2 de janeiro de 2011

Nassif analisa era Lula - 1


(Foto: Ricardo Stuckert)

Balanço de Lula 1: a criação do mercado de massa

Por Luis Nassif, em seu blog.

A grande discussão acadêmica do momento é se o governo Lula inaugurou uma nova era – ao consolidar uma economia de massa – ou se foi uma continuidade do governo FHC.

O divisor de águas é a formação da sociedade de massas, com a inclusão econômica e política, definindo uma nova etapa no desenvolvimento brasileiro, um novo paradigma para as políticas públicas.

Na primeira metade dos anos 2000 escrevi um conjunto de artigos explorando esse tema – e que acabaram se constituindo na espinha dorsal do meu livro "Os Cabeças de Planilha".

Não é um livro de historiador. É um livro de jornalista com alguns "insights" que, creio eu, só agora estão tendo desdobramentos junto ao mundo acadêmico. Um deles, o da reavaliação do "encilhamento", ainda não foi suficientemente cinzelado pela Academia, especialmente a estratégia política em torno da remonetização (introdução de um novo padrão monetário) da economia – que seria seguida no Plano Real. Há bons livros analisando os erros, mas nenhum casando os erros com a estratégia de tomada de poder por parte de Rui Barbosa - que serviu de base para o modelo desenhado por Gustavo Franco para o Real.

O ponto que, agora, domina o debate acadêmico – graças aos estudos do André Singer – é o do impacto político e econômico da formação de uma economia de massa. Já tinha delineado no meu livro.

No "Cabeças de Planilha" trabalho o conceito de "janelas de oportunidade" na vida dos países, aqueles momentos únicos que, sendo aproveitados, lançam o país em um novo patamar; não sendo aproveitados, entram na cota do desperdício histórico.

Identifico três janelas na história do país, todas elas relacionadas com a possibilidade de ampliação dos mercados econômico e político, através da inclusão de novas massas - o mesmo conceito aprofundado por Singer para analisar o governo Lula.

A primeira, o período da Proclamação, onde se junta a Abolição e a política de atração de imigrantes. Ali se poderia ter dado o primeiro grande salto na criação de uma sociedade moderna. Morreu devido aos erros do Encilhamento, à falta de políticas públicas que ajudassem na inclusão dos libertos, e as enormes dificuldades colocados no caminho dos imigrantes. Em vez de um salto, criaram-se as bases para a vergonhoso concentração de renda que dominaria o século 20. Enfim, havia falta de elite.

A segunda grande janela se deu na segunda metade dos anos 60. O processo de industrialização ganhara fôlego, tivera início o grande movimento de urbanização, acelerado pela seca no nordeste. A falta de uma política agrária, de fixação do homem no campo, a carência de investimentos nos sistemas de educação e saúde, em vez de um salto no mercado trouxeram o inchaço das grandes metrópoles. Quando esgotou-se o modelo exportador e o salto do "milagre", não havia mercado interno para sustentar o crescimento.

A terceira janela de oportunidade desperdiçada – dizia eu no livro – foi justamente o Plano Real.

Em geral abre-se a oportunidade de grandes movimentos de mobilidade social ou em eventos políticos traumáticos (como na Proclamação) ou em grandes desastres geográficos.

Com o Real, FHC recebeu o prato pronto, de presente. O fim da inflação trouxe para o mercado de consumo milhões de brasileiros, sem traumas políticos, sem tragédias ambientais. E isso em um momento de grande reorganização da estrutura das multinacionais, com o Brasil despontando como um dos países sede das unidades produtivas.

Esse movimento foi abortado porque inclusão social, criação de bases sólidas econômicas, nunca fizeram parte das prioridades de FHC. E essa história de que primeiro precisaria consolidar a estabilidade monetária não resiste aos fatos.

Têm estudos de Edmar Bacha, no primeiro semestre de 1995, admitindo que a luta contra a inflação já tinha sido completada e que, agora, seria o desenvolvimento. Impôs-se a estratégia de criação de grandes grupos financeiros à custa da apreciação do real. O contraponto tímido - de pessoas como Luiz Carlos Bresser Pereira e José Serra - se dava no campo do desenvolvimentismo tradicional, jamais na ampliação de políticas sociais como base para um novo mercado de massas.

Os poucos avanços que ocorrerem em educação e saúde foram decorrência exclusiva da Constituinte, que criou transferências obrigatórias para o setor. Durante toda sua gestão, o Ministro Pedro Malan tentou acabar com a vinculação.

Digo isso para salientar que é falsa a ideia de continuidade entre FHC e Lula na criação desse mercado de massa. E de que consumou-se com Lula porque as condições sociais e políticas impuseram-se por si próprias.

FHC jamais implementaria esse modelo, em nenhuma circunstância, porque não fazia parte de suas prioridades. Aliás, quem leu a entrevista com ele, com que fecho meu livro, perceberá uma absoluta ignorância de FHC em relação a pontos essenciais desse novo modelo, que o livro percebia latente, mas que só se materializou nos últimos anos. Sua única visão de país consistia na geração de grandes grupos financeiros, internacionalizados, que avançariam levando o país consigo.

Assim, considero correta a avaliação de que a grande marca de Lula, que mudou o Brasil no plano econômico, político, regional, foi o da criação do enorme mercado de massa, político e econômico. Esse é o divisor de águas, a mudança de paradigma.

Volto a falar do tema nos próximos capítulos.

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