25 de janeiro de 2011

Esquenta o debate sobre a Cultura



Reproduzo abaixo, alguns textos pertinentes ao debate que se está travando no momento sobre o Ministério da Cultura. O primeiro é um post do Rovai, editor da revista Fórum. Em seguida, publico (já devidamente autorizado) algumas observações que membros do blogosfera progressista do Rio trocaram sobre o mesmo tema.

Um ponto sobre o qual deve-se estar bem atento é que as acusações contra Ana de Holanda fundamentam-se, por enquanto, apenas em suposições sobre uma possível guinada em relação às políticas de direito autoral.

O próprio Rovai sintetiza assim, num último post sobre o assunto: "O ponto central que quero discutir nesse novo texto é que a retirada do CC do site do ministério parece indicar que a política nesta área de direitos autorais vai ser modificada. O que muda muita coisa."

Abaixo, os textos mencionados:



Ministra da Cultura dá sinais de guerra ao livre conhecimento

Renato Rovai, em seu blog.

A ministra da Cultura Ana de Holanda lançou uma ofensiva contra a liberdade do conhecimento. Na quarta-feira pediu a retirada da licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura, que na gestão de Gilberto Gil foi pioneiro em sua adoção no Brasil.

O exemplo do MinC foi àquela época fundamental para que outros sites governamentais seguissem a mesma diretriz e também publicassem seus conteúdos sob essa licença, como o da Agência Brasil e o Blog do Planalto.

A decisão da ministra é pavorosa porque, entre outras coisas, rasga um compromisso de campanha da candidata Dilma Roussef. O site de sua campanha foi publicado em Creative Commons o que denotava compromisso com esse formato.

Além desse ato simbólico, que demonstra falta de compromisso com o livre conhecimento, a ministra pediu o retorno ao Ministério da Cultura do Projeto de Lei de Revisão dos Direitos Autorais, que depois de passar por um debate de sete anos e uma consulta pública democrática no governo Lula, estava na Casa Civil para apreciação final e encaminhamento ao Congresso Nacional.

O que se comenta é que a intenção da ministra é revisar o projeto a partir das observações do ECAD, um órgão cartorial e que cumpre um papel danoso para a difusão da cultura no Brasil.
Para quem não conhece, o ECAD é aquele órgão que entre outras coisas contrata gente para fiscalizar bares e impedir, por exemplo, que um músico toque a música do outro. É uma excrescência da nossa sociedade cartorial.

Este blog também apurou que Ana de Holanda pretende nomear para a Diretoria de Direitos Intelectuais da Secretaria de Políticas Culturais o advogado Hildebrando Pontes, que mantém um escritório de Propriedade Intelectual em Belo Horizonte e que é aliado das entidades arrecadadoras.
Como símbolo de todo esse movimento foi publicado ontem no site do Ministério da Cultura, na página de Direitos Autorais, um texto intitulado “Direitos Autorais e Direitos Intelectuais”, que esclarece a “nova visão” do ministério sobre o tema. Vale a leitura do texto na íntegra , mas segue um trecho que já esclarece o novo ponto de vista:

“Os Direitos Autorais estão sempre presentes no cotidiano de cada um de nós, pois eles regem as relações de criação, produção, distribuição, consumo e fruição dos bens culturais. Entramos em contato com obras protegidas pelos Direitos Autorais quando lemos jornais, revistas ou um livro, quando assistimos a filmes, ou simplesmente quando acessamos a internet.”

Essa ofensiva de Ana de Holanda tem várias inconsistências e enseja algumas perguntas:

A principal, o governo como um todo está a par desse movimento e concorda com ele?

Afinal a presidenta Dilma Roussef se comprometeu, como Ministra da Casa Civil e candidata à presidente da República, a manter o processo de revisão dos direitos autorais e promover a liberdade do conhecimento. E um desses compromissos foi firmado na Campus Party do ano passado, em encontro com o criador das licenças Creative Commons, Lawrence Lessig.

O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, quando candidato ao governo de São Paulo, também se comprometeu com esta luta, inclusive numa reunião que contou com a presença deste blogueiro, na Vila Madalena, em São Paulo.

O que a atual presidenta e o ministro Mercadante pensam desta inflexão?

E o pessoal do PT ligado à Cultura, o que pensa disso?

Muitos dos militantes petistas da área comemoraram a indicação de Ana de Holanda.

Alguns entraram em contato com este blog para dizer que os compromissos anteriores não seriam rasgados.

E agora, o que eles pensam dessas decisões da ministra?

Dilma Roussef foi eleita também para dar continuidade ao governo Lula. Se havia interesse em revisar certas diretrizes na área da Cultura e que vinham sendo implementadas com enorme sucesso e repercussão nacional e internacional, isso deveria ter ficado claro. Isso deveria ter sido dito nos diversos encontros que a candidata e gente do seu partido tiveram com esses setores.

Essas primeiras ações do MinC não são nada alentadoras. Demonstram um sinal trocado na política do ministério exatamente no que de melhor ele construiu nos anos de governo Lula.

Não há como definir de outra forma essa mudança rota: é traição com o movimento pela democratização da cultura e da comunicação.

A ministra precisa refletir antes de declarar guerra a esse movimento social.

E o PT precisa assumir uma posição antes que seja tarde.

Porque na hora H, não é com o povo do ECAD e com o da indústria cultural que ele conta.

PS: Conversei com um amigo que entende de conteúdos licenciados em Creative Commons e ele me disse que a decisão da ministra de mudar o licenciamento do site vale exatamente nada no que diz respeito ao que foi produzido na gestão anterior.

Aquele conteúdo foi ofertado em Creative Commons e o Ministério não pode simplesmente revogar a licença de uso.

Se isso for feito, o Ministério infringe a licença Creative Commons e se torna um infrator de direitos.


E agora, publico a opinião de um colega nosso aqui do #RioBlogProg, a de Frederico Cardoso, presidente do Partido da Cultura:



Rui e demais,

O papo é espinhoso e tem nuances específicas – por exemplo, o uso de uma música por outros intérpretes em bares e tal e o uso da música em filmes.

Uma coisa são os fatos e outras bem diferentes são as interpretações sobre os fatos, seus desdobramentos e suas conexões com outros fatos.

É fato que o selo saiu da página do MinC e também é fato que a Ministra pediu de volta o Projeto de Lei que propõe atualização da legislação de direitos autorais.

Mas o próprio texto do Rovai fala do Ministério da Ciência e Tecnologia e da própria Dilma (Ministra, candidata e agora Presidenta).

Eu colocaria no mesmo caminhão o Ministério das Comunicações, com o Paulo Bernardo à frente (e pela primeira vez que me lembre, fora das mãos das organizações globo e/ou corriola).
Ou seja, temos dois ministérios fortíssimos (inclusive em orçamento) que remam pra onde o Minc de Gil/Juca remava.

E temos o MinC atual – não diria voltando atrás, pois a peleja está em curso – preferindo debater mais internamente e abrindo novas consultas públicas.

Particularmente não acho necessário e o problema real é um certo atraso (que só o tempo nos dirá quanto), pois o Projeto de Lei pronto já seria encaminhado ao congresso, onde a briga seria muito mais feia e provavelmente com o ECAD mais presente nos gabinetes, já que o poder financeiro não está do lado de quem quer as mudanças e isso faz alguma diferença.

Ainda, o referido Projeto de Lei estava pronto desde o meio do ano passado e não foi encaminhado para o Congresso ainda no Governo Lula e na gestão Gil/Juca/Dilma (enquanto Ministra). O motivo é justamente ser terreno pantanoso e justamente no período eleitoral a vaca poderia ir pro brejo (por exemplo, a classe artística poderia se dividir fortemente e poderia não haver aquela mobilização quase 100% a favor de Dilma no segundo turno).

Não sei se é uma estratégia (da Presidenta, da Ministra ou de comum acordo), mas me parece que, tendo a sociedade civil organizada realmente organizada e na pressão e mais o MC e o MCT alinhados e carregando a bandeira da atualização da legislação, o MinC só terá o caminho de apoiar (não esqueçamos da própria Dilma na Casa Civil e em campanha).

Se, para apoiar ou desapoiar, a Ministra precisava ter mais certeza, quero acreditar que o suposto atraso nos aproximará dos outros dois ministérios citados e, trabalhando direitinho, quando a proposta de mudança encaminhada pelo Governo chegar na Câmara, chega mais robusta e com 3 ministérios falados, conversados e com posicionamentos alinhados quanto ao assunto.
Será?

Só o tempo dirá e só atenção e mobilização darão resultado.

Abs,


***

Eu [Miguel] também dei meus pitacos na conversa que tivemos em nossa lista de email:



Eu acho que está havendo afobação. Já foi dito aqui que a espinha dorsal da democratização da comunicação migrou para o Ministério das Comunicaçoes, que tem mais verba e mais poder. Antes estava na mão da direita, agora está na mão da esquerda. Esse é um grande avanço.

Quanto à Ana de Holanda, acho que há divergência entre a visão dos ativistas da cultura e a dos produtores de cultura, tanto é que o Rodrigo acrescenta aspas à expressão "direitos do produtor de cultura", como se esta fosse uma expressão absurda ou maldita. Há muita gente no Brasil e no mundo que vive exclusivamente dos direitos sobre o seu trabalho artístico, e muita gente que não ganha nada sobre o que produz. A cultura deve ser de todos, mas é evidente que é preciso preservar, com muito carinho, a economia da cultura, para remunerar quem vive de suas obras.

Eu, por exemplo, não sou tão empolgado assim com esses pontos de cultura. Há muita coisa boa, mas há também um imenso parasitismo.

Quanto ao Ecad, é uma briga que o governo anterior não conseguiu ganhar, e não é justo portanto atribuir responsabilidade à Ana de Holanda. Trata-se de um assunto que está sendo debatido entre os próprios músicos, e a Ana caberá arbitrar com sabedoria o resultado dessa correlação de forças.


Marúcia, quanto ao Palocci na Casa Civil, é uma figura que dialoga muito bem com setores do empresariado, e, portanto, tem uma função importante no Planalto. Quando Pallocci era ministro da Fazenda de Lula, aí sim, ele dava as cartas. Agora não. É apenas um ponto de contato, um quadro quase "técnico", com grande habilidade de articulação e diálogo junto as diferentes forças políticas, sobretudo as de centro, que predominam no Congresso.

Jobim perdeu muito poder com Dilma. Ele foi mantido por ela provavelmente como cálculo estratégico por sua boa relação com os militares, sendo o primeiro ministro civil a exercer com sucesso autoridade sobre o segmento. As relações de Jobim com altas autoridades militares americanas talvez também tenham revertido em favor dele, visto que possivelmente a estratégia de política exterior de Dilma seja prosseguir integrando a América do Sul e assumindo posições independentes no mundo, mas voltando a se aproximar dos EUA, que ficaram um tanto ressabiados com o diálogo do Brasil com o Irã.

Em relação ao Moreira Franco, a SAE parece que se tornou uma "sinecura", um ministério semi-morto, pois aquele maluco de Harvard de quem o Caetano gosta tanto já fez planos para 20, 30, 40, 50 anos. E aliás, o Moreira Franco chamou o maluco de volta, para trabalhar na SAE.

De qualquer forma, consideremos que temos 37 ministérios. E temos que avaliar as ações do governo, ou antes, as consequências de suas ações. Ver a situação como um todo, entendendo a correlação de forças existente hoje, e tentando construir, nós mesmos, uma força que nos permita influenciar nas políticas de comunicação. O governo Lula iniciou sua gestão sob forte ataque da esquerda, tanto que quase caiu em 2005, quando o escândalo do mensalão encontrou-o já fragilizado perante sua base. Só mais tarde, quando a esquerda começou a ver os resultados sociais concretos das políticas empreendidas pelo governo, e quando viu o perigo que havia de passar o bastão para o PSDB, é que passou a defendê-lo.

É importante sermos críticos. Mas nossas críticas igualmente devem passar por um crivo crítico.

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