10 de janeiro de 2011

Reciclando lixo



Neste domingo fui à praia do Leme e fiz questão de não ler os jornais. A azia mencionada por Lula certa feita, referindo-se à sensação que o assaltava sempre que lia os periódicos pela manhã, há muito que corresponde, no meu caso, a uma espécie de úlcera espiritual. A imprensa tem exercido, por mais que eu tente negá-lo, uma irresistível influência sobre mim: faz-me, perder, às vezes por dias a fio, qualquer interesse pela politica. Como hoje. Fui à praia equipado com um livro de Denis Lehane que eu sempre quis ler. Um policial bem escrito, pleno de situações e personagens interessantes, com uma trama envolvente e um toque poético aplicado na medida certa.

O título é Gone, Baby, Gone, assim mesmo na tradução em português.

Imprudentemente, passei a vista no Globo, mas reduzi os riscos evitando olhar a Folha. Agi muito bem. Tive uma tarde esplêndida, lendo e bebendo as cervejas que o diligente funcionário da barraca guardou num pequeno isopor, com gelo, ao lado da minha cadeira. Diante de mim, descortinava-se a sensual, grandiloquente praia de Copacabana.

Gosto do Leme por causa da comprida faixa de areia, mais de quinhentos metros entre a calçada e o mar. Mesmo que a população inteira do estado se mobilize para frequentar o Leme aos domingos, haverá espaço de sobra para todo mundo.

Quando eu fui embora, o sol ainda brilhava forte, mas já ocupando uns trinta e cinco graus em relação ao horizonte. O guarda-sol teve que ser posicionado a quinze metros de distância para que eu pudesse continuar lendo sem ser incomodado pelos raios.

Pagamos a conta. Vinte e oito reais por quatro cervejas, uma água, duas cadeiras e o sombreiro. Nada mal para curtir uma das melhores praias do planeta. Houve uma certa confusão na saída, porque haviam me cobrado um refrigerante a mais; minha esposa percebeu o erro a tempo e eles devolveram a diferença.

Então fizemos compras no supermercado zona sul, em frente à praia, e voltamos para casa de táxi, fornidos de queijos, melancia e cervejas importadas. O dólar barato me permite ficar alto com um pouco mais de classe, bebendo Hoegarden e Erdinger. Um blogueiro progressista, sempre que tem dinheiro, sabe aproveitar a vida. Conto isso para desfazer a imagem de miserável e desgraçado que porventura eu faço por aqui toda a vez em que me sinto realmente miserável e desgraçado. Nem sempre é assim. Há tempos de vacas gordas na vida de um free-lancer.

Em casa, os queijos não duram muito e as cervejas não tardarão a ser bebidas e devidamente expelidas no vaso sanitário com tampa quebrada.

A gente assiste Sob o signo de Leão, primeiro filme do Eric Rohmer, um clássico do cinema francês e mundial, alugado na locadora Macedônia (que fica no Largo do Machado e é uma das melhores do Rio de Janeiro, competindo apenas com a Paradise, de Copacabana). O protagonista recebe telegrama informando que sua tia falecera deixando-lhe enorme herança: fábricas, plantações, edifícios, ações. Ele imediatamente telefona para um amigo e pede um empréstimo de cinquenta mil francos para que pudessem fazer uma grande farra naquele mesmo dia. O amigo, um repórter da revista Paris Match, consegue o dinheiro e eles, e mais os que vão encontrando pelo caminho, tem uma barulhenta e inesquecível noite.

No dia seguinte, o amigo repórter viaja a trabalho para o exterior. Quando volta, seu amigo está desaparecido. Logo ficamos sabendo o que acontecera: ele não ganhara a herança, que ficara somente para um primo com quem ele não tinha boas relações. Ele fica sem nada, e passa a viver fugindo de hotéis e pensões porque não pode pagar, e pedindo dinheiro emprestado a todo amigo que encontra. Termina na indigência total, arrastando-se pelas ruas ao lado de outro mendigo, fazendo esquetes teatrais. No finzinho, uma reviravolta, que prefiro não contar.

Bem, tudo isso para dizer que, já no início da madrugada, depois da praia, do filme, mais páginas de Denis Lehane... eu resolvo passar a vista na Folha e deparo com textos que me fazem lembrar de minha triste função na blogosfera. Comparo-me a um funcionário da empresa responsável pelo recolhimento de lixo na cidade. Não é a primeira vez que me vem a ideia. Ultimamente, tenho observado, com admiração, os lixeiros trabalhando nas ruas. Em poucos minutos, eles removem todo lixo do quarteirão. No bairro onde eu moro, nos arredores da Lapa, o lixo é deixado em sacos amontoados diante dos prédios. Rapidamente aparecem mendigos para furá-los, revirá-los, espalhando a porcaria pelo chão. Os garis são obrigados a lidar, portanto, com um lixo exposto a céu aberto, exalando vapores insuportáveis; e aparentemente cumprem sua tarefa com muita eficiência e retidão, sem reclamar de nada.

É a mesma coisa que eu faço. Ao me deparar com a coluna de Eliane Cantanhede deste domingo, a primeira coisa que eu fiz foi... olhar para o relógio. Quase duas horas da manhã, pensei; mas tenho, como obrigação cívica, que recolher esse lixo... Relanceei a vista para o Lehane sobre a mesa e prometi retomar a leitura ainda hoje à noite, preparei um café e vim aqui escrever. Não adianta, posso me iludir com cervejas belgas e alemãs, mas prossigo exercendo um dos ofícios mais baixos da escala social, como diria o Casoy. Sou um gari do lixo midiático.

Por isso mesmo que, mais tarde, quero propor um negócio a quem estiver interessado. Como não acredito que terei estômago para fazer esse serviço por mais muito tempo, e ao mesmo tempo como acho que se trata de um trabalho terrivelmente necessário ao equilíbrio no fechado e influente universo das opiniões políticas, creio que chegou a hora de unir forças para criar um grande blog coletivo voltado apenas para a contra-informação midiática. Refiro-me a uma empresa bem estabelecida, criteriosa, com redatores especializados e criativos que ganhariam para exercer seu ofício. Quem estiver interessado em discutir a criação dessa empresa, e disposto a investir dinheiro nisso, entre em contato via email para estudarmos o caso. Enquanto isso não acontece, limpamos as ruas com as próprias mãos.
ELIANE CANTANHÊDE - A novíssima elite
BRASÍLIA - Tem toda a razão Fernanda Torres ao dizer que "ser considerado parte da elite virou ofensa das mais graves" e em seguida perguntar: "Mas quem é a elite?".
Os bancos, que nunca lucraram tanto, as empreiteiras, eternamente gratas a Lula, a oligarquia, recheada de ministérios? Ou as levas de petistas em todos os escalões?
Há inclusive a elite enxovalhada por Lula e pelos lulistas radicais sempre que lhes falta explicação para alguma peraltice tipo mensalão. Aí, a elite somos nós, que damos um duro danado, ganhamos a vida honestamente, temos apreço aos princípios e exigimos moralidade e exemplo dos governantes.
Hoje, nada encarna melhor a neoelite que o time de Ronaldinhos de Lula -os Lulinhas. Os meninos são uns craques. Entraram pobres em 2003 e saem com seis empresas em 2011, um deles vivendo em apartamento de R$ 12 mil mensais pagos por empresário com contratos, ora, ora, com o governo do pai.
Não se pode discordar de Nelson Jobim quando ele diz que é "ridícula" a crítica a Lula por usar dependências militares para veraneio depois da Presidência. Também não é totalmente absurda a fala de Marco Aurélio Garcia de que um passaportezinho diplomático a mais ou a menos não faz mal a ninguém, referindo-se ao passaporte exclusivo de autoridades que Lulinhas sacaram no último dia do governo.
São, sim, coisas menores. O problema é a cultura, a soma do veraneio, dos passaportes, da Gamecorp, dos padrinhos, dos atos assinados à sombra, das empresas, do aluguel pago pelo amigo. O resultado é que Lula se sente dono do Brasil, acha que os filhos têm de aproveitar a "oportunidade" e desconsidera o exemplo que ele dá à nação como mito, como ídolo que é.
Se o presidente pode, a ministra da Casa Civil pode, o amigão Sarney pode, todo mundo pode. É educativo. Ou melhor, deseducativo.
Nunca antes neste país se viu uma herança tão maldita.

elianec@uol.com.br

Não vou responder tudo. Comento somente um pedaço, porque bastará aplicar a mesma regra ao resto:

"Entraram pobres em 2003 e saem com seis empresas em 2011 (...)"

As seis empresas que dois dos filhos de Lula abriram tem capital irrisório, menos de mil reais cada. Várias estão inativas. São apenas projetos, sonhos. Não tem nada de criminoso. Pode até ser que tenham (algo de criminoso) no futuro; pode ser que os filhos de Lula se tornem grandes traficantes de armas, drogas ou coisa pior: donos do trem-bala ou de partes do pré-sal. De antemão, porém, não existe crime nenhum em abrir empresa no Brasil. Vivemos num país livre e capitalista. Para abrir um, dois ou vinte CNPJs basta pagar as taxas, que a Fiesp aliás tem se esforçado para que sejam reduzidas, tentando incentivar justamente o espírito empreendedor nacional. A filha de FHC foi funcionário fantasma do Senado por quase dez anos e ninguém a incomodou. Os filhos de Lula abrem um CNPJ tentando, como qualquer cidadão, ganhar dinheiro, e se tornam alvo de interminável campanha editorial nos jornalões.

Às outras frases da colunista correspondem a respostas semelhantes.

Volto a parabenizar os lixeiros de todo Brasil. E sugiro que se respeite também os lixeiros da blogosfera, que lemos esse tipo de porcaria, essa tentativa de açular os preconceitos mais mesquinhos, essa intriga constante, venenosa e hipócrita. Damo-lhes (à porcaria) o devido tratamento, levando-a para aterros sanitários virtuais, ou reciclando-a. Essa manipulação do moralismo pede estômago forte para ser assimilada e combatida. Por isso eu reitero: precisamos dar uma resposta profissional, no âmbito da iniciativa privada. Precisamos articular um eficiente sistema de contra-informação, que nos liberaria para falar de outras coisas, de política com P maiúscula, de economia, cultura, arte, humor... Analisar coluna de Cantanhede, meus caros, é um serviço que deveríamos dar a garotos recém-saídos da faculdade, a estagiários de dezenove anos, sob a orientação de algum blogueiro experiente. Todos os blogueiros lhes ajudariam, é claro, fornecendo-lhes subsídios para que exercessem seu trabalho. Mas estaríamos livres e bem mais tranquilos.

Eu quero curtir a minha praia e meus livros em paz, sem me preocupar se a Folha articula um novo Tea Party, ou algum tipo diferente de golpe midiático. Preciso me dedicar a uma série de leituras, dentre outros projetos pessoais, sem ficar tão angustiado se o lixo acumulado nas ruas da opinião pública provocará epidemias violentas e súbitas de preconceito e reacionarismo. Quero, de uma ver por todas, me libertar do PIG!

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