30 de março de 2011

O Brasil continua?

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(Cerrado por brujería by Luis Felipe Noé.
Latin American Collection of the Jack S. Blanton Museum of Art)

Confesso que não tenho ânimo para sequer pensar em Bolsonaro. Esse cara merece simplesmente desprezo. Em vez disso, pesquiso o acervo da Folha, em busca de detalhes sobre a participação dos grandes jornais no golpe de estado de 1964. Aliás, quero parabenizar os barões da limeira por terem disponibilizado todo esse material na internet, servindo de exemplo para que outros lordes de passado escuso façam o mesmo. A boa ação, porém, não exime Frias e apaniguados das suas responsabilidades históricas, e ainda aguardo um pedido de desculpas, humilde, formal, solene, dos sócio-proprietários, por sua empresa ter emprestado um apoio tão importante para a consolidação do regime de força que experimentamos por vinte e um anos, de 1964 a 1984.

No dia 3 de abril, pouco mais de 48 horas após o golpe, a Folha publicou o seguinte editorial:


(Clique para ampliar, ou leia a transcrição ao final do post)

Tive a pachorra de digitar o texto todo, para facilitar sua leitura. É um texto com tantas mentiras que seria necessário um livro inteiro para destrinchá-lo. Todas as manipulações anteriores ao golpe encontram-se resumidas na calúnia de que Goulart pretendia implantar um regime comunista no Brasil. Não havia nada parecido com isso. O país encontrava-se, de fato, sacudido por greves e agitações sindicais, mas nada que qualquer outra nação capitalista não tivesse já experimentado e superado através da negociação política, da conversa, enfim, pela via democrática. Observe que, para afirmar essa mentira, o editorialista usa a expressão "nunca na história desse país"... Quanta ironia a história nos reserva!

Se pesquisarmos as edições dos dias 1 e 2 de abril, veremos que o jornal agiu como um boletim de campanha, animando os golpistas com relatos entusiasmados das adesões dos diferentes quartéis, procurando levantar o moral da tropa.

Entretanto, nesse capítulo vergonhoso da história da imprensa nacional, para mim os mais negros foram escritos nas semanas que antecederam ao golpe propriamente dito, em que os três cavaleiros do apocalipse (globo, estadão e folha) uniram-se numa campanha para inventar um clamor popular contra o regime, através da organização, promoção e cuidadoso marketing, das famigeradas Marchas da Família, por Deus e pela Liberdade. A hipocrisia aí tornou-se diabólica, pois ao mesmo tempo em que ajudaram, de todas as maneiras, inclusive financeiramente, a reunir hordas de tolos manipulados para protestar contra o governo democrático de João Goulart, as matérias falavam em manifestações "espontâneas" das massas...

Mas vamos ao editorial do dia 3 de abril. O golpe havia sido dado no dia 31. Nos dias 1 e 2, houve o sufocamento dos focos de revolta e consolidação da tomada de poder pelos militares, e no dia 3 a situação já estava sob controle.


O Brasil continua

Editorial da Folha de São Paulo, do dia 3 de abril de 1964

Voltou a nação, felizmente, ao regime de plena legalidade que se achava praticamente suprimido nos últimos tempos do governo do ex-presidente João Goulart. E isto se fêz, note-se, com mínimo de traumatismo, graças ao discernirmento de nossas Forças Armadas, que agiram prontamente para conter os desmandos de um político que, cercado de assessores comunistas, procurava manobrar o país de acordo com o pensamento desse reduzido grupo e em ostensivo desrespeito às melhores e mais caras tradições de nossa gente.

Muitos, ainda atônitos com os acontecimentos e em particular com o seu desfecho, talvez não se tenham dado conta de que o país se acha de novo subordinado ao regime constitucional. Empossado o novo presidente, cujo mandato tem a duração de trinta dias apenas passados os quais deverá o Congresso eleger aquele que deverá governar a nação até o fim do atual quinquênio, todas as garantias individuais e todos os artigos da lei, sem exceção, se acham em vigor.

Voltaram automaticamente aos seus limites constitucionais as atribuições dos governadores e de todas as autoridades. Toda exorbitância, no caso, representará grave perigo, pois estará contribuindo para subverter a ordem que as Forças Armadas restabeleceram com tanto zelo.

As observaçoes que acabamos de fazer tornam-se mais oportunas ainda quando se sabe que o foco de resistência que parecia esboçar-se no Rio Grande do Sul, onde o sr.Leonel Brizola bravateava a sua maneira, se acha extinto.

O dever que agora se impõe a todos é o do trabalho, sem dar atenção a possíveis boatos que alguns agitadores ainda queiram lançar aqui e ali, em desespero. E é de se esperar que o façam, pois nunca, na história desse país, eles estiveram tão perto de conseguir os seus ideais de, embora contra a vontade do povo, instalar no Brasil o regime comunista.

Na verdade, não seria necessário insistir nesse dever que agora se impõe a todos, com redobrado fervor. Pois o povo, em todos os recantos da pátria, demonstrou magnífico comportamento, durante os momentos de crise. Não deixou de trabalhar um minuto sequer, e isto se pode afirmar de todos os trabalhadores em geral. Apesar da vociferação dos espúrios órgãos que diziam representar a vontade dos trabalhadores e os conclamavam a greve geral, em não poucos lugares o que se viu foi o comparecimento antecipado dos operários, que movimentaram mais cedo para os seus postos de labuta, a fim de compensarem eventuais faltas ou deficiências de transporte.

É preciso, porém, que todos meditem nesse problema do trabalho porque o país vinha sofrendo contínuas perturbações de ordem interna e seguidas paralisações, que em nada contribuíam para o seu progresso. Há um tempo perdido que o povo tem de recuperar, embora não fosse ele, o povo trabalhador, o responsável pela dissipação de seus esforços e pela queima de tantas horas de trabalho na fogueira acesa pelos comunistas e pelos mais brasileiros que eles manobravam à vontade.

Dentro dos quadros da legalidade, confiantes no processo democrático, e esperançosos de que voltem ao bom caminho, os políticos eventualmente desviados das graves responsabilidades que tem perante o povo e a nação, olhemos o futuro com olhos otimistas e digamos com inteira convicção a frase que serviu de título ao suplemento que, quase se diria, por uma espécie de premonição, publicamos juntamente com nossa edição do dia 31 do mês passado: O BRASIL CONTINUA.

Me perdoem!

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Espero que me perdoem esse vai e vem maluco. Palavra de honra que não mudo mais. Não faço mais nenhuma estrepolia. Agora vai ficar assim por toda a eternidade!

O velho demo emergiu das trevas! O bom e velho Óleo do Diabo ressuscitou!

Sei que é muita burrice mudar nome de blog, porque isso confunde as ferramentas de busca, e perde-se muitos links espalhados pela web. Prometo ser menos burro daqui em diante.

Eu fiz uma enquete aqui no blog que deu vitória ao Óleo e muitos amigos queridos vinham me fazendo essa sugestão, então eu meditei bem sobre o assunto e resolvi retomar o nome antigo.

O gonzum.com e o gonzum.blogspot.com redirecionarão automatícamente para este endereço.

Abraços e obrigado pelo heroísmo em acompanhar esse blog cigano!

29 de março de 2011

O endereço do gonzum, ou melhor, do Óleo do Diabo

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Tá muito difícil trabalhar com domínio próprio no Godaddy. O site foi alvo de ataques há alguns dias e deixou o Gonzum.com fora do ar sábado, domingo e segunda. Mudei então para o gonzum.blogspot.com, o que simplifica o processo todo, já que é o endereço verdadeiro do blog. O gonzum.com é, como se diz, apenas uma "máscara".


Voltei por algumas horas ao sistema Godaddy, com endereço gonzum.com, mas estava muito lento.


Então anotem aí: o endereço deste site é gonzum.blogspot.com. Eu já mandei o Godaddy redirecionar o gonzum.com para gonzum.blogspot.com. Mas demora para ele processar, nem sempre dá certo e de qualquer forma é mais rápido acessar direto pelo gonzum.blogspot.com.

Conforme pedidos gerais, voltei com o Óleo do Diabo. O endereço gonzum.blogspot.com já está sendo redirecionado automaticamente para este aqui. O gonzum.com também. Então não se preocupem tanto em mudar links, essas coisas.

28 de março de 2011

Política doméstica poluiu debate sobre direitos humanos

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(Photograph by Larry Fink, Homage to Otto Dix, September 2001,
from the Forbidden Pictures Portfolio published 2004.
 )

A decisão do governo brasileiro de apoiar o envio de um representante da Comissão de Direitos Humanos da ONU ao Irã produziu uma grande confusão. O ambiente já estava envenenado, mas este é outro assunto. Eu queria voltar à Comissão de Direitos Humanos porque, nesse imbróglio todo, as críticas que mais ouvi foi que ela seria "hipócrita", porque não investiga a situação de direitos humanos das ditaduras árabes, não investiga Israel ou Honduras e, sobretudo, não investiga as violações cometidas pelos americanos.

Não é verdade. Mais uma vez, as pessoas confundem as limitações do Conselho de Segurança e da Assembléia-Geral da ONU, onde os EUA tem poder de veto, com a Comissão de Direitos Humanos, onde não há poder de veto. Na Comissão, discute-se sobre tudo, nenhum país escapa.

Eu mesmo fiz declarações apressadas, mas meu erro não foi defender a Comissão, e sim  defendê-la pouco, sem estar embasado em dados mais consistentes. Agora que eu estou pesquisando as atividades e o histórico da CDH da ONU, surpreendo-me em saber que há relatórios sobre Arábia Saudita, inúmeras denúncias contra Israel, relatórios sobre Colômbia, Yemen, Bahrein, Myanmar, o golpe de Estado em Honduras, sobre Costa do Marfim, etc.

Os EUA tem sido alvo de várias missões e relatórios da CDH da ONU. Há um relatório, por exemplo, que denuncia duramente os EUA pelos abusos cometidos no Iraque, com base em documentos vazados pelo Wikileaks.

O Brasil também foi visitado muitas vezes por representantes da CDH, que não pouparam críticas aos problemas encontrados por aqui.

Não são justas, por isso, as acusações de que a CDH seria "hipócrita" ao decidir enviar um representante para checar a situação de direitos humanos no Irã. A CDH tem sido aberta às denúncias de abuso em qualquer país, sem discriminação. Ao votar para o envio de representante ao Irã, o Brasil foi coerente com votações similares referentes a outros países.

Também não é verdade que se trata da "primeira vez" que o Brasil vota contra o Irã. O certo é que essa é a primeira votação do gênero sobre o Irã, país que tem sido alvo frequente de discussões sobre direitos humanos por parte de especialistas, e não apenas por causa da perseguição norte-americana, mas por denúncias graves de abusos feitas por intelectuais iranianos respeitados e pela sociedade civil do país. Assim como há denúncias feitas contra vários outros países.

Ao Brasil interessa fortalecer as organizações multilaterais, e estabelecer limites ditados pelo direitos internacional. O governo Lula não votou em favor do Irã nas últimas votações que ocorreram no Conselho de Segurança e na Assembléia Geral porque ele negasse que houvesse problemas na área de direitos humanos no país, e sim porque ele entendeu que, no primeiro caso, o assunto era o direito ao enriquecimento de urânio e, no segundo, o fórum não era o correto. Na votação realizada na Assembléia Geral, a representante brasileira foi bem enfática ao declarar que a posição do Brasil, ao se abster, era um protesto contra o fato de que o assunto estava sendo tratado no lugar errado; direitos humanos devem ser tratados na Comissão de Direitos Humanos, porque aí há muito menos manipulação por interesses geopolíticos.

24 de março de 2011

A última defesa de Dilma

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(Basquiat)


Estou atrás de fatos negativos sobre o governo Dilma. Decidi criar uma editoria especial para isso, usando a tag #dilmabadfacts. Quem quiser me mandar críticas ou denúncias contra Dilma, o PT e o governo de maneira geral, mande que irei publicar, dar destaque e fazer análises destruidoras. Talvez eu até me filie ao DEM. Quero ver então quem vai me chamar de chapa branca ou governista!

Mas antes quero fazer uma última defesa de madame Rousseff e seus comparsas.

Hoje eu navegava pelo blog do Nassif e topei com um post intitulado "Irã: muda a política brasileira na ONU" e daí vinha transcrita uma matéria do Estadão, cujo subtítulo era "País muda posição e aprova resolução do Conselho de Direitos Humanos contra governo de Ahmadinejad". Dêem uma olhada no post do Nassif, eu comentei várias vezes por lá. Depois que eu comentei ele mudou o título para "Irã: a nova posição brasileira na ONU".

Eu aguardava essa matéria há meses. Já havia até adiantado, num post feito dias atrás, que isso iria acontecer, que o Brasil iria dar voto contrário ao Irã na comissão de direitos humanos da ONU. Escrevi o seguinte, no dia 18 deste mês:

No ano passado, o Brasil votou contra sanções ao Irã no Conselho da ONU, não somente como protesto contra a "seletividade" parcial do episódio, mas por entender que a discussão sobre direitos humanos deve acontecer na Comissão de Direitos Humanos. Lá, sim, o Brasil pode condenar o Irã, assim como pode condenar também a Arábia Saudita, países africanos e os EUA. A Comissão de Direitos Humanos é o fórum adequado para esses assuntos, até porque não tem o poder de gerar sanções econômicas. Quando o caso do Irã, portanto, for votado na comissão de direitos humanos da ONU, a representante do Brasil poderá concordar sim que há violação de direitos humanos no país, até porque estes existem e são incontestáveis.

Aconteceu exatamente como eu esperava, e as reações são exatamente como eu esperava. A campanha da mídia para mostrar que Dilma rompeu com a política externa de Lula visa inicialmente provar a seu público que ela, a mídia, sempre esteve certa quando criticava Lula. Se Dilma tomou outro rumo, era porque Lula estava errado e ela, a mídia, certa. No entanto, Dilma não mudou nada. Ou antes, mudou para melhor, mantendo os mesmos objetivos, de ter uma postura independente, altiva, e perseguir a paz e a justiça no mundo. Sem contar que são bastante ridículas essas suposições psicodélicas sobre "o que Lula faria se estivesse ali".

Conforme se pode ver lá no Nassif, que publicou meu comentário, eu lembrava que, na votação da Assembléia Geral da ONU, em novembro do ano passado, a representante do Brasil afirmou que nós nos abstivemos, mesmo diante de provas apresentadas de violação dos direitos humanos (o caso da mulher a ser apedrejada estava no auge), porque entendíamos que o fórum adequado para discutir o tema era a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Antes disso, em junho de 2010, havia acontecido outra votação, desta vez no Conselho de Segurança, em que se aprovaram sanções ao Irã. Nesta votação, o Brasil votou contra, porque era um absurdo, a ONU condenou o Irã por pura pirraça, já que o país havia aceito as principais condições impostas pelas potências ocidentais, como enriquecer parte de seu urânio na Turquia, etc.

A votação na Assembléia Geral da ONU, em novembro, não falava da questão nuclear, e sim de direitos humanos, e o Brasil, repito, se absteve porque não era o fórum adequado.

Desta vez, porém, estávamos no lugar certo. E o Brasil deu voto para forçar o Irã a aceitar que um representante da ONU inspecione os direitos humanos em seu país. O texto do voto brasileiro explicita didaticamente: o Brasil aprovava aquela resolução justamente por acreditar que todos os países do mundo onde existam denúncias de direitos humanos (e todos os países, diz o texto, tem problemas) devem aceitar visitas do comissariado da ONU para que estas denúncias sejam investigadas.

O texto do Brasil inicia assim:

O Brasil acredita que todos os países, sem exceção, têm desafios a superar na área de direitos humanos.

Uma moça lá no Nassif veio logo me atacando, dizendo que não me reconhecia mais, e que a ONU deveria antes acusar Israel e os EUA. Eu respondi que continuava o mesmo, e dei o link para uma matéria que informava que Israel havia sido condenado pela... Comissão de Direitos Humanos da ONU.

No dia 24 de março de 2010, ou seja, há exatamente um ano, a CDH da ONU aprovou três resoluções contra Israel.

Naturalmente é difícil para as pessoas entenderem que há três instâncias bem diferentes: o Conselho de Segurança, a Assembléia Geral e a Comissão de Direitos Humanos. Esta última foi criada em 2006 contra a vontade dos EUA, que fez tudo para impedir a iniciativa. Quando não pode impedir, sob pressão do mundo inteiro, aceitou de má-vontade. Por quê? Porque à diferença do Conselho de Segurança e da Assembléia Geral, a CDH é dominada pelos países em desenvolvimento.

Como foi criada há pouco tempo, ainda não houve tempo de condenar os EUA, mas estes já foram questionados em plenário.

Um colega veio dizendo que "Amorim não concorda" e transcreveu mais uma matéria nebulosa, onde o repórter afirma que Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores, disse que "provavelmente" votaria contra. Ora, esse provavelmente diz tudo. Ele não sabe o que faria. Ele não participou das negociações, ele não é mais ministro. Além disso, tanto Amorim quanto Lula, no caso do Irã, envolveram-se demais para terem opinião imparcial. Eles estavam certos no que fizeram, em lutar contra a satanização do regime persa, mas o seu envolvimento pode atrapalhar que tomem decisões mais objetivas e racionais. Neste caso, o que estava em jogo não era apenas a questão geopolítica mundial, mas sim efetivamente os direitos humanos.

O blog Amigos do Presidente Lula ressalta que Dilma, por ser mulher, precisa ter uma postura diferente em relação a um país que viola terrivelmente os direitos da mulher. Eu acrescentaria que Dilma foi barbaramente torturada na ditadura, à diferença de Amorim e Lula, que jamais o foram, então ela é mais sensível às denúncias de tortura em outros países, seja no Irã, seja em qualquer parte.

Observe quem votou a favor, quem votou contra e quem se absteve:

A favor (22): Argentina, Belgium, Brazil, Chile, France, Guatemala, Hungary, Japan, Maldives, Mexico, Noruega, Polônia, Moldova, Coréia do Sul, Senegal, Slovakia, Espanha, Suíça, Ukraine, Inglaterra, Estados Unidos e Zambia.

Contra (7):Bangladesh, China, Cuba, Ecuador, Mauritania, Pakistan, e Russia.

Abstenções (14):Bahrain, Burkina Faso, Cameroon, Djibouti, Gabon, Ghana, Jordan, Malaysia, Mauritius, Nigeria, Saudi Arabia, Thailand, Uganda, e Uruguay.

A América Latina votou em sua maioria a favor (Argentina, Brasil, Chile e México). Mesmo a indepedente e anti-americana Argentina, cujo governo é admirado pela esquerda brasileira por suas decisões corajosas em vários campos, votou em favor da resolução. Provavelmente, o fato da presidente ser mulher também pesou...

Cuba é obrigada a votar contra, porque ela é alvo preferencial dos EUA e tem a eterna fragilidade de não ter um regime democrático, problema que enfrenta também China e, em parte, a Rússia. Equador, por sua vez, é presidido por um socialista orgulhoso, o intrépido e "macho" Rafael Correa.

O Brasil não pode se dar ao luxo, além disso, de ir sempre contra a maioria, sob o risco de não conseguir seu apoio quando precisar. Ou de o acusarem, quando houver realmente uma grande razão para ser contra a maioria, de fazê-lo por "anti-americanismo" terceiro-mundista.

Não somos amiguinhos eternos do Irã. Lula se envolveu pessoalmente com Ahmadinejad para tentar influenciá-lo positivamente. Chegou a dar conselhos ao presidente persa para que evitasse despertar a fúria do Ocidente com declarações estapafúrdias sobre o holocausto.

O Conselho de Segurança é outra coisa. Se o governo Dilma apoiar uma resolução no Conselho de Segurança contra o Irã, sem que haja uma explicação muito convincente (tipo Ahmadinejad trucidar 300 mil pessoas num só dia), aí eu me comprometo a vir aqui e a acusar Dilma de ter rompido com uma política independente, e aderir ao imperalismo norte-americano, que vem há tempos querendo se vingar da surra que tomou no Irã em 1979, quando os últimos agentes americanos tiveram que fugir do país com o rabo entre as pernas, pulando assustados em helicópteros de resgate.

Entretanto, se o que está em jogo não é uma guerra, mas sim efetivamente os direitos humanos no Irã e no mundo, não tem porque fecharmos os olhos para o que acontece naquele país. Recentemente, o embaixador iraniano deu uma entrevista à Folha em que fez as seguintes declarações:

É o único país do mundo que não tem gay?
Na República Islâmica do Irã, não há.

Se houver, há punições?
Nossa visão sobre esse tema é diferente da de vocês. É um ato feio, que nenhuma das religiões divinas aceita. Temos a responsabilidade humana, até divina, de não aceitar esse tipo de comportamento. Existe uma ameaça sobre a saúde da humanidade. A Aids, por exemplo. Uma das raízes é esse tipo de relacionamento.

A Aids é uma punição divina aos gays?
Não creio nisso. Mas vi que no Carnaval [do Brasil] foram distribuídos 90 milhões de preservativos, e isso é muito feio. Não é a favor da saúde da humanidade.

Então as pessoas tem que ser racionais. A continuidade exigida de Dilma não pode corresponder a um engessamento de nossa política internacional. O Brasil continua, por enquanto ao menos, com a mesma postura: o Irã tem direito a um programa nuclear, e não é producente impor sanções econômicas ao país. Agora, em se tratando de direitos humanos, e discutindo-se no fórum adequado, que é a Comissão de Direitos Humanos da ONU, não há porque não aprovar o envio de um funcionário da ONU para checar a situação no país. Imagina-se que suas prisões devem estar cheias de homossexuais, presos apenas por viverem, e isso deve ser denunciado sim, desde que não implique em guerra ou sanções injustas. A Comissão não é um órgão dominado pelos EUA, embora os americanos tenham naturalmente grande influência, como tem em toda parte, e tenha sido ele que tenha levado a proposta ao plenário. Outras propostas virão e teremos muitos países recebendo comissários da ONU, e assim teremos a oportunidade de melhorar os direitos humanos em todo planeta.

Pronto, esta foi minha última defesa do famigerado governo petista. Agora tenho que ir ao DEM me registrar. Aproveitarei que o partido está se esfacelando, e precisando desesperadamente de filiados, para ter a ficha aprovada com rapidez, apesar de meu negro histórico esquerdista... O Indio saiu e eles vão querer outro moreninho. Aí sim poderei escrever com liberdade, sem ser vilipendiado. Se porventura eu mudar de ideia e escrever mais um texto defendendo a Dilma, vocês poderão dizer: olhem, escutem esse cara, ele não é nenhum governista, ele é do DEM!

Obs: A história de se filiar ao DEM é zoação, naturalmente, mas falo sério sobre denúncias, fatos negativos e críticas severas ao governo federal. Vou pesquisar por aí, mas se vocês souberem de alguma coisa, por favor me enviem ou comentem aí embaixo.

PS: Marco Aurélio Garcia, assessor especial da presidente Dilma para política externa, nega mudança de posição em relação ao Irã. Garcia lembrou que o Brasil já votou, em quase 90% das vezes, em favor de resoluções similares. Se alguém acha que Garcia seria capaz de fazer o jogo do imperialismo, está cometendo um grande equívoco. Garcia era o assessor também de Lula na mesma área. E o atual ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, foi o chefe de gabinete e depois secretário-geral de Celso Amorim. Amorim é um gênio da política externa, mas apenas cumpria ordens de Lula, que por sua vez recebia conselhos de Garcia.

PS2:


A Folha, sem disfarçar muito sua estratégia, tascou na manchete que Dilma muda política de Lula. O texto vem cheio de sutis manipulações. Por exemplo, quando diz que "é a primeira vez que o Brasil vota contra o Irã desde 2003 no órgão", ele omite que:

  1. A Comissão de Direitos Humanos da ONU foi criada em 2006, portanto não tinha como o Brasil votar "contra" o Irã nessa instância antes disso. O "órgão" na matéria, então, seria a própria ONU? Mas aí cria-se uma confusão, pois a CDH foi criada justamente para permitir que a ONU investigasse casos de violação de direitos humanos sem passar pela Assembléia ou pelo Conselho de Segurança, cujo poder de aplicar sanções econômicas e aprovar intervenções militares, acabam por politizar os debates. No CDH há menos politização, o foco são exclusivamente os direitos humanos.
  2. Não se trata de modificar a política de Lula. É outra situação, outro fórum, são outras circunstâncias. 
  3. Nesse pouco tempo de funcionamento, a CDH já aprovou, com anuência do Brasil, envio de representantes para diversos países, inclusive Israel e Honduras. O caso do Irã, portanto, não é uma exceção injusta. 
PS3: Lula defende posição brasileira na ONU. Depois dessa, bem, será no mínimo questionável afirmar que a decisão representa "ruptura" com a política externa anterior...

23 de março de 2011

Entrevista do prefeito Eduardo Paes com blogueiros

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Nesta quarta-feira, cinco blogueiros entrevistaram o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (à cabeceira da mesa). Além d'eu (terceiro à direita, a partir do prefeito), tivemos Theo Rodrigues, do blog Fatos Sociais (primeiro à direita), Sérgio Telles (segundo à esquerda, a partir do prefeito), Ditta Dolejsiova (terceira à esquerda) e Priscila Miranda (segunda à direita). A gente conversou com o prefeito por cerca de 40 minutos sobre cultura, comércio ambulante, urbanismo e carnaval. Foi a segunda atividade importante do nosso #Rioblogprog. A primeira foi o debate que realizamos em dezembro do ano passado. Agora a próxima etapa é organizar o Encontro Estadual de Blogueiros. Estamos quase fechando data e local. Deve acontecer em meados de abril.

Vale agradecer imensamente ao Igor Bruno, coordenador da secretaria de juventude da prefeitura (primeiro à esquerda, a partir do prefeito), que fez a ponte para a entrevista e tem ajudado sempre, desde o ano passado, o nosso movimento.

Depois escrevo mais sobre a entrevista, contando alguma coisa sobre os bastidores, etc.

22 de março de 2011

Blogueiros entrevistam prefeito do Rio de Janeiro, nesta quarta

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Prezados, tenho uma novidade boa para vocês. Vamos fazer uma entrevista com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, amanhã, quarta-feira às 19:00. Seremos uns 5 ou 6 blogueiros, cujos nomes depois eu falo aqui porque ainda não sei ao certo. É mais ou menos a turma que frequenta nossas reuniões de terça. Quem tiver alguma pergunta a fazer, ponha aí um comentário.

Depois trago mais novidades. Adianto apenas que é mais uma vitória da blogosfera como um todo, e da famigerada blogosfera progressista em particular, visto que, não fosse o esboço de unidade fraternal e política que desenvolvemos, seria mais difícil conseguir esse tipo de coisa.

Dilma neoliberal?

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Ontem vi no Twitter pessoas lamentando o corte de 1,7 bilhão de reais no orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia. A informação era apresentada como prova que Dilma, de fato, abraçou o neoliberalismo. Bem, talvez seja mesmo isso. Agora vou começar a criticar o governo para ver se me respeitam mais. Independente de tudo isso, porém, vamos aos números; só assim a gente foge um pouco dessa briguinha algo ridícula entre chapas brancas, ultrabrancas, pretas e coloridas.

Eu revi a tabela do Ministério da Fazenda que traz as despesas de cada pasta nos últimos anos, até 2010 e pesquisei qual seria o novo orçamento de 2011. Descobri que o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia terá este ano, sem contar as emendas parlamentares,  R$ 4,8 bilhões, queda de 14% sobre o ano anterior (também sem contar com as emendas). 


O orçamento deste ano é o terceiro maior desde 2003. É interessante notar que, no primeiro ano do segundo governo Lula (2007), houve igualmente um duro corte no orçamento, de 18%, com este passando de 4,6 para 3,8 bilhões de dólares. Naquele ano, sussurra meu diabinho chapa-branca, ninguém acusou Lula de adotar o neoliberalismo. O gráfico mostra uma tendência de crescimento dos orçamentos ao longo das gestões.

Há outro fator importante. Para 2011, existem recursos inscritos na sigla "restos a pagar", que conta com orçamento paralelo, no valor de R$ 3,9 bilhões para a pasta de Ciência e Tecnologia. 

Enfim, apesar do corte (diz-me o diabinho de uniforme leitoso), o orçamento da pasta de Ciência e Tecnologia ainda está bastante volumoso em relação a seu histórico. No último ano do governo FHC, o mesmo estava em R$ 2,7 bilhões (ou R$ 1,5 bi em valores não atualizados).

Não é preciso, todavia, consultar nenhum diabinho para saber que o setor de ciência e tecnologia no Brasil receberá este ano um volume colossal de investimentos do setor privado; e também por parte das estatais, sobretudo a Petrobrás, que terá R$ 94 bilhões (!) para investir esse ano, contra R$ 76 bi em 2010. Até 2014, a Petrobrás investirá no Brasil R$ 358 bilhões (US$ 224 bi), sendo 95% em território nacional.

Os investimentos externos nos dois primeiros meses de 2011 já bateram todos os recordes. A projeção é de que o Brasil receba até R$ 68 bilhões (US$ 48,5 bi) em investimento externo direto este ano, um recorde histórico absoluto, que superará mesmo a incrível marca de 2008, quando o Brasil recebeu US$ 43 bilhões! 

Lembremos que investimento externo direto não se refere a recursos especulativos, mas a verbas que entram no país com objetivo de adquirir ou injetar dinheiro nas empresas estabelecidas no Brasil. 

A perspectiva para investimentos no Brasil, seja em ciências, seja em qualquer outro setor, para 2011, é bastante positiva. Um blogueiro chapa branca poderia até dizer que a choradeira de alguns é um pouco exagerada.


*

Outro ser diáfano contou-me que o babado de ontem foi a notícia de que Pallocci discursou recentemente no Instituto Millenium. Ora, disse-me ele, indignado, lembrei-lhes que Pallocci é habitué do Millenium desde março de 2010, quando o frequentava juntamente com outro ministro, o Hélio Costa. Melhoramos 100%, continua o pacato chapa nevada, pois com Lula tínhamos dois ministros frequentadores do Millenium, agora temos um só. Além de que, arrematou, enquanto acariciava um brasão da república, falar no Millenium não significa, necessariamente, partilhar dos ideais da instituição.

*

Extra! Os diabinhos adeptos da Branca de Neve estão em festa. O Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), principal alocador de recursos para pesquisa no Brasil, vai aumentar seus investimentos em R$ 2 bilhões este ano. Com isso, o orçamento da instituição passa de R$ 4,2 em 2010 para R$ 6 bilhões em 2011, um recorde histórico para o setor e um aumento de 43% sobre o ano anterior. Note-se que em 2010 os recursos para ciência, inovação e tecnologia disponibilizados pelo Finep já haviam sido os maiores da história, embora, provavelmente, ainda abaixo das necessidades nacionais.

Mas não posso dar trela para o que falam esses pequenos e atrevidos monstrinhos governistas. Dilma é neoliberal, ponto.

21 de março de 2011

O Brasil vencerá o complexo de vira lata?

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Nilton Pinho - Objeto sem título

Técnica: Assemblage - Ano: 2001


Francamente, o que mais me espantou nessa visita de Obama ao Brasil foi assistir ao show de complexados xingando o Brasil, os brasileiros, o governo, os ministros. A postura paranóica do esquema de segurança do presidente americano é um problema deles, dos americanos. Somos um país amigo, com obrigação de tratá-los da melhor maneira possível. Ministros foram revistados? Foram. É um absurdo? É. Mas até onde eu sei foi um engano do segurança americano, de um sujeito ou da equipe toda. Não foi para ofender o Brasil. Não foi um atentado à soberania nacional. Os americanos estão preocupados em proteger seu presidente. É medo. Os americanos têm medo. Já perderam vários presidentes. Abraham Lincoln foi assasssinado num teatro em 1865, num momento em que o país comemorava o fim da guerra civil. John Kennedy foi assassinado em 1963, num momento em que o país alimentava grandes sonhos de libertar-se do racismo e do conservadorismo, sonhos que voltaram com mais força ainda durante a campanha de Bob Kennedy, irmão de John, para presidência, igualmente assassinado, em 1968. Martir Luther King, que não era presidente, mas um líder amado em todo país pelas pessoas de bem, foi assassinado também em 1968.

Eu até compreenderia a reação se ela se limitasse a ser uma irritação contra os americanos. Mas não. Preferiu-se dirigir a raiva contra o Brasil, contra os brasileiros, contra o governo. Escreveram-se e reproduziram-se ad infinitum artigos esculachando o povo, o governo, a própria cultura nacional.

Todos esses que chamaram o governo, o povo e os brasileiros de serem subservientes, são uns complexados, ou então oportunistas.

O Brasil é um país soberano, independente, rico e promissor. Não se curva diante de ninguém. Seguranças americanos em frente ao hotel revistam um carro da Polícia Federal? Ora, paranóia dos agentes americanos que evidentemente suspeitavam que pudesse ser um terrorista disfarçado de polícia federal. Não é ataque a soberania. É paranóia dos americanos. Os policiais, mesmo contrariados, aceitaram a revista porque seria ridículo criar um incidente diplomático por uma besteira dessas. Os EUA são amigos, os agentes americanos que estão aqui são amigos, e Obama era no momento o hóspede mais ilustre do país.

Somos um povo hospitaleiro, cordial e pacífico, e isso implica em tolerar inclusive o medo e a paranóia dos americanos.

Mais grave ainda: internautas, achando-se muito politizados, procuraram ridicularizar populares que esperavam Obama e fizeram festa para o presidente americano, num ato de simplicidade, alegria e cordialidade, sentimentos bons que devemos estimular. Mas não. Houve uma campanha do ódio. Para certas pessoas a única postura correta era demonstrar ódio, aos Estados Unidos, a Obama, ao governo, a tudo. E essas mesmas pessoas ainda se acham defensoras da paz! Eu gostaria de saber que raios de defensores da paz são esses que defendem o ódio!

O povo simples, com sua inocência, demonstrou mais sabedoria (como sempre) que a classe média metida a politizada que passou dois dias vomitando ódio na rede.

Os Estados Unidos tem milhões de defeitos. Mas quem somos nós para jogar pedras? Por acaso o Brasil é uma perfeição? Tudo bem, não patrocimamos golpes de Estado em outros países, nem invadimos outra nação, mas e a violência terrível que inflingimos há séculos a nosso próprio povo? Não quero, porém, falar mal do Brasil. Ao contrário, quero afirmar aqui minha fé no povo brasileiro e em seu futuro. Quero fazer um contraponto à campanha masoquista e vira-lata que tomou conta das redes sociais.

Obama veio ao Brasil e só fez elogios à cultura brasileira. Elogiou a luta contra a ditadura, mais de uma vez. Elogiou nossas ações contra a pobreza e o fato de termos levado milhões para a classe média. Disse que apoiava a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Enfim, Obama veio com flores para o Brasil e nós o tratamos com pedradas?

Em relação à Líbia, repito o que disse em post anterior. Foi uma ação da ONU. Se a ONU é submissa aos EUA, é um problema sexual da ONU, não dos EUA, porque temos ali potências econômicas independentes e maduras, que seguem os EUA de livre e espontânea vontade. Ninguém foi contra. O Brasil se absteve, assim como China, Rússia ou Índia. Ou seja, em vez de odiar Obama, pensem nisso, que ninguém foi contra a guerra.

Sou contra guerra, contra qualquer guerra, por princípio. Morrem inocentes. É uma coisa horrível. Confesso que eu e todos os analistas políticos do planeta estamos confusos com esse conflito. A situação na Líbia funde a cuca de qualquer um. Não sei mais em quem acreditar. Disseram-me que as denúncias do Lybia Alive costumam ser sérias, e foi lá que li a descoberta de buracos onde o regime de Kadafi enterrava centenas de pessoas vivas. Há um relato de 1.500 pessoas enterradas vivas. Sei que antes da guerra no Iraque também rolou satanização de Saddam Hussein para justificar a guerra, mas mesmo com Saddam não havia nada tão diabólico e com tantos depoimentos, e através de tantas fontes diferentes. Além disso, no Iraque não houve nunca nenhum protesto popular contra o ditador.

Nossa última esperança (frágil) é que não haja invasão por terra.

Outros disseram que foi um desrespeito de Obama dar ordem de ataque à Líbia no momento em que se encontrava com Dilma Rousseff. Por acaso ele escolheu isso? Claro que não! Decisões militares são tomadas pelo Pentágono. O presidente recebe a informação em cima da hora e só tem tempo de dizer sim ou não.

Obama frustrou as expectativas do mundo inteiro, mas é besteira demonizá-lo. Ele é um homem, não um monstro. A culpa é do sistema, e de cada um de nós, que fazemos parte desse imenso organismo vivo chamando humanidade. É muito fácil vomitar verdades em 140 caracteres no Twitter. Difícil, como dizia Maiakóvski, é a vida e seu ofício. Quantas revoluções já não viveu a humanidade e que logo se transformaram em pesadelo? Alguém tem a fórmula da justiça no mundo? Quantas mortes e guerras já não foram feitas em nome dos melhores ideais? Por acaso Obama é culpado por tudo?

Morre mais gente assassinada no Brasil do que em qualquer guerra no mundo hoje, a maioria pela própria polícia, ou seja, pelo Estado, e Obama é que é o monstro?

A opinião pública do mundo inteiro pediu a intervenção na Líbia. Se aqui no Brasil vimos um Clovis Rossi vociferando furiosamente para que a ONU intervisse militarmente na Líbia, imagine a pressão dentro dos EUA? Obama não é um faraó sagrado que pode fazer o que lhe der na telha. Ele tem atuação limitada ao que lhe permite o jogo de poder nos Estados Unidos.

Outra coisa que tem me deixado estupefato é esta crise de insegurança infantil que assolou uma parte das redes sociais, com pessoas gritando pela volta de Lula e Celso Amorim, como se o governo brasileiro dependesse de uma  ou duas pessoas. Ou como se Lula não acompanhasse e assessorasse Dilma. Ora, Marco Aurélio Garcia, assessor de Lula, não continua lá, assessorando Dilma?

Rolou muita especulação sobre a não-ida de Lula ao almoço com Obama, mas amigos e o próprio já deixaram bem claro a razão: é o momento de Dilma. Não precisava nem ler a reportagem da BBC onde consta uma declaração do próprio presidente neste sentido, bastava usar o bom senso: o objetivo do encontro era mostrar imagens de Obama e Dilma juntos, e Lula, uma celebridade mundial, iria dispersar as atenções. Não porque falte luz própria a Dilma, mas Lula acabou de ficar oito anos na presidência.  Muita gente no mundo ainda acha que o Lula é o presidente.

E tem mais, Lula declarou no último final de semana que ainda tem esperança em Obama:



Em post anterior, eu lembrei que Lula recebeu Bush em 2003. Rolou o mesmo aparato de segurança, e se não soubemos que agentes não revistaram carros da PF ou ministros, isso não quer dizer que tal fato não tenha acontecido. Ou que não tenha acontecido apenas por sorte de haver um agente um pouco mais competente ou menos paranóico na hora e no lugar certo.

Há uma crise de insegurança e há também muitos carinhas da direita (ou da ultra-esquerda, o que é quase a mesma coisa) usando as redes sociais para botar pilha, tentando criar uma caveira do governo brasileiro e desestabilizar o país. O exército de Serra continua ativo e tem gente entrando inocentemente na onda. Eu já vi manifestações nitidamente falsas, forçadas, com objetivo notório de produzir discórdia e desânimo.

Cada bobagem que eu li! O antiamericanismo que explodiu na rede foi absolutamente idiota. E muitos blogueiros entraram na onda, sem o cuidado de fazer nenhum contra-ponto, nenhuma análise. A maioria dos americanos são pessoas legais, comuns, simples, como qualquer ser humano. É um país de cultura riquíssima, uma democracia pujante que venceu o racismo para eleger um negro presidente da República. Não vi uma pessoa olhando para esse ponto. A presença de Obama no Brasil tem uma importância enorme para a formação de uma consciência não-racista em nossas crianças e adolescentes. Um negro, presidente do país mais rico do mundo. E num país de brancos, ainda por cima. É um exemplo para nós, onde negros são maioria, e onde o número de dirigentes políticos negros é ínfimo. Qual o impacto na consciência das crianças negras do Brasil, que viram Obama, acompanhado de sua esposa negra e suas filhas negras? Obama tem defeitos? E daí? Qual o presidente dos Estados Unidos que não teve defeitos?

Se o Brasil fosse tão rico e desenvolvido como os EUA talvez tivéssemos os mesmos defeitos e a mesma arrogância. Quem garante que não? Somos todos seres humanos inchados por ambição, vaidade, inveja e medo. Todos iguais, americanos e brasileiros. Não quero tirar onda de sábio, essa é uma máxima que as pessoas mais simples conhecem.

Só se sente humilhado quem tem baixa autoestima. Quem sabe o seu valor, quem tem amor próprio e altivez, entende que a postura dos americanos provêm apenas do medo. É um problema deles, não nosso. E nossa obrigação, como anfitriões, é proporcionar-lhes sensação de segurança. Não por subserviência, mas por uma questão de hospitalidade e tolerância! Não se deve ser tolerante apenas com o humilde, mas também com o arrogante. Ambos são defeitos humanos que nós mesmos possuímos. Se fôssemos tão ricos e visados quanto eles, e se tivéssemos tido tantos presidentes assassinados e sofrido tantos ataques terroristas, seguramente nos comportaríamos da mesma forma!

Por essas e outras é que eu, mesmo sendo ateu, admiro tanto a palavra de Cristo e os ensinamentos do Velho e do Novo Testamentos, que ensinam, em resumo, que o orgulho é uma merda.

O que não podia acontecer seria assinarmos contratos econômicos ou políticos que prejudicassem o povo brasileiro. Fizemos isso? Não. O governo brasileiro por acaso assinou algum acordo nocivo aos interesses nacionais? Não. Essa é a única subserviência com a qual devemos nos importar. Essa é a subserviência que tivemos no passado e que, com auxílio da sabedoria eleitoral do povo, esperamos nunca mais voltar a acontecer no futuro.

Ao contrário, a visita resultou em aproximação política entre os dois governos, facilitando futuros acordos vantajosos para nós. Os americanos conheceram um pouco mais do Brasil, e nós conhecemos um pouco mais os dirigentes americanos. Não fomos nós que babamos o ovo de Obama, foi Obama quem veio babar o nosso ovo! Com interesse, claro, mas sempre se baba ovo por interesse.

Somos um país com grande potencial e um futuro brilhante. Nossas contas externas são firmes e não dependemos mais dos EUA ou de nenhum país rico para quase nada (eles dependem mais de nós do que nós deles). Não há razão para tanto complexo. Espero que um dia nos libertemos dessa maldita baixa autoestima e olhemos a si mesmos com mais generosidade, compreensão e autoconfiança!

20 de março de 2011

Governador, liberte Dona Maria de Lourdes!

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(Dona Maria de Lourdes, uma senhora pacífica)

Uma senhora de 69 anos estava passando pelo centro da cidade, viu os estudantes protestando contra Obama e decidiu participar da manifestação. Resultado: foi presa juntamente com os rapazes.

Governador, tenha bom senso e liberte todo mundo, para não provocar ainda mais stress no universo já sempre tenso da militância estudantil!

Sobretudo liberte imediatamente esta senhora, que tem idade demais para representar qualquer perigo para a segurança pública nacional.

Isso apenas envergonha seu governo e nosso país, conhecido mundialmente por ser uma democracia autêntica, com liberdade de expressão e manifestação.

Seu único "crime" (!) foi segurar um cartazinho "Fora Obama"...



(Maria de Lourdes segurando cartaz Fora Obama. Isso é crime?)

Com informações do blog Maria da Penha Neles.

PS: Dona Lourdes e todos os manifestantes já foram libertados.

19 de março de 2011

Esclarecimentos sobre guerras e obamas

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(Lula recebeu Bush no Brasil em 2003, um ano depois dos EUA terem invadido o Iraque sem o aval da ONU. Teve a mesma parafernália de segurança. Na época, Dirceu classificou o encontro dos dois presidentes como "histórico". Lula abraçou Bush calorosamente. Eu o defendi na época contra o mesmo radicalismo que hoje acha o fim do mundo que Obama venha ao Brasil. Por que essa histeria agora?)


Os fatos se sucederam com rapidez e preciso esclarecer minha opinião em alguns pontos. O ataque militar à Líbia acirrou os ânimos e gerou muita confusão, exacerbada pela presença de Obama no Brasil. Vamos lá:


  1. Não foi Obama que atacou a Libia. Não dessa vez. A intervenção foi aprovada pela ONU, diferentemente do que ocorreu na guerra do Iraque. Isso não é um detalhe. É o fulcro da questão. O ataque, portanto, tem chancela internacional. Pode ser errado, criminoso, cruel, seja lá o que for, mas tem respaldo na única lei internacional que existe no mundo, que é a lei da ONU. Nenhum país do mundo se posicionou contra. Brasil, China, Rússia e India se abstiveram, o que significa que consentiram. É importante ainda salientar que a intervenção foi insistentemente pedida pela Liga Árabe, uma organização respeitada por sua independência em relação às potências ocidentais. (PS: a Liga Árabe depois mudou de ideia e não mais apoia a ação militar; tarde demais.)
  2. Alega-se que a ONU faz o que os EUA mandam. Pode até ser, mas a culpa continua sendo da ONU e dos países que compõem o Conselho de Segurança.  
  3. Quem iniciou os bombardeios foi Kadafi. Foi ele que começou a usar tanques e aviões, contra seu próprio povo. Quando os protestos tiveram início na Líbia, Kadafi jamais se propôs ao diálogo com os manifestantes. Jamais demonstrou compreender o sentido das transformações culturais e ideológicas de toda a sociedade árabe.
  4. A esquerda européia e americana, em sua maioria, é contra Kadafi, o que não significa ser a favor de uma intervenção no país.  A direita também é contra Kadafi, mas a favor de intervenção. Houve um consenso sui generis antikadafista que facilitou a votação sobre o tema.

(Inicialmente apoiando a intervenção, a Liga Árabe afirma, após os bombardeios, que não era isso que ela queria. Tarde demais, porém...)

*

Sobre o fato de seguranças americanos terem pedido que ministros brasileiros fossem revistados antes de entrarem no ambiente onde se encontrava Obama:
  1. Foi erro do segurança. Nem Obama nem Dilma têm culpa nesse episódio lamentável. 
  2. Se houve mais responsáveis, foram os ministros que aceitaram se submeter à revista. Os que deram meia-volta e foram embora, agiram acertadamente. Ou podiam se recusar, pegar um telefone e ligar para o serviço diplomático. Provavelmente viveram um pequeno dilema nesse momento porque supunham que alguém viria depois lhes pedir desculpas e deviam querer muito assistir as conferências que rolavam. Preferiram transmitir seu protesto posteriormente, quando viram que o pedido de desculpas não vinha e saíram ostensivamente da sala enquanto Obama discursava. 
O episódio da revista, todavia, nos dá uma lição:

Acho que todos nos lembramos do embaixador tucano que tirou os sapatos num aeroporto americano e  foi impiedosamente criticado pelo PT e por críticos da esquerda, incluindo eu. Mas olhando em retrospectiva, ele não teve culpa. Sei que é fácil falar, mas eu sempre desconfiei que era bobagem acusá-lo por aquilo. Eu usei o episódio oportunisticamente para atacar o PSDB, assim como tantos outros como eu. Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Mea culpa.

Os americanos são mesmo doentes no quesito segurança. Existe um trauma nacional, que vem desde o assassinato de Abraham Lincoln em 1865, num teatro de Washignton. Outros presidentes, parlamentares e candidatos foram mortos. Eles são paranóicos, mas tem razão para sê-lo. 

O caso do embaixador tucano, porém, evidentemente serviu apenas como símbolo. Não há nada demais em tirar os sapatos numa revista a que todos os passageiros estão sujeitos. Eu sempre tiro os sapatos quando saio do Brasil. O cerne do problema era que, pouco tempo antes, o governo Fernando Henrique Cardoso havia assinado um vergonhoso acordo com o FMI em que se comprometia a seguir as exigências neoliberais ditadas pela instituição. A vergonha autêntica, real, concreta, estava aí. Quando o embaixador tirou os sapatos, a cena serviu de metáfora perfeita para a submissão do governo brasileiro aos interesses norte-americanos.

A visita de Obama ao Brasil, desta vez, ocorre num contexto absolutamente oposto. O Brasil hoje é credor do FMI. O próprio FMI hoje mudou: é dirigido por um socialista francês. Não só nos tornamos autossuficientes em petróleo como descobrimos novas e gigantes jazidas. Os EUA entraram numa terrível crise econômica enquanto o Brasil bate recorde na geração de empregos. 

Não há razão, portanto, para forçarmos e amplificarmos uma crise que não houve. Nem entrarmos na pilha dos intriguistas de sempre, como Noblat. Devemos torcer para a visita de Obama seja um sucesso, para que resulte em parcerias vantajosas para o Brasil.  A submissão que deve nos indignar é a submissão real, a aceitação de medidas econômicas contrárias ao bem estar do povo, e não o erro estúpido de um segurança ignorante e incompetente.

*

Outro assunto premente é a não-ida de Lula ao almoço com Obama. Lula preferiu ficar em casa para não ofuscar Dilma. "É o momento de Dilma", disse o ex-presidente à BBC. Lula sabe que é um gigante midiático, uma celebridade, e o objetivo desse encontro é produzir imagens de Dilma e Obama juntos, não dele, Lula. As especulações em torno de uma atitude de "revolta" de Lula revelaram-se, portanto, no mínimo questionáveis.


*

Por fim, temos o caso dos garotos do PSTU presos por se manifestar em frente ao consulado americano nos EUA. Vários parlamentares, advogados e representantes do governo federal estão monitorando o caso e atuando para soltá-los. Mas é preciso destacar a irresponsabilidade dos dirigentes políticos do PSTU ao não alertarem os jovens do perigo de infiltração de provocadores. Encontrou-se coquetéis molotov, que são armas, podem provocar ferimentos graves e até matar. 

A manifestação é livre no Brasil, mas é preciso bom senso. Se um passeador de cães estiver passando à minha frente com dez pitbulls na coleira, não vou gritar com ele nesse momento. 

Não confundamos também o fato do PT desautorizar manifestação em nome do partido com qualquer interferência à liberdade individual para protestar contra Obama. O PT é um partido com dirigentes eleitos democraticamente, num processo inclusive muito bonito que outros partidos deveriam copiar. É muito natural que, sendo o anfitrião de Obama no Brasil, visto que a presidente é petista, o partido não queira que se façam manifestações contra o presidente americano usando-se bandeiras do PT. Movimentos sociais e indivíduos, contudo, podem protestar como quiser.

*

Os americanos são paranóicos. Em frente ao hotel onde Obama se hospeda, revistaram até um carro da Polícia Federal. Mas esse é um problema da insegurança deles, dos americanos, além de um vício imperialista. Eles fazem isso (e muito pior) no mundo inteiro, inclusive em países desenvolvidos. Não transformemos episódios mínimos, esporádicos, em atentados contra nossa soberania. Claro que não faríamos nunca nada parecido em território americano, porque não somos imperialistas, nem sofremos da paranóia antiterrorista do serviço secreto ianque. Vamos protestar sim, porque isso é um absurdo, mas com sentido de proporção. Atentado contra nossa soberania foi a cessão de território brasileiro (Base de Alcântara-MA) para exploração de americanos, feita por FHC no ano 2000 com a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas EUA-Brasil (TSA, na sigla em inglês). Hoje isso é página virada e nossa soberania (quero acreditar) nunca foi tão sólida e estimada.

*

A política externa americana, até hoje, sob Obama, é imperialista. O touro, porém, a gente pega pelo chifre. A gente tem que negociar com os EUA prestando muita atenção onde fica nossa carteira. Nenhum país é bonzinho. França, China, Inglaterra também aprontam das suas. Cada um pensa apenas em si. Se formos manter relações apenas com países que não mentem e não nos queiram passar a perna, será difícil encontrar um parceiro, sobretudo no mundo rico. A China só compra minério de ferro bruto e soja crua. Europa, idem. A maioria dos manufaturados do Brasil vai para América Latina e EUA. Temos que conversar sem rancor e e sem complexos, pensando em parcerias vantajosas para o povo brasileiro. 

18 de março de 2011

Na contramão do populismo pseudo-esquerdista

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Se já sou chamado de chapa branca por defender o governo Dilma (ou ultra-branca, já que a defendo junto àqueles mesmos que a apoiaram), agora serei chamado de chapa branca mundial por defender Obama. Não posso fazer nada. É minha opinião sincera e espero que acreditem na minha honestidade intelectual. Não recebo dinheiro do governo brasileiro. Não recebo dinheiro da Casa Branca. Não conheço ninguém no governo Dilma. Não conheço ninguém no governo Obama. Não almoço nem janto com nenhuma autoridade. Não recebo emails de ninguém. Não pertenço a partido. Os únicos petistas que eu conheço, para dizer a verdade, são Sérgio Telles e Dani Tristão, internautas progressistas aqui do Rio. Sou apenas um jornalista especializado em café (onde ganho meus trocados) com veleidades literárias, que gosta de ler filosofia, história, o Velho Testamento, e dar pitacos sobre política em seu blog.

Ao contrário da grande maioria da blogosfera, eu estava achando ótimo que Obama fizesse um discurso na Cinelândia. Discordei do mestre Santayana. Eu estava afim de ir lá e ouvir o negão que, apesar das decepções, ainda admiro como símbolo da luta contra o ultra-conservadorismo americano. Também me decepcionei com Obama. Mas continuo o apoiando por entender a batalha ideológica sinistra em que ele está envolvido, e que, lamentavelmente, vem perdendo.

Acho que as pessoas não entendem o papel que o novo presidente estadunidense representa na geopolítica mundial. Em primeiro lugar, ele não foi responsável por nenhuma das cagadas nas quais os EUA atolaram-se nos últimos anos. Obama foi uma das raras vozes democratas que se levantaram duramente contra a invasão americana no Iraque. Sei que é meio difícil entender mas nos EUA o Obama é de esquerda. Mesmo que a própria esquerda americana esteja um tanto confusa com os sinais dúbios emitidos pela Casa Branca, ela não deixará de o apoiar no ano que vem, ainda mais porque os republicanos devem vir com um discurso mais reacionário do que nunca.

Obama chancelou o golpe de Estado em Honduras, ok, mas somente depois de tentar revertê-lo. Inicialmente, a Casa Branca criticou duramente os golpistas e chegou a cancelar visto para todos os envolvidos e seus parentes. Obama também já ordenou a retirada dos soldados do Iraque e conseguiu conter a sanha bélica dos republicanos, que queriam bombardear a Líbia, sem chancela da ONU, desde os primeiros dias da revolta no país. A intervenção na Líbia, aprovada ontem na ONU, se deu de maneira "democrática", com as grandes nações votando livremente. Embora seja verdade que o Conselho de Segurança só terá legitimidade completa quando for ampliado, é o que melhor temos hoje a nível de democracia internacional. Tanto que Brasil, China, Rússia e Índia puderam participar, e se abstiveram, marcando sua posição contrária ao imperialismo ocidental. O pior que pode acontecer é uma nova ação unilateral dos EUA.

Tenho plena consciência do papel nefasto que os Estados Unidos desempenharam na história da América Latina, mas quero acreditar que os valores que permitiram a eleição de Obama significam o começo do fim dessa mentalidade imperialista, ou pelo menos o começo de uma tomada de consciência. Não se trata apenas de valores morais e políticos. Há também a questão econômica. Os americanos já perceberam que o mundo não é o mesmo. A China se tornou a grande credora dos EUA. A maior parte dos produtos industrializados são hoje fabricados na Ásia ou nos próprios países em desenvolvimento.

O antiamericanismo, que se mostrou bastante vivo durante os debates travados na blogosfera nos últimos dias, revelou, a meu ver, insegurança e baixo autoestima - e um tanto de ignorância sobre as oportunidades que se abrem para o Brasil, se souber aproveitar sua nova posição no mundo para estabelecer uma parceria soberana e estratégica com a potência do norte.

Os EUA não são apenas o país que patrocinou golpes e invadiu países. É também a nação que assistiu grandes manifestações de protesto contra esses mesmos golpes e essas guerras. Os americanos escreveram livros contra guerra, fizeram filmes, e lutam até hoje bravamente contra um conservadorismo louco e bilionário, que controla boa parte dos meios de comunicação e a totalidade da indústria bélica. Eles são imperialistas, mas abrigam também um grande movimento anti-imperialista, a começar por um dos maiores pensadores libertários do planeta, Noam Chomsky, que há 30 anos vem denunciando a ditadura ideológica da mídia norte-americana.

Nem discuto a pregação, infelizmente numerosa na blogosfera, de que Dilma não deveria sequer receber Obama, o que seria obviamente uma agressão aos próprios princípios fundamentais da nossa Constituição, que nos ordena perseguir a "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade".

O governo brasileiro tem obrigação de fazer aliança com os EUA para o bem do povo, sem preconceitos tolos de esquerdista aposentado de classe média, pois estamos diante da maior potência tecnológica do planeta. A cultura norte-americana, no campo da música, da literatura, das ciências, da tecnologia, é algo assombroso, e respeitar essa grandeza não é subserviência. É sabedoria.

Uma das razões pelas quais a China comunista se desenvolve tão rapidamente é que o comunista chinês não sofre desses complexos. Ele conhece as fraquezas de seu país e respeita a força das potências ocidentais - e humildemente se esforça para aprender com os mais fortes e superá-los. E estão conseguindo.

O Japão é outro modelo magnífico de humildade e altivez. Foram atacados com duas bombas atômicas pelos EUA, e poderiam ficar remoendo por séculos um anti-americanismo rancoroso e melancólico. Fizeram o contrário: mandaram seus filhos estudar nos EUA para assimilar os conhecimentos americanos e, em poucas décadas, superaram-lhes em diversos campos; tornaram-se a segundo maior economia do planeta e alcançaram um PIB per capita muito superior ao dos... americanos.

Quanto ao discurso de Obama na Cinelândia, estava disposto a comparecer e a ouvi-lo respeitosamente, sem nenhuma subserviência, mas também sem nenhuma hostilidade. Sei muito bem a guerra que Obama enfrenta dentro de seu país, e imagino que um bom desempenho em sua viagem pela América Latina poderia lhe ajudar a ganhar alguns pontos na batalha contra o ultra-conservadorismo que avança assustadoramente nos EUA, em virtude da popularidade crescente do Tea Party e da ofensiva incansável da Fox, a Rede Globo americana.

Com perdão do amigo Paulo Henrique Amorim, chamar a direção do PT de estalinista por desautorizar manifestações de membros do partido contra Obama não foi correto. Stálin mandava prender e matar quem lhe desobedecesse as ordens. Nunca fui filiado a partido, mas entendo que deve existir alguma ordem ali dentro para que as coisas funcionem. Qualquer petista poderia ir à manifestação e vaiar Obama, mas não carregando a bandeira do PT, o que seria totalmente esquizofrênico, visto ser o PT o partido do governo e o próprio anfitrião de Obama. Os petistas cariocas, em vez de protestar contra o baixo salário dos professores do estado do Rio de Janeiro, queriam fazer uma manifestação demagógica e oportunista, isso sim!

Além disso, antes de fazer manifestação é preciso saber o que se está fazendo. Protestar por protestar é idiota. O PT não é um partidinho trostkista radical, é o maior partido de esquerda da América Latina e deve evitar a todo custo ajudar os republicanos norte-americanos a voltarem ao poder em 2012. O PT irá apoiar Obama em 2012 e, portanto, deve conter sim o impulso de caciques de província querendo usar a oportunidade para compensar sua incompetência em resolver problemas concretos dos movimentos sociais com os quais se relaciona.

Alguns, procurando justificar o discurso de Obama na Cinelândia, lembraram que ele discursou na Alemanha, na rua, para centenas de milhares de pessoas; aí outros esnobaram essa informação alegando que Alemanha é um país "ocupado" militarmente por tropas americanas. Ora, é forçar a barra. Alemanha é um país cioso de sua independência e mesmo com bases americanas tem consciência de sua soberania. Aí falaram que Obama não poderia discursar na Cinelândia porque Dilma não pode fazer o mesmo na Times Square. Não pode por quê? Milhões de brasileiros vivem nos EUA. Milhares vivem em Nova York, onde há uma grande festa anual em homenagem ao Brasil, a Brazilian Day, que acontece justamente na... Times Square, e qualquer ano desses a Dilma ou outro presidente bem que poderia passar por lá e fazer um discurso. Aposto que seria muito bem vinda. Obama é um estadista eleito pelo povo americano e, gostando-se ou não, representa valores democráticos. Discursando na Cinelândia, abriria um precedente para que outros estadistas, como Chávez, Morales e Cristina Kirchner também o fizessem. O mundo precisa de diálogo.

Eu acharia muito saudável parar com essa paranóia de subserviência. Até as gentilezas diplomáticas e medidas de segurança do governo brasileiro para com a comitiva da Casa Branca foram rotuladas de subservientes, o que somente revela baixo autoestima das pessoas.

O próprio Santayana, numa entrevista que concedeu a meu irmão (videoasta amador) uns anos atrás explica que o Brasil dependia, até meados dos anos 60, da gasolina importada dos EUA. De quinze em quinze dias, um petroleiro norte-americano aportava no Brasil e abastecia o país. Qualquer atraso provocaria um terrível impacto econômico. Era uma dependência horrorosa, mas não podíamos fazer nada enquanto não fôssemos autossuficientes em petróleo, o que só atingimos agora. Entretanto, mesmo naquela época, mesmo com tamanha dependência, tínhamos uma política externa independente, a qual se manteve assim mesmo durante a ditadura (embora a própria ditadura fosse resultado de um golpe que contou com a ajuda indireta dos EUA...).

Tirando manifestações isoladas de membros da elite, não temos tradição de subserviência aos EUA. O povo brasileiro é simples, mas tem uma vigorosa cultura própria, e quando admira produtos culturais americanos, o faz sem complexos, com simplicidade e franqueza. Quem não gosta de assistir um bom filme de ação americano? Não o fazemos por subserviência, mas porque são divertidos!

A Rede Globo sim é subserviente aos EUA, não o povo e muito menos o governo brasileiro. E se Obama quer comprar nosso petróleo, nós também queremos vendê-lo! Essa é outra falácia pseudo-esquerdista que rolou por aí, com gente falando que o Tio Sam vinha roubar o pré-sal. Que bobagem! Acabamos de aprovar uma lei que dá ao Estado o controle absoluto sobre o pré-sal (a mesma lei que Serra prometeu a Chevron, petroleira americana, reverter através de medida provisória...) e estamos construindo refinarias gigantes para que possamos exportar o petróleo devidamente industrializado, obtendo assim maior valor agregado. O plano é o seguinte: usar o menos possível de combustíveis fósseis no mercado doméstico, substituindo-o por biodiesel, e ampliar o número de hidrelétricas, para termos uma base energética totalmente limpa, e exportar o máximo possível de petróleo, usando-o apenas internamente para a produção dos derivativos indispensáveis. Vender teorias conspiratórias é desrespeitar a inteligência da nossa diplomacia, do nosso governo, de nossos combativos sindicatos petroleiros, e da sociedade como um todo.

Uma outra confusão que vem se formando é a de que a política externa de Dilma estaria se afastando dos rumos traçados pela administração anterior. Em primeiro lugar, a lei da vida, da natureza e, sobretudo, da política, requer mudança. Até para que as coisas continuem do jeito que são, conforme dizia aquele aristocrata do romance do Lampedusa. Lula nunca foi anti-americano. Ao contrário, foi lá abraçar amistosamente o Bush e sempre cultivou relações cordiais com os EUA. Em relação aos direitos humanos, o Brasil sempre foi defensor, tanto no governo Lula e agora com Dilma. No ano passado, o Brasil votou contra sanções ao Irã no Conselho da ONU, não somente como protesto contra a "seletividade" parcial do episódio, mas por entender que a discussão sobre direitos humanos deve acontecer na Comissão de Direitos Humanos. Lá, sim, o Brasil pode condenar o Irã, assim como pode condenar também a Arábia Saudita, países africanos e os EUA. A Comissão de Direitos Humanos é o fórum adequado para esses assuntos, até porque não tem o poder de gerar sanções econômicas. Quando o caso do Irã, portanto, for votado na comissão de direitos humanos da ONU, a representante do Brasil poderá concordar sim que há violação de direitos humanos no país, até porque estes existem e são incontestáveis. O próprio Brasil já foi condenado mais de uma vez nessa comissão, porque também viola os direitos humanos (por suas prisões desumanas, pelas chacinas recorrentes, pela não-investigação dos casos de desaparecimento durante a ditadura, etc). De maneira que se trata de um ambiente bem menos tendencioso do que o conselho político da ONU.

A blogosfera é livre e plural, e nunca terá uma voz única. Mas o espírito democrático não é apenas a liberdade de cada um pensar o que lhe der na telha: ele implica também o respeito à Razão, que não é necessariamente a opinião da maioria. Mas que se impõe à maioria através da persuasão magnética e implacável do discurso racional. É obrigação moral seguir a Razão, tendo em vista a justiça e a liberdade. Não é vociferando clichês ou adotando a velha postura blasé do esquerdista eternamente "frustado" que iremos avançar socialmente no Brasil. Não adianta posar de amiguinho dos pobres ou derramar lágrimas pela miséria. Os pobres do Brasil não querem compaixão, muito menos aprovarão essa atitude non-chalance, sectária, irritada e derrotista de alguns. O pobre brasileiro quer pragmatismo! Sim, pragmatismo, a palavra de ordem de Lula, e que hoje novamente virou nome feio na boca do esquerdista chorão.

Em vez de passeatas contra Obama, os petistas cariocas deveriam atentar para as maldades da prefeitura contra o comércio ambulante no Rio, pedir melhores salários para médicos e professores do estado, lutar para construção de abrigos decentes para nossas crianças abandonadas, que hoje vagam pelas ruas cheirando crack e passando fome. Obama é convidado de honra da petista Dilma. Protestar contra ele no Rio, por parte do PT (não dos movimentos sociais, esses podem protestar à vontade) seria apenas demagogia e incoerência.

PS: Confiram nota abaixo do Ancelmo Gois, publicada dia 20/03. Não sei se é verdade, mas fica o registro porque tem a ver com o que escrevi aqui.

Veja escondeu entrevista-bomba de Arruda

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(Pintura de Goya, retratando Saturno devorando
seus filhos, ou Arruda devorando seus aliados)


Há tempos venho procurando um pretexto para citar o Antigo Testamento. Eis minha chance. Com essa entrevista, não apenas o DEM, mas sobretudo a Veja - por ter ocultado a entrevista, que aliás foi concedida ao xodó do Instituto Millenium, Diego Escosteguy -, precipitaram-se "no mais profundo abismo", "como um aborto que causa horror". O DEM, assim como profetizava Isaías, tornou-se uma "terra devastada, inteiramente pilhada, porque o Senhor assim o decidiu. A terra [o DEM] está na desolação, murcha, o mundo definha e esmorece, e os chefes do povo estão aterrados. A terra foi profanada por seus habitantes, porque transgrediram as leis, violaram as regras e romperam a aliança eterna. Por isso a maldição devora a terra e seus habitantes expiam suas penas; os habitantes da terra são consumidos, um pequeno número de homens sobrevive."

Agora, falando sério, Arruda terá que provar suas acusações. A mídia, que se torna ultraprudente sempre que seus amigos envolvem-se em falcatruas, tentará neutralizar de alguma maneira o depoimento do ex-governador do Distrito Federal, o qual só terá efeito jurídico se vier acompanhado de provas. Quanto ao efeito político, porém, representa um verdadeiro terremoto, seguido de tsunami e vazamento nuclear.

Não custa nada a base governista entrar em ação e criar uma CPI para investigar o caso. Por muito menos, fizeram-se CPIs contra o governo Lula. Afinal, não se trata de um bandido comum e sim o único governador do DEM, o sujeito cotado para ser o vice de José Serra nas eleições presidenciais de 2010. O povo brasileiro não aceita compaixão. Uma CPI permitirá a quebra de sigilos bancários e telefônicos, fornecendo dados para esclarecer de vez o tamanho da podridão de um partido que nos últimos tempos tem investido pesadamente no moralismo como uma de suas principais plataformas políticas.

Ressalte-se, todavia, que faltam provas, e não quero emular o comportamento irresponsável de setores da imprensa, que julgam e condenam antes de qualquer investigação mais séria. A prudência neste caso é necessária sobretudo porque Arruda envolveu o nome de ao menos uma pessoa até então considerada imune a esse tipo de pilantragem, o senador pedetista Cristóvão Buarque.

O mais grave nisso tudo é o fato de Arruda ter concedido a entrevista em setembro do ano passado e a revista ter divulgado só agora. O depoimento aconteceu antes das eleições. Era uma notícia fundamental para o brasileiro entender os bastidores da política partidária. Se a rede Globo deu sete minutos no Jornal Nacional para um ex-presidiário pé-de-chinelo inventar que pediu emprestado 9 bilhões ao BNDES, teria que dar tempo para Arruda dizer o que sabia na TV sobre as lideranças do DEM. Era um fato relevante, que certamente mudaria o rumo da campanha. Mais uma vez, vemos que a democracia brasileira apenas será completa quando possuir uma imprensa ética e não esse conglomerado de golpistas sem-vergonhas, situação que talvez só conseguiremos alcançar através de uma legislação mais adequada para a comunciação social no país. Será que a mídia, agora, dará a publicidade condizente ao caso? Será que a Globo vai botar o Arruda falando no Jornal Nacional?

Sobre as razões que teriam levado a Veja a publicar a entrevista agora, dias depois do DEM eleger seu novo presidente, a hipótese mais plausível é que Arruda deve ter ameaçado dar o "furo" para outra revista. O ex-governador diz, na entrevista, que o mais hipócrita de seu partido foi Agripino Maia (agora o novo presidente), que lhe pediu dinheiro, sabendo de onde vinha, e depois, quando a bomba estourou, foi o primeiro a lhe apontar o dedo acusatório. Ao ver Agripino ganhando destaque na mídia como novo chefe do partido, Arruda deve ter sentido o sangue subir-lhe às têmporas e decidiu usar as cartas que tinha na manga para se vingar.

Ouçam abaixo o canto dos cisnes da raça demista:


Do Blog do Noblat (via Nassif)

Arruda diz à VEJA quem ajudou com dinheiro

Advogados de Arruda informam que essa entrevista foi concedida à VEJA em setembro passado, antes das eleições.

Segundo o ex-governador, dinheiro da quadrilha que atuava em Brasília alimentou campanhas de ex-colegas como José Agripino Maia e Demóstenes Torres

VEJA Online

José Roberto Arruda foi expulso do DEM, perdeu o mandato de governador e passou dois meses encarcerado na sede da Polícia Federal (PF), em Brasília, depois de realizada a Operação Caixa de Pandora, que descobriu uma esquema de arrecadação e distribuição de propina na capital do país.

Filmado recebendo 50 mil reais de Durval Barbosa, o operador que gravou os vídeos de corrupção, Arruda admite que errou gravemente, mas pondera que nada fez de diferente da maioria dos políticos brasileiros: “Dancei a música que tocava no baile”.

Em entrevista a VEJA, o ex-governador parte para o contra-ataque contra ex-colegas de partido. Acusa-os de receber recursos da quadrilha que atuava no DF. E sugere que o dinheiro era ilegal. Entre os beneficiários estariam o atual presidente do DEM, José Agripino Maia (RN), e o líder da legenda no Senado, Demóstenes Torres (GO). A seguir, os principais trechos da entrevista:

O senhor é corrupto?

Infelizmente, joguei o jogo da política brasileira. As empresas e os lobistas ajudam nas campanhas para terem retorno, por meio de facilidades na obtenção de contratos com o governo ou outros negócios vantajosos. Ninguém se elege pela força de suas ideias, mas pelo tamanho do bolso. É preciso de muito dinheiro para aparecer bem no programa de TV. E as campanhas se reduziram a isso.

O senhor ajudou políticos do seu ex-partido, o DEM?

Assim que veio a público o meu caso, as mesmas pessoas que me bajulavam e recebiam a minha ajuda foram à imprensa dar declarações me enxovalhando. Não quiseram nem me ouvir. Pessoas que se beneficiaram largamente do meu mandato. Grande parte dos que receberam ajuda minha comportaram-se como vestais paridas. Foram desleais comigo.

Como o senhor ajudou o partido?

Eu era o único governador do DEM. Recebia pedidos de todos os estados. Todos os pedidos eu procurei atender. E atendi dos pequenos favores aos financiamentos de campanha. Ajudei todos.

O que senhor quer dizer com “pequenos favores”?

Nomear afilhados políticos, conseguir avião para viagens, pagar programas de TV, receber empresários.

E o financiamento?

Deixo claro: todas as ajudas foram para o partido, com financiamento de campanha ou propaganda de TV. Tudo sempre feito com o aval do deputado Rodrigo Maia (então presidente do DEM).

De que modo o senhor conseguia o dinheiro?

Como governador, tinha um excelente relacionamento com os grandes empresários. Usei essa influência para ajudar meu partido, nunca em proveito próprio. Pedia ajuda a esses empresários: “Dizia: ‘Olha, você sabe que eu nunca pedi propina, mas preciso de tal favor para o partido’”. Eles sempre ajudaram. Fiz o que todas as lideranças políticas fazem. Era minha obrigação como único governador eleito do DEM.

Esse dinheiro era declarado?

Isso somente o presidente do partido pode responder. Se era oficialmente ou não, é um problema do DEM. Eu não entrava em minúcias. Não acompanhava os detalhes, não pegava em dinheiro. Encaminhava à liderança que havia feito o pedido.

Quais líderes do partido foram hipócritas no seu caso?

A maioria. Os senadores Demóstenes Torres e José Agripino Maia, por exemplo, não hesitaram em me esculhambar. Via aquilo na TV e achava engraçado: até outro dia batiam à minha porta pedindo ajuda! Em 2008, o senador Agripino veio à minha casa pedir 150 mil reais para a campanha da sua candidata à prefeitura de Natal, Micarla de Sousa (PV). Eu ajudei, e até a Micarla veio aqui me agradecer depois de eleita. O senador Demóstenes me procurou certa vez, pedindo que eu contratasse no governo uma empresa de cobrança de contas atrasadas. O deputado Ronaldo Caiado, outro que foi implacável comigo, levou-me um empresário do setor de transportes, que queria conseguir linhas em Brasília.

O senhor ajudou mais algum deputado?

O próprio Rodrigo Maia, claro. Consegui recursos para a candidata à prefeita dele e do Cesar Maia no Rio, em 2008. Também obtive doações para a candidatura de ACM Neto à prefeitura de Salvador.

Mais algum?

Foram muitos, não me lembro de cabeça. Os que eu não ajudei, o Kassab (prefeito de São Paulo, também do DEM) ajudou. É assim que funciona. Esse é o problema da lógica financeira das campanhas, que afeta todos os políticos, sejam honestos ou não.

Por exemplo?

Ajudei dois dos políticos mais decentes que conheço. No final de 2009, fui convidado para um jantar na casa do senador Marco Maciel. Estávamos eu, o ex-ministro da Fazenda Gustavo Krause e o Kassab. Krause explicou que, para fazer a pré-campanha de Marco Maciel, era preciso 150 mil reais por mês. Eu e Kassab, portanto, nos comprometemos a conseguir, cada um, 75 mil reais por mês. Alguém duvida da honestidade do Marco Maciel? Claro que não. Mas ele precisa se eleger. O senador Cristovam Buarque, do PDT, que eu conheço há décadas, um dos homens mais honestos do Brasil, saiu de sua campanha presidencial, em 2006, com dívidas enormes. Ele pediu e eu ajudei.

Então o senhor também ajudou políticos de outros partidos?

Claro. Por amizade e laços antigos, como no caso do PSDB, partido no qual fui líder do Congresso no governo FHC, e por conveniências regionais, como no caso do PT de Goiás, que me apoiava no entorno de Brasília. No caso do PSDB, a ajuda também foi nacional. Ajudei o PSDB sempre que o senador Sérgio Guerra, presidente do partido, me pediu. E também por meio de Eduardo Jorge, com quem tenho boas relações. Fazia de coração, com a melhor das intenções.

17 de março de 2011

Tem gente pior que Lampião

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E já que falamos em cultura, deixo com vocês os grandes repentistas Valdir Teles e Sebastião Silva cantando histórias sobre o cangaço:

Churrasco na chapa branca

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Publico o vídeo acima não porque eu concorde com o autor, mas porque resume bem o sentimento popular suscitado pela notícia de que o Ministério da Cultura aprovou a captação, via Lei Rouanet, de 1,3 milhão de reais, para o projeto de Maria Bethania e Andrucha Washington. O Pedro fala em 1,7 milhão porque era o valor original pedido pelos proponentes, reduzido para 1,3 milhão pelo Minc.

É duro ir contra um sentimento popular tão forte.

No post anterior, eu não me preocupei tanto em justificar o valor artístico (e moral) do projeto de Bethânia e concentrei-me em mostrar que seria injusto usar esse exemplo para sugerir a incúria da ministra Ana de Hollanda, visto que a gestão anterior aprovou projetos bem mais polêmicos, como o que permitiu à Globo captar 3 milhões de reais para fazer um site sobre o... movimento estudantil. Eu nem me estendi sobre esse episódio da Globo, que é absurdo, por várias razões:

1 - A Fundação Roberto Marinho usou a Lei Rouanet para descontar o imposto de renda da própria empresa-proprietária, a Globo, o que é um artifício dos mais odiosos. Grandes empresas criam fundações que usam a Rouanet para tocar projetos de interesse privado com dinheiro público;
2 - O projeto em si, porém, tem um agravante. A Globo foi um ator protagonista nos acontecimentos que levaram ao golpe militar de 64. Dar dinheiro público para que ela faça prevalecer a sua versão sobre o que era e o que representava o movimento estudantil é simplesmente grotesco. É incrível como não houve repercussão do episódio. E por que não houve repercussão? Simples, porque a Monica Bergamo não publicou nenhuma notinha.

A lei Rouanet funciona de maneira tal que quase todo projeto enviado para o Ministério, e que seja razoavelmente bem escrito e com participação de pessoas idôneas, é aprovado para a captação. Em geral, o Ministério ajusta a verba pedida, e suponho que os proponentes já ampliem o montante pensando justamente nesse corte.

Conforme se vê no vídeo, as pessoas irritaram-se profundamente. Monica Bergamo, que sabe muito bem o que faz, já identificou a tensão existente no Ministério da Cultura, e aplicou o veneno na medida certa. Nem exagerou, o que reduziria a credibilidade da intriga, tampouco diminuiu. Apenas jogou a notícia sem muitos detalhes ou explicações. Poderia, por exemplo, ter entrevistado Andrucha, que certamente defenderia o valor e a importância do projeto.

Outra desinformação que se vê no vídeo do Pedro é que ele não distingue verba da lei Rouanet de verba do Ministério. O Minc tem pouca verba para investir em projetos, mas a Lei Rouanet disponibiliza mais de 1 bilhão de reais ao ano. Ele fala que trabalha com cultura e não consegue arrecadar nem "2 mil paus". Ora, eu não consigo nem "20 paus". Mas desconfio que se eu tiver paciência e escrever um projeto muito bom, há risco grande de ser aprovado pela Lei Rouanet.

O difícil é captar depois. Essa é a grande vantagem dos famosos.

A ignorância das pessoas sobre o custo de um projeto desse porte foi manipulada. No blog do Nassif, eu vi gente indignar-se pelo custo de 3,5 mil reais para elaboração de um vídeo. Acontece que, num projeto financiado pelo governo, a produtora tem que pagar preço de tabela para editor, figurinista, eletricista, etc. Ah, Bethania podia fazer com uma webcam. Certo? Não. Não se pode confundir a produção de um filme amador ou universitário com a de um trabalho profissional. Tem que pagar bem, não tem jeito. Pode-se contestar o fato do dinheiro ser público, mas não o custo. O cachê total da Bethânia, de 600 mil reais, admito que é o item mais difícil de justificar. A única maneira de salvar a pele da Bethânia é dividir o cachê pelos 365 filmes e mostrar que será de 1,6 mil por peça. Os valores finais são altos porque é um projeto de proporções bem monstruosas...

E agora esse projeto terá que ser genial; para isso serviu a polêmica, para forçar os artistas a se empenharem o máximo, pois vai ser a única forma de legitimar um gasto tão alto de dinheiro público: produzindo um material de excelência. Desejo sorte.

As pessoas perguntam porque eu estou defendendo a Ana de Hollanda. Uma amiga do Twitter me provocou, sugerindo que meu "governismo estaria acrítico demais".

Em primeiro lugar, eu peço encarecidamente que respeitem minha honestidade intelectual e independência. Eu defendo quem eu quiser e sou crítico a quem eu quiser. Eu nem queria defender a Ana de Hollanda, mas os ataques baixos se multiplicam e não tive outra saída. Que eu saiba, ela não cortou nenhum programa importante ainda, ou ao menos não fez nenhum corte além do imposto pela tesourada do Guido Mantega.

Quanto ao governismo, mantenho a mesma postura que tive durante o governo Lula. Esperar pra ver. Não vou criticar aumento de juros ou cortes de gastos com leviandade, porque não tenho acesso a todos os dados. Se eu fosse um diretor do BC, e soubesse o que estava acontecendo, podia quebrar o pau lá dentro. Mas aqui de fora, prefiro esperar para ver se as medidas dão resultados, e depois trabalhar com dados palpáveis, concretos, e não com expectativas insondáveis. Se daqui a um ano, a inflação estiver sob controle, o desemprego e a pobreza em queda, a economia crescendo de maneira equilibridada e sustentável, e os juros caindo, ou então se ocorrer o contrário, aí poderei dar uma opinião embasado em números reais.

Quer dizer, se Dilma cortasse gastos em programas sociais ou obras prioritárias, poderíamos identificar aí uma perigosa mudança de rumo. Não foi o que aconteceu, todavia, e sim o oposto: Dilma decidiu ampliar significativamente o valor do Bolsa Família, em até 45%, e as obras do PAC foram mantidas.

Em relação à ida de Dilma ao aniversário da Folha, continuo achando que foi uma jogada inteligente, que trouxe importantes dividendos políticos para o PT, para o governo, e consequentemente, para a esquerda em geral. Tem muito petista achando que a partida já está ganha. Nada disso. A direita é muito forte. Outro dia saiu a lista dos bilionários da Forbes. É assustador ver a quantidade de brasileiros no ranking, a maior parte ligado às instituições financeiras. A direita tem a grande mídia e tem recursos financeiros quase ilimitados. Subestimar a sua força política e esnobar estratégias para avançar sobre o eleitorado de centro e centro-direita, maioria em Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, é tolice.

A vitória da esquerda é relativa e temporária, até porque o sistema econômico não lhe favorece.

Não estou sendo chapa-branca ou governista acrítico quando acho que Dilma agiu muito bem ao ir à Folha. É o que eu penso, livremente. Sou um apaixonado estudante de história, e sei que os líderes políticos mais populares sempre agiram com magnanimidade. Cícero passou anos vituperando Júlio César, atacando inclusive a sua sexualidade, pois os inimigos de César espalhavam a história de que ele teria cedido à sedução de um ricaço asiático, nos tempos em que ainda era um militar pobre e endividado. Após assumir o poder, Júlio César perdoou Cícero e tratava-o sempre com grande cordialidade. As histórias da Antiguidade, em Heródoto ou no Velho Testamento, são cheias de lições desse tipo. Eu já li esses livros todos e por isso entendo que Dilma agiu muito bem ao não demonstrar nenhum ressentimento. Ela foi nobre.

Eu tô de olho no governo, mas sem excesso de zelo, até porque seria valorizar demais o meu senso crítico achar que tenho o dom de discernir, nos atos mais singelos das autoridades, sinais inconfundíveis de uma desvirtuação ideológica. Ora, o governo tem que lidar com uma miríade de forças contraditórias: no Congresso, no Senado, nos partidos, na mídia, no setor econômico, na política internacional. Um discurso conservador aqui pode servir de contrapeso para uma ação progressista acolá. É assim que funciona a política, um jogo de forças, muitas vezes silencioso, muitas vezes contraditório.

Se a pessoa tem tanta preocupação assim em influenciar e controlar a maneira como agem os representantes políticos, seria mais honesto se tornar logo um político. Filiar-se a um partido, disputar eleições, articular-se.

Refiro-me somente às pessoas físicas, naturalmente, e com ressalvas, visto que é importante a pessoa se expressar e defender seus pontos de vista. Critico apenas o exagero, o patrulhamento excessivo.

Por exemplo, agora é um bom momento para fazermos um balanço crítico do governo Lula. Temos os dados em mãos, e podemos apontar-lhe os defeitos e os problemas, sem o perigo de beneficiar diretamente a oposição. E o que muitos preferem fazer? Endeusam o governo Lula, e culpabilizam a gestão Dilma. Lula não conseguiu mudar a lei Rouanet? Mas a culpa é de Dilma. Lula não conseguiu construir uma regulamentação mais democrática para mídia, de maneira a dar mais liberdade para a sociedade civil e política, protegendo-a contra os desmandos dos barões da ditabranda? É Dilma ainda a culpada, porque vai na Hebe, na Ana Maria Braga, na festa da Folha... Como se Lula não fosse no Ratinho e no Datena...

Ora, Lula não precisa mais de proteção política. Quem precisa é a Dilma. Nenhum governo é perfeito, mas todos precisam de tempo para se adaptarem à nova realidade e às novas circunstâncias.

Leva-se também muito a ferro e fogo o significado da palavra "continuidade". O povo elegeu Dilma para continuar a obra de Lula, mas isso não quer dizer que a presidente tenha que emular completamente seu antecessor. Nem pode. Ela tem um estilo diferente e imprimirá esse estilo a sua gestão. É uma mulher trabalhadora, honrada, dotada de sensibilidade social, qualidades que a fariam uma excelente estadista mesmo que pertencesse a um partido conservador. Integrando uma coalização de forças progressistas, terá condição de fazer um governo extraordinário, e sua prudência nesses primeiros dias apenas confirma sua astúcia e capacidade.

Hoje eu li, na Folha, um artigo de Ives Gandra, o reacionário-mor, tecendo altos elogios à presidenta. Não sou do tipo que se assusta com isso. É um movimento inconsciente, uma atração natural que o poder e os vencedores exercem sobre o imaginário conservador. A direita quer, além disso, seduzir os donos do poder, através de gentilezas, afagos, elogios. Afinal somos todos seres humanos sensíveis e vaidosos.

È preciso ficar atento a tudo isso, inclusive para a psicologia da política. Da mesma forma que os ricaços se sentem irresistivelmente atraídos pelo poder e tendem a elogiar as autoridades, a maioria da sociedade tem uma relação de conflito com o poder: há sentimentos baixos, de inveja, ressentimento, complexo de inferioridade, baixa autoestima (os mesmos, aliás, que explodem em situações como a da polêmica com o blog de Bethânia)... Claro que, mesmo com esses sentimentos, que são inevitáveis, as críticas tem importância capital. Deve-se porém evitar a crítica vazia, feita apenas pelo desejo de criticar, porque ela fatalmente irá enfraquecer uma crítica séria que tenhamos a fazer no futuro, além de queimar pontes entre o poder político e o militante.

Criticar sim, mas sem cair na pilha, sem ódio, sem bullying virtual, sem simplismos e sem ingenuidade. Com racionalidade inquebrantável e objetividade fria.

Dessa vez não tem final bonito. Quer dizer, talvez esses versinhos do velho Bukóswki sirvam de conclusão:

beba mais cerveja.
há tempo.
e se não há
está tudo certo
também.