanidade. Digo doença apenas como força de expressão. Não é doença, claro. É antes uma ideologia propriamente dita, mas uma ideologia antidemocrática, uma ideologia com tendência aristocrata, que almeja um governo dos “melhores”, de “sábios” e “técnicos”. A experiência histórica, todavia, mostra que isso não dá certo. É uma utopia, tão boa e tão ruim como o “comunismo” soviético. Seus resultados são imprevisíveis. De qualquer forma, a democracia tem instrumentos para se autoaperfeiçoar. Sobretudo, há uma atmosfera de liberdade. O ar que se respira numa democracia pode não ser dos melhores, mas ao menos estamos livres para abrir os braços e correr pelo parque.
No caso do Brasil, no entanto, a descrença na democracia é sim um dos sintomas de uma grave patologia social, que por sua vez liga-se à uma terrível baixo autoestima. As pessoas não acreditam no parlamento porque não acreditam no Brasil. Não se vê qualidades no espírito brasileiro, afora os folclorismos de sempre (alegria, expansividade), os quais, de qualquer maneira, acabam sempre se associando a algum defeito maior. O brasileiro de classe média é herdeiro da antiga veneração pelo “doutor”, a qual se converteu no atual dogma da “meritocracia” ou fé cega na “tecnocracia”. Quando se analisa a opinião pública tradicional (os leitores de jornal impresso), verifica-se que as pessoas julgam homens públicos mais pela imagem exterior, pelo simbolismo que deles emana, do que pelas consequências e qualidade de sua gestão. Vejam o caso da Petrobrás. No governo FHC, a empresa estava sendo sucateada. Havia acidentes ambientais terríveis. A maior plataforma do mundo afundou, causando prejuízo incalculável. Mas é agora, na gestão Lula, quando a empresa acumula incontáveis sucessos empresariais, que a imprensa (porta-voz um tanto arbitrária, ou mesmo totalitária, desta opinião pública) acusa a Petrobrás de não estar sendo gerida de acordo com “critérios técnicos”. Isso porque há muitos diretores ligados ao sindicalismo, ou seja, brasileiros com formação nacional, autodidatas, pessoas oriundas da classe trabalhadora, e não os bibelôs manufaturados em universidades americanas, esses nefelibatas sem poesia que tanto deslumbram setores colonizados do país.
Quanto à baixa autoestima propriamente dita, essa convicção apaixonada pelo fracasso, é um caso cheio de particularidades originais. As pessoas que mais professam essa fé escura, em geral, costumam dar grande valor a si mesmas, ou na impossibilidade disso, nas pessoas próximas (nos filhos e parentes, por exemplo). A psicologia social deve investigar a fundo essas manifestações, mas tenho a impressão que há um fundo de racismo aí, conforme se pode verificar através do pensamento brasileiro do século XIX, onde o fator raça era largamente citado para explicar a degeneração da cultura nacional. Um país de mulatos, pretos, mestiços, não pode ter futuro promissor. Hoje em dia, esse racismo está introjetado no inconsciente, individual e coletivo. O brasileiro não gosta do rosto que vê no espelho, essa é a verdade.
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19 de outubro de 2009
Reflexões psicanalíticas de um blogósofo duro
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# Escrito por
Miguel do Rosário
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segunda-feira, outubro 19, 2009
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Psicologia
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