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10 de maio de 2011

Bom programa para esta quarta-feira

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Juliano Guilherme, internauta progressista, até que pinta direitinho. Quem quiser conferir, apareça amanhã na Lapa. Eu estarei lá.

18 de dezembro de 2010

O princípio da carne e outras angústias

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Poucos artistas latino-americanos sintetizaram de maneira tão perfeita a atmosfera de pesadelo político do continente durante o século XX. Em suas telas, rostos de pavor e perplexidade. Não só humanos, mas também de cavalos, como na tela acima, para mostrar que o horror contamina toda a natureza. Quando lembro da leviandade com que frequentemente se retrata os nossos anos de chumbo, sinto necessidade de contemplar obras repletas de sangue, fúria e tristeza, como as do argentino Luis Felipe Noé. Sua força não reside na descrição fria e imparcial dos eventos históricos. Como diria o crítico italiano Argan, escrevendo sobre Wiliam Blake, elas são "síntese e não análise, inspiração e não pesquisa, subjetividade e não objetividade", mas ao mesmo tempo possibilitam uma representação muito mais precisa, muito mais carnal, muito mais contundente, muito mais próxima da nossa experiência do que um texto rigorosamente (ou supostamente) científico sobre o assunto. Elas resgatam para mim um sentido histórico, de um tempo que não vivi e que por isso mesmo eu preciso construir espiritualmente com auxílio da imaginação.

"Há para mim uma evidência no domínio da carne pura, e que não tem nada a ver com a razão", dizia Artaud, o poeta louco (e por isso mesmo tantas vezes o mais lúcido de todos). A nossa cultura, a nossa arte, fervilha no sangue, não no cérebro; o sangue como metáfora das camadas mais profundas da alma (ou o "inconsciente"); camadas essas, porém, que podem ser vistas na superfície da pele, na melanina, no cabelo, na voz, no formato do nariz e dos pés.

Ao mesmo tempo, a arte moderna também possui um aspecto profundamente racional. Em sua Crítica do Juízo, Kant argumenta que a representação artística, nascida de uma intuição pura, espelha-se no entendimento para ganhar forma. Sou um apaixonado pela teoria estética de Kant, que alguns segmentos da crítica pósmoderna, tentam desqualificar. Ela se encaixa perfeitamente em minha análise da obra de Noé. Ele produz uma visão intuitiva do horror, mas o seu traço busca - de maneira atormentada, tortuosa, aparentemente insegura, mas firme em seu objetivo - o registro histórico, concreto, fazendo uma obra explicitamente política.

A arquitetura de seus quadros tem uma coerência urbana, cosmopolita. Estamos no meio da multidão, quer dizer, sabemos que estamos no meio da multidão, ouvimos seus gritos, sentimos o cheiro, pressentimos sua presença e sua agonia, mas não vemos ninguém. Diante de nós, apenas o rosto amargurado diante do espelho.

Há um clássico da literatura argentina intitulado "Os sete loucos", um livrinho muito cultuado no país; e que desembaraçou-se das críticas extremamente negativas que enfrentou por muito tempo e se tornou amado e respeitado por leitores e, por fim, também pela academia. Roberto Arlt é um escritor irregular, estranho, não tem a magistralidade perfeccionista e brilhante de um Borges ou Cortázar, mas sua obra, assim como a pintura de Noé mais tarde, também reproduz com uma fidelidade angustiante a atmosfera de idealismo e desespero de uma juventude perdida e sem esperanças.

Semana passada estive no Museu de Arte Moderna para ver as telas de Noé, por isso falo dele por aqui. É interessante contrastar aquele momento atormentado da história latino-americana com nosso presente, marcado pela estabilidade, pelo crescimento e pela democracia.

Ah, claro, existem ainda fantasmas. Como que saídos das telas do pintor argentino, ou das páginas de Arlt, eles tentam ser trágicos, mas são apenas farsantes, com seus gritinhos de medo, com seus esgares hipócritas. Inventam "ameaças à democracia" a cada vez que o povo dá um passo à frente no processo democrático.

Ontem mesmo, os jornais exibiram, orgulhosos, um relatório britânico que apontava nossa democracia como "imperfeita", tendo caído de 41º para 47º nos últimos anos. Nenhum editorial fez um contraponto crítico a esse ridículo insulto imperialista à heterogeneidade das democracias no mundo. Segundo a The Economist, EUA e Inglaterra, eles sim, são democracias "perfeitas". A repórter do G1 dá a notícia num tom sério, submisso, onde mais que nunca caberia uma reação bem-humorada, ferina e inteligente. Quase toda a América Latina, com exceção do Uruguai, tem democracias "imperfeitas". A pesquisa da Economist é tão caricata que inclui a França no rol dos "imperfeitos", como se a pujante república francesa tivesse uma democracia inferior a de um país onde o presidente tem que beijar a mão da Rainha antes de tomar posse. Ah, como os franceses devem estar se divertindo com essa matéria!

Voltando, porém, ao nosso querido Noé, vale comparar também sua obra atormentada dos anos 60 com seus trabalhos tardios, muito mais suaves. Curiosamente, eu me não me interesso, porém, por essa fase tranquila. Em minha visita ao MAM, minha atenção se voltava exclusivamente para as obras pungentes da década de 60.

Mais uma vez, então, lembrei como nós, latino-americanos, disperdiçamos um dos períodos mais brilhantes da história moderna do ocidente com todos esses malditos golpes de Estado. Ontem eu assisti, no vídeo, "When you're strange", um documentário recente sobre o The Doors, narrado por Jonnhy Deep, o que me fez refletir: eles também viveram momentos terríveis nos anos 60: assassinato de Kennedy e de Martin Luther King, para citar apenas dois exemplos. Mas a maior parte de sua juventude teve a oportunidade de se divertir de uma maneira como nunca se viu antes na humanidade e, principalmente, assistiram a uma explosão cultural de dimensões épicas.

Por isso mesmo um cara como Noé, ou para falar de alguém mais popular, como Chico Buarque, são tão importantes. Eles nos redimem um pouco do tenebroso deserto político que atravessamos nas décadas de 60 e 70. A gente sofreu, abaixou a cabeça. Choramos em silêncio. Mas tivemos nossos momentos de brilhantismo! Só existe um Chico no mundo! Só existe um Noé! A dor que experimentamos foi única - e ao mesmo tempo, naturalmente, uma dor universal. Para encerrar este breve ensaio com classe, recordo a bela teoria hegeliana: o Espírito pode ser infinito, universal e eterno, mas ele apenas se torna concreto, apenas se torna realmente vivo, quando encarna num ser humano. Seja homem ou mulher, num ser humano, carajo, num ser humano!

13 de setembro de 2010

Morreu um mestre

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Raríssimas vezes eu comento a morte de artistas por aqui. Mesmo de gente que eu gosto ou respeito muito, como Roberto Piva ou Saramago. Mas dessa vez senti realmente vontade de registrar. Morreu Wesley Duke Lee, talvez o maior artista plástico da história brasileira. Descanse em paz, mestre.

30 de junho de 2010

Uma boa exposição, abertura na quinta-feira

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Eu escrevi o texto de abertura, que é esse:

Santa Pelada: FUTEBOL-ARTE-CERVEJA

Incendiaram-se os recibos, as contas não pagas, os beijos, a vida chutada a gol, qual jabulani enfurecida, mulher ciumenta, o amor, e todas as canções bregas ouvidas no bar, a morena e sua história, o flerte... e o futebol festejado, bebido e vomitado, a morena de novo que saltita e o desejo de abraçá-la, beijá-la. É Copa do Mundo e os nervos floresceram sobre a pele, estamos eufóricos como quem chora. Toquem as vuvuzelas! Quer dizer, morte às vuvuzelas! Abatam a tiros os tocadores de vuvuzela! O que é o futebol? Seria o socialismo liderado por jabulanis autoritários? O anarquismo dos garrinchas bêbados? A monarquia do rei Pelé? Oh, sagrado Jesus da bola, dê-me inspiração para driblar os russos e acertar no ângulo superior da vida.

A doçura machucada das estrelas e do céu, gargarejava o Poeta, a boca cheia de absinto e restos de haxixe entre os dentes, projeta-se no abismo em flor. Reluz, lá embaixo, um verde infernal, e tecemos, lentamente, a angústia de perder um pênalti.

De onde vem a ginga, o drible, a manha, que nos faz tão bons de bola? Está na alma, no clima, na melodia? Nos beijos apenas sonhados? Na riqueza abstrata, nunca vista? Na morena que torcia para o Flamengo e não sabia meu nome?

Após o jogo, as cervejas, a liberdade, o sol faiscando sobre nossa (fatal) incompetência, vinte e dois rimbauds e suas ambições continuamente esmagadas, rolando até ferir-se, pela areia da praia de Ramos, tão suja quanto um coração apaixonado.

O futebol, enfim, é o Brasil das utopias fragmentadas, individualistas, fumadas como craque em decadêcia. Aos poucos, vamos retornando, todos, da Europa, saudosos de nossas favelas, armas, tem do preto tem do branco, adrianos inconsequentes, é isso, e o dunga severo, paternal, lúcido, burro, que nos leva à mediocridade, à vitória, Milão e Barcelona.

Jabulani, teu nome é Brasil, Luis Fabiano, o cão sem plumas, tanta cerveja, tanta, que transborda em arte, peladas, amizade, ladeiras e trocadilhos.

O rio Tejo, portanto, desagua na Guanabara. Tudo que sonho ou passo, dizia Pessoa, o que me falha ou finda, é como um terraço, sobre outra coisa ainda. Essa coisa (a bola, o bar do Gomes, a morena rubronegra) é que é linda.

18 de fevereiro de 2010

Quase voltando

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Fui abduzido para terras distantes nos últimos dias e não deu para atualizar o blog. Volto no domingo, então retomo as atividades a partir da segunda ou terça-feira que vem.

Descobri no Pompidou de Paris alguns artistas contemporâneos que me interessaram. Publico alguma coisa abaixo:


A pintura acima é de Bernard Requichot e foi extraída desse site.




Wols, Aile de papillon, 1947
Huile sur toile, 55 x 46 cm
Don de René de Montaigu 1979
AM 1979-255
© Adagp, Paris 2007

23 de maio de 2009

O orgulho e a ira de Juliano Guilherme

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Medito sobre as telas de Juliano Guilherme e pergunto-me: qual o sentido, da arte, da vida? Qual é nossa função e destino nesse estranho universo, nesse paraíso devastado em que arrastamos artroses e paixões? Estudamos a história e as estrelas e temos a sensação de cavarmos uma grande cratera que não dá em lugar nenhum. Prosseguimos, no entanto, nos embriagando de ambição, orgulho, amor! Mais vale a paciência que o heroísmo, diz um provérbio do Velho Testamento, mas há momentos em que é preciso uma paciência heróica para escutar as vozes da alma. Elas sussurram tão baixo que mal se escuta. Em outras ocasiões, contudo, berram tão alto que nos sangram os tímpanos.

As pinturas de Juliano me remetem a questões muito antigas. Transporto-me para a bela Cartago, pouco antes de sua destruição, e contemplo as lindas estátuas e os magníficos murais; escuto os poetas declamando epopéias que se perderão para sempre na poeira das armas. Suas telas ofertam cores fortes e doloridas, como o riso possante e hipócrita de um louco. Não estamos numa sala de jantar, onde as pessoas são obrigadas a nascer e a morrer; ou estamos numa sala de jantar, mortos, e vivos, alternadamente, felizes, nervosos, como alguém prestes a confessar um amor violento e impossível. Qual o sentido, carajo? Por que, enfim, Deus teria nos expulsado do Paraíso se nós, obviamente, nunca desejamos aquela vida fácil, aquela vida chata?

Algum blasfemo valentão teria coragem de afirmar que entre Adão e Eva existe um Deus vaidoso e autoritário, que não pretendia deixá-los desfrutar o melhor de tudo: as delícias e angústias do conhecimento? Talvez seja isso, o desejo (inconsciente) de confrontar Deus, o fundamento metafísico da obra de Juliano. Ou melhor, confrontar uma força ainda maior que Deus: a mediocridade, que se esconde sob trajes pós-modernos, e publica cartinhas retrógradas no jornal. Ali, em suas pinturas, as formas se debatem, entre o clássico e o futuro; feridas e cores sanguinolentas esparramadas no chão do Paraíso, no que achávamos ser o Paraíso, mas que não passa de um horizonte sem sol ou estrelas – apenas uma linha tênue, triste, entre a loucura e a glória.

A solidão, enfim, e as lasanhas congeladas. Os personagens de Juliano nos encaram com cinismo e indiferença, como ursos selvagens. Desgraçados, sem esperança de remissão, mas que não bocejam. São brasileiros, somos brasileiros, frequentando os botequins que salvaremos da falência, com nosso entusiasmo, nossa ira, nossa corrupção, nossa morte! A arte de Juliano Guilherme, amoral e suja, romântica e erudita, nos fala, portanto, de civilizações maduras e livres, como no poema de Anacreonte: “mostrarei que um velho, em meio à sociedade, sabe beber e delirar, cheio de graça!”

Abaixo, um fác-símilie do flyer impresso que está sendo distribuído no Rio.

29 de janeiro de 2009

A contradecepção de Vik Muniz

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Confesso que fui com um pé atrás. Sou um cara cheio de preconceitos contra alguns aspectos da arte contemporânea e antes de ir à exposição de Vik Muniz esperava encontrar uns trabalhos bonitinhos, interessantes, mas sem grande consistência artística.

Experimentei, todavia, uma agradável decepção ao contrário. Embora Muniz seja o protótipo, quase um estereótipo, do artista contemporâneo pop, ele consegue sê-lo com assombrosa originalidade e inegável competência estética. Feitos com técnicas esdrúxulas, como dispor objetos sobre desenhos gigantes, de forma a obter reproduções não-convencionais de clássicos das artes plásticas, seus trabalhos são, antes de você entendê-los, extremamente bonitos, com forte densidade visual.

Com obra eclética e numerosa, é claro que nem todos os trabalhos mantêm a mesma força, mas boa parte das obras em exposição no Museu de Arte Moderna me causou uma excelente impressão. O cara é bom. Não porque usa lixões para fazer seus trabalhos, mas porque, fazendo-o, obtém bons resultados, alcançando contrastes, profundidades, linhas e contornos que me proporcionaram momentos de legítimo prazer estético, aquele velho e milenar prazer que somente Kant conseguiu explicar, fazendo-me recordar dos belos versos de Leopardi:

"Cosí tra questa
immensità s'annega il pienser mio:
e il naufragar m'é dolce in questo mare"

*

Por falar em arte, o link Gallery Flickr, no alto, está recebendo contribuições novas de arte contemporânea. Quem quiser dar uma espiada, está ficando bem legal.

28 de janeiro de 2009

Claudio, zelador e artista plástico

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Claudio, zelador do meu prédio, é um excelente artista plástico. Auto-didata, ele também estuda box tailandês (acabou de se formar instrutor) e, em épocas de eleições, reúne-se com amigos para discutir política e tomar a melhor decisão. É um cara inteligente, que não pauta sua vida e suas opiniões pelo que lê em jornais. Veio da Paraíba há muitos anos, como milhões de outros brasileiros, e hoje é um competente zelador que procura estudar o máximo nas horas vagas, tentando crescer espiritualmente. É um bom exemplo de brasileiro. Um bom exemplo de como o povo está mordendo os calcanhares da classe média, que por isso mesmo tem se revelado tão exasperada e irritadiça. Em breve, teremos grandes surpresas com o povão. Artistas plásticos, escritores e cineastas sairão da massa antes ignara. Enfim, nem tudo se resume a crise econômica ou guerras contra-midiáticas. As pessoas continuam vivendo e se instruindo, com ou sem dinheiro. Para o espírito humano, e portanto para o espírito coletivo, crises econômicas não têm nenhum significado.

21 de janeiro de 2009

Artigo sobre arte na Inteligência

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A revista Inteligência, publicação impressa trimestral, atualizou seu website, onde publica, na íntegra, gratuitamente, o seu conteúdo. Nesta edição, número 43, publicaram matéria minha sobre artes plásticas. Vale conferir.

http://www.insightnet.com.br/inteligencia/43/

1 de janeiro de 2009

Arte Gonzum

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(foto de Paulo Lacerda, um policial federal, estilizada por mim mesmo)

15 de dezembro de 2008

Novidades urgentes

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Links urgentes:

1) Idelber Avelar ataca a armação montada pela TV Cultura para carinhar Gilmar "Dantas" Mendes

2) FHC é acusado de corrupção por um delegado da Polícia Federal, no Mello.

3) Leia artigo abaixo do Paulo Herkenhoff sobre a prisão de Caroline Pivetta:

Bienal age de modo cínico e intolerante ao lavar as mãos

Carolina Pivetta da Mota passou o dia de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos numa cadeia em São Paulo. Isso não denigre a Bienal, nem São Paulo, nem o Brasil. Isso denigre a humanidade.


PAULO HERKENHOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Minha opinião ou a de qualquer outra pessoa sobre o grafite não tem a menor importância no caso da Carolina Pivetta da Mota na Bienal de São Paulo. Não se trata de condenar ou aplaudir a ação de grafitagem. Eu vi, em 1972, os seguranças do MAM carioca ajudarem Antonio Manuel a fugir da polícia que o perseguia porque havia se apresentado nu no Salão Nacional de Arte Moderna. O MAM do Rio não mandou prender Raimundo Colares quando quebrou vidros do prédio em manifestação durante a ditadura militar.

A Bienal quer que o Brasil sinta saudades da ditadura? A mesma Bienal que entrega a grafiteira à polícia foi a que proscreveu Cildo Meireles em 2006 por ter protestado contra a reeleição de Edemar Cid Ferreira para seu conselho. O paradoxo é que Edemar não providenciou a prisão da garota que beijou com batom uma tela de Andy Warhol na Bienal de 1996, fato muito mais grave do que grafitar paredes nuas.

A Bienal, seu presidente, conselheiros e curadores que continuarem a se omitir precisam aprender algo com Edemar: na Bienal, a repressão não é um fim em si. Confesso que, quando soube da grafitagem, pensei que fosse um gesto autorizado numa Bienal que ia criar uma praça de convivência e estimulava a participação da cultura pop jovem. Era estratégia de marketing ou efetiva proposta de política cultural?

No entanto, tudo é obscurantista na posição da Bienal desde o dia da grafitagem. Posso até entender as reações de primeira hora mais agressivas por agentes culturais e políticos da Bienal, mas temos de admitir ser uma estratégia hedionda acusar a grafiteira de "danificar" o patrimônio tombado, já que as feiras, as festas de casamento e a própria Bienal furam e escrevem nas paredes, pintam e bordam com o prédio sem autorização do Iphan.

Se a grafiteira fosse um nome do mercado de arte não teria sido presa ou já estaria solta. O ato de Carolina Pivetta da Mota é rigorosamente igual a tudo o que ocorre no prédio da Bienal. Depois é só repintar, como aconteceu. Tudo se refaz porque o prédio da Bienal está à disposição da expressão. Sua estrutura original de feira industrial tinha que ser necessariamente versátil para atender a todo tipo de tranco físico. Por isso o acabamento sem adornos e luxo do Pavilhão do Ibirapuera. É só cimento, tijolo e cal.

Debate na pasmaceira

Carolina também não interveio na obra de ninguém. Ela não é uma Tony Shafrazi, que grafitou a "Guernica" de Picasso. Se tivesse praticado um ato anti-social realmente grave, Carolina já poderia ter sido condenada a alguma prática comunitária na própria Bienal. Neste caso, não se estaria "domesticando" uma consciência crítica, mas dando-lhe a oportunidade de entender melhor o processo de uma Bienal. O que Carolina está contribuindo socialmente agora é a introduzir um debate na pasmaceira institucional.

Se tivesse causado um dano real à superfície das paredes, teria sido ínfimo. Dirigi um museu do Iphan onde uma ex-diretora causou danos em esculturas ao instalá-las ao ar livre, onde tomavam chuva ácida. O Iphan e o Ministério Público não pediram sua prisão quando se verificaram danos irreparáveis à pátina na escultura "A Faceira de Bernardelli".

No caso do grafite na Bienal, não ficaram seqüelas. Fui curador da 24ª Bienal de São Paulo, e minha monografia final no mestrado em direito pela Universidade de Nova York foi na área de direito constitucional. Nessa dupla condição, afirmo que o que vejo aqui é uma posição odienta da Bienal transferindo a responsabilidade por essa situação kafkiana para os órgãos do Estado como responsáveis por este processo.

Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Por acaso, Oscar Niemeyer veio a público protestar contra a grafitagem como um "ataque" danoso ao pavilhão do qual é autor, como sempre fez quando degradam um projeto de sua autoria?

A Fundação Bienal primeiro agiu de modo intolerante e agora de modo cínico ao lavar as mãos. Parece que estar em "vivo contato", proposta desta Bienal, está sendo entendido como exercício de ira ou crueldade que, afinal, estão entre as pulsões de morte da espécie humana. Ou é só vingança? Afinal, alguém tem que pagar...
Mesmo que seja uma mulher, baixinha, gordinha que não conseguiu escapar da ineficiente vigilância da instituição como os outros 30 galalaus. Sua prisão serviu para salvar a honra dos vigilantes e o contrato da empresa com a Bienal... Parabéns a Carolina por não ter pensado na delação premiada para se safar da encrenca, mesmo depois de 52 dias sem um habeas corpus.

Carolina Pivetta da Mota passou o dia de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos numa cadeia em São Paulo. Isso não denigre a Bienal, nem São Paulo, nem o Brasil. Isso denigre a humanidade.

Se o vazio fosse de fato o espaço aberto para discutir a instituição, essa extraordinária grafitagem teria sido incorporada ao projeto ético e político da 28ª Bienal. A grafitagem já é um dos fatores mais marcantes desta edição. Com mais repressão, deixará de ser um problema de excessivo rigor penitenciário para se tornar uma questão para estudos éticos curatoriais e debates estéticos. Se a Fundação Bienal de São Paulo não se cuidar, a conclusão a que se poderá chegar é a de que o principal problema da Bienal é a 28ª Bienal e a estrutura política que a sustentou.

Peço desculpas a Carolina por não ter protestado, em minha recente palestra na Bienal, em sua defesa e contra esse estado brutal de condução da vida institucional. Eu pensava que já estivesse solta. Quem salva o Brasil e a Bienal não é cadeia, é Mário Pedrosa ao dizer que a arte é o exercício experimental da liberdade. E dirigir a Fundação Bienal de São Paulo ou fazer curadoria não pode perder isto de vista.

PAULO HERKENHOFF é curador e crítico de arte. Dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e foi curador do MoMA em Nova York e da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998

9 de dezembro de 2008

Anotações e considerações - Cultura e Política

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Por João Villaverde

Na segunda-feira à noite, depois do expediente, corri para o auditório do Masp, na Avenida Paulista, para acompanhar o primeiro dia da série de três debates promovidos pela Folha acerca das comemorações de 50 anos de seu caderno cultural, a Ilustrada.

O primeiro debate é o que mais me interessava: Cultura e Política, com Maria Rita Kehl (psicanalista), Caetano Veloso, Cacá Diegues e Ferreira Gullar. Para mediar, o editor do caderno de política do jornal, Fernando Barros e Silva, também colunista de Opinião da Folha, ocupando às segundas-feiras a coluna de Clóvis Rossi.

Graças ao infernal trânsito de São Paulo, perdi as falas iniciais de Caetano, Maria Rita e Cacá Diegues. Quando cheguei, Gullar começara a falar.

Antes, que fique claro meu respeito à todos os debatedores. Minhas opiniões e divergências são de visões de mundo, de mudança com as coisas como elas estão. Nada tem a ver com a obra passada deles.

Para Ferreira Gullar, poeta e escritor surgido nos anos 50, historicamente ligado ao comunismo soviético - chegou a morar na URSS nos tempos de exílio nos anos 70 -, os tempos de cultura no Brasil são outros. Enquanto que nos anos pré-ditadura havia um grande debate nacional acerca de um país "novo", que se descobria, e nos anos da ditadura havia um "Inimigo" óbvio a ser escancarado e combatido, a partir dos anos 80 perdeu-se o engajamento.

Gullar falou muito que o Brasil da ditadura não era o mesmo que os militares expunham. "Havia fome, violência, favelas, desrespeito, tudo ficava escondido pela censura e pelos números de crescimento". Para ele, aquilo deveria ser mostrado de alguma forma, e a cultura estava encarregada desse papel.

De um certo modo, essa era a opinião dominante entre os convidados.
Não deixa de ser curioso que essa visão - que é dominante nas artes e na cobertura de cultura, bom que se diga - é um espelho da máxima de Fukuyama, de que, após o fim da União Soviética em 1991, tínhamos alcançado o "fim da história". É um espelho porque a frase não pode ser literalmente associada ao pensamento dos três artistas presentes (Caetano, Cacá e Gullar). Os três são críticos, em maior ou menor escala, da sociedade atual. Mas não deixa de ser sintomático esse pensamento reducionista de que, com o fim da ditadura militar, não há mais porque existir engajamento político nas artes. Quer dizer então que não há mais fome, violência, favelas e desrespeito no Brasil? A sucessão de Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula erradicou todos esses males do país. É isso?

Ferreira Gullar aproveitou a deixa para tratar de política contemporânea: "Não há, a exceção do Chávez na Venezuela, quem acredite em socialismo nos dias de hoje". Não pretendo entrar nos méritos do conteúdo exposto, mas na conotação social e comportamental colocada como pano de fundo. Discutir se Gullar está certo ou errado, se Chávez é bom ou ruim, se o socialismo é possível ou não, é indiferente. O contexto é outro. Ao pensar dessa forma - e não sofrer contestação dos debatedores - está se passando a visão de mundo hegemônica na classe artística de hoje: 1) os engajados do passado não vêm mais razão para esse engajamento na sociedade atual. 2) os artistas do presente já estão inseridos nesse mundo. Não querem, nem precisam discutir as coisas. Afinal, as coisas são como elas são. Não há porque mudar.

A tristeza desse pensamento é atestar para o sofrível nível das artes no Brasil atual. Se antes tínhamos artistas e pensadores de artes ao mesmo tempo - pessoas que, além de produzir, discutiam a produção dos outros e as condições sociais ao mesmo tempo - hoje não temos nem um nem outro. A arte é recebida acriticamente, porque foi assim concebida. E o movimento se retro-alimenta: não há obra engajada, que discuta os rumos da sociedade. Ao mesmo tempo, a crítica especializada - cada vez mais pulverizada, porém ainda fortemente centralizada nos cadernos culturais dos grande jornais - não propõe qualquer julgamento político àquilo que recebe. E o público - cada vez mais transformado em consumidor - busca cada vez mais alienação e abstração.

O que se vê, então, é um crescente processo de alocar às artes o papel de abstração.

Gullar tratou disso em sua fala. Disse que o artista tem a liberdade de escolher produzir uma arte política ou abstrata. No entanto, disse que a arte é eminentemente abstrata. É verdade. E seu ponto de vista pode ser entendido de qualquer forma. Mas o que parece coerente é que, mesmo política, a arte antes é abstrata. Se for direta não é arte, mas panfleto. E a arte política reside justamente na crítica do sistema e do status quo por meio da abstração reflexiva.

E falando em reflexão. Qual foi o último grande momento de reflexão acerca dos rumos do país e da sociedade mundial proposto pelas artes? A Bienal do Vazio? O Ensaio sobre a Cegueira? Paulo Coelho? Mallu Magalhães?

Aí entramos no ponto que iniciou o verdadeiro debate (até então se tratava das falas iniciais dos convidados). A questão do individualismo e da descentralização do consumo de cultura graças ao desenvolvimento tecnológico.

Cacá Diegues contou de um amigo que, voltando de viagem ao Vietnam, comprou uma cópia pirata de "Tieta" - filme de Diegues - em DVD. Ele disse adorar a idéia de ter um filme piratiado e comercializado no Vietnam. Disse apoiar a iniciativa. Maria Rita Kehl lembrou que o rapper Mano Brown gostava de dizer que nada o deixava mais feliz que saber que seus cds eram vendidos por ambulantes nas estações de metrô em São Paulo. Caetano aproveitou a deixa para dizer sobre as enormes possibilidades abertas pela internet, que vem destruindo o tradicional modelo da indústria fonográfica. "Já fiz música para poucos ouvirem, já passei pela fase pesada da indústria cultural, e agora estou vendo uma abertura total", disse.

Para Cacá Diegues é questão de tempo - entre cinco e dez anos - para que não haja mais produção física dos meios de distribuição de filmes. "Poderá se passar filmes de Miami, Los Angeles, para a Avenida Paulista por meio de linhas telefônicas. Nesse momento, o custo de exibição será zero e o produto vendido será o agregado: a pipoca mais cara do mundo, a Coca-Cola mais cara do mundo, a camiseta, o boné, etc.".

A palavra chave dos novos tempos, para os três artistas, é democratização. É a democracia na produção, na distribuição e no acesso à todas as formas de cultura. De fato, é um sinal dos tempos contemporâneos. É assim com cultura, é assim com jornalismo. Com os blogs, por exemplo, a informação e a opinião é descentralizada da figura dos grandes jornais, e o debate é instantâneo, por meio dos comentários. Há enorme interação entre o produtor e o consumidor da notícia. A mesma coisa acontece com a cultura.

"O mercado continua sendo importante. Antes, importante para a indústria. Agora, importante para a figura individual do produtor de conteúdo artístico", disse Caetano. Para Ferreira Gullar, os homens são iguais em direitos, mas diferentes em qualidades. "Ninguém é Pelé. O Oscar Niemeyer é um gênio, mas se não fosse pelo pedreiro, o desenho não sairia do papel. Em casa é a mesma coisa. Não fosse a comida da dona Maria, eu não faria minhas poesias". Foi aplaudido.

Maria Rita Kehl pegou o microfone: "A questão é: quem vai querer ser o Niemeyer e quem vai querer ser o pedreiro?". Poucos, mas fortes aplausos localizados no auditório.

Alcançaram o consenso por meio da "cultura de nichos", isto é, da arte sendo feita pensando em grupos específicos, sem mais a pretensão de alcançar as massas.

Aí reside boa parte do mundo que vivemos hoje. Há nichos espalhados por toda a parte. Na política há aqueles que buscam os grandes jornais. Há aqueles que buscam os blogueiros de direita. Os blogueiros de esquerda. Os blogueiros grosseiros. Os blogueiros educados. Os blogueiros intelectuais. Os engraçados. Os músicos. Os blogs de teatro. Os blogs sobre séries de televisão americana. Os blogs de novelas. Os blogs de celebridades. Os blogs jurídicos. As revistas financeiras. As revistas de celebridades. As rádios de música clássica. Os sites de rock indie.

A televisão à cabo nso Estados Unidos dos anos 90 já trazia um pouco do que a internet oferece hoje. Diversificação do conteúdo, atendendo a fatias específicas de mercado, sem rabo preso com índices de audiência, mas com a publicidade, que também é localizada, uma vez que se mapeia e se conhece perfeitamente o público consumidor.

Os produtores de conteúdo interagem com seu público consumidor. A interação gera sintonia de discurso, criando uma fórmula que emula aquilo que se quer com os limites impostos pelo consumidor. Aos poucos, aumenta-se o debate, mas permanecem os gostos e costumes. A arte industrial, que fala às massas, ainda resiste com pontos específicos em determinados campos, é claro. O filme "Batman, o cavaleiro das trevas", por exemplo, está perto de alcançar um faturamento de um bilhão de dólares apenas de bilheteria, ao redor do mundo. Mas está se verificando uma falência de um modelo, anterior mesmo à indústria da cultura, que é o da arte que instiga, que insere o novo, aquilo que ninguém estava acostumado a ver e pensar, criando novas reflexões e novos caminhos. Isso está cada vez mais difícil de ser feito.

Até porque, os pontos mais interessantes do mais recente sucesso de cinema (Batman) - a anarquia social e o maniqueísmo ilusório entre homens - foram solenemente ignorados frente à morte do ator que interpreta o coringa (Heath Ledger) e aos efeitos especiais introduzidos pelo filme (a cidade computadorizada).

O interessante que se formou no debate da Ilustrada esteve, o tempo todo, no subterrâneo. Mesmo nas horas de opiniões distintas, não faltou a tranquilidade habitual pela maturidade dos debatedores e pelo evento em si. Afinal, antes de debate, tratava-se de um dos três grandes dias de comemorações de 50 anos da Folha Ilustrada.

Mas o debate ajuda a fomentar algo que está sendo esquecido. Perguntas colegiais e existenciais clichês: Onde estamos e para onde pretendemos ir.

6 de dezembro de 2008

Novo blog de Artes Plásticas

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Fiz um novo blog para o pessoal do Clarabóia. Está ficando legal. Promete ser um interessante espaço para discutir artes visuais.

http://espacoclaraboia.blogspot.com/

5 de dezembro de 2008

Evento inédito de artes plásticas na Lapa

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A galeria Clarabóia prepara um evento inédito. Mais de 70 artistas plásticos do Rio de Janeiro irão expor seus trabalhos nos três andares do sobradão da rua do Rezende 52, Lapa. É uma oportunidade maravilhosa para adquirir obras de arte de alto valor artístico a um preço acessível. O conceito do evento é oferecer trabalhos aos preços de R$ 9 a R$ 199.

Ontem eu participei da montagem da exposição. Depois fui comer pizza e tomar umas cervejas com o pessoal. Constatamos que nenhuma galeria no Rio, até onde nos lembramos, jamais fez, em tempo recente, uma exposição desse porte, reunindo tanta gente e com essa proposta democrática.

Quero salientar aqui a qualidade das obras expostas. Artistas das mais variadas tendências estarão presentes e, ciente de que estarão em espaço nobre, trouxeram seus melhores trabalhos - quer dizer, o melhor para a faixa de preço combinada.

Estou registrando em vídeo e fotos esse momento especial. Em breve, publicarei tudo aqui, na TV Gonzum.

Convido os leitores do Rio de Janeiro a prestigiarem o evento, que se realizará no próximo sábado e domingo, de manhã à noite. A galeria Clarabóia localizar-se ao lado da rua do Lavradio, onde acontece, sábado, a Feira do Rio Antigo, com shows, artesanato e inúmeros bons restaurantes.

Abaixo a relação dos artistas que participarão. Clique na imagem para ampliar.

28 de novembro de 2008

Arte, política e mercado

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Por João Villaverde

Eu acho que não se pode falar de cultura sem se falar de política. E não se pode falar de política sem se falar das liberdades individuais. Ou sem se falar do clima no qual se cria a cultura. É mais importante, me parece, do que discutir as questões relativas ao processo econômico ou ao processo de censura especificamente. Aquilo que se vive, o cotidiano mesmo. Quer dizer, a cultura entendida como o sentido mais amplo das relações sociais e do processo da criatividade humana num determinado país, numa determinada época.
Leon Hirzman, 1975

O fim da repressão, da censura e da ditadura militar em 1985 aplacou os movimentos políticos e as artes de uma maneira que a sociedade até hoje não se levantou.

Os anos 1990 trouxeram novos ideais, com Collor e Fernando Henrique Cardoso. Agora, o movimento era de inserir o Brasil no mundo moderno. Como? Passando as instituições do Estado para mãos privadas, ou simplesmente abolindo a participação pública nas artes. Sob Collor a Embrafilme, a Funarte e toda participação do Estado nas artes foi desmantelada. Se isso pode ter sido benéfico para a liberdade de expressão desvinculada do financiamento estatal, criou um movimento contrário: agora se está em mãos de fundos de investimentos, nacionais ou estrangeiros, ou de galerias e colecionadores privados.

Sob FHC foram criadas as leis de incentivos fiscais concedidos pelo Estado para que empresas privadas ou públicas invistam em artes. No campo audiovisual e no teatro, o jogo ficou reduzido ao financiamento de empresas (basicamente instituições financeiras), aproveitando o abatimento de impostos previstos pelo Estado para a distribuição em larga escala. Nas artes plásticas esses agentes funcionam como compradores, enquanto a produção é financiada por colecionadores (por vezes, as mesmas instituições financeiras) ou por galerias. A centralização do acesso – tanto do produtor quanto da sociedade em geral – ficou ainda mais concentrada, num modelo mais elitista que o vigente anteriormente.

E estamos falando de um país que privilegia a camada de renda mais alta da sociedade há 508 anos.

Historicamente, as artes plásticas sempre foram um feudo da burguesia “esclarecida” (leia-se endinheirada), que tinha acesso à cultura dos países ricos, podendo importar valores e obras para cá. Os primeiros movimentos nacionais nesse campo foram os modernistas das primeiras décadas do século XX, seguidas do movimento concretista dos anos 50. Mas a primeira arte genuinamente nacional no campo das artes plásticas foi o movimento cultural dos anos 60 e 70, que gerou a defesa da cultura nacional, das características do povo e das disputas políticas internas. Foi esse movimento que foi esquecido tão logo a abertura política começou a ser desenhada, ainda no fim dos anos 70.

É preciso ter em mente o processo histórico para poder discutir os novos artistas e entender o porquê da arte ser como ela é.

Não há uma criação estética relevante no país. Mesmo se atendo ao aspecto simplista das aparências, os artistas de hoje se parecem muito com os jovens americanos: tênis All-Star, calças justas ou bermudas largas, camisetas pretas justas ou coloridas com inscrições em inglês, óculos escuros e bonés. Isso não é uma crítica, mas uma constatação.

O país dos pescadores, dos índios, dos negros, da favela, dos 40 milhões que dependem dos R$ 95 mensais (quantia máxima dos benefícios do Bolsa Família) repassados pelo Estado para comer, do frevo, do samba, etc., é ignorado, como de costume.

Há duas semanas, na quarta-feira 19, conversei com o artista plástico Rodolpho Parigi, de 31 anos. O Rodolpho pertence a novíssima geração de artistas plásticos do mainstream brasileiro. Estudou na FAAP, uma das mais caras faculdades da América Latina. Contou que, no primeiro ano (2003) eram 30 alunos na sala. Quando se formou, no ano passado, sobraram ele e mais quatro. Mas não era uma questão de grana. Rodolpho era o único bolsista entre os que entraram no mesmo ano. Era uma questão de paixão pelo trabalho, pelas artes.

Aliás, um parêntesis. Isso é absolutamente normal nos cursos da FAAP. Muito caros, a concorrência é pequena. Acaba atraindo, em sua maior parte, o inúteis endinheirados que não tem preocupação alguma com o futuro. A renda tá garantida. Escolhem o campo das artes pelo deslumbramento, não pela emoção. Abandonam tão logo percebem que a coisa, antes de pragmática é radical. Viver de arte no Brasil não é fácil. Mesmo para os mais ligados ao poder. Fecha parêntesis.

Rodolpho surgiu em 2006, quando iniciou sua série de trabalhos "apropri_ação", pintando sempre em cor preta, paredes brancas. Começou a ser contratado por colecionadores e galerias para fazer o trabalho. E a mudança de patamar veio no fim do ano, quando Bernardo Paz - famoso colecionador, casado com Adriana Varejão - adquiriu duas obras suas.

"A partir daí foi uma mudança total. Passei a ser contactado por diferentes galerias, colecionadores, comecei a ter horários, coerência de discurso, assistentes...". Rodolpho entrou para o mercado. Seus trabalhos, hoje, tem o preço mínimo de R$ 20 mil. Desses, 50% ficam com a galeria. Ele agora se prepara para sua primeira exposição individual, em fevereiro do próximo ano.

Durante a conversa ele disse estar lendo um livro sobre cores e política. Ele ficou impressionado com a idéia de que escolhemos a cor de nossas roupas a partir de nossos ideais sociais e políticos. Aproveitei a deixa para perguntar sobre seu trabalho, se ele é político ou não.

"Não, não é. Minhas influências são todas sexuais. Aliás, adoro o fato de meu trabalho ser extremamente comercial. Mas não posso ser um vendido, perder minha postura de artista por causa do mercado. Ao mesmo tempo, o mercado existe. Tenho de levar isso em consideração". O dilema fica claro.

E o país segue, sem que haja uma tendência de crítica ou contestação política diante do mundo em que vivemos. A popularização das artes é necessária, mas antes é preciso resolver os problemas imeadiatos. Afinal, é muito descolamento social fazer um desenho bonito enquanto os serviços públicos definham há séculos.

31 de outubro de 2008

Anotações desvairadas para uma resenha sobre o pintor Helcio Barros

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(Noturno, de Helcio Barros)

Que bicho estranho é o homem! Uns se apegam a gatos, outros alimentam pombos. Compram kits para montar aviões de plástico, instalam rádio-amadores no quartinho dos fundos. Fazem trabalho voluntário em presídios, hospícios e áreas devastadas por fome e guerra. Esgoelam-se e brigam nas ruas por causa de seus times de futebol. Eu me interesso por artes plásticas e literatura. E nos últimos anos tive a honra de conhecer inúmeros artistas plásticos. Tantos que hoje eles são parceiros em diversos empreendimentos - tipo investir no mercado local de bebidas.

Agora que as horas do meu dia se alongaram, pretendo escrever mais sobre artes plásticas. Andei lendo e relendo diversos livros sobre o tema. Li resenhas de Mario Pedrosa, Frederico Moraes, Ronaldo Brito, Rodrigo Naves, e nessa onda de ler resenhas, acabei chegando num homem de cinema, Paulo Emilio, que eu conhecia muito de nome, e por ser o autor do conto que inspirou Ao Sul do meu Corpo, do Sarraceni, um dos filmes mais lindos do cinema brasileiro; e li crônicas deliciosas e eruditas sobre a sétima arte, inclusive uma interessantíssima série sobre Orson Welles da qual falarei mais tarde.

Ainda estou me preparando para escrever o ARTIGO para a Inteligência, mas agora tenho que escrever algo urgente para a edição atual de Manuskripto, então escolhi Helcio Barros, um exímio expressionista abstrato, colorista de primeira linha, que possui ateliê em Santa Teresa, Rio de Janeiro, além de ser meu eventual parceiro de copo nas madrugadas da Lapa.

Desde que resolvi escrever mais textos sobre arte, deparo-me com sérios dilemas. O principal deles é a própria incomunicabilidade escrita da arte visual. Como artista e crítico não-conceitual, os textos sobre arte sempre me pareceram forçados, desagradáveis, indignos. O crítico alinhava chavões em linguagem deleuziana, com vôos forçadamente poéticos, ou envereda por análises pesadas escritas com jargão ultra-especializado, com objetivo único de intimidar leitores e impor respeito aos simplórios que apenas querem apreciar um bom trabalho de arte, seja pintura, objeto, assemblage, técnica mista, aquarela, land art, instalações ou performances.

Houve quem conseguisse escrever maravilhosamente sobre arte. Baudelaire, por exemplo. Mas o livro que mais gosto é o clássico Arte Moderna, de Giulio Carlo Argan. Como transmitir em palavras uma sensação visual? Naturalmente é impossível, então o resenhista busca trilhas alternativas, vai pelos flancos. Sempre é mais fácil discorrer sobre obras e autores consagrados, mortos e consagrados. Mas vamos lá. Os desenhos e pinturas de Helcio Barros nos dissolvem, nos fazem escorrer para um lugar lá embaixo, estranho, um mundo líquido, cruel, cheio de dor. No entanto, sente-se que esse universo de cores destruídas, de seres se decompondo, de céus tortos, ébrios e sombrios, tem amor, tem pensamento, e tem a ansiedade gloriosa da juventude.

Quiçá a crítica de arte seja, portanto, esse processo dilacerante, dilacerado e dilacerador, como a própria arte, mas que, por razões de mercado ou covardia, evita saltar no mesmo abismo para onde a arte se lançou. Então permanece no alto do penhasco, olhar perdido no horizonte, solitária, sem saber que direção seguir. Talvez a arte seja essa renúncia lenta, desesperada, essas linhas e cores inconsequentemente belas, como um pássaro resfolegando na tempestade. Talvez a crítica, a vida, a morte, Antônio Conselheiro, a imprensa conservadora, a revolução tecnológica, não sejam nada mais que variações trágicas dos seres disformes pintados por Helcio Barros.

Confira o site do artista.

http://www.helciobarros.com.br/

E seu blog:
http://www.helciobarros.blogspot.com/

29 de outubro de 2008

Alice no País das Maravilhas

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Hoje tem abertura da exposição do maior artista brasileiro de todos os tempos, Flavio Shiró, autor da pintura acima. O evento acontece no Espaço Cultural dos Correios, no centro histórico do Rio de Janeiro. E por falar em centro, hoje consegui me libertar da hipnose que a volta da banda larga deixou-me nos últimos dias e passeei longamente por estas ruas impregnadas de história e literatura. Andei até a biblioteca estadual, na avenida Presidente Vargas, que passará por uma profunda reforma, com os recursos que o Cabral conseguiu arrancar, à força de sorrisos, do presidente Lula. Devolvi um romance chato do Tariq Ali e troquei por uma coletânea de contos de Ernest Hemingway. Na dúvida, fique sempre com os clássicos.

No salão de jornais de revistas da biblioteca, li o Jornal do Commercio, o mais antigo do país, que faz uma cobertura bem diferenciada da realidade política e econômica brasileira, sem as obsessões serristas da trinca Estadão-Folha-Globo. Saí dali e peguei a rua Buenos Aires, coração do comércio popular carioca e onde a ignorância furiosa dos especuladores imobiliários deixou intactos centenas de belos sobrados do século XIX. Queria ir ao Centro Cultural de Justiça, que também possui um salão de jornais. Chegando lá, ainda não havia aberto, então pus-me a dar voltas pelas adjacências, e quando dei por mim estava na rua do Consulado Americano e da Academia Brasileira de Letras - onde me enfiei para ver a exposição em homenagem a seu fundador, o grande escritor carioca Machado de Assis, único romancista brasileiro apreciado por Philiph Roth e Wood Allen. Boa pedida. Projetada e executada por Anselmo Maciel, a exposição foca na ambientação histórica de Machado de Assis, recuperando fotos antigas das ruas do centro onde ele residiu e viveu durante seus anos de formação. As fotos receberam tratamento especial, o que permitiu que fossem ampliadas em dezenas de vezes, dando-nos uma forte sensação de viagem no tempo. Ver a rua Primeiro de Março, a imponente igreja de são francisco, os bondes puxados a burro e os edifícios elegantes do centro, provocou-me, como sempre, nostalgia de um tempo que não vivi, e revolta pela destruição brutal sofrida pelos bairros históricos. A já citada ignorância especulativa, afinal, não apenas derruba bolsas e empobrece trabalhadores em todo mundo - seu rolo compressor também esmagou a belíssima arquitetura art-noveau do Rio Antigo.

Por fim, voltei ao Centro Cultural de Justiça e terminei minha leitura da famigerada TRINCA. Quem procura, acha, diz Silvio Santos, sucessor de Roberto Marinho na galeria dos vasos ruins que nunca quebram, e o Globo, na ânsia de encontrar algum viés positivo para o tucanato, abraçando o slogan do concorrente, procurou e achou. Achou um "índice de sucesso", segundo o qual o PSDB ficou em primeiro lugar no ranking dos partidos, elegendo uns 40% do total das candidaturas lançadas. O PT, claro, ficou em último, com uns 20%. O Estadão, como sempre, publica editoriais elegantemente indignados e reacionários, quiçá num tom acima do mentalmente saudável, contra todos os presidentes sul-americanos reunidos num encontro recente. Para o Estadão, o fato da América do Sul já ser o principal destino das exportações brasileiras não tem importância nenhuma, e por isso qualificou a reunião de inútil.

Daí peguei a Bravo, onde li uma excelente entrevista com Veríssimo, por Marcelo Rubens Paiva, e matérias tolamente encomiásticas sobre a artista visual Beatriz Milhazes e seu eterno jardim de flores pintadas, o que me levou a reler Alice no País das Maravilhas, conforme cantava Raul Seixas. Acabei de tomar meu quilindrox, meu discomel e outras pílulas a mais. Duas horas da manhã recebo nos peito um ploct-pus 25 e vou dormir quase em paz. E a chuva promete não deixar vestígios. E a chuva promete não deixar... vestígios. Acho tão lindo esse último verso.

Bem, desculpe o desvario. Continuando: eu falava de quê? Ah, de artes plásticas. Então, é isso. Essa Bienal de São Paulo, para mim, simboliza o que há de mais ridículo na arte, na crítica de arte e, sobretudo, na curadoria. Os curadores atuais merecem ser condenados por crime de lesa-pátria, traição aos princípios mais elementares da arte, egolatria delirante e, finalmente, incomensurável incompetência e ignorância estética. Existe tanta coisa boa para ser mostrada numa Bienal! E os infelizes, depois de reclamar de dinheiro, montam um tobogã? Deixam um andar vazio? Tenho tanta coisa a falar sobre isso que me dá preguiça. Vou escrever um artigo detalhado sobre o tema para a revista Manuskripto (já assinou? não? vai na coluna da direita e assina, pô!).

E voltamos ao começo. Daqui a pouco vou encontrar meu amigo Juliano Guilherme, outro grande pintor, e vamos à vernissage de abertura de Flavio Shiró, comer quitutes, beber champagne e apreciar as obras do maior artista brasileiro - nasceu no Japão, mas veio ao Brasil com 4 anos, então já virou produto nacional - de todos os tempos. Esse aí não perde tempo pintando florzinhas tropicalóides, tão idiotamente alegres, tão imbecilmente brasileiras!, para vender em Nova York.

20 de outubro de 2008

Imagens da festa de inauguração

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Nova galeria no Rio! O espaço Clarabóia, que reúne artistas plásticos de variadas tendências, inaugurou uma galeria comercial. A festa realizada no sábado durou até altas horas da madrugada, com direito a show do Sideral (foto), perfomances de Justo D'Ávila, Miguel do Rosário tocando violão e recitando poemas. Havia um flautista profissional, um fera, cujo nome eu, imperdoavelmente, não anotei (depois eu divulgo aqui), que deu várias canjas, acompanhando vários violeiros, eu inclusive.

Situado no coração da Lapa, o espaço Clarabóia ocupa inteiramente um sobrado histórico, com três andares, cada um com pé direito de quatro metros ou mais, e promete se tornar um foco de artes plásticas no famoso reduto da boemia carioca.

17 de outubro de 2008

Nova galeria de arte na Lapa & outros assuntos

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Meus amigos, sofri um blackout internáutico nos últimos dias e fiquei sem poder atualizar o blog e com restrições até para checar e responder emails. Não quero lhes incomodar com meus problemas, adianto apenas que agora está tudo normalizado. O acúmulo de assunto, porém, me oprime, então vamos organizar as coisas por prioridade.

Em primeiro lugar, quero convidá-los para participar da festa de inauguração da Galeria Clarabóia, na Lapa, Rio de Janeiro, rua do Resende 52. Acompanho os trabalhos dos artistas aí residentes, e posso garantir que vale a pena conhecê-los. Além disso, o evento contará com a participação de dezenas de artistas convidados, oferecendo a oportunidade a todos de acompanhar parte importante do cenário artístico contemporâneo. O convite está aí embaixo. O evento é aberto ao público em geral.




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Outro assunto importante é sobre as eleições. Em SP, apóio Marta Suplicly, claro. Não sou petista, mas apóio a esquerda, sempre. No Rio, prossegue o dilema. Ainda estou indeciso.


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Em post anterior, fiz uma afirmação bastante temerária. Defendi a extinção de Senado e Câmara de Vereadores. Como eu esperava, um leitor ligado ao Senado respondeu-me, de forma inteligente, que eu estava enganado e explicou-me a importância da instituição. Queria deixar claro, portanto, alguns pontos sobre esse tema. Em primeiro lugar, tenho consciência de que Câmara de Vereadores e Senado, pelo fato de existirem, possuem atribuições políticas e instituicionais. Em alguns casos, atribuições essenciais. Quando defendo a sua extinção, penso em transferir essa missão para, num caso, dentro algum órgão das próprias prefeituras, e para o Congresso Nacional, em outro. Seja como for, tratou-se de uma afirmação assumidamente irresponsável, intempestiva, e por isso usei inclusive um termo de baixo calão (disse que não serviam para "porra" nenhuma), para deixar bem claro que era uma observação emocional, instintiva - é que eu penso, às vezes, que os instintos nos levam a insights políticos bastante originais, embora nem sempre corretos.

7 de outubro de 2008

Qual o cachê dos pássaros?

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Não sou eco-xiita. Interesso-me demais por seres humanos, gosto demais de carne vermelha - e sou tarado por poluição, barulho de trânsito e multidões se acotovelando na rua. Somente na metrópole tumultuada sinto a maravilhosa solidão que prezo tanto. Uma solidão de mim mesmo, já que campos verdejantes e praias desertas me obrigam a um encontro com minha própria angustiada pessoa. Sou rato de bibliotecas, centros culturais, cafés, qualquer lugar que tenha jornais, livros e internet, que seja pretexto para eu sair de casa. Também gosto de andar de bicicleta, já disse.

Por isso mesmo aprecio cidades pequenas com um fascínio místico. Quase sempre, enquanto caminho por uma ruazinha de uma cidade pequena, contemplo a vida pacata nas casas simples e sinto um desejo enorme daquela vida silenciosa e tranquila. Quando tiver oportunidade, compro uma casa dessas, para aí passar temporadas e escrever. Queria me livrar de minhas taras doentias, urbanóides, e apreender a placidez suave dos lugares ermos e isolados.

Enfim, o assunto de hoje é sobre a exposição Fuga, de Laura Lima, na galeria Gentil Carioca, na praça Tirandentes, Rio de Janeiro, que comemorou cinco anos no último sábado. A galeria foi toda vedada com telas e pássaros colocados no interior, junto a esculturas de madeira que lembram poleiros. As esculturas são bonitas. Os passarinhos também. Não descobri as raças dos bichinhos, mas eles tinham cara de pintassilgos. Pequeninos, coloridos e cantores pintassilgos.

Os visitantes tinham que fazer fila para entrar na galeria, porque havia limite mínimo de pessoas, para não incomodar os pássaros. Mesmo assim, houve polêmica. Parte dos amigos gostaram muito da exposição, acharam-na originalíssima. Uma amiga nossa, no entanto, ficou horrorizada com a "exploração" das aves, e disse que, para ver pássaros, preferia vê-los livres, em sua chácara em Nova Friburgo. Outro amigo lembrou de uma exposição do Tunga em Paris (ou outra cidade européia), uma perfomance na verdade, que consistia num aquário, com peixes, que era rompido e os peixes se espalhavam no chão. O caso gerou polêmica e antipatia, pela crueldade com os peixes.

Recentemente, outro artista gerou polêmica ao usar animais em sua obra. Um cão amarrado na parede morria de fome aos olhos do público. E morreu efetivamente. O artista proibia qualquer pessoa de alimentar o animal, que morreu de inanição em dois dias. A obra, mostrada pela primeira vez numa exposição em Honduras, pertencia ao artista costarriquenho Guillermo Habacuc Vargas, e gerou uma forte onda de indignação em todo mundo.

Claro que os pássaros de Laura Lima não sofrem o mesmo tipo de tortura. Eles são bem alimentados e estão ali melhor do que numa gaiola. Mesmo assim, sentiria-me mais tranquilo se um especialista em comportamento animal me dissesse se os pássaros não estariam expostos a momentos de medo e incômodo.

Li na internet que uma outra obra famosa de Laura Lima traz pessoas (performers contratados) usando uma mochila de onde saem barbantes presos numa árvore do lado de fora do ambiente. Eles puxam com força mas não conseguem, obviamente, nem trazer a árvore pra dentro nem rebentar os barbantes. Pelo menos, as árvores não sentem (até onde eu sei) medo ou dor.

Bem, não quero correr o risco de ser chamado por retrógrado e de ser incapaz de entender as sutilezas da arte contemporânea. Eu gosto de muita coisa de arte contemporânea, mas, de fato, sou bastante crítico a uma tendência que considero um vanguardismo vazio e espetaculoso. Ok, confesso: não gosto de arte conceitual. É um saco ficar se desculpando por não gostar de um tipo de arte. A razão é que pisamos em ovos. O crítico hoje tem muito menos liberdade que antigamente. Primeiro porque o espaço para crítica de artes plásticas é extremamente reduzido nos jornais. Paga-se pouco e apenas para os mesmos dois ou três críticos consagrados. Segundo, há um clima de intimidação, tácito ou não, sobre os que se aventuram a fazer avaliações realmente críticas do cenário plástico contemporâneo. E, por fim, a crítica tornou-se matéria para iniciados, assunto para super-doutores que adotam jargão absolutamente hermético. O resultado é, claro, o afastamento do público comum. Faz-se arte para críticos e escreve-se crítica para outros críticos. Os críticos, hoje, não se comunicam com o público. Seu contato é exclusivamente com os artistas, com quem se ligam afetiva e comercialmente – visto que assinam juntos projetos para a Lei Rounet. O público que se dane, e a arte também.

Não queria ser negativo. Tenho admiração pela iniciativa dos artistas da Gentil Carioca, pioneira do novo corredor cultural que está se formando na região, da praça Tiradentes até a Lapa. Mas se vejo algum sentido em ser crítico de arte hoje em dia, usando o meu blog como plataforma principal, é prezar minha liberdade, e com isso afastar-me de qualquer condescendência.