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29 de abril de 2012
A garota da Eslovênia chegou ao Brasil
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Estreiou dia 27 de abril, em São Paulo, um grande filme europeu. Slovenian Girl conta a história de uma estudante universitária que se prostitui na capital da Eslovênia. Ela acaba se envolvendo com a morte de um deputado da União Européia e com mafiosos. É um filmaço. Tem suspense, ação, psicologia e até uma banda de velhos roqueiros tocando Frank Zappa. O filme ganhou destaque em dezenas de festivais entre 2009 e 2010, colecionando prêmios e seleções importantes.
Este é o segundo lançamento da Tucumán Filmes, de Priscila Miranda, uma pequena mas promissora distribuidora de filmes estrangeiros de grande qualidade - e potencial de público -, que passam despercebidos pelas gigantes do setor. Há filmes atraentes para o público brasileiro sendo produzidos por outros países que não apenas os EUA. É importante, para entendemos a Europa, conhecermos esses novos pólos de cultura, entre eles a Eslovênia, uma modesta mas refinadíssima ex-comunista.
Abaixo, informações sobre a sala onde está sendo exibido, em São Paulo.
http://itaucinemas.com.br/filme/slovenian-girl
Sinopse: Alexandra é uma jovem de Krsko, uma pequena cidade na Eslovênia, que estuda letras na universidade de Ljubljana, capital da Eslovênia. Ela planeja ganhar o mundo. Trabalhando como prostituta, sua vida segue do jeito que queria, mas uma morte acidental a colocará em risco e a pensar no que vem fazendo para conquistar sua independência e sustento.
# Escrito por
Miguel do Rosário
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domingo, abril 29, 2012
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30 de setembro de 2011
Os cansados não ouvem jazz
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Tem um filme simpático do Otto Preminger, de 1962, intitulado Tempestade em Washington, que aborda o tema da chantagem na alta política americana, e que eu assisti pela primeira vez há poucos dias. A história se passa inteiramente no Congresso e os personagens são todos senadores, além do presidente. Como usualmente acontece nas histórias holliwoodianas, apontam-se os podres do sistema, mas essas zonas escuras servem apenas para os roteiristas exibirem, orgulhosamente, o amor que votam aos ideais democráticos e à liberdade. Se esses ideais não passavam de palavras vazias, e eram defendidos (como hoje) ao mesmo tempo em que se massacravam os mesmos valores nos países em desenvolvimento, isso é outra história. Nem acho que é para tanto.
Eles - os americanos - acreditam, nos ideais, mas ainda não entenderam que um princípio democrático nunca será moderno e nunca será de fato autêntico e coerente consigo mesmo enquanto não açambarcar a humanidade inteira. E isso já não é uma utopia ingênua. A instabilidade econômica global, as ameaças virais que pairam, sinistras, sobre a raça humana, os desequilíbrios ecológicos, só encontrarão respostas quando surgir um comando político centralizado no mundo. Moeda única, regras únicas, uma educação que tenha ao menos algumas plataformas unificadas. Eleição de uma língua franca (possivelmente o inglês), que deveria ser ensinada como segundo idioma a todos os homens, através de cursos públicos patrocinados pela própria ONU nos países mais pobres.
Mas é melhor parar com esse papo senão daqui a pouco estou votando em Marina Silva, e eu não gostaria de cometer um desatino assim.
Pesquisando na web sobre esse filme, topei com um post que seria uma excelente resenha, não pecasse pela inferência idiota e forçada que faz da realidade tupiniquim. Ele diz que assistir ao filme lhe produziu imensa vergonha de nossos políticos, porque, na história de Preminger, os senadores se digladiam por ideais e não por interesses mesquinhos e cobiça, como acontece - diz o blogueiro - no Brasil. Ora, compre um remédio pra sarna! Esse complexo de vira-lata enche o saco. O sistema político americano sempre foi podre, sempre viveu atolado em corrupção. Os interesses mesquinhos no mundinho estadunidense são tão arraigados que o lobby se tornou uma indústria bilionária, além de legalizada, e sem mencionar a desagradável mania que os congressistas ianques tinham (e ainda tem, como se viu em 2002 com a Venezuela) de apoiar golpes de Estado mundo afora.
O filme é bom, mas trata-se de uma ficção que mostra um pouquinho do lado podre da política americana. Só um pouquinho, para não assustar as donas de casa.
Entretanto, acho que foi interessante esbarrar com mais essa vira-latice; é um caso bem representantivo de como pensa um setor importante da sociedade brasileira. Os famigerados estratos médios produzem, em ritmo frenético, imbecis deslumbrados com a própria cultura. Suas manifestações textuais invariavelmente parecem discursos proferidos do alto de um púlpito sagrado, mesmo quando simulam (sobretudo quando fazem isso), com ar blasé, informalidade e non-chalance.
Daí eu lembro do nosso glorioso Merval Pereira e de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras. Até hoje não comentei o fato. Lembro que, assim que o soube, imaginei que o colunista do Globo mereceu esta honra pela sua habilidade em usar o futuro do pretérito. Jamais houve jornalista ou escritor com mais talento para manejar expressões tais como "fulano teria dito", "sicrano teria ouvido". Afora o monstruoso dom que tem para sondar os pensamentos secretos e íntimos dos poderosos. Quantas vezes Merval não destrinchou o inconsciente de Lula? Se não acertou nenhuma vez, não é por sua culpa, naturalmente, visto que é um gênio imortal. A culpa é de Lula que mudou de ideia...
Claro, a eleição de Pereira foi um típico "aparelhamento". Não vou dizer que ele seja um analfabeto, como fez um colega. Não. A gente tem que perder essa mania pedante de chamar todo mundo de analfabeto. Merval Pereira sabe ler muito bem e se trata, obviamente, de um sujeito tremendamente astuto, com uma invejável capacidade de trabalho. Aliás, eu tiro o chapéu para esses caras. Miriam Leitão, Merval, Jabor, trabalham com uma energia que me enche de admiração. A Miriam Leitão escreve uma coluna diária no Globo. Fala na CBN também todo dia. Aparece na Globonews. Tem um blog. Para culminar, desempenha sempre um papel importante nos filmetes publicitários que a Globo exibe de vez quando. A moça tem garra!
No discurso em que homenageou Merval, o super acadêmico Eduardo Portella não escondeu as razões que fizeram seus pares escolherem o jornalista para ocupar uma vaga na ABL. Foi um movimento político muito bem premeditado. Assim como tem sido essa festinha toda para que surja uma nova legião de cansados enfurecidos.
Confesso que fiquei bem ressabiado ao ver os jornais convocando manifestações ao mesmo tempo em que ressaltavam a sua "independência". Adotei uma postura deliberadamente hipócrita, voltariana, se é que se pode atribuir tal qualidade a si mesmo sem cair no ridículo - porque eu sabia que aquelas manifestações eram vazias, oportunistas, mais um capitulozinho medíocre no grande livro negro que a mídia escreve há décadas sobre as instituições políticas nacionais. Entretanto, como dizia Regina Duarte, eu tive medo. Muito medo.
A manifestação da Cinelândia foi um fracasso, é preciso que se diga com todas as letras. Esperavam mais de 30 mil e somente 2.500 compareceram. E olha que vieram algumas celebridades das artes, como Frejat e Fernandinha Abreu.
Agora eles estão tentando organizar outra manifestação no dia 12 de outubro. A mídia continua ajudando, divulgando e dando prestígio ao movimento. Não vaticinarei um novo malogro, mas não posso continuar agindo como um guarda do Palácio Real de Londres. Se eu ainda dava um certo crédito a essas manifestações anti-corrupção, a quantidade de abutres que se ouriçaram ao vê-las convenceu-me do contrário.
Não vou chamá-las, contudo, de golpistas, apesar de que elas exalam um fortíssimo cheiro. Um tiranete midiático vai usar técnicas bastante sutis para enganar a vontade popular e praticar uma espécie de golpe político. Mas se é mesmo tão sofisticado, o seu golpe já não pode ser considerado ilegal. É um golpe que não infringe, não diretamente ao menos, o princípio democrático, e portanto deve ser combatido com os instrumentos democráticos a nossa disposição.
No filme de Preminger que cito no início do post, tem um personagem - um senador jovem, voluntarioso, cercado de puxa-sacos -, que é o defensor mais apaixonado do presidente, mas é justamente ele que põe tudo a perder. Porque ele não entende alguns preceitos de uma democracia: uma vitória não precisa ser absoluta para ser uma grande e completa vitória; se não quisermos sermos mordidos, devemos deixar que os cães ladrem à vontade; demonstra-se força e prestígio não através do silêncio de nossos adversários, mas pela altivez e elegância com que enfrentamos seus impropérios. E partir para a baixaria - coisa que os rapazes das melhores famílias fazem sem disso se dar conta - apenas nos degrada.
Dito isso, não sou nada otimista em relação às lutas que travamos para democratizar a comunicação. A tal Ley dos Medios provavelmente não vai sair, e mesmo se sair não creio que dará resultados concretos. Concentração dos meios de comunicação? Ora, pode-se até proibir. Os gigantes se coligarão e driblarão a lei. Um Marinho leva a TV, outro Marinho leva o jornal, um terceiro Marinho leva o rádio. A fantasia esperta de nossos morenos Lampedusos. Cada um na sua, conforme a nova lei, e tudo continuará na mesma.
Por outro lado, após tantas vitórias, a gente às vezes até esquece do que está reclamando. Com o universo midiático relativamente pacificado, alguns blogueiros partem para o superficial, acusando a imprensa por eventuais escorregadelas semânticas ou sintáticas. Ironicamente, os gigantes da mídia, com todo seu imenso poderio, semelham garotos palestinos atirando pedras em tanques de guerra. Sendo que os tanques de guerra somos nós, as forças progressistas. Os partidos conservadores minguam em velocidade crescente. Li hoje que até o ACM Neto vai sair do DEM. E os tucanos correm desta vez sério risco de perder a sua cidadela.
O que falta, então? Por que nunca estamos satisfeitos?
Pois bem, eu vou dizer o que falta. É muito simples. Ou antes, não é nada simples. Falta realizar justamente agora o mais difícil. Falta a realização dos grandes projetos. Por isso é que se combate tanto a construção do trem-bala. Ele é um grande projeto. Na área da cultura, ainda esperamos o despontar de um boom cinematográfico que nunca chega. Temos visto somente espasmos de criatividade, geniais mas efêmeros. O mundinho literário é sempre cheio de auto-referências elogiosas, mas a verdade é que há muito tempo os dez livros mais vendidos são invariavelmente de autores norte-americanos. Isso não é normal, não é saudável, não tem explicação plausível. O Brasil precisa reconstruir-se culturalmente, mas de uma forma realmente autêntica, livre. Bem distante dos protestos verde-tecnológicos das viúvas de Gilberto Gil, dos clichês solipsistas dos garotos do Millenium, das xaropadas midiáticas, das panelinhas da Vila Madalena, etc. Eu acho que o brasileiro precisa é de solidão. Solidão, trabalho, renúncia. Mas eu permito que se vá, às quarta-feiras, ao live jazz da praça Tiradentes, para ouvir Miles Davis e contemplar o belíssimo edifício mourisco do Real Gabinete Portuguez (assim, com z mesmo). É muito melhor que o Rock in Rio, não tem engarrafamento, a cerveja é barata, o ingresso é grátis, e garanto que dificilmente encontrá algum cansado ou neo-cansado por aquelas bandas...
(Imagem: Juliano Guilherme)
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Miguel do Rosário
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sexta-feira, setembro 30, 2011
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17 de março de 2011
Tem gente pior que Lampião
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E já que falamos em cultura, deixo com vocês os grandes repentistas Valdir Teles e Sebastião Silva cantando histórias sobre o cangaço:
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Miguel do Rosário
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quinta-feira, março 17, 2011
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16 de março de 2011
O blog de Bethânia
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Hoje a polêmica rolou em torno de notícia publicada na Folha de São Paulo, na coluna da Monica Bergamo.
Assim que eu li a notícia, adivinhei que vinha tsunami por aí. Entrei no Twitter e, de fato, o estrago era grande. Rouanet, Minc, Ana de Hollanda, Bethania, todo mundo no pódium das TT, sendo malhado impiedosamente à esquerda e à direita.
À direita eu via o Twitter do @teapartybr, muito ativo, aproveitando a deixa para deslanchar pesados ataques contra o governo.
A bombordo, a carnificina também era intensa, pois Ana de Hollanda é o alvo preferido da esquerda "digital".
A crítica da direita é moralista: não me interessa e não me surpreende.
O que me espanta é a manipulação da crítica à esquerda. Tudo bem protestar. O que me aborrece é pintar o caso como prova da malignidade da ministra Ana de Hollanda. Ora, ela pode ter outros defeitos, mas essa bomba não foi ela que montou.
O Minc anterior (gestão Gil/Juca Ferreira) aprovou R$ 10 milhões para o Instituto FHC digitalizar uns arquivos, o que nunca foi feito.
Aprovou R$ 3 milhões para a Globo fazer um site sobre a ditadura (!).
Agora me digam, o que é pior? Aprovar que uma produtora capte 1,3 milhão de reais para realizar 365 filmes com uma das maiores cantoras do Brasil, filmada por Andrucha Washington, diretor de Eu, Tu e Eles, ou dar 3 milhões pra Globo reescrever a história do movimento estudantil?
Quanto ao valor, pode ser que seja muito, pode ser que seja pouco. Vai depender da qualidade do negócio. Se são 365 filmes, o valor corresponde a 3,5 mil por filme. É um custo muito baixo, se você pensar no pagamento a operador de câmera, editor de vídeo, figurinista, etc.
Se cada vídeo tiver 2 minutos, teremos mais de 700 minutos de filme. É muito filme!
Outra coisa que me impressionou foi o preconceito contra a plataforma blog, inclusive dos próprios blogueiros. Ora, se os vídeos fossem para ser exibidos no Canal Brasil, uma TV paga, aí estaria tudo bem? Se fosse um longa-metragem para cinema, que exigem pagamento de ingresso, ninguém falaria nada. Todos os anos, dezenas de filmes recebem dinheiro via lei do audivisual, incluido porcarias inomináveis, mas aí está tudo em ordem.
Ora, o lance não é investir na internet? Se o ministro fosse o Juca, poderíamos falar que o governo investe em cultura digital, aberta e gratuita. Mas como a ministra é Ana - que talvez por ser tímida, insegura e sem molejo político se tornou a Geni de um segmento da militância digital -, a aprovação da Rouanet para Bethania foi convertida em mais uma injustiça da rainha má.
E forçou-se a interpretação de que o dinheiro era do Minc, que tem orçamento apertado, e não da Lei Rouanet, que pode movimentar mais de R$ 1 bilhão ao ano e cujo orçamento dificilmente estoura, por falta de interesse das empresas de patrocinar todos os projetos aprovados. Ou seja, o dinheiro da Bethânia não deve tirar o pirulito da boca de ninguém.
Claro, o problema está na própria lei Rouanet, que privatiza a política cultural do país.
A lei, porém, não pode discriminar um projeto apenas porque seu proponente é uma pessoa famosa. Até porque existem famosos ricos e famosos pobres. De tarde, o Minc divulgou nota explicando que "rejeitar proponente pelo fato de ser famoso, ou não, configuraria óbvia e insustentável discriminação".
Entretanto, a lei, que em seus primórdios era usada apenas por uma elite privilegiada conhecedora dos misteriosos meandros governamentais, hoje popularizarizou-se, simplificou-se. Pelo site do Ministério, tornou-se relativamente fácil inscrever um projeto.
A coisa toda é muito esquisita, naturalmente. Um país com graves problemas de saneamento básico e saúde pública, deveria distribuir milhões para arte? Mas esse é um dilema que vem desde os primórdios da humanidade. Quando o homem das cavernas começou a fazer seus desenhinhos na pedra, houve quem o criticasse por perder tempo com aquilo, em vez de sair para caçar mais comida para seus filhos...
Nessa polêmica toda, eu, que não gosto da Bethania recitando poesia (gosto dela só até os anos 70, cantando), defendi o projeto dela e defendi também o Ministério da Cultura, porque este não poderia dizer "não" à Maria Bethânia, até porque é uma comissão da sociedade civil que aprova os projetos (embora o ministro tenha a palavra final), e, via de regra, se o documento for bem escrito e razoável, tem quase 100% de chance de ser aprovado.
Se a comissão da Lei Rouanet aprovou a captação de R$ 9 milhões para o Cirque de Soleil que nem brasileiro é e cobra ingresso de R$ 100 a R$ 400, como poderia negar aprovação a um projeto de uma das cantoras mais respeitadas da música popular nacional, dirigido por um diretor competente como Andrucha Washignton (Eu, Tu, Eles) e com exibição gratuita e acessível a todos que possuírem internet? Deu R$ 12,5 milhões para o Arnaldo Jabor filmar menos de 120 minutos, porque não pode dar R$ 1,3 milhão para Andrucha filmar mais de 700 minutos de Bethânia recitando poesia?
Lendo o projeto, vejo que eles pretendem, de fato, usar uma plataforma de blog.
8 de março de 2011
Sobre direitos autorais
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(Cézanne era contra ou a favor?)
Uma das críticas mais contundentes que se faz à ministra Ana de Hollanda refere-se ao pedido, feito por ela, para rever o ante-projeto da Lei do Direito Autoral, que atualiza a Lei 9610/98. Um rascunho de como ficará a lei, se todas as mudanças sugeridas forem incorporadas, continua disponível no site do Ministério da Cultura.
Dei uma lida no texto, mas não me sinto capaz de julgar o seu valor. Parece-me, à primeira vista, uma boa legislação, que contempla e protege os direitos dos autores, com as ressalvas que já existiam na lei anterior. Alguns representantes da cultura, como o cineasta Luis Carlos Barreto, são críticos ao texto; os ativistas da liberdade na internet afirmam que se trata da legislação mais progressista no mundo.
Menciono o Barretão de propósito: ele é satanizado por alguns, respeitado por muitos e temido por todos. Pode-se criticá-lo à vontade, mas não se pode tirar o mérito de ter sido um dos produtores mais importantes para a história do cinema brasileiro, respondendo por filmes como Assalto ao Trem Pagador, A hora e a vez de Augusto Matraga, Terra em Transe, Dona Flor e seus Dois Maridos, Bye Bye Brazil e Memórias do Cárcere.
A ministra, todavia, parece-me bastante perdida nesse imbróglio. O próprio site do ministério, ao publicar editoriais do Estadão que supostamente defendem a ministra, transmite insegurança e bota mais lenha na fogueira, pois não tem a sensibilidade para identificar que há uma guerra política ainda muito pesada entre a grande imprensa e o eleitorado petista.
De qualquer maneira, a lei ainda será discutida no Congresso, e em se tratando de uma legislação de um país democrático, não vejo problema algum em ser mais discutida pela sociedade. Outro dia a ministra afirmou que 70% das pessoas que se manifestaram no site do Ministério apresentaram críticas negativas ao texto. Os ativistas rebateram com a informação que dos 700 comentários, 650 foram feitos por apenas 5 pessoas.
Bem, só com isso está provado que houve, no mínimo, um debate insuficiente e precário. Se o anteprojeto de lei é bom e se há segurança, por parte dos que o defendem, de que ele encontrará grande apoio entre as pessoas interessadas, não vejo problema em expô-lo por mais tempo à consulta pública.
Boas leis não são as feitas às pressas, mas sim aquelas que espelham verdadeiramente a vontade do povo, a justiça da época e harmonizam-se à íntegra e ao espírito do texto constitucional. No caso da propriedade intelectual, também não adianta impor ao país uma lei muito diferente das que existem junto a nossos vizinhos e amigos. Temos que trabalhar junto a outros países para aprimorar as leis da propriedade intelectual, visando o bem da humanidade e a preservação da economia das culturas nacionais.
O anteprojeto da nova lei do direito autoral, enviada à Casa Civil no apagar das luzes da gestão Juca, como já disse, não traz nenhuma inovação revolucionária no campo da propriedade intelectual, de maneira que também não vejo muita razão para que alguns ativistas de ideias mais radicais o defendam a ferro e fogo. Ele ainda terá que passar pelo crivo do Congresso Nacional e da Presidência da República. É muito melhor que as dúvidas sejam dirimidas antes, com participação de toda sociedade, do que vir a se tornar motivo para uma crise politica no parlamento ou, pior ainda, no Executivo.
Reitero a sugestão que já fiz em outros posts: com as pastas das Comunicações e da Ciência e Tecnologia nas mãos de um partido de esquerda (PT), os ativistas de cultura digital tem um vasto campo de ação para levar adiante suas ideias.
Eu não sou um ativista, e sim um operário da cultura digital. Trabalho, produzo conteúdo, tentando analisar a política da melhor forma possível. Só peço uma coisa ao governo: que ele aprimore e barateie o sistema de banda larga no Brasil. A melhor maneira de promover a liberdade na rede, a meu ver, é, em primeiro lugar, dando acesso à rede.
A classe artística finalmente parece ter despertado de sua letargia e começa a se manifestar. Silvio Tendler, herói do cinema-documentário no país, também rechaça os ataques afobados à ministra Ana de Hollanda.
25 de janeiro de 2011
Esquenta o debate sobre a Cultura
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Reproduzo abaixo, alguns textos pertinentes ao debate que se está travando no momento sobre o Ministério da Cultura. O primeiro é um post do Rovai, editor da revista Fórum. Em seguida, publico (já devidamente autorizado) algumas observações que membros do blogosfera progressista do Rio trocaram sobre o mesmo tema.
Um ponto sobre o qual deve-se estar bem atento é que as acusações contra Ana de Holanda fundamentam-se, por enquanto, apenas em suposições sobre uma possível guinada em relação às políticas de direito autoral.
O próprio Rovai sintetiza assim, num último post sobre o assunto: "O ponto central que quero discutir nesse novo texto é que a retirada do CC do site do ministério parece indicar que a política nesta área de direitos autorais vai ser modificada. O que muda muita coisa."
Abaixo, os textos mencionados:
Ministra da Cultura dá sinais de guerra ao livre conhecimento
Renato Rovai, em seu blog.
A ministra da Cultura Ana de Holanda lançou uma ofensiva contra a liberdade do conhecimento. Na quarta-feira pediu a retirada da licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura, que na gestão de Gilberto Gil foi pioneiro em sua adoção no Brasil.
O exemplo do MinC foi àquela época fundamental para que outros sites governamentais seguissem a mesma diretriz e também publicassem seus conteúdos sob essa licença, como o da Agência Brasil e o Blog do Planalto.
A decisão da ministra é pavorosa porque, entre outras coisas, rasga um compromisso de campanha da candidata Dilma Roussef. O site de sua campanha foi publicado em Creative Commons o que denotava compromisso com esse formato.
Além desse ato simbólico, que demonstra falta de compromisso com o livre conhecimento, a ministra pediu o retorno ao Ministério da Cultura do Projeto de Lei de Revisão dos Direitos Autorais, que depois de passar por um debate de sete anos e uma consulta pública democrática no governo Lula, estava na Casa Civil para apreciação final e encaminhamento ao Congresso Nacional.
O que se comenta é que a intenção da ministra é revisar o projeto a partir das observações do ECAD, um órgão cartorial e que cumpre um papel danoso para a difusão da cultura no Brasil.
Para quem não conhece, o ECAD é aquele órgão que entre outras coisas contrata gente para fiscalizar bares e impedir, por exemplo, que um músico toque a música do outro. É uma excrescência da nossa sociedade cartorial.
Este blog também apurou que Ana de Holanda pretende nomear para a Diretoria de Direitos Intelectuais da Secretaria de Políticas Culturais o advogado Hildebrando Pontes, que mantém um escritório de Propriedade Intelectual em Belo Horizonte e que é aliado das entidades arrecadadoras.
Como símbolo de todo esse movimento foi publicado ontem no site do Ministério da Cultura, na página de Direitos Autorais, um texto intitulado “Direitos Autorais e Direitos Intelectuais”, que esclarece a “nova visão” do ministério sobre o tema. Vale a leitura do texto na íntegra , mas segue um trecho que já esclarece o novo ponto de vista:
“Os Direitos Autorais estão sempre presentes no cotidiano de cada um de nós, pois eles regem as relações de criação, produção, distribuição, consumo e fruição dos bens culturais. Entramos em contato com obras protegidas pelos Direitos Autorais quando lemos jornais, revistas ou um livro, quando assistimos a filmes, ou simplesmente quando acessamos a internet.”
Essa ofensiva de Ana de Holanda tem várias inconsistências e enseja algumas perguntas:
A principal, o governo como um todo está a par desse movimento e concorda com ele?
Afinal a presidenta Dilma Roussef se comprometeu, como Ministra da Casa Civil e candidata à presidente da República, a manter o processo de revisão dos direitos autorais e promover a liberdade do conhecimento. E um desses compromissos foi firmado na Campus Party do ano passado, em encontro com o criador das licenças Creative Commons, Lawrence Lessig.
O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, quando candidato ao governo de São Paulo, também se comprometeu com esta luta, inclusive numa reunião que contou com a presença deste blogueiro, na Vila Madalena, em São Paulo.
O que a atual presidenta e o ministro Mercadante pensam desta inflexão?
E o pessoal do PT ligado à Cultura, o que pensa disso?
Muitos dos militantes petistas da área comemoraram a indicação de Ana de Holanda.
Alguns entraram em contato com este blog para dizer que os compromissos anteriores não seriam rasgados.
E agora, o que eles pensam dessas decisões da ministra?
Dilma Roussef foi eleita também para dar continuidade ao governo Lula. Se havia interesse em revisar certas diretrizes na área da Cultura e que vinham sendo implementadas com enorme sucesso e repercussão nacional e internacional, isso deveria ter ficado claro. Isso deveria ter sido dito nos diversos encontros que a candidata e gente do seu partido tiveram com esses setores.
Essas primeiras ações do MinC não são nada alentadoras. Demonstram um sinal trocado na política do ministério exatamente no que de melhor ele construiu nos anos de governo Lula.
Não há como definir de outra forma essa mudança rota: é traição com o movimento pela democratização da cultura e da comunicação.
A ministra precisa refletir antes de declarar guerra a esse movimento social.
E o PT precisa assumir uma posição antes que seja tarde.
Porque na hora H, não é com o povo do ECAD e com o da indústria cultural que ele conta.
PS: Conversei com um amigo que entende de conteúdos licenciados em Creative Commons e ele me disse que a decisão da ministra de mudar o licenciamento do site vale exatamente nada no que diz respeito ao que foi produzido na gestão anterior.
Aquele conteúdo foi ofertado em Creative Commons e o Ministério não pode simplesmente revogar a licença de uso.
Se isso for feito, o Ministério infringe a licença Creative Commons e se torna um infrator de direitos.
E agora, publico a opinião de um colega nosso aqui do #RioBlogProg, a de Frederico Cardoso, presidente do Partido da Cultura:
Rui e demais,
O papo é espinhoso e tem nuances específicas – por exemplo, o uso de uma música por outros intérpretes em bares e tal e o uso da música em filmes.
Uma coisa são os fatos e outras bem diferentes são as interpretações sobre os fatos, seus desdobramentos e suas conexões com outros fatos.
É fato que o selo saiu da página do MinC e também é fato que a Ministra pediu de volta o Projeto de Lei que propõe atualização da legislação de direitos autorais.
Mas o próprio texto do Rovai fala do Ministério da Ciência e Tecnologia e da própria Dilma (Ministra, candidata e agora Presidenta).
Eu colocaria no mesmo caminhão o Ministério das Comunicações, com o Paulo Bernardo à frente (e pela primeira vez que me lembre, fora das mãos das organizações globo e/ou corriola).
Ou seja, temos dois ministérios fortíssimos (inclusive em orçamento) que remam pra onde o Minc de Gil/Juca remava.
E temos o MinC atual – não diria voltando atrás, pois a peleja está em curso – preferindo debater mais internamente e abrindo novas consultas públicas.
Particularmente não acho necessário e o problema real é um certo atraso (que só o tempo nos dirá quanto), pois o Projeto de Lei pronto já seria encaminhado ao congresso, onde a briga seria muito mais feia e provavelmente com o ECAD mais presente nos gabinetes, já que o poder financeiro não está do lado de quem quer as mudanças e isso faz alguma diferença.
Ainda, o referido Projeto de Lei estava pronto desde o meio do ano passado e não foi encaminhado para o Congresso ainda no Governo Lula e na gestão Gil/Juca/Dilma (enquanto Ministra). O motivo é justamente ser terreno pantanoso e justamente no período eleitoral a vaca poderia ir pro brejo (por exemplo, a classe artística poderia se dividir fortemente e poderia não haver aquela mobilização quase 100% a favor de Dilma no segundo turno).
Não sei se é uma estratégia (da Presidenta, da Ministra ou de comum acordo), mas me parece que, tendo a sociedade civil organizada realmente organizada e na pressão e mais o MC e o MCT alinhados e carregando a bandeira da atualização da legislação, o MinC só terá o caminho de apoiar (não esqueçamos da própria Dilma na Casa Civil e em campanha).
Se, para apoiar ou desapoiar, a Ministra precisava ter mais certeza, quero acreditar que o suposto atraso nos aproximará dos outros dois ministérios citados e, trabalhando direitinho, quando a proposta de mudança encaminhada pelo Governo chegar na Câmara, chega mais robusta e com 3 ministérios falados, conversados e com posicionamentos alinhados quanto ao assunto.
Será?
Só o tempo dirá e só atenção e mobilização darão resultado.
Abs,
***
Eu [Miguel] também dei meus pitacos na conversa que tivemos em nossa lista de email:
Eu acho que está havendo afobação. Já foi dito aqui que a espinha dorsal da democratização da comunicação migrou para o Ministério das Comunicaçoes, que tem mais verba e mais poder. Antes estava na mão da direita, agora está na mão da esquerda. Esse é um grande avanço.
Quanto à Ana de Holanda, acho que há divergência entre a visão dos ativistas da cultura e a dos produtores de cultura, tanto é que o Rodrigo acrescenta aspas à expressão "direitos do produtor de cultura", como se esta fosse uma expressão absurda ou maldita. Há muita gente no Brasil e no mundo que vive exclusivamente dos direitos sobre o seu trabalho artístico, e muita gente que não ganha nada sobre o que produz. A cultura deve ser de todos, mas é evidente que é preciso preservar, com muito carinho, a economia da cultura, para remunerar quem vive de suas obras.
Eu, por exemplo, não sou tão empolgado assim com esses pontos de cultura. Há muita coisa boa, mas há também um imenso parasitismo.
Quanto ao Ecad, é uma briga que o governo anterior não conseguiu ganhar, e não é justo portanto atribuir responsabilidade à Ana de Holanda. Trata-se de um assunto que está sendo debatido entre os próprios músicos, e a Ana caberá arbitrar com sabedoria o resultado dessa correlação de forças.
Marúcia, quanto ao Palocci na Casa Civil, é uma figura que dialoga muito bem com setores do empresariado, e, portanto, tem uma função importante no Planalto. Quando Pallocci era ministro da Fazenda de Lula, aí sim, ele dava as cartas. Agora não. É apenas um ponto de contato, um quadro quase "técnico", com grande habilidade de articulação e diálogo junto as diferentes forças políticas, sobretudo as de centro, que predominam no Congresso.
Jobim perdeu muito poder com Dilma. Ele foi mantido por ela provavelmente como cálculo estratégico por sua boa relação com os militares, sendo o primeiro ministro civil a exercer com sucesso autoridade sobre o segmento. As relações de Jobim com altas autoridades militares americanas talvez também tenham revertido em favor dele, visto que possivelmente a estratégia de política exterior de Dilma seja prosseguir integrando a América do Sul e assumindo posições independentes no mundo, mas voltando a se aproximar dos EUA, que ficaram um tanto ressabiados com o diálogo do Brasil com o Irã.
Em relação ao Moreira Franco, a SAE parece que se tornou uma "sinecura", um ministério semi-morto, pois aquele maluco de Harvard de quem o Caetano gosta tanto já fez planos para 20, 30, 40, 50 anos. E aliás, o Moreira Franco chamou o maluco de volta, para trabalhar na SAE.
De qualquer forma, consideremos que temos 37 ministérios. E temos que avaliar as ações do governo, ou antes, as consequências de suas ações. Ver a situação como um todo, entendendo a correlação de forças existente hoje, e tentando construir, nós mesmos, uma força que nos permita influenciar nas políticas de comunicação. O governo Lula iniciou sua gestão sob forte ataque da esquerda, tanto que quase caiu em 2005, quando o escândalo do mensalão encontrou-o já fragilizado perante sua base. Só mais tarde, quando a esquerda começou a ver os resultados sociais concretos das políticas empreendidas pelo governo, e quando viu o perigo que havia de passar o bastão para o PSDB, é que passou a defendê-lo.
É importante sermos críticos. Mas nossas críticas igualmente devem passar por um crivo crítico.
# Escrito por
Miguel do Rosário
#
terça-feira, janeiro 25, 2011
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Cultura
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24 de dezembro de 2010
Lobão: temos que invadir o Mainstream
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Excelente entrevista sobre indústria cultural com Lobão, feita por meu camarada Bruno Dorigatti.

Lobão, antimonotonia contra a bundamolice
Foto de Tomás Rangel.
Texto de Bruno Dorigatti.
Publicado originalmenente no portal Saraiva Conteúdo.
Lobão toma a cena novamente neste final de 2010. Com sua caudalosa autobiografia de quase 600 páginas, 50 anos a mil (Nova Fronteira) – escrita em parceria com o jornalista Claudio Tognolli, responsável pela pesquisa sobre o músico na imprensa e nos arquivos judiciais e policiais – o carioca que mora em São Paulo há dois anos repassa sua intensa e acelerada trajetória, desde a tenra infância de classe média na zona Sul do Rio de Janeiro, até esta década que finda em alguns dias, mergulhando fundo em suas descidas ao inferno. Lobão apresenta a sua versão de histórias que ajudam a compor a cenário da música pop brasileira dos anos 1980, passando por bandas como Vímana (esta ainda no final dos anos 1970, onde tocou com Lulu Santos e Ritchie), a Blitz e a carreira solo onde se firmou como um dos mais importantes nomes de sua geração.
Lugares comuns como “metralhadora giratória” e “porra louca” são alguns dos epítetos que vemos associado ao seu nome. Preso em 1987 por conta de um galho de maconha, Lobão lançaria na época Vida bandida, um dos seus grandes álbuns, e chegou a tomar mais 132 processos nas costas, pelo fato de não se deixar ser tutelado pelo Estado, alega ele.
Outra boa nova para quem admira o seu trabalho é a caixa que a Sony Music lança em breve com três CDs com repertório selecionado pelo músico entre os trabalhos lançados entre 1981 e 1991, além do DVD com o Acústico MTV (2007). Acústico esse muito criticado pela mídia nativa na época do seu lançamento pelo fato de Lobão, sempre crítico aos músicos que gravavam no formato, ter se rendido a ele. Com o Grammy de melhor álbum de rock daquele ano debaixo do braço, ele não se cansa de reafirmar que a luta pela numeração dos discos, iniciada em 1999 quando rompe com as gravadoras, era justamente para que, após a sua instituição, ele pudesse gravar por uma grande gravadora.
Neste descontraído e acalorado papo em seu estúdio, que fica nos fundos de sua casa no quieto e sinuoso bairro do Sumarezinho, em São Paulo, Lobão comenta a bundamolice que reina não só na cena musical atual, mas no país como um todo, segundo ele por conta da AIDS. “As pessoas foram ficando bunda moles, viraram religiosas, evangélicas, ficaram caretas, começaram a ouvir bossa nova, tudo por causa da AIDS. É verdade. Porque estava tudo para sermos libertários. Pô, hoje em dia um cara mais ou menos doidão é favor da virgindade no casamento, quer uma mulher virgem, é contra o aborto, fã do Marcelo Rossi. Esse é um cara normal atualmente, o que seria um grande bunda mole em qualquer outra época da vida que não fosse agora.” Além disso, ele senta o pau na bossa nova, em bandas como Restart e critica os independentes que não ambicionam tocar nas rádios, o que ainda seria fundamental para “pontuar, entrar no chart da história”. Recorda da polícia e dos juízes que o perseguiram, proibindo e sabotando seus shows, “pessoas obtusas que têm pulsão de morte”. “Sei que já estou há muitos anos na frente desses babacas. Então, cabe a eles, ó, acelerar, porque gente feliz como eu não dá trabalho. [risos] Eles que me dão um trabalho terrível, porque não entendem as coisas, são inflexíveis, pessoas preconceituosas."
No livro, o velho Lobo garante ter amaciado muitas das histórias. Por isso a importância de Tognolli, que com sua pesquisa chancela muita coisa que para muitos não passam de lendas e mitos. Já no prólogo, recorda do velório de seu amigo Júlio Barroso, que havia formado a Gang 90, e morreu ao cair de seu apartamento, em 1984, quando Lobão e Cazuza passaram a madrugada cheirando em cima do caixão, no cemitério do Caju, no Rio. E há histórias como de um tiroteio no Buraco Quente, na Mangueira, quando pegou um 38 e saiu dando pipoco, relatos sobre o tempo na cadeia e o que viu por lá, a difícil fase imerso nas drogas, o dia onírico em que Elza Soares improvisou com ele no estúdio um dia depois de perder seu filho com Garrincha, registro que foi perdido pela gravadora, a convivência dura com a mãe que, assim com seu pai, se suicidou.
O músico também soltou o verbo para cima de uma intelligentzia da MPB meio de esquerda, que teria colocado “um tampo cultural na frente de todas as pessoas que querem emergir culturalmente”. E lembra também dos prestimosos colegas jornalistas que tentaram derrubá-lo por muitas vezes.
“Já me enterraram 500 vezes e não vão me enterrar, é evidente. Eu já vi vários jornalistas finalizando a carreira. E vou presenciar muito mais. Porque eu estou aqui não é de brincadeira. As pessoas não entenderam isso. Eu não sou nenhum bufão, porra! O que acho legal é que meus adversários me subestimam. Eu conheço todos eles. Vão se fuder, evidentemente.”
E apesar de certo histrionismo que pode transparecer na conversa, na verdade trata-se apenas de um quesito que anda em falta: honestidade. “Eu sou o cara mais normal do mundo. Sou um homem honesto, falo o que sinto, digo, seja duro ou não, o que eu penso. Isso é ser anormal? Eu não acho, né?”
Eis, Lobão.
Como foi aquele momento em que surgiu o Vímana, nos anos 1970, com você Lulu Santos e Ritchie?
Lobão. Primeiro, este momento não existiu no meu sentido, porque eu não peguei o Vímana em 1974, era muito jovem ainda. Em 1975, eu tinha 16 anos, quando entrei no Vímana, depois do Candinho. Tem uma cena de 1974 do Vímana, que era a banda, mas sem o Ritchie e sem eu. Tinha o Candinho, quando eles tocaram no Hollywood, em 1974. Para mim, não era uma cena, porque eu estava enclausurado dentro de casa, tocava e, quando entrei para a banda, era a época que eu menos estava interessado em rock. Porque foi um cara que levou a bateria para lá. Eu não queria entrar de jeito nenhum, só entrei porque já estava repetido de ano, não tinha mais nada o que fazer. Queria ser maestro, mas não sabia uma nota musical... Síndrome de dignidade intelectual, acho que foi isso. Mas quando eu entrei era um mundo completamente diferente e muito mais evoluído, a cena do underground, do que o que existia na época, por exemplo. Bandas como Veludo Elétrico, Vímana, Mutantes, Som Nosso de Cada Dia tinha um PA enorme, roadies, técnicos de som, uma infra-estrutura que o show businessbrasileiro só veio a ter em meados dos anos 1980. Ainda peguei a Marina tocando e era a roadie da coisa. Com a Maria Bethânia, os músicos carregavam os instrumentos nas costas. Então tinha essa coisa, que era muito mais avançada – eu acredito que era – em termos gerais mesmo. E isso veio a contribuir pro mainstreamgeneralizadamente, apesar de ele não ter absorvido 100%, mas já deu um alô.
E como foi desse momento até chegar na Blitz, participar da banda?
Lobão. Olha, isso tudo está no livro, cara. Se eu for contar pra você aqui, vou estragar totalmente o relato. Pô, se quiser, dá uma olhada no livro, está tudo lá. Eu posso contar sobre como fiz, mas contar a história que está no livro, é melhor a pessoa ver, né?
Nem contextualizar para quem não conhece aquele momento, o teu trabalho?
Lobão. Imagina, não vou ficar explicando. Se quiser entender o que aconteceu... O livro está num pacote em que, realmente, existe o tom certo, a informação no ritmo certo. E tem coisas que são muito complexas para você ficar destacando deste texto e querer ficar dando uma pincelada quando vai acabar comprometendo a própria mensagem, eu acho.
Então vamos falar do livro. Por que o livro e por que este momento para sentar e relembrar, recontar a tua versão destas histórias?
Lobão. Basta a pessoa ler o livro para entender o por quê. Porque está tão escancarado, e não é um por quê, são vários por quês. E o livro está ali para isso mesmo, esse tipo de coisa as pessoas têm que entender lendo. Se eu disser para você que queria isso, queria aquilo, nada vai ser o suficientemente eloquente para dizer o quanto eu tinha necessidade de escrever esse livro. Está tudo lá, a cada frase transpira esse tipo de necessidade. E essa necessidade transpira em vários poros, diga-se de passagem.
Falando então do processo, como é sentar e escrever? Já havia escrito coisas longas?
Lobão. Sempre escrevi, esboços de romances. Eu sabia exatamente o que queria fazer, quando sentei para escrever. Essas histórias, já contei muitas vezes, era apenas então uma coisa de alinhavá-las, e fiz com o maior prazer. Eu sou uma pessoa que escrevo, foi muito fácil para mim.
E qual o papel do Claudio Tognolli no livro?
Lobão. Foi fundamental, porque ele que fez a parte documental. A parte toda do Lobão na mídia é dele. A hora em que estou na primeira pessoa, sou eu. Na hora em que é o Lobão na mídia é este tremendo trabalho de investigação do Tognolli têm pérolas de documentos judiciais, depoimentos, entrevistas como pessoas como Elza Soares, Maria Juçá, Luiz [Paulo Simas], Ritchie, entre outros. E para poder narrar determinadas histórias, eu tinha que ter um respaldo documental, senão as pessoas iriam achar que era mentira. Então precisei muito e logo tive o melhor jornalista investigativo do Brasil.
Nessa busca, o quanto a tua memória te traía, batendo aquilo que tu recordavas com o material que o Tognolli trouxe?
Lobão. Minha memória é translúcida, imagina, está tudo certo. Inclusive, tem coisas que, por exemplo, me dizem: “Ah, você não cheirou no caixão do Júlio. [Barroso, músico que criou a Gang 90, no começo dos anos 1980 e morreu em 1984, ao cair de seu apartamento, em circunstâncias desconhecidas]” Cheirei, sim. Tem pessoas que criticam o livro, dizendo que é meio exagerado. O problema é que eu diminuí [risos].
Naquela época, essa turma era exagerada, né?
Lobão. Não, a turma não era exagerada, eram normais. As pessoas que se tornaram muito bunda moles. Porque aquilo era viver, né? Pensa bem, você vai viver sendo um virgem existencial? Esperando a vida passar na casa da tua mãe, com 40 anos. A gente não era assim, mas também não éramos exagerados, a gente simplesmente vivia feito homens. Coisa que atualmente é muito raro de você encontrar.
Pois é, hoje a gente vive esse politicamente correto, tudo enquadrado, não pode falar isso, aquilo...
Lobão. E as pessoas vivendo na casa dos pais. O brasileiro vive na casa do pais, isso é um sintoma de bundamolice endêmica. A gente estava ali na chuva para se molhar. Que isso, rapaz? Com 16 anos estava pensando que tinha que se mandar, não pode ficar embaixo da asa. Isso torna o cara bunda mole inevitavelmente. Fora todas as outras aberrações culturais que o cara recebe de vale-brinde, que torna o cara um bunda mole inexorável.
Por exemplo?
Lobão. Sei lá, a poluição cultural que tem no Brasil atualmente. Você ouvir axé, achar que vai ganhar uma gata e chupar uma boca e passa a frequentar micareta. Em uma temporada seu QI já baixou 20 pontos. Ou você vai a um show de sertanejo universitário para ganhar uma gata também, vai abaixar o QI. E depois vai querer ir pro Rock in Rio e neguinho vai dançar quadrilha de São João e não sabe por quê. Porque perdeu o rebolado há muito tempo.
E por que esse bundamolismo foi crescendo?
Lobão. Medo da AIDS. A gente viu e viveu isso. As pessoas foram ficando bunda moles, viraram religiosas, evangélicas, ficaram caretas, começaram a ouvir bossa nova, tudo por causa da AIDS. É verdade. Porque estava tudo para sermos libertários, nos libertarmos de várias amarras. Pô, hoje em dia um cara mais ou menos doidão é favor da virgindade no casamento, quer uma mulher virgem, é contra o aborto, fã do Marcelo Rossi. Esse é um cara normal atualmente, o que seria um grande bunda mole em qualquer outra época da vida que não fosse agora.
E musicalmente? Tu citaste alguns sintomas, como o axé nos anos 1990, o sertanejo universitário nos anos 2000, mas ainda temos focos de resistência. Tu mesmo contribuíste para isso com a Outra Coisa, lançando uma turma boa [a revista era acompanhada de lançamento independentes, como BNegão e Os Seletores de Freqüência e Mombojó]...
Lobão. A turma boa está sempre aí e, o que é pior – ou o que é melhor –, é isso que daqui a 20, 30 anos neguinho vai falar. É o BNegão e Os Seletores de Frequência, não é a Claudia Leitte que vai estar daqui a 50 anos no chart da história. E disso fico muito orgulhoso, contribuí muito. Porque as pessoas não entendem que isso é censura! Por que essas pessoas não estão tocando no rádio? Por que as pessoas são indulgentes, complacentes com isso? Brasileiro é tão sangue de barata! Olha, cara, acho que com esse livro fico pensando assim: “Olha, por que vocês são tão sangue de barata?” Porque não aguento, acho que eu sou o normal, entendeu? Porque o homem não tem sangue de barata, você fala, diz “não, gosto”, “gosto”. Então por que dizem que eu sou o anormal? Eu sou o cara mais normal do mundo. Sou um homem honesto, falo o que sinto, digo, seja duro ou não, o que eu penso. Isso é ser anormal? Eu não acho, né?
Falando do teu trabalho, tem um momento em que tu resolves dar um chute lá em 1999 e seguir o teu caminho. Era um momento em que a indústria já estava degringolando, mas ainda achava que...
Lobão. Não estava, não. Eles estavam vendendo dois milhões de cópias. Na verdade, a única pessoa que estava anunciando a morte era eu. Aí neguinho me dizendo que eu era louco, maluco, o tempo todo. Depois que começou a cair, trocaram maluco para Quixote. Agora, o que eu vejo, através desse livro mesmo, é que sou um mestre de prospecções. Até hoje, não errei nenhuma. Será que as pessoas não veem isso? Desde ganhar o Grammy [em 2007, com o Acústico MTV], sair da Blitz, tudo acertei quando ninguém achava que eu estava certo. Quando estava preso... Pô, estava preso porque disse “Não quero ser tutelado”. Me prenderam por um galho de maconha. As pessoas têm que entender que a única imputação legal que eu tinha era sobre esse galho de maconha, artigo 16. Não houve em, nenhum momento, nenhum tipo de processo que tivesse desacato à autoridade. Era o artigo 16, eu tinha total respaldo da lei para poder responder em liberdade e tive que fugir da polícia. E disso desencadearam mais 132 processos porque eu disse que não queria mais ser tutelado pelo governo. E as pessoas acharam que eu era um mal social, um maluco, faziam exames ginecológicos nas meninas... A polícia cortava, sabotava os shows, o juizado de menores cancelava os shows, era uma loucura.
Por que tu achas que eles ficaram tão putos, querendo dar esse cala boca?
Lobão. Porque eles queriam que eu me submetesse, queriam que eu me ajoelhasse e dissesse “Não, realmente eu sou um porra louca, sou um roqueiro, sou um merda, toco dois acordes e vocês são o máximo”. Não sou! Sou uma outra coisa, estou na estratosfera e vocês estão ainda roendo beira de pinico, são minhocas no asfalto. E sei que é isso. Sei que já estou há muitos anos na frente desses babacas. Então, cabe a eles, ó, acelerar, porque gente feliz como eu não dá trabalho. [risos] Eles que me dão um trabalho terrível, porque não entendem as coisas, são inflexíveis, pessoas preconceituosas, obtusas que têm pulsão de morte. Porque isso não pode acontecer, inclusive é uma poluição social haver pessoas andando por aí impunemente com esse nível de humanidade baixíssima. Isso depõe contra o rock’ n’ roll e a sociedade.
E o rock ’n’ roll hoje, o que tem te chamado a atenção? Onde estão as coisas que valem a pena, que interessam?
Lobão. O rock ’n’ roll, pensa bem... Se tirar o rock ’n’ roll do mundo atual, não existe nada. O que que existe de mais legal no mundo? É o rock ’n’ roll. Você tem o Radiohead, Paul McCartney. Tem o Them Crooked Vultures [banda formada por John Paul Jones (Led Zeppelin), Josh Homme (Queens of the Stone Age) e Dave Grohl (Foo Fighters e Nirvana)], o Queens of the Stone Age, The Wombats, uma banda de Liverpool [Inglaterra], Arcade Fire, está tudo tomado. No trip hop, o Massive Attack está lançando disco novo, no ano retrasado, teve o Third, do Portishead reafirmando o gênero nos grandes festivais. Todo mundo fazendo coisas legais, menos aqui no Brasil. Aqui tem gente fazendo coisas legais, mas não tocam na rádio, não pontuam. O rádio só tem coisa comprometida com o jabá, cara.
Ainda hoje, né? Impressionante, mesmo com o fim da indústria...
Lobão. Mas as pessoas aqui estão erradas por isso. Falei pro pessoal da música independente: “Vocês parem, a gente tem que lutar pelo rádio”. “Ah não, deixa o rádio pra lá”. Não é possível, a gente tem que entrar no Faustão, tem que entrar no rádio, senão a gente não pontua como fundo musical de uma época. E as pessoas acham que é legal ficar carregando amplificador e neguinho daqui a dois anos não sabem quem você é. Então fica uma cizânia muito grande: ou o cara que dá a bunda por qualquer merda e vira um Restart da vida, ou o cara que vira super atração independente, o melhor do quarteirão. Você precisa invadir o mainstream, porque ele está muito ruim. A gente precisa de um mainstream melhor. Sempre tivemos um mainstream mais ou menos legal. Pensa bem. Como hoje em dia, nunca esteve tão ruim assim. Você tem sertanejo agrobrega, você tem aquele Luan Santtana, aquilo depõe contra nossa inteligência, é muito ruim. Não pode acontecer. O pessoal independente tem que tomar esse espaço, como fizemos nos anos 1980. A gente se propôs a sair do undergroundpara entrar no rádio. E se não fosse isso não existiria os anos 1980. E se não existisse isso, estaríamos tocando Elis Regina até hoje. Bom, a gente continua até hoje. Porque a intelligentziabrasileira, para ser inteligente, acha que tem que fazer “papauêra”, tem que ser um barroco cheio de circunvoluções inúteis, cheio palavras difíceis. Aquilo é uma chatice! Edu Lobo é ruim, pode dizer que é ruim, porque não vale nada, aquela pose circunspecta e falando de coisas que ele nunca viveu. Vai falar dos jangadeiros, vai pescar um peixe, porra! Pior é que temos uma intelligentzia da MPB toda de esquerda, então o chassi está errado. As pessoas se enaltecem por serem sensitivas ao outro. Aí ficam se sentindo sexy, acham que vão comer deus e o mundo porque são benevolentes para com a humanidade. Vai tomar no cu! Isso é pobre, é uma pulsão de menos-valia de espírito, sabe? E as pessoas não entendem isso. E isso que me deixa com repulsa. Por isso que tudo que é sofisticado se transforma em muzak na MPB. A bossa nova é toda sofisticada, mas você vai ouvir numa loja de departamentos, comprando uma meia. Por quê? Pergunte à bossa nova, mas você não vai ouvi-la em um concerto. Porque aquilo ali é bunda mole, as pessoas se contentam com aquela representação anódina de ser e acham que é bonitinho. Mas o cool americano não era anódino, era zen de sofrimento. E o brasileiro emula o cool sendo cold. E as pessoas não sacam isso. Estou falando sério. Isso é uma característica que denigre a gente. Porque é falta de energia vital. Então não adianta você ter um corolário de harmonias se não tem energia vital, a paudurescência mínima para stand up and fight. E não ficar lá paparara...[imitando a sonoridade bossa nova] E as pessoas enaltecerem e sacralizarem um segmento que torna-se uma coisa hegemônica na nossa cultura. E é isso que quero dizer: Saiam daí! Vocês passaram estes anos todos, essa intelligentzia, com um tampo cultural na frente de todas as pessoas que querem emergir culturalmente. E hoje em dia, mais do que nunca, qualquer débil mental que dá uma maçã para o professor, tem que se vestir meio Los Hermanos, meio Luiz Gonzaga Junior [Gonzaguinha] e ficar pedindo a bênção para o professor de ciências humanas, história, de esquerda para ser alguma coisa. O cara entra gostando de Led Zeppelin e saiu gostando de Edu Lobo, no maior prejuízo, evidentemente. As pessoas não entendem que isso é um prejuízo, porque você está com 10 pontos a menos no QI, e pensando com uma síndrome de dignidade intelectual à flor da pele, achando-se muito mais inteligente. Você está mais pernóstico e menos inteligente, próximo do Edu Lobo.
E sobre a reação na época que tu gravaste o Acústico MTV, em 2007, depois de meia década lutando pela numeração dos discos...
Lobão. Mas peraí, eu não admito esse tipo de coisa, porque, recentemente, a campanha da numeração – é uma coisa que não faz nem cinco anos –, falei o tempo todo, declarei o tempo todo que queria numeração pra quê? Pra quê? Para assinar um contrato com uma gravadora grande. Então qual é a contradição se eu bati, bati, bati, consegui a numeração e qual é a contradição? Por que jornalistas, que estão trabalhando já há 10, 20 anos, num espaço de quatro, cinco anos não conseguem detectar esse tipo de coisa? Porque estou falando mal, não só falei mal, como eu encolhi a indústria, ela sabe disso. Não deixei de falar um momento sequer sobre isso. Então isso foi maldoso, escroto, covarde, [feito] por uma mídia ainda com sobreviventes de uma época de jornalistas que estavam locupletados com uma porrada de jabá, inclusive o livro fala muito bem sobre esse assunto. E são jornalistas que estão em uma facção que querem por querem me derrubar de qualquer jeito. Já me enterraram 500 vezes e não vão me enterrar, é evidente. Eu já vi vários jornalistas finalizando a carreira. E vou presenciar muito mais. Porque eu estou aqui não é de brincadeira. As pessoas não entenderam isso. Eu não sou nenhum bufão, porra! O que acho legal é que meus adversários me subestimam. Eu conheço todos eles. Vão se fuder, evidentemente.
E como surgiu a oportunidade para trabalhar na televisão?
Lobão. Muito jóia. Comecei no Saca Rolha [programa no Canal 21, com Marcelo Tas e Mariana Weickert] e fui me reinventando. Fui amaldiçoado pelo acústico, foi recorde negativo de venda, eu estava morto artisticamente, todos estavam certos da minha extinção em massa naquele exato momento. E o Cazé Peçanha falou: “Você não queria fazer um programa de debates?” “Me dá isso aqui!” Se eu não fizesse, estava morto, mais uma vez morto. Mas o problema é que ainda não inventaram dinheiro que eu não pudesse ganhar. As pessoas não entenderam isso ainda. Então é isso, ganhei o Grammy de melhor disco de rock de 2007 com um disco que foi massacrado. Passei três anos na MTV, rejuvenesci meu público. Hoje em dia vou fazer show, tem quatro gerações, tem 12, tem de 16, tem de 22, tem de 35, tem de 40 e tem de 50. Então estou com um público altamente renovado e ampliado, é isso que aconteceu comigo. E agora com o livro, que vai ser um best-seller, evidentemente. E ainda vai sair a minha caixa, que estava presa há mais de 25 anos na minha gravadora – porque foi uma conquista de 25 anos também. As pessoas vão acabar tendo um pacote meu bastante profícuo de informações lobônicas.
Legal isso da caixa. Foi remasterizado?
Lobão. Foi remasterizado pelo Roy Cicala, grande Roy Cicala, inventor da voz de John Lennon. AC/DC, Tom Jobim, Elvis Presley, Jimi Hendrix, ele fez praticamente a história do rock nos Estados Unidos, está aqui em São Paulo morando há cinco anos e remasterizou todo o meu trabalho [A caixa reúne três CDs e leva o nome Lobão 81/91(Sony Music)].
E tem algo inédito, da época das gravações?
Lobão. Não, porque foi tudo... Foi procurar os meus outtakes, mas eles apagaram para gravar pagode nos anos 1990. Inclusive, uma improvisação da Elza Soares no dia em que ela perdeu o filho. Aquela coisa histórica, que eu estava procurando. E isso era uma coisa que, por contrato, a gravadora não poderia apagar, é crime. Poderia até fechar a gravadora por causa disso.
E tu conseguiste tirar estes discos da gravadora?
Lobão. Não tirei, não. Eles têm por obrigação lançar os treze discos que são deles. Mas achei que não deveria lançar estes 13 discos agora porque acho que economicamente seria um chute no saco do consumidor. Então eu fiz uma seleção, com três CDs mais o DVD Acústico MTV. Selecionei as músicas que achava mais representativas. E depois vão sair os vinis, isso da minha fase de 1981 a 1991 [na Sony Music]. Porque eu vou querer sair com Nostalgia, que está na EMI, Noite, que está na Universal, e mais os três meus, que vão sair em vinil. Porque agora só vou querer lançar tudo em vinil, evidentemente.
Como tu vês essa volta do vinil?
Lobão. Estou moderno, as pessoas no Brasil têm que entender que o vinil é o material moderno. Você vai pra Londres, 98% das lojas só de vinil. CD às vezes virgem, não existe mais CD para vender. Agora, a indústria brasileira fomenta o CD porque é muito mais barato, mas quando o CD foi lançado eles dobraram o preço. Aí estão todos embananados. Aqui no Brasil ainda falam “ah, é uma coisa de nostalgia”. Mas você tem todos os discos do Radiohead, Them Crooked Vultures, duplo. Eles vêm todos em um bolachão de 180 gramas. Aí você tem um papelzinho para baixar aquilo tudo na internet. Tem outro procedimento que o Brasil ainda não está acostumado. Cabe a nós divulgarmos, porque a gente vai ter que vender vinil. É a única coisa que dá para se vender, que distingue um produto “pan” de um produto “panranpanpan”.
Isso aí, Lobão. Obrigado
Lobão. É isso aí? [risos]
Foi bom o papo.
Lobão. Mas, você sabe, eu tenho que marcar às vezes sob pressão certos argumentos porque eles já são estereotipados.
Lobão, antimonotonia contra a bundamolice
Foto de Tomás Rangel.
Texto de Bruno Dorigatti.
Publicado originalmenente no portal Saraiva Conteúdo.
Lobão toma a cena novamente neste final de 2010. Com sua caudalosa autobiografia de quase 600 páginas, 50 anos a mil (Nova Fronteira) – escrita em parceria com o jornalista Claudio Tognolli, responsável pela pesquisa sobre o músico na imprensa e nos arquivos judiciais e policiais – o carioca que mora em São Paulo há dois anos repassa sua intensa e acelerada trajetória, desde a tenra infância de classe média na zona Sul do Rio de Janeiro, até esta década que finda em alguns dias, mergulhando fundo em suas descidas ao inferno. Lobão apresenta a sua versão de histórias que ajudam a compor a cenário da música pop brasileira dos anos 1980, passando por bandas como Vímana (esta ainda no final dos anos 1970, onde tocou com Lulu Santos e Ritchie), a Blitz e a carreira solo onde se firmou como um dos mais importantes nomes de sua geração.
Lugares comuns como “metralhadora giratória” e “porra louca” são alguns dos epítetos que vemos associado ao seu nome. Preso em 1987 por conta de um galho de maconha, Lobão lançaria na época Vida bandida, um dos seus grandes álbuns, e chegou a tomar mais 132 processos nas costas, pelo fato de não se deixar ser tutelado pelo Estado, alega ele.
Outra boa nova para quem admira o seu trabalho é a caixa que a Sony Music lança em breve com três CDs com repertório selecionado pelo músico entre os trabalhos lançados entre 1981 e 1991, além do DVD com o Acústico MTV (2007). Acústico esse muito criticado pela mídia nativa na época do seu lançamento pelo fato de Lobão, sempre crítico aos músicos que gravavam no formato, ter se rendido a ele. Com o Grammy de melhor álbum de rock daquele ano debaixo do braço, ele não se cansa de reafirmar que a luta pela numeração dos discos, iniciada em 1999 quando rompe com as gravadoras, era justamente para que, após a sua instituição, ele pudesse gravar por uma grande gravadora.
Neste descontraído e acalorado papo em seu estúdio, que fica nos fundos de sua casa no quieto e sinuoso bairro do Sumarezinho, em São Paulo, Lobão comenta a bundamolice que reina não só na cena musical atual, mas no país como um todo, segundo ele por conta da AIDS. “As pessoas foram ficando bunda moles, viraram religiosas, evangélicas, ficaram caretas, começaram a ouvir bossa nova, tudo por causa da AIDS. É verdade. Porque estava tudo para sermos libertários. Pô, hoje em dia um cara mais ou menos doidão é favor da virgindade no casamento, quer uma mulher virgem, é contra o aborto, fã do Marcelo Rossi. Esse é um cara normal atualmente, o que seria um grande bunda mole em qualquer outra época da vida que não fosse agora.” Além disso, ele senta o pau na bossa nova, em bandas como Restart e critica os independentes que não ambicionam tocar nas rádios, o que ainda seria fundamental para “pontuar, entrar no chart da história”. Recorda da polícia e dos juízes que o perseguiram, proibindo e sabotando seus shows, “pessoas obtusas que têm pulsão de morte”. “Sei que já estou há muitos anos na frente desses babacas. Então, cabe a eles, ó, acelerar, porque gente feliz como eu não dá trabalho. [risos] Eles que me dão um trabalho terrível, porque não entendem as coisas, são inflexíveis, pessoas preconceituosas."
No livro, o velho Lobo garante ter amaciado muitas das histórias. Por isso a importância de Tognolli, que com sua pesquisa chancela muita coisa que para muitos não passam de lendas e mitos. Já no prólogo, recorda do velório de seu amigo Júlio Barroso, que havia formado a Gang 90, e morreu ao cair de seu apartamento, em 1984, quando Lobão e Cazuza passaram a madrugada cheirando em cima do caixão, no cemitério do Caju, no Rio. E há histórias como de um tiroteio no Buraco Quente, na Mangueira, quando pegou um 38 e saiu dando pipoco, relatos sobre o tempo na cadeia e o que viu por lá, a difícil fase imerso nas drogas, o dia onírico em que Elza Soares improvisou com ele no estúdio um dia depois de perder seu filho com Garrincha, registro que foi perdido pela gravadora, a convivência dura com a mãe que, assim com seu pai, se suicidou.
O músico também soltou o verbo para cima de uma intelligentzia da MPB meio de esquerda, que teria colocado “um tampo cultural na frente de todas as pessoas que querem emergir culturalmente”. E lembra também dos prestimosos colegas jornalistas que tentaram derrubá-lo por muitas vezes.
“Já me enterraram 500 vezes e não vão me enterrar, é evidente. Eu já vi vários jornalistas finalizando a carreira. E vou presenciar muito mais. Porque eu estou aqui não é de brincadeira. As pessoas não entenderam isso. Eu não sou nenhum bufão, porra! O que acho legal é que meus adversários me subestimam. Eu conheço todos eles. Vão se fuder, evidentemente.”
E apesar de certo histrionismo que pode transparecer na conversa, na verdade trata-se apenas de um quesito que anda em falta: honestidade. “Eu sou o cara mais normal do mundo. Sou um homem honesto, falo o que sinto, digo, seja duro ou não, o que eu penso. Isso é ser anormal? Eu não acho, né?”
Eis, Lobão.
Como foi aquele momento em que surgiu o Vímana, nos anos 1970, com você Lulu Santos e Ritchie?
Lobão. Primeiro, este momento não existiu no meu sentido, porque eu não peguei o Vímana em 1974, era muito jovem ainda. Em 1975, eu tinha 16 anos, quando entrei no Vímana, depois do Candinho. Tem uma cena de 1974 do Vímana, que era a banda, mas sem o Ritchie e sem eu. Tinha o Candinho, quando eles tocaram no Hollywood, em 1974. Para mim, não era uma cena, porque eu estava enclausurado dentro de casa, tocava e, quando entrei para a banda, era a época que eu menos estava interessado em rock. Porque foi um cara que levou a bateria para lá. Eu não queria entrar de jeito nenhum, só entrei porque já estava repetido de ano, não tinha mais nada o que fazer. Queria ser maestro, mas não sabia uma nota musical... Síndrome de dignidade intelectual, acho que foi isso. Mas quando eu entrei era um mundo completamente diferente e muito mais evoluído, a cena do underground, do que o que existia na época, por exemplo. Bandas como Veludo Elétrico, Vímana, Mutantes, Som Nosso de Cada Dia tinha um PA enorme, roadies, técnicos de som, uma infra-estrutura que o show businessbrasileiro só veio a ter em meados dos anos 1980. Ainda peguei a Marina tocando e era a roadie da coisa. Com a Maria Bethânia, os músicos carregavam os instrumentos nas costas. Então tinha essa coisa, que era muito mais avançada – eu acredito que era – em termos gerais mesmo. E isso veio a contribuir pro mainstreamgeneralizadamente, apesar de ele não ter absorvido 100%, mas já deu um alô.
E como foi desse momento até chegar na Blitz, participar da banda?
Lobão. Olha, isso tudo está no livro, cara. Se eu for contar pra você aqui, vou estragar totalmente o relato. Pô, se quiser, dá uma olhada no livro, está tudo lá. Eu posso contar sobre como fiz, mas contar a história que está no livro, é melhor a pessoa ver, né?
Nem contextualizar para quem não conhece aquele momento, o teu trabalho?
Lobão. Imagina, não vou ficar explicando. Se quiser entender o que aconteceu... O livro está num pacote em que, realmente, existe o tom certo, a informação no ritmo certo. E tem coisas que são muito complexas para você ficar destacando deste texto e querer ficar dando uma pincelada quando vai acabar comprometendo a própria mensagem, eu acho.
Então vamos falar do livro. Por que o livro e por que este momento para sentar e relembrar, recontar a tua versão destas histórias?
Lobão. Basta a pessoa ler o livro para entender o por quê. Porque está tão escancarado, e não é um por quê, são vários por quês. E o livro está ali para isso mesmo, esse tipo de coisa as pessoas têm que entender lendo. Se eu disser para você que queria isso, queria aquilo, nada vai ser o suficientemente eloquente para dizer o quanto eu tinha necessidade de escrever esse livro. Está tudo lá, a cada frase transpira esse tipo de necessidade. E essa necessidade transpira em vários poros, diga-se de passagem.
Falando então do processo, como é sentar e escrever? Já havia escrito coisas longas?
Lobão. Sempre escrevi, esboços de romances. Eu sabia exatamente o que queria fazer, quando sentei para escrever. Essas histórias, já contei muitas vezes, era apenas então uma coisa de alinhavá-las, e fiz com o maior prazer. Eu sou uma pessoa que escrevo, foi muito fácil para mim.
E qual o papel do Claudio Tognolli no livro?
Lobão. Foi fundamental, porque ele que fez a parte documental. A parte toda do Lobão na mídia é dele. A hora em que estou na primeira pessoa, sou eu. Na hora em que é o Lobão na mídia é este tremendo trabalho de investigação do Tognolli têm pérolas de documentos judiciais, depoimentos, entrevistas como pessoas como Elza Soares, Maria Juçá, Luiz [Paulo Simas], Ritchie, entre outros. E para poder narrar determinadas histórias, eu tinha que ter um respaldo documental, senão as pessoas iriam achar que era mentira. Então precisei muito e logo tive o melhor jornalista investigativo do Brasil.
Nessa busca, o quanto a tua memória te traía, batendo aquilo que tu recordavas com o material que o Tognolli trouxe?
Lobão. Minha memória é translúcida, imagina, está tudo certo. Inclusive, tem coisas que, por exemplo, me dizem: “Ah, você não cheirou no caixão do Júlio. [Barroso, músico que criou a Gang 90, no começo dos anos 1980 e morreu em 1984, ao cair de seu apartamento, em circunstâncias desconhecidas]” Cheirei, sim. Tem pessoas que criticam o livro, dizendo que é meio exagerado. O problema é que eu diminuí [risos].
Naquela época, essa turma era exagerada, né?
Lobão. Não, a turma não era exagerada, eram normais. As pessoas que se tornaram muito bunda moles. Porque aquilo era viver, né? Pensa bem, você vai viver sendo um virgem existencial? Esperando a vida passar na casa da tua mãe, com 40 anos. A gente não era assim, mas também não éramos exagerados, a gente simplesmente vivia feito homens. Coisa que atualmente é muito raro de você encontrar.
Pois é, hoje a gente vive esse politicamente correto, tudo enquadrado, não pode falar isso, aquilo...
Lobão. E as pessoas vivendo na casa dos pais. O brasileiro vive na casa do pais, isso é um sintoma de bundamolice endêmica. A gente estava ali na chuva para se molhar. Que isso, rapaz? Com 16 anos estava pensando que tinha que se mandar, não pode ficar embaixo da asa. Isso torna o cara bunda mole inevitavelmente. Fora todas as outras aberrações culturais que o cara recebe de vale-brinde, que torna o cara um bunda mole inexorável.
Por exemplo?
Lobão. Sei lá, a poluição cultural que tem no Brasil atualmente. Você ouvir axé, achar que vai ganhar uma gata e chupar uma boca e passa a frequentar micareta. Em uma temporada seu QI já baixou 20 pontos. Ou você vai a um show de sertanejo universitário para ganhar uma gata também, vai abaixar o QI. E depois vai querer ir pro Rock in Rio e neguinho vai dançar quadrilha de São João e não sabe por quê. Porque perdeu o rebolado há muito tempo.
E por que esse bundamolismo foi crescendo?
Lobão. Medo da AIDS. A gente viu e viveu isso. As pessoas foram ficando bunda moles, viraram religiosas, evangélicas, ficaram caretas, começaram a ouvir bossa nova, tudo por causa da AIDS. É verdade. Porque estava tudo para sermos libertários, nos libertarmos de várias amarras. Pô, hoje em dia um cara mais ou menos doidão é favor da virgindade no casamento, quer uma mulher virgem, é contra o aborto, fã do Marcelo Rossi. Esse é um cara normal atualmente, o que seria um grande bunda mole em qualquer outra época da vida que não fosse agora.
E musicalmente? Tu citaste alguns sintomas, como o axé nos anos 1990, o sertanejo universitário nos anos 2000, mas ainda temos focos de resistência. Tu mesmo contribuíste para isso com a Outra Coisa, lançando uma turma boa [a revista era acompanhada de lançamento independentes, como BNegão e Os Seletores de Freqüência e Mombojó]...
Lobão. A turma boa está sempre aí e, o que é pior – ou o que é melhor –, é isso que daqui a 20, 30 anos neguinho vai falar. É o BNegão e Os Seletores de Frequência, não é a Claudia Leitte que vai estar daqui a 50 anos no chart da história. E disso fico muito orgulhoso, contribuí muito. Porque as pessoas não entendem que isso é censura! Por que essas pessoas não estão tocando no rádio? Por que as pessoas são indulgentes, complacentes com isso? Brasileiro é tão sangue de barata! Olha, cara, acho que com esse livro fico pensando assim: “Olha, por que vocês são tão sangue de barata?” Porque não aguento, acho que eu sou o normal, entendeu? Porque o homem não tem sangue de barata, você fala, diz “não, gosto”, “gosto”. Então por que dizem que eu sou o anormal? Eu sou o cara mais normal do mundo. Sou um homem honesto, falo o que sinto, digo, seja duro ou não, o que eu penso. Isso é ser anormal? Eu não acho, né?
Falando do teu trabalho, tem um momento em que tu resolves dar um chute lá em 1999 e seguir o teu caminho. Era um momento em que a indústria já estava degringolando, mas ainda achava que...
Lobão. Não estava, não. Eles estavam vendendo dois milhões de cópias. Na verdade, a única pessoa que estava anunciando a morte era eu. Aí neguinho me dizendo que eu era louco, maluco, o tempo todo. Depois que começou a cair, trocaram maluco para Quixote. Agora, o que eu vejo, através desse livro mesmo, é que sou um mestre de prospecções. Até hoje, não errei nenhuma. Será que as pessoas não veem isso? Desde ganhar o Grammy [em 2007, com o Acústico MTV], sair da Blitz, tudo acertei quando ninguém achava que eu estava certo. Quando estava preso... Pô, estava preso porque disse “Não quero ser tutelado”. Me prenderam por um galho de maconha. As pessoas têm que entender que a única imputação legal que eu tinha era sobre esse galho de maconha, artigo 16. Não houve em, nenhum momento, nenhum tipo de processo que tivesse desacato à autoridade. Era o artigo 16, eu tinha total respaldo da lei para poder responder em liberdade e tive que fugir da polícia. E disso desencadearam mais 132 processos porque eu disse que não queria mais ser tutelado pelo governo. E as pessoas acharam que eu era um mal social, um maluco, faziam exames ginecológicos nas meninas... A polícia cortava, sabotava os shows, o juizado de menores cancelava os shows, era uma loucura.
Por que tu achas que eles ficaram tão putos, querendo dar esse cala boca?
Lobão. Porque eles queriam que eu me submetesse, queriam que eu me ajoelhasse e dissesse “Não, realmente eu sou um porra louca, sou um roqueiro, sou um merda, toco dois acordes e vocês são o máximo”. Não sou! Sou uma outra coisa, estou na estratosfera e vocês estão ainda roendo beira de pinico, são minhocas no asfalto. E sei que é isso. Sei que já estou há muitos anos na frente desses babacas. Então, cabe a eles, ó, acelerar, porque gente feliz como eu não dá trabalho. [risos] Eles que me dão um trabalho terrível, porque não entendem as coisas, são inflexíveis, pessoas preconceituosas, obtusas que têm pulsão de morte. Porque isso não pode acontecer, inclusive é uma poluição social haver pessoas andando por aí impunemente com esse nível de humanidade baixíssima. Isso depõe contra o rock’ n’ roll e a sociedade.
E o rock ’n’ roll hoje, o que tem te chamado a atenção? Onde estão as coisas que valem a pena, que interessam?
Lobão. O rock ’n’ roll, pensa bem... Se tirar o rock ’n’ roll do mundo atual, não existe nada. O que que existe de mais legal no mundo? É o rock ’n’ roll. Você tem o Radiohead, Paul McCartney. Tem o Them Crooked Vultures [banda formada por John Paul Jones (Led Zeppelin), Josh Homme (Queens of the Stone Age) e Dave Grohl (Foo Fighters e Nirvana)], o Queens of the Stone Age, The Wombats, uma banda de Liverpool [Inglaterra], Arcade Fire, está tudo tomado. No trip hop, o Massive Attack está lançando disco novo, no ano retrasado, teve o Third, do Portishead reafirmando o gênero nos grandes festivais. Todo mundo fazendo coisas legais, menos aqui no Brasil. Aqui tem gente fazendo coisas legais, mas não tocam na rádio, não pontuam. O rádio só tem coisa comprometida com o jabá, cara.
Ainda hoje, né? Impressionante, mesmo com o fim da indústria...
Lobão. Mas as pessoas aqui estão erradas por isso. Falei pro pessoal da música independente: “Vocês parem, a gente tem que lutar pelo rádio”. “Ah não, deixa o rádio pra lá”. Não é possível, a gente tem que entrar no Faustão, tem que entrar no rádio, senão a gente não pontua como fundo musical de uma época. E as pessoas acham que é legal ficar carregando amplificador e neguinho daqui a dois anos não sabem quem você é. Então fica uma cizânia muito grande: ou o cara que dá a bunda por qualquer merda e vira um Restart da vida, ou o cara que vira super atração independente, o melhor do quarteirão. Você precisa invadir o mainstream, porque ele está muito ruim. A gente precisa de um mainstream melhor. Sempre tivemos um mainstream mais ou menos legal. Pensa bem. Como hoje em dia, nunca esteve tão ruim assim. Você tem sertanejo agrobrega, você tem aquele Luan Santtana, aquilo depõe contra nossa inteligência, é muito ruim. Não pode acontecer. O pessoal independente tem que tomar esse espaço, como fizemos nos anos 1980. A gente se propôs a sair do undergroundpara entrar no rádio. E se não fosse isso não existiria os anos 1980. E se não existisse isso, estaríamos tocando Elis Regina até hoje. Bom, a gente continua até hoje. Porque a intelligentziabrasileira, para ser inteligente, acha que tem que fazer “papauêra”, tem que ser um barroco cheio de circunvoluções inúteis, cheio palavras difíceis. Aquilo é uma chatice! Edu Lobo é ruim, pode dizer que é ruim, porque não vale nada, aquela pose circunspecta e falando de coisas que ele nunca viveu. Vai falar dos jangadeiros, vai pescar um peixe, porra! Pior é que temos uma intelligentzia da MPB toda de esquerda, então o chassi está errado. As pessoas se enaltecem por serem sensitivas ao outro. Aí ficam se sentindo sexy, acham que vão comer deus e o mundo porque são benevolentes para com a humanidade. Vai tomar no cu! Isso é pobre, é uma pulsão de menos-valia de espírito, sabe? E as pessoas não entendem isso. E isso que me deixa com repulsa. Por isso que tudo que é sofisticado se transforma em muzak na MPB. A bossa nova é toda sofisticada, mas você vai ouvir numa loja de departamentos, comprando uma meia. Por quê? Pergunte à bossa nova, mas você não vai ouvi-la em um concerto. Porque aquilo ali é bunda mole, as pessoas se contentam com aquela representação anódina de ser e acham que é bonitinho. Mas o cool americano não era anódino, era zen de sofrimento. E o brasileiro emula o cool sendo cold. E as pessoas não sacam isso. Estou falando sério. Isso é uma característica que denigre a gente. Porque é falta de energia vital. Então não adianta você ter um corolário de harmonias se não tem energia vital, a paudurescência mínima para stand up and fight. E não ficar lá paparara...[imitando a sonoridade bossa nova] E as pessoas enaltecerem e sacralizarem um segmento que torna-se uma coisa hegemônica na nossa cultura. E é isso que quero dizer: Saiam daí! Vocês passaram estes anos todos, essa intelligentzia, com um tampo cultural na frente de todas as pessoas que querem emergir culturalmente. E hoje em dia, mais do que nunca, qualquer débil mental que dá uma maçã para o professor, tem que se vestir meio Los Hermanos, meio Luiz Gonzaga Junior [Gonzaguinha] e ficar pedindo a bênção para o professor de ciências humanas, história, de esquerda para ser alguma coisa. O cara entra gostando de Led Zeppelin e saiu gostando de Edu Lobo, no maior prejuízo, evidentemente. As pessoas não entendem que isso é um prejuízo, porque você está com 10 pontos a menos no QI, e pensando com uma síndrome de dignidade intelectual à flor da pele, achando-se muito mais inteligente. Você está mais pernóstico e menos inteligente, próximo do Edu Lobo.
E sobre a reação na época que tu gravaste o Acústico MTV, em 2007, depois de meia década lutando pela numeração dos discos...
Lobão. Mas peraí, eu não admito esse tipo de coisa, porque, recentemente, a campanha da numeração – é uma coisa que não faz nem cinco anos –, falei o tempo todo, declarei o tempo todo que queria numeração pra quê? Pra quê? Para assinar um contrato com uma gravadora grande. Então qual é a contradição se eu bati, bati, bati, consegui a numeração e qual é a contradição? Por que jornalistas, que estão trabalhando já há 10, 20 anos, num espaço de quatro, cinco anos não conseguem detectar esse tipo de coisa? Porque estou falando mal, não só falei mal, como eu encolhi a indústria, ela sabe disso. Não deixei de falar um momento sequer sobre isso. Então isso foi maldoso, escroto, covarde, [feito] por uma mídia ainda com sobreviventes de uma época de jornalistas que estavam locupletados com uma porrada de jabá, inclusive o livro fala muito bem sobre esse assunto. E são jornalistas que estão em uma facção que querem por querem me derrubar de qualquer jeito. Já me enterraram 500 vezes e não vão me enterrar, é evidente. Eu já vi vários jornalistas finalizando a carreira. E vou presenciar muito mais. Porque eu estou aqui não é de brincadeira. As pessoas não entenderam isso. Eu não sou nenhum bufão, porra! O que acho legal é que meus adversários me subestimam. Eu conheço todos eles. Vão se fuder, evidentemente.
E como surgiu a oportunidade para trabalhar na televisão?
Lobão. Muito jóia. Comecei no Saca Rolha [programa no Canal 21, com Marcelo Tas e Mariana Weickert] e fui me reinventando. Fui amaldiçoado pelo acústico, foi recorde negativo de venda, eu estava morto artisticamente, todos estavam certos da minha extinção em massa naquele exato momento. E o Cazé Peçanha falou: “Você não queria fazer um programa de debates?” “Me dá isso aqui!” Se eu não fizesse, estava morto, mais uma vez morto. Mas o problema é que ainda não inventaram dinheiro que eu não pudesse ganhar. As pessoas não entenderam isso ainda. Então é isso, ganhei o Grammy de melhor disco de rock de 2007 com um disco que foi massacrado. Passei três anos na MTV, rejuvenesci meu público. Hoje em dia vou fazer show, tem quatro gerações, tem 12, tem de 16, tem de 22, tem de 35, tem de 40 e tem de 50. Então estou com um público altamente renovado e ampliado, é isso que aconteceu comigo. E agora com o livro, que vai ser um best-seller, evidentemente. E ainda vai sair a minha caixa, que estava presa há mais de 25 anos na minha gravadora – porque foi uma conquista de 25 anos também. As pessoas vão acabar tendo um pacote meu bastante profícuo de informações lobônicas.
Legal isso da caixa. Foi remasterizado?
Lobão. Foi remasterizado pelo Roy Cicala, grande Roy Cicala, inventor da voz de John Lennon. AC/DC, Tom Jobim, Elvis Presley, Jimi Hendrix, ele fez praticamente a história do rock nos Estados Unidos, está aqui em São Paulo morando há cinco anos e remasterizou todo o meu trabalho [A caixa reúne três CDs e leva o nome Lobão 81/91(Sony Music)].
E tem algo inédito, da época das gravações?
Lobão. Não, porque foi tudo... Foi procurar os meus outtakes, mas eles apagaram para gravar pagode nos anos 1990. Inclusive, uma improvisação da Elza Soares no dia em que ela perdeu o filho. Aquela coisa histórica, que eu estava procurando. E isso era uma coisa que, por contrato, a gravadora não poderia apagar, é crime. Poderia até fechar a gravadora por causa disso.
E tu conseguiste tirar estes discos da gravadora?
Lobão. Não tirei, não. Eles têm por obrigação lançar os treze discos que são deles. Mas achei que não deveria lançar estes 13 discos agora porque acho que economicamente seria um chute no saco do consumidor. Então eu fiz uma seleção, com três CDs mais o DVD Acústico MTV. Selecionei as músicas que achava mais representativas. E depois vão sair os vinis, isso da minha fase de 1981 a 1991 [na Sony Music]. Porque eu vou querer sair com Nostalgia, que está na EMI, Noite, que está na Universal, e mais os três meus, que vão sair em vinil. Porque agora só vou querer lançar tudo em vinil, evidentemente.
Como tu vês essa volta do vinil?
Lobão. Estou moderno, as pessoas no Brasil têm que entender que o vinil é o material moderno. Você vai pra Londres, 98% das lojas só de vinil. CD às vezes virgem, não existe mais CD para vender. Agora, a indústria brasileira fomenta o CD porque é muito mais barato, mas quando o CD foi lançado eles dobraram o preço. Aí estão todos embananados. Aqui no Brasil ainda falam “ah, é uma coisa de nostalgia”. Mas você tem todos os discos do Radiohead, Them Crooked Vultures, duplo. Eles vêm todos em um bolachão de 180 gramas. Aí você tem um papelzinho para baixar aquilo tudo na internet. Tem outro procedimento que o Brasil ainda não está acostumado. Cabe a nós divulgarmos, porque a gente vai ter que vender vinil. É a única coisa que dá para se vender, que distingue um produto “pan” de um produto “panranpanpan”.
Isso aí, Lobão. Obrigado
Lobão. É isso aí? [risos]
Foi bom o papo.
Lobão. Mas, você sabe, eu tenho que marcar às vezes sob pressão certos argumentos porque eles já são estereotipados.
# Escrito por
Miguel do Rosário
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sexta-feira, dezembro 24, 2010
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18 de dezembro de 2010
O princípio da carne e outras angústias
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Poucos artistas latino-americanos sintetizaram de maneira tão perfeita a atmosfera de pesadelo político do continente durante o século XX. Em suas telas, rostos de pavor e perplexidade. Não só humanos, mas também de cavalos, como na tela acima, para mostrar que o horror contamina toda a natureza. Quando lembro da leviandade com que frequentemente se retrata os nossos anos de chumbo, sinto necessidade de contemplar obras repletas de sangue, fúria e tristeza, como as do argentino Luis Felipe Noé. Sua força não reside na descrição fria e imparcial dos eventos históricos. Como diria o crítico italiano Argan, escrevendo sobre Wiliam Blake, elas são "síntese e não análise, inspiração e não pesquisa, subjetividade e não objetividade", mas ao mesmo tempo possibilitam uma representação muito mais precisa, muito mais carnal, muito mais contundente, muito mais próxima da nossa experiência do que um texto rigorosamente (ou supostamente) científico sobre o assunto. Elas resgatam para mim um sentido histórico, de um tempo que não vivi e que por isso mesmo eu preciso construir espiritualmente com auxílio da imaginação.
"Há para mim uma evidência no domínio da carne pura, e que não tem nada a ver com a razão", dizia Artaud, o poeta louco (e por isso mesmo tantas vezes o mais lúcido de todos). A nossa cultura, a nossa arte, fervilha no sangue, não no cérebro; o sangue como metáfora das camadas mais profundas da alma (ou o "inconsciente"); camadas essas, porém, que podem ser vistas na superfície da pele, na melanina, no cabelo, na voz, no formato do nariz e dos pés.
Ao mesmo tempo, a arte moderna também possui um aspecto profundamente racional. Em sua Crítica do Juízo, Kant argumenta que a representação artística, nascida de uma intuição pura, espelha-se no entendimento para ganhar forma. Sou um apaixonado pela teoria estética de Kant, que alguns segmentos da crítica pósmoderna, tentam desqualificar. Ela se encaixa perfeitamente em minha análise da obra de Noé. Ele produz uma visão intuitiva do horror, mas o seu traço busca - de maneira atormentada, tortuosa, aparentemente insegura, mas firme em seu objetivo - o registro histórico, concreto, fazendo uma obra explicitamente política.
A arquitetura de seus quadros tem uma coerência urbana, cosmopolita. Estamos no meio da multidão, quer dizer, sabemos que estamos no meio da multidão, ouvimos seus gritos, sentimos o cheiro, pressentimos sua presença e sua agonia, mas não vemos ninguém. Diante de nós, apenas o rosto amargurado diante do espelho.
Há um clássico da literatura argentina intitulado "Os sete loucos", um livrinho muito cultuado no país; e que desembaraçou-se das críticas extremamente negativas que enfrentou por muito tempo e se tornou amado e respeitado por leitores e, por fim, também pela academia. Roberto Arlt é um escritor irregular, estranho, não tem a magistralidade perfeccionista e brilhante de um Borges ou Cortázar, mas sua obra, assim como a pintura de Noé mais tarde, também reproduz com uma fidelidade angustiante a atmosfera de idealismo e desespero de uma juventude perdida e sem esperanças.
Semana passada estive no Museu de Arte Moderna para ver as telas de Noé, por isso falo dele por aqui. É interessante contrastar aquele momento atormentado da história latino-americana com nosso presente, marcado pela estabilidade, pelo crescimento e pela democracia.
Ah, claro, existem ainda fantasmas. Como que saídos das telas do pintor argentino, ou das páginas de Arlt, eles tentam ser trágicos, mas são apenas farsantes, com seus gritinhos de medo, com seus esgares hipócritas. Inventam "ameaças à democracia" a cada vez que o povo dá um passo à frente no processo democrático.
Ontem mesmo, os jornais exibiram, orgulhosos, um relatório britânico que apontava nossa democracia como "imperfeita", tendo caído de 41º para 47º nos últimos anos. Nenhum editorial fez um contraponto crítico a esse ridículo insulto imperialista à heterogeneidade das democracias no mundo. Segundo a The Economist, EUA e Inglaterra, eles sim, são democracias "perfeitas". A repórter do G1 dá a notícia num tom sério, submisso, onde mais que nunca caberia uma reação bem-humorada, ferina e inteligente. Quase toda a América Latina, com exceção do Uruguai, tem democracias "imperfeitas". A pesquisa da Economist é tão caricata que inclui a França no rol dos "imperfeitos", como se a pujante república francesa tivesse uma democracia inferior a de um país onde o presidente tem que beijar a mão da Rainha antes de tomar posse. Ah, como os franceses devem estar se divertindo com essa matéria!
Voltando, porém, ao nosso querido Noé, vale comparar também sua obra atormentada dos anos 60 com seus trabalhos tardios, muito mais suaves. Curiosamente, eu me não me interesso, porém, por essa fase tranquila. Em minha visita ao MAM, minha atenção se voltava exclusivamente para as obras pungentes da década de 60.
Mais uma vez, então, lembrei como nós, latino-americanos, disperdiçamos um dos períodos mais brilhantes da história moderna do ocidente com todos esses malditos golpes de Estado. Ontem eu assisti, no vídeo, "When you're strange", um documentário recente sobre o The Doors, narrado por Jonnhy Deep, o que me fez refletir: eles também viveram momentos terríveis nos anos 60: assassinato de Kennedy e de Martin Luther King, para citar apenas dois exemplos. Mas a maior parte de sua juventude teve a oportunidade de se divertir de uma maneira como nunca se viu antes na humanidade e, principalmente, assistiram a uma explosão cultural de dimensões épicas.
Por isso mesmo um cara como Noé, ou para falar de alguém mais popular, como Chico Buarque, são tão importantes. Eles nos redimem um pouco do tenebroso deserto político que atravessamos nas décadas de 60 e 70. A gente sofreu, abaixou a cabeça. Choramos em silêncio. Mas tivemos nossos momentos de brilhantismo! Só existe um Chico no mundo! Só existe um Noé! A dor que experimentamos foi única - e ao mesmo tempo, naturalmente, uma dor universal. Para encerrar este breve ensaio com classe, recordo a bela teoria hegeliana: o Espírito pode ser infinito, universal e eterno, mas ele apenas se torna concreto, apenas se torna realmente vivo, quando encarna num ser humano. Seja homem ou mulher, num ser humano, carajo, num ser humano!
# Escrito por
Miguel do Rosário
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sábado, dezembro 18, 2010
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18 de janeiro de 2010
Bortolotto volta à liça
3 comentarios
Lembram quando eu informei vocês aqui sobre o trágico incidente ocorrido com Mário Bortolotto, dramaturgo londrinense que vive em São Paulo? Pois é, o cara, com quem já compartilhei algumas noitadas em Sampa e no Rio, já está recuperado, graças a Deus, em casa, recebendo amigos, dando entrevistas e escrevendo em seu blog.
A prova maior de sua recuperação, contudo, foi seu último post, onde ele destila toda sua verve blogueira para se defender de mordidinhas medíocres e covardes de jornalistas mauricinhos da Folha de São Paulo.
Vale a pena ler. Reproduzo abaixo:
JORNALISMO MAURICINHO
Mario Bortolotto
Eu realmente estou um pouco estarrecido com o comportamento da Folha de São Paulo no que se refere ao trágico episódio que aconteceu comigo e que já é do conhecimento de todos (pelo menos dos que freqüentam esse blog). Uma pá de jornalistas ficou no meu pé assim que saí da UTI no afã de conseguirem a primeira declaração minha sobre o ocorrido. Eu me neguei a atender quem quer que fosse por vários motivos. Porque estava muito cansado (entendam que levei três tiros e ainda quebrei o braço esquerdo tendo que me submeter a duas cirurgias sendo que uma delas durou 9 horas – quer dizer, fiquei mesmo entre a vida e a morte e segundo me disseram, muito mais pra lá do que pra cá), entupido de remédios, o que me dificultava o pleno entendimento do que estava acontecendo e em terceiro lugar, não tinha o menor interesse que a imprensa fizesse um freak-show dessa história toda (muito dolorida pra minha família e pros meus amigos). Não quero ser conhecido como o Dramaturgo que reagiu a um assalto e levou três tiros. Quero sim ser conhecido como o Dramaturgo que escreveu mais de 50 peças e que trabalha exaustivamente não só como escritor, mas também como diretor, ator, sonoplasta, iluminador, e que ainda encontra tempo pra cantar numa banda de rock. É pelo meu trabalho que quero ser lembrado quando estiver bebendo em algum boteco do céu, e não porque reagi a um assalto e levei três tiros. Então não tinha o menor interesse de dar entrevista nenhuma. E evitei o máximo que pude. O jornalista Lucas Neves da Folha (Ilustrada) me procurou e eu disse pra ele esperar, que ia dar entrevista pra ele e pro Estadão no mesmo dia, sem procurar privilegiar nenhum dos dois. Afinal o Estadão tem dois jornalistas que são meus amigos e pra quem eu jamais recusaria qualquer declaração: Beth Néspoli que acompanha o meu trabalho com a maior atenção desde 1.997, inclusive às vezes fazendo críticas que eu discordo e com quem inclusive me sinto à vontade pra discutir essas criticas e o Jotabê Medeiros que é simplesmente meu amigo de juventude, de jogar futebol juntos e de namorar a melhor amiga da minha namorada. Pra vocês terem uma idéia, o Jotabê foi o primeiro cara que escreveu uma crítica de peça minha no jornal, isso quando ele era ainda estudante do curso de Comunicação Social na UEL (Universidade estadual de Londrina). Não tinha como negar entrevista pra nenhum deles. Então combinei com o Lucas Neves que iria dar entrevista pra ele no mesmo dia que concedesse a entrevista pro Caderno 2. Esperei o Jotabê marcar o dia que ele queria, e ficou decidido que seria quarta-feira da próxima semana (dia 20/01). O Lucas se dizia pressionado pela editoria da Ilustrada que fazia questão de soltar a matéria primeiro e com exclusividade. Respondi que não tinha nada a ver com isso e que só daria a entrevista no mesmo dia do Estadão. Eu não tava interessado em dar entrevista. Ele é que tava a fim de me entrevistar. Engraçado que quando a gente estréia alguma peça e precisa de divulgação, é o mó trampo pra conseguir uma matéria. Aí se instaurou a fogueira das vaidades. Mauricio Stycer do Caderno Cotidiano da Folha me telefonou querendo uma entrevista. Bem, Me recusei, pedindo pra ele esperar e que talvez mais pra frente a gente pudesse conversar (eu já tava comprometido com o Lucas e o Jotabê e sequer conheço o Mauricio Stycer. Não via nenhum motivo pra dar entrevista pra ele, ainda mais na frente dos outros dois. Até concederia uma entrevista pra ele, desde que ele tivesse um pouco de paciência), o que deixou o Mauricio bem irritado. Aí uma jornalista do Globo on line me ligou e conversou rapidamente comigo por telefone (não foi exatamente uma entrevista – respondi quatro perguntas informalmente pra ela por telefone). Foi o suficiente pro Mauricinho Stycer ficar ainda mais puto comigo (parece que ele não conseguiu falar comigo depois). Foi aí que a Folha de São Paulo começou a me ferrar com todo o poder que eles detém. Primeiro soltaram uma matéria podre no dia 14 de janeiro (“Bortolotto faz de blog palco para falar de crime”), não assinada onde eles simplesmente copiaram trechos de textos que escrevi no blog. E qualquer estudante do primeiro ano de jornalismo sabe que excertos de um texto fora de contexto podem prejudicar e muito o real entendimento do pensamento do autor. Mas foi exatamente o que eles fizeram. No final da matéria escreveram: “Procurado pela Folha, Bortolotto não deu entrevista”. Como assim, porra? Eu tinha entrevista marcada com o Lucas Neves pra quarta-feira (dia 20) que vem (o mesmo dia que marquei com o Jotabê). O que acontece é que eles queriam que eu desse entrevista pra eles antes do Estadão. Eu não aceitei e eles ficaram putos comigo. Aí no dia 15 saiu outra matéria mais podre ainda, essa assinada por um tal de Fábio Victor onde ele faz questão de enfatizar que a polícia estava dando prioridade pro meu caso. Notem as aspas: “Segundo a Folha apurou, por determinação do alto escalão da Secretaria de Segurança Pública, uma equipe inteira do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), onde corre o inquérito, está mobilizada para cuidar do caso. São nove investigadores, cinco escrivães e um delegado. A unidade, responsável por investigar crimes contra a vida em sete bairros da região central da cidade, teve de suspender os 130 inquéritos sob sua responsabilidade para elucidar com agilidade o caso de Bortolotto.
Desde o início, o governo do Estado tem dedicado atenção especial ao episódio. O governador José Serra visitou o dramaturgo no hospital.”
Em primeiro lugar, que culpa tenho eu disso? Eu pedi alguma atenção especial pro meu caso? Que eu saiba, o Governador esteve mesmo me visitando no hospital, mas eu tava em coma induzido. Não cheguei a conversar com ele (não conheço o governador pessoalmente) e não pedi nenhuma atenção especial pra mim. Conversei sim com o Kassab que foi lá na UTI com sua assessoria e conversou comigo, mas foi uma conversa informal onde eu também não pedi nada pra ele. Não tenho essa cara de pau. Fui bem educado pelos meus pais. Foi até engraçado porque uma das enfermeiras me julgando um cara muito importante por estar recebendo visita do prefeito, pediu que eu intercedesse junto a ele a respeito do décimo quarto salário dela. E agora eu pergunto: Foi eu que convidei o Kassab a me visitar?
Mas agora vem o pior. Olhem só esse outro trecho da matéria: "Ocorre que, ao ser confrontado com o suspeito no último dia 8, quando também depôs à polícia, Bortolotto se revelou incapaz de identificá-lo como o autor dos disparos. Alegou que estava muito bêbado naquela madrugada para conseguir apontar quem quer que fosse como o responsável.
No entender de policiais, o real motivo de Bortolotto ao se dizer inapto seria o fato de ele ser conhecido no submundo da praça Roosevelt, além de saber que, nesse universo, a delação é tida como imperdoável.
Procurado, Bortolotto não quis dar entrevista".
Vamos deixar uma coisa bem clara. Em primeiro lugar, eu não aleguei que estava bêbado. Eu estava realmente muito bêbado e toda a rapaziada que tava no bar sabe disso e infelizmente não consigo identificar ninguém. Adoraria identificar pelo menos o cara que atirou em mim, mas não posso fazer isso e correr o risco de condenar algum inocente. Pra vocês terem uma idéia do meu estado etílico, até alguns dias atrás eu podia jurar que o cara que atirou em mim e que eu derrubei no chão, estava usando camiseta branca. Vendo o vídeo do circuito interno dos Parlapatões, percebo que o cara está usando uma blusa verde. Em resumo, que espécie de testemunha confiável eu sou? Aí a matéria ainda afirma que os policiais disseram que eu estou com medo de denunciar os caras e sofrer represália. Quer dizer então que eu não tenho medo de enfrentar um cara armado que vem pra cima de mim, mas agora eu tô com medinho de denunciar o cara? Ah, qual é, porra? Vamos deixar uma coisa muito clara, pelo menos no meu blog onde ninguém pode distorcer as minhas palavras. Eu não tenho medo de ninguém. Nunca tive. Eu sempre fui kamikaze e quem me conhece, sabe disso. E digo isso sem nenhum orgulho, porque eu acho sinceramente que eu devia ser mais cuidadoso comigo mesmo. Mas infelizmente eu não sou, até por isso vivo me metendo em encrenca e me ferrando. Se eu pudesse identificar o cara, eu o faria, mesmo porque não interpreto isso como delação. O cara atirou em mim, porra. Eu não sou bandido e não vivo sob código de bandido. Mas eu não sou leviano a ponto de acusar alguém sem ter certeza. E isso definitivamente eu não vou fazer. Vou ficar o resto da minha vida na dúvida se incriminei um inocente. Eu prefiro levar um tiro e acabar com essa merda de uma vez. Acho bem mais digno. Se antes eu já não tinha medo de morrer, agora então eu tenho muito menos. Descobri que morrer é simplesmente não mais existir. Fiquei dois dias em coma induzido. Não é nada demais. O ruim mesmo é ficar por aqui vivendo sem dignidade. E que história é essa de submundo da Praça Roosevelt? Eu sou um escritor e ator. Eu não faço parte de nenhuma gang. Meus amigos são todos escritores, atores, músicos e simpatizantes de artes em geral. Ninguém ali é bandido. Que merda é essa de vir dizer “que nesse universo a delação é tida como imperdoável” ? Eu não faço parte desse universo, Fábio Victor. Eu sou escritor e ator. Sequer conheço algum traficante na área, simplesmente porque sequer eu cheiro cocaína. Então de que merda de submundo que eu sou? E depois ainda o Fábio Victor volta a dizer que “procurado, Bortolotto não quis dar entrevista”. Caralho, eu já tinha prometido pro Lucas que ia dar entrevista pra ele no mesmo dia do Estadão. Porque a Folha de São Paulo tem que ser tão mimada assim? Porque eles acham que são os melhores e que tem que ter prioridades sempre? O que é que acontece?
E uma coisa eu tô tentando entender até agora. Foi essa matéria de merda que o Bressane elogiou? O que tá acontecendo com você, Bressane?
E aí vem a cereja do bolo. O Mauricinho Stycer no blog dele comentando a matéria do amiguinho Fábio Victor diz que ela levanta uma questão fundamental. Notem as aspas: “a do peculiar privilégio deste caso sobre os demais” Volto a perguntar: Que culpa eu tenho? Não pedi nenhum privilégio. Não conheço o governador José Serra e não conhecia o prefeito Kassab até ele entrar lá na UTI e vir falar comigo. E depois disso, ainda não nos tornamos grandes amigos, não vamos jogar nenhuma partida de squash no final de semana.
E o Mauricinho continua provocando no seu texto : “e aborda um tema muito sensível e delicado, que é a dupla violência que Bortolotto, como outras vítimas, pode estar sofrendo: a do assalto em si e, depois, a do medo de represálias se ajudar a levar o criminoso à prisão”. Caralho, tudo o que eu queria era colocar esse merda que atirou em mim na cadeia e esse mauricinho fala uma merda dessa? Eu vou repetir pela última vez: Não consigo identificar sequer o cara que atirou em mim simplesmente porque estava muito bêbado e foi tudo muito rápido. Tinha um outro lá que eu lembro praticamente porra nenhuma. Quanto aos outros dois assaltantes, não me lembro sequer de ter visto eles. Só fiquei sabendo que eram quatro depois que acordei do coma no hospital. Sei que dois entraram intimando e achei que podia lembrar pelo menos do cara que atirou em mim, mas depois que vi o vídeo, percebi que minhas parcas lembranças não valiam merda nenhuma.
E o Mauricinho Stycer termina assim o seu brilhante texto: “Em sua primeira entrevista à televisão, ao programa “Metropolis”, da TV Cultura, o dramaturgo refletiu sobre o impacto que o assalto está tendo em sua vida e como poderá se refletir em sua obra, mas não comentou os fatos relacionados à noite do crime”
Mauricinho, eu vou gritar no seu ouvido pra ver se você entende, falou? EU NÃO COMENTEI NADA SOBRE A NOITE DO CRIME PORQUE A REPÓRTER NÃO PERGUNTOU SOBRE ISSO E ACERTADAMENTE, DEVO DIZER, AFINAL É O PROGRAMA METROPOLIS E QUE EU SAIBA, O PROGRAMA METROPOLIS É UM PROGRAMA DE CULTURA E NÃO UM PROGRAMA POLICIAL.
Agora eu vou descansar, porque essa dor nas costas tá de matar. E decididamente não é fácil escrever com um dedo só e com dor nas costas. Com tanto texto bacana que eu quero escrever, tenho que perder meu tempo respondendo esse tipo de merda.
A prova maior de sua recuperação, contudo, foi seu último post, onde ele destila toda sua verve blogueira para se defender de mordidinhas medíocres e covardes de jornalistas mauricinhos da Folha de São Paulo.
Vale a pena ler. Reproduzo abaixo:
JORNALISMO MAURICINHO
Mario Bortolotto
Eu realmente estou um pouco estarrecido com o comportamento da Folha de São Paulo no que se refere ao trágico episódio que aconteceu comigo e que já é do conhecimento de todos (pelo menos dos que freqüentam esse blog). Uma pá de jornalistas ficou no meu pé assim que saí da UTI no afã de conseguirem a primeira declaração minha sobre o ocorrido. Eu me neguei a atender quem quer que fosse por vários motivos. Porque estava muito cansado (entendam que levei três tiros e ainda quebrei o braço esquerdo tendo que me submeter a duas cirurgias sendo que uma delas durou 9 horas – quer dizer, fiquei mesmo entre a vida e a morte e segundo me disseram, muito mais pra lá do que pra cá), entupido de remédios, o que me dificultava o pleno entendimento do que estava acontecendo e em terceiro lugar, não tinha o menor interesse que a imprensa fizesse um freak-show dessa história toda (muito dolorida pra minha família e pros meus amigos). Não quero ser conhecido como o Dramaturgo que reagiu a um assalto e levou três tiros. Quero sim ser conhecido como o Dramaturgo que escreveu mais de 50 peças e que trabalha exaustivamente não só como escritor, mas também como diretor, ator, sonoplasta, iluminador, e que ainda encontra tempo pra cantar numa banda de rock. É pelo meu trabalho que quero ser lembrado quando estiver bebendo em algum boteco do céu, e não porque reagi a um assalto e levei três tiros. Então não tinha o menor interesse de dar entrevista nenhuma. E evitei o máximo que pude. O jornalista Lucas Neves da Folha (Ilustrada) me procurou e eu disse pra ele esperar, que ia dar entrevista pra ele e pro Estadão no mesmo dia, sem procurar privilegiar nenhum dos dois. Afinal o Estadão tem dois jornalistas que são meus amigos e pra quem eu jamais recusaria qualquer declaração: Beth Néspoli que acompanha o meu trabalho com a maior atenção desde 1.997, inclusive às vezes fazendo críticas que eu discordo e com quem inclusive me sinto à vontade pra discutir essas criticas e o Jotabê Medeiros que é simplesmente meu amigo de juventude, de jogar futebol juntos e de namorar a melhor amiga da minha namorada. Pra vocês terem uma idéia, o Jotabê foi o primeiro cara que escreveu uma crítica de peça minha no jornal, isso quando ele era ainda estudante do curso de Comunicação Social na UEL (Universidade estadual de Londrina). Não tinha como negar entrevista pra nenhum deles. Então combinei com o Lucas Neves que iria dar entrevista pra ele no mesmo dia que concedesse a entrevista pro Caderno 2. Esperei o Jotabê marcar o dia que ele queria, e ficou decidido que seria quarta-feira da próxima semana (dia 20/01). O Lucas se dizia pressionado pela editoria da Ilustrada que fazia questão de soltar a matéria primeiro e com exclusividade. Respondi que não tinha nada a ver com isso e que só daria a entrevista no mesmo dia do Estadão. Eu não tava interessado em dar entrevista. Ele é que tava a fim de me entrevistar. Engraçado que quando a gente estréia alguma peça e precisa de divulgação, é o mó trampo pra conseguir uma matéria. Aí se instaurou a fogueira das vaidades. Mauricio Stycer do Caderno Cotidiano da Folha me telefonou querendo uma entrevista. Bem, Me recusei, pedindo pra ele esperar e que talvez mais pra frente a gente pudesse conversar (eu já tava comprometido com o Lucas e o Jotabê e sequer conheço o Mauricio Stycer. Não via nenhum motivo pra dar entrevista pra ele, ainda mais na frente dos outros dois. Até concederia uma entrevista pra ele, desde que ele tivesse um pouco de paciência), o que deixou o Mauricio bem irritado. Aí uma jornalista do Globo on line me ligou e conversou rapidamente comigo por telefone (não foi exatamente uma entrevista – respondi quatro perguntas informalmente pra ela por telefone). Foi o suficiente pro Mauricinho Stycer ficar ainda mais puto comigo (parece que ele não conseguiu falar comigo depois). Foi aí que a Folha de São Paulo começou a me ferrar com todo o poder que eles detém. Primeiro soltaram uma matéria podre no dia 14 de janeiro (“Bortolotto faz de blog palco para falar de crime”), não assinada onde eles simplesmente copiaram trechos de textos que escrevi no blog. E qualquer estudante do primeiro ano de jornalismo sabe que excertos de um texto fora de contexto podem prejudicar e muito o real entendimento do pensamento do autor. Mas foi exatamente o que eles fizeram. No final da matéria escreveram: “Procurado pela Folha, Bortolotto não deu entrevista”. Como assim, porra? Eu tinha entrevista marcada com o Lucas Neves pra quarta-feira (dia 20) que vem (o mesmo dia que marquei com o Jotabê). O que acontece é que eles queriam que eu desse entrevista pra eles antes do Estadão. Eu não aceitei e eles ficaram putos comigo. Aí no dia 15 saiu outra matéria mais podre ainda, essa assinada por um tal de Fábio Victor onde ele faz questão de enfatizar que a polícia estava dando prioridade pro meu caso. Notem as aspas: “Segundo a Folha apurou, por determinação do alto escalão da Secretaria de Segurança Pública, uma equipe inteira do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), onde corre o inquérito, está mobilizada para cuidar do caso. São nove investigadores, cinco escrivães e um delegado. A unidade, responsável por investigar crimes contra a vida em sete bairros da região central da cidade, teve de suspender os 130 inquéritos sob sua responsabilidade para elucidar com agilidade o caso de Bortolotto.
Desde o início, o governo do Estado tem dedicado atenção especial ao episódio. O governador José Serra visitou o dramaturgo no hospital.”
Em primeiro lugar, que culpa tenho eu disso? Eu pedi alguma atenção especial pro meu caso? Que eu saiba, o Governador esteve mesmo me visitando no hospital, mas eu tava em coma induzido. Não cheguei a conversar com ele (não conheço o governador pessoalmente) e não pedi nenhuma atenção especial pra mim. Conversei sim com o Kassab que foi lá na UTI com sua assessoria e conversou comigo, mas foi uma conversa informal onde eu também não pedi nada pra ele. Não tenho essa cara de pau. Fui bem educado pelos meus pais. Foi até engraçado porque uma das enfermeiras me julgando um cara muito importante por estar recebendo visita do prefeito, pediu que eu intercedesse junto a ele a respeito do décimo quarto salário dela. E agora eu pergunto: Foi eu que convidei o Kassab a me visitar?
Mas agora vem o pior. Olhem só esse outro trecho da matéria: "Ocorre que, ao ser confrontado com o suspeito no último dia 8, quando também depôs à polícia, Bortolotto se revelou incapaz de identificá-lo como o autor dos disparos. Alegou que estava muito bêbado naquela madrugada para conseguir apontar quem quer que fosse como o responsável.
No entender de policiais, o real motivo de Bortolotto ao se dizer inapto seria o fato de ele ser conhecido no submundo da praça Roosevelt, além de saber que, nesse universo, a delação é tida como imperdoável.
Procurado, Bortolotto não quis dar entrevista".
Vamos deixar uma coisa bem clara. Em primeiro lugar, eu não aleguei que estava bêbado. Eu estava realmente muito bêbado e toda a rapaziada que tava no bar sabe disso e infelizmente não consigo identificar ninguém. Adoraria identificar pelo menos o cara que atirou em mim, mas não posso fazer isso e correr o risco de condenar algum inocente. Pra vocês terem uma idéia do meu estado etílico, até alguns dias atrás eu podia jurar que o cara que atirou em mim e que eu derrubei no chão, estava usando camiseta branca. Vendo o vídeo do circuito interno dos Parlapatões, percebo que o cara está usando uma blusa verde. Em resumo, que espécie de testemunha confiável eu sou? Aí a matéria ainda afirma que os policiais disseram que eu estou com medo de denunciar os caras e sofrer represália. Quer dizer então que eu não tenho medo de enfrentar um cara armado que vem pra cima de mim, mas agora eu tô com medinho de denunciar o cara? Ah, qual é, porra? Vamos deixar uma coisa muito clara, pelo menos no meu blog onde ninguém pode distorcer as minhas palavras. Eu não tenho medo de ninguém. Nunca tive. Eu sempre fui kamikaze e quem me conhece, sabe disso. E digo isso sem nenhum orgulho, porque eu acho sinceramente que eu devia ser mais cuidadoso comigo mesmo. Mas infelizmente eu não sou, até por isso vivo me metendo em encrenca e me ferrando. Se eu pudesse identificar o cara, eu o faria, mesmo porque não interpreto isso como delação. O cara atirou em mim, porra. Eu não sou bandido e não vivo sob código de bandido. Mas eu não sou leviano a ponto de acusar alguém sem ter certeza. E isso definitivamente eu não vou fazer. Vou ficar o resto da minha vida na dúvida se incriminei um inocente. Eu prefiro levar um tiro e acabar com essa merda de uma vez. Acho bem mais digno. Se antes eu já não tinha medo de morrer, agora então eu tenho muito menos. Descobri que morrer é simplesmente não mais existir. Fiquei dois dias em coma induzido. Não é nada demais. O ruim mesmo é ficar por aqui vivendo sem dignidade. E que história é essa de submundo da Praça Roosevelt? Eu sou um escritor e ator. Eu não faço parte de nenhuma gang. Meus amigos são todos escritores, atores, músicos e simpatizantes de artes em geral. Ninguém ali é bandido. Que merda é essa de vir dizer “que nesse universo a delação é tida como imperdoável” ? Eu não faço parte desse universo, Fábio Victor. Eu sou escritor e ator. Sequer conheço algum traficante na área, simplesmente porque sequer eu cheiro cocaína. Então de que merda de submundo que eu sou? E depois ainda o Fábio Victor volta a dizer que “procurado, Bortolotto não quis dar entrevista”. Caralho, eu já tinha prometido pro Lucas que ia dar entrevista pra ele no mesmo dia do Estadão. Porque a Folha de São Paulo tem que ser tão mimada assim? Porque eles acham que são os melhores e que tem que ter prioridades sempre? O que é que acontece?
E uma coisa eu tô tentando entender até agora. Foi essa matéria de merda que o Bressane elogiou? O que tá acontecendo com você, Bressane?
E aí vem a cereja do bolo. O Mauricinho Stycer no blog dele comentando a matéria do amiguinho Fábio Victor diz que ela levanta uma questão fundamental. Notem as aspas: “a do peculiar privilégio deste caso sobre os demais” Volto a perguntar: Que culpa eu tenho? Não pedi nenhum privilégio. Não conheço o governador José Serra e não conhecia o prefeito Kassab até ele entrar lá na UTI e vir falar comigo. E depois disso, ainda não nos tornamos grandes amigos, não vamos jogar nenhuma partida de squash no final de semana.
E o Mauricinho continua provocando no seu texto : “e aborda um tema muito sensível e delicado, que é a dupla violência que Bortolotto, como outras vítimas, pode estar sofrendo: a do assalto em si e, depois, a do medo de represálias se ajudar a levar o criminoso à prisão”. Caralho, tudo o que eu queria era colocar esse merda que atirou em mim na cadeia e esse mauricinho fala uma merda dessa? Eu vou repetir pela última vez: Não consigo identificar sequer o cara que atirou em mim simplesmente porque estava muito bêbado e foi tudo muito rápido. Tinha um outro lá que eu lembro praticamente porra nenhuma. Quanto aos outros dois assaltantes, não me lembro sequer de ter visto eles. Só fiquei sabendo que eram quatro depois que acordei do coma no hospital. Sei que dois entraram intimando e achei que podia lembrar pelo menos do cara que atirou em mim, mas depois que vi o vídeo, percebi que minhas parcas lembranças não valiam merda nenhuma.
E o Mauricinho Stycer termina assim o seu brilhante texto: “Em sua primeira entrevista à televisão, ao programa “Metropolis”, da TV Cultura, o dramaturgo refletiu sobre o impacto que o assalto está tendo em sua vida e como poderá se refletir em sua obra, mas não comentou os fatos relacionados à noite do crime”
Mauricinho, eu vou gritar no seu ouvido pra ver se você entende, falou? EU NÃO COMENTEI NADA SOBRE A NOITE DO CRIME PORQUE A REPÓRTER NÃO PERGUNTOU SOBRE ISSO E ACERTADAMENTE, DEVO DIZER, AFINAL É O PROGRAMA METROPOLIS E QUE EU SAIBA, O PROGRAMA METROPOLIS É UM PROGRAMA DE CULTURA E NÃO UM PROGRAMA POLICIAL.
Agora eu vou descansar, porque essa dor nas costas tá de matar. E decididamente não é fácil escrever com um dedo só e com dor nas costas. Com tanto texto bacana que eu quero escrever, tenho que perder meu tempo respondendo esse tipo de merda.
# Escrito por
Miguel do Rosário
#
segunda-feira, janeiro 18, 2010
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Comunicação,
Cultura
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3 de maio de 2009
Variações sobre a lírica do poder
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(Iniciei uma série de fotos do que resta do Rio Antigo, sobretudo das adjacências da Lapa e Cruz Vermelha; esta é uma das fotos. A autoria é minha mesmo)
Um parlamentar, qualquer parlamentar, além de representante de todo o povo brasileiro, é eleito a partir de articulações políticas de um segmento da sociedade; no caso destes de que falo, eles representam trabalhadores organizados ou grupos marginalizados economicamente. Os segmentos mais expressivos da sociedade brasileira estão representados no Congresso: os evangélicos, os católicos, os empresários, os fazendeiros, os sindicalistas e os movimentos sociais. Os empresários e os fazendeiros, por deterem grande poder econômico, não precisam das tais passagens aéreas emitidas por gabinete de parlamentar. Os movimentos sociais precisam. Muitas vezes, deputados emitem passagens para lideranças indígenas, para representantes de professores. A bancada da saúde paga passagens para pesquisadores virem à Brasília defenderem tal ou qual política pública. A perda desse direito consiste, portanto, em retrocesso político para os parlamentares da esquerda; e como o processo eleitoral é uma dura competição em torno de poucas vagas, os parlamentares ricos ou patrocinados por lobbies bem estruturados financeiramente levarão vantagem; e como são justamente esses lobistas que mais se envolvem nas negociatas escusas, a economia alcançada com as passagens será neutralizada com o avanço dos lobbies no Congresso Nacional.
O escândalo da passagem aérea consistiu, na minha opinião, em mais uma grande chantagem política contra os parlamentares. Os gastos do governo Serra com assinaturas sem licitação de publicações da Abril, e com a assinatura - também sem licitação - dos jornais Folha e Estadão para colégios públicos, são superiores aos que os deputados gastam com passagens aéreas; assim como o valor correspondente aos cartões corporativos de funcionários do governo de São Paulo era muito superior aos gastos com cartões do Executivo federal. Mas a mídia seleciona cinicamente o que é ético ou não, e obriga a sociedade a mordiscar obedientemente a rapadura de mentiras que serve a seus leitores.
Apesar de nosso orgulho em termos aberto fissuras no controle da opinião pública exercido pela grande midia, não podemos nos iludir: o poder ainda é enorme, ainda é excessivo, e ainda nos restam muitas batalhas - a mãe de todas será, naturalmente, a eleição presidencial em 2010, quando o queridinho da mídia, o senhor José Serra, será incensado como o salvador da nação brasileira.
Tenho observado que as pessoas que se limitam a ler a imprensa escrita estão ficando cada vez mais desinformadas. Outro dia uma parente minha, cuja fonte de informação é o jornal O Globo, veio me perguntar se iriam mexer na poupança. Olhei pra cara dela e mandei: você está acreditando em propaganda do PPS! Esta parente é uma senhora inteligente e intelectualizada, mas acredita em tudo que lê no jornal. O único avanço real que notei nela foi a renúncia definitiva - com nojo, o que é muito promissor - à Revista Veja. É muito difícil mudar hábitos de muitas décadas, e a maior parte da classe média com idade superior a 40 anos habituou-se a ler jornais - a compra destes representam, inclusive, um investimento importante, um percentualzinho nada desprezível em seus orçamentos e será sempre difícil fazer a pessoa desvalorizar aquilo que pagou com seu suado dinheirinho.
Os jornais escritos possuem, além disso, um potencial comunicativo que vai muito além da política. Eles dominam o debate estético no país - e com isso detêm um descomunal poder de influência e chantagem sobre a classe intelectual. Acho que esse fator não é analisado com a devida atenção por quem pensa a comunicação social, porque, se a opinião política conseguiu ser, pelo menos em parte, fragmentada pela blogosfera, levando de roldão também a opinião econômica, o discurso estético, que produz a política cultural, e exerce influência direta ou indireta sobre a consciência dos cidadãos, permanece intocável em mãos das famiglias, que inclusive ampliou seu poder nessa esfera. Nas décadas de 60 e 70, ainda havia, entre a elite da classe artística, um posicionamento crítico em relação aos grandes jornais, que resultou no aparecimento de inúmeras publicações alternativas, as quais, apesar das tiragens baixas, exerciam influência respeitada, inclusive sobre os jornais mais tradicionais, no debate estético nacional. Na música, havia os Festivais da Canção. E mesmo a grande mídia oferecia uma gama mais heterogênea de opiniões, porque existiam mais jornais: no Rio, capital do país, havia o Correio da Manhã, a Última Hora e o Jornal do Brasil, publicações de excelente qualidade editorial, com muito bom gosto na escolha de seus colaboradores e com um perfil ideológico bem menos conservador do que o Globo, que sempre personificou a ala mais direitista. Mesmo o Globo não era tão monolítico e medíocre como hoje. As crônicas de Nelson Rodrigues, por muito tempo injustamente classificadas no rol das idéias conservadoras, possuíam uma leveza, uma ironia, uma inocência, uma honestidade, que não vejo em nenhum colaborador do jornal hoje. O Globo abrigou, durante anos, o grande Marcio Moreira Alves, que praticou um colunismo elegante e progressista, muito longe do sabujismo cínico e desonesto de Merval Pereira.
O pior é que esse poder midiático sobre o discurso estético não diminui com a redução da tiragem, porque não se trata de quantidade mas de prestígio. A classe artística nacional perdeu qualquer escrúpulo político e quem se posiciona de forma crítica tem sido solenemente desprezado, ignorado, ou mesmo ridicularizado. A Lei Rouanet muito contribuiu para esse lastimável estado de coisas, ao amarrar o artista a dois Senhores: o Estado, que pré-aprova os projetos e depois paga as contas, através da renúncia fiscal; e o Empresário, que escolhe o projeto.
O debate sobre as mudanças na Lei Rouanet mexe nesse vespeiro. Recentemente, li uma notícia que me chocou. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, participou de um debate com artistas no Humaitá, durante o qual um ator ergueu-se e pronunciou o seguinte discurso:
- O imposto não é do governo! O imposto é do Itaú! É o Itaú que paga o imposto, então ele é que tem de dizer o que fazer com seu dinheiro!
O ministro respondeu, calmamente, que não concorda com nenhuma vírgula do que o ator tinha dito, e que os impostos são, constitucionalmente, um bem público, a ser gerido pelo Estado, comandado pelos representantes do povo, eleitos democraticamente. Ele não usou essas palavras, mas no fundo queria dizer isso, que é afinal a definição correta do que é o imposto em qualquer país democrático. Definitivamente, o imposto não é do Itaú.
A afirmação do ator gelou-me a espinha. Há trinta anos, alguém que demonstrasse tamanha estupidez mereceria, com todo o respeito, levar um suave tabefe no rosto. No entanto, o jornal reproduziu a frase do ator e não fez nenhum comentário editorial sobre um posicionamento que consegue superar inclusive o fascismo - visto que o fascismo pelo menos respeitava o direito do Estado em gerir os recursos públicos. É uma afirmação FEUDAL! Sim, porque somente nos tempos mais sombrios da Idade Média, ou nos regimes políticos mais atrasados, mais odiosamente oligárquicos e plutocráticos, os recursos públicos eram geridos por empresários e não por uma instituição pública independente. E digo isso não porque eu acho os empresários cruéis ou brutais, mas porque os empresários são seres humanos dotados de qualidades e defeitos humanos, dentre os quais a cobiça, a inveja, a ganância, a ambição, e a única forma que a humanidade, desde os tempos do Egito Antigo, encontrou de reduzir os efeitos nefastos dessas características sobre a organização social, foi instituir leis e sistemas minimamente republicanos para gerir a coisa pública. Dizer que o imposto é do Itaú é uma imbecilidade tal que me dá coceiras no corpo. E essa afirmação partir de quem se intitula ATOR, enregela-me os músculos! Um pensamento assim, todavia, combina perfeitamente com a ideologia com a qual essas pessoas se drogam diariamente, quando lêem jornais.
É justamente por perceber isso que eu procuro realizar neste blog um tipo de crônica que, abordando a política, os costumes, a cultura, também enfie a colherinha sob esta enorme muralha da China erguida pela grande imprensa em torno do discurso estético nacional. E a única forma de fazer isto com dignidade é usando as armas tradicionais de um comentarista cultural honesto: bom gosto, criatividade e erudição. Termino, portanto, com alguns fragmentos da bela Safo. É interessante divulgar, por razões diversas, que, na Antiguidade clássica, o poeta mais respeitado e amado pelo povo e pelos intelectuais gregos era uma mulher. Infelizmente restou-nos apenas um poema inteiro de Safo. Otto Maria Carpeaux, na orelha do livro de Joaquim Brasil Fontes, "Variações sobre a Lírica de Safo", diz que "Safo de Lesbos (625 a 580 antes de Cristo) é a maravilha do lirismo grego. Dela nos resta muito pouco, mas o menor de seus fragmentos parece estar impregnado de um perfume que atravessou séculos."
"desabem, sobre os que me condenam,
ventanias, e cuidados também"
"não revolvas
montes de pedras miúdas"
"as pessoas a quem desejo o bem,
são as que me trazem dores"
"vieste, e fizeste bem. Eu esperava,
queimando de amor; tu me trazes a paz"
# Escrito por
Miguel do Rosário
#
domingo, maio 03, 2009
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Política
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