28 de março de 2011

Política doméstica poluiu debate sobre direitos humanos


(Photograph by Larry Fink, Homage to Otto Dix, September 2001,
from the Forbidden Pictures Portfolio published 2004.
 )

A decisão do governo brasileiro de apoiar o envio de um representante da Comissão de Direitos Humanos da ONU ao Irã produziu uma grande confusão. O ambiente já estava envenenado, mas este é outro assunto. Eu queria voltar à Comissão de Direitos Humanos porque, nesse imbróglio todo, as críticas que mais ouvi foi que ela seria "hipócrita", porque não investiga a situação de direitos humanos das ditaduras árabes, não investiga Israel ou Honduras e, sobretudo, não investiga as violações cometidas pelos americanos.

Não é verdade. Mais uma vez, as pessoas confundem as limitações do Conselho de Segurança e da Assembléia-Geral da ONU, onde os EUA tem poder de veto, com a Comissão de Direitos Humanos, onde não há poder de veto. Na Comissão, discute-se sobre tudo, nenhum país escapa.

Eu mesmo fiz declarações apressadas, mas meu erro não foi defender a Comissão, e sim  defendê-la pouco, sem estar embasado em dados mais consistentes. Agora que eu estou pesquisando as atividades e o histórico da CDH da ONU, surpreendo-me em saber que há relatórios sobre Arábia Saudita, inúmeras denúncias contra Israel, relatórios sobre Colômbia, Yemen, Bahrein, Myanmar, o golpe de Estado em Honduras, sobre Costa do Marfim, etc.

Os EUA tem sido alvo de várias missões e relatórios da CDH da ONU. Há um relatório, por exemplo, que denuncia duramente os EUA pelos abusos cometidos no Iraque, com base em documentos vazados pelo Wikileaks.

O Brasil também foi visitado muitas vezes por representantes da CDH, que não pouparam críticas aos problemas encontrados por aqui.

Não são justas, por isso, as acusações de que a CDH seria "hipócrita" ao decidir enviar um representante para checar a situação de direitos humanos no Irã. A CDH tem sido aberta às denúncias de abuso em qualquer país, sem discriminação. Ao votar para o envio de representante ao Irã, o Brasil foi coerente com votações similares referentes a outros países.

Também não é verdade que se trata da "primeira vez" que o Brasil vota contra o Irã. O certo é que essa é a primeira votação do gênero sobre o Irã, país que tem sido alvo frequente de discussões sobre direitos humanos por parte de especialistas, e não apenas por causa da perseguição norte-americana, mas por denúncias graves de abusos feitas por intelectuais iranianos respeitados e pela sociedade civil do país. Assim como há denúncias feitas contra vários outros países.

Ao Brasil interessa fortalecer as organizações multilaterais, e estabelecer limites ditados pelo direitos internacional. O governo Lula não votou em favor do Irã nas últimas votações que ocorreram no Conselho de Segurança e na Assembléia Geral porque ele negasse que houvesse problemas na área de direitos humanos no país, e sim porque ele entendeu que, no primeiro caso, o assunto era o direito ao enriquecimento de urânio e, no segundo, o fórum não era o correto. Na votação realizada na Assembléia Geral, a representante brasileira foi bem enfática ao declarar que a posição do Brasil, ao se abster, era um protesto contra o fato de que o assunto estava sendo tratado no lugar errado; direitos humanos devem ser tratados na Comissão de Direitos Humanos, porque aí há muito menos manipulação por interesses geopolíticos.

5 comentarios

Edson disse...

Miguel,

É exatamente isto que está acontecendo ao governo Dilma. O silêncio governamental diante das intrigas do PIG... não é só responder, é agir... no caso da visita de Obama foi um caos devido a falta de atitudes do governo, buscando preservar o Obama... pasmem, a notificação de repúdio deveria ir diretamente à embaixada dos EUA.

Ou tem gente infiltrado no governo, sacaneando... ou a assessoria dos "três porquinhos" tá muito ruim... veja o exemplo do blog do planalto na frase "saudoso Roberto Marinho"... é demais para quem "tava" na trincheira lutando exatamente contra a representação do "saudoso" Roberto Marinho

O governo precisa entender que a era dos blogs pautam um universo cada vez maior de eleitores, e se o governo continuar em "marcha lenta" nas respostas... Ela já perdeu muitos eleitores desde a visita de Obama. Pode ter certeza. Agora para recuperar não adianta o Lula dar seu apoio. A militância de esquerda, por seu perfil mais politizado, é muito independente e não aceita certos adereços... e é por isso que os esquerdistas geralmente sempre discutem entre si. E é também nesse ponto que o governo tem que acordar...

Mais uma vez é bom lembrar: 2012 está aí, e Lula será "o cara" que vai eleger o número maior de prefeitos pelo Brasil afora... e o PIG sabe disso.

Anônimo disse...

Miguel, o que é troll?

Adriano Matos disse...

Oi Miguel!

Acho que vc tem razão. Teria o Brasil mudado a orientação da politica externa sob Dilma se tivesse votado contra investigações na Arabia Saudita, EUA, etc, no conselho de direitos humanos da ONU.

Quem propôs a investigação no Irã, vc sabe dizer?

Ricardo Melo disse...

A sua análise é brilhante e coincide com o Moniz Bandeira, um grande autor brasileiro.

Na Carta Maior ele deu uma entrevista que só posso classificar como uma "aula" de Relações Internacionais. O último trecho bate com o que você afirma aqui: "O voto em favor de um delegado da ONU para verificar a questão dos direitos humanos na Irã é um fato isolado e não representa uma alteração fundamental na posição do Brasil".

Aí vai o link: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17611

Ccesarbento disse...

Excelente comentário. Reproduzi em meu Blog http://bit.ly/gXXd4W

Postar um comentário