19 de outubro de 2009

Reflexões psicanalíticas de um blogósofo duro

Aí vai uma excelente sugestão para a turma que estuda psicologia. Investigar os aspectos psicológicos da blogosfera. Seguramente, serão encontrados casos interessantes e instrutivos para a ciência. Enquanto nada mais científico é elaborado, nada me impede de fazer algumas elocubrações descompromissadas. Imagino, por exemplo, que o ato de publicar textos na internet tem função terapêutica para muita gente. Mas também creio que, pelas mesmas razões, a exposição pública deve gerar uma série de consequências patológicas.

Pego eu mesmo para caso de estudo, como sempre fiz, aliás. Sempre usei, descaradamente, minha própria personalidade como laboratório de experimentações e análises pseudo-científicas sobre a psique humana. Eu devo guardar, em mim, umas três ou quatro doenças mentais. Não sei quais são, mas acredito tê-las. Acho que todo mundo tem, de qualquer forma, umas três ou quatro doenças mentais. Por outro lado, não quero ser leviano. Já visitei diversos hospícios e tenho consciência de que não se brinca com doença mental. É muito doloroso, é trágico, e se as pessoas tivessem noção do que é, não ficariam se auto-proclamando loucas, a torto e direito.

Mesmo assim, temos as doenças, em estado latente, como que dormindo, em nossa psique. O homem contemporâneo, assim como carrega, em si, milhares de doenças biológicas, também convive, em sua mente, com diversas patologias da mente.

Há correntes da psicologia que preferem não mais chamar esses recorrentes problemas mentais de patologias, e sim classifica-os num patamar mais nobre, algo como uma diferença, ou originalidade da pessoa. No entanto, acredito que uma doença é realmente uma doença quando a pessoa sente dor. Uma depressão, por exemplo, pode ser algo extremamente doloroso, que leva ao suicídio, ao alcoolismo, ao crime. Ou à blogosfera. Ou a escrever cartinhas para o jornal.

Hoje eu fiquei triste, por exemplo. Depois de resolver um negócio no banco, vim caminhando pela rua do Catete, para casa, em velocidade lenta. Estava quase depressivo, mas era uma depressão ligada exclusivamente ao bolso, ou à falta de conteúdo nele. Está provado cientificamente que, se o dinheiro não traz felicidade, a falta dele igualmente não contribui para o bom humor de ninguém. Também sentia um pouco de vergonha, por ter reclamado da vida neste blog. Tentei consertar no post seguinte, mas não adiantou muito. Por isso apaguei os dois posts recentes aos quais me refiro. Foi um erro publicá-los, em todos os sentidos. Abri o flanco para os inimigos. Mostrei fraqueza.

Possuir um blog assemelha-se, algumas vezes, a ter uma janela permanentemente aberta para o mundo. É excitante ver o mundo por ali, e também escutar, dali, o clamor das multidões. Mas, depois de um tempo, você percebe que, mais do que ver e escutar o mundo, mais do que apreciar um espetáculo, é você que passa a ser observado, é você que se torna um espetáculo. A internet, o blog, instala uma câmera de reality show diante de seu rosto. Daí que você não pode mais errar. Não pode mais titubear. Deve ser forte e bonito o tempo inteiro.

Esses também são ossos do ofício para um blogueiro. Por isso, é tão difícil manter um blog, e a maioria desiste depois de um tempo. Há um desgaste psicológico tremendo. Mesmo quando você não publica nada, apenas o fato de ter consciência de que seus pensamentos e personalidade encontram-se ali expostos à visitação pública, cansa muito. A única forma de suportar um esforço continuado dessa espécie é encará-lo como obrigação profissional. Isso não significa esquecer seu caráter lúdico e artístico, inerente à toda atividade criativa, mas aceitar suas dificuldades em nome ou do nobre esforço pela sobrevivência ou da busca pela realização de um ideal – a última opção, por enquanto, tem sido a única a motivar a maioria dos blogueiros.

*
E por falar em psicologia, a baixa autoestima dos brasileiros tornou-se, definitivamente, uma patologia gravíssima. É um caso antigo, mas que não pára de piorar. Na fila do banco, no botequim, na casa de parentes, em todas as classes sociais, contemplo um incessante desfilar de clichês antibrasileiros. E não apenas antibrasileiros, mas antipolíticos em geral, o que significa, sem que as pessoas se apercebam, antidemocráticos. Conversando com uma senhora, ela lembrou que são os juristas que conhecem as leis. “Então como é possivel que as nossas leis sejam feitas pelos deputados?”, ela perguntou. Ao se referir aos deputados, vem implícita a afirmação: “como é possível entregar uma responsabilidade dessa magnitude a tal classe de salafrários?”

Uma visão assim nada mais é do que um desdobramento de uma grave patologia social, que há muito tempo assola a sociedade brasileira; mas não só a brasileira. A descrença na democracia é uma doença que vitimou algumas das melhores cabeças da humanidade. Digo doença apenas como força de expressão. Não é doença, claro. É antes uma ideologia propriamente dita, mas uma ideologia antidemocrática, uma ideologia com tendência aristocrata, que almeja um governo dos “melhores”, de “sábios” e “técnicos”. A experiência histórica, todavia, mostra que isso não dá certo. É uma utopia, tão boa e tão ruim como o “comunismo” soviético. Seus resultados são imprevisíveis. De qualquer forma, a democracia tem instrumentos para se autoaperfeiçoar. Sobretudo, há uma atmosfera de liberdade. O ar que se respira numa democracia pode não ser dos melhores, mas ao menos estamos livres para abrir os braços e correr pelo parque.

No caso do Brasil, no entanto, a descrença na democracia é sim um dos sintomas de uma grave patologia social, que por sua vez liga-se à uma terrível baixo autoestima. As pessoas não acreditam no parlamento porque não acreditam no Brasil. Não se vê qualidades no espírito brasileiro, afora os folclorismos de sempre (alegria, expansividade), os quais, de qualquer maneira, acabam sempre se associando a algum defeito maior. O brasileiro de classe média é herdeiro da antiga veneração pelo “doutor”, a qual se converteu no atual dogma da “meritocracia” ou fé cega na “tecnocracia”. Quando se analisa a opinião pública tradicional (os leitores de jornal impresso), verifica-se que as pessoas julgam homens públicos mais pela imagem exterior, pelo simbolismo que deles emana, do que pelas consequências e qualidade de sua gestão. Vejam o caso da Petrobrás. No governo FHC, a empresa estava sendo sucateada. Havia acidentes ambientais terríveis. A maior plataforma do mundo afundou, causando prejuízo incalculável. Mas é agora, na gestão Lula, quando a empresa acumula incontáveis sucessos empresariais, que a imprensa (porta-voz um tanto arbitrária, ou mesmo totalitária, desta opinião pública) acusa a Petrobrás de não estar sendo gerida de acordo com “critérios técnicos”. Isso porque há muitos diretores ligados ao sindicalismo, ou seja, brasileiros com formação nacional, autodidatas, pessoas oriundas da classe trabalhadora, e não os bibelôs manufaturados em universidades americanas, esses nefelibatas sem poesia que tanto deslumbram setores colonizados do país.

Quanto à baixa autoestima propriamente dita, essa convicção apaixonada pelo fracasso, é um caso cheio de particularidades originais. As pessoas que mais professam essa fé escura, em geral, costumam dar grande valor a si mesmas, ou na impossibilidade disso, nas pessoas próximas (nos filhos e parentes, por exemplo). A psicologia social deve investigar a fundo essas manifestações, mas tenho a impressão que há um fundo de racismo aí, conforme se pode verificar através do pensamento brasileiro do século XIX, onde o fator raça era largamente citado para explicar a degeneração da cultura nacional. Um país de mulatos, pretos, mestiços, não pode ter futuro promissor. Hoje em dia, esse racismo está introjetado no inconsciente, individual e coletivo. O brasileiro não gosta do rosto que vê no espelho, essa é a verdade.

8 comentarios

Tio Drakul disse...

Bem, posso acrescentar aos seus pensamentos que eu considero que jamais vivemos uma democracia "de verdade", assim como nunca existiu um comunismo "de verdade". O que assistimos e vivemos é o comunismo e a democracia "reais", ou seja, o mínimo de concessões dos "manda-chuvas de sempre" para evitar uma guerra civil generalizada. É só ver o "acidente feliz" que foi Lula chegar ao poder, vê quantos se erguem espumando de raiva para eliminá-lo à qualquer custo porquê ele está cometendo a heresia de tentar fazer uma democracia de fato?

Miguel do Rosário disse...

prezados, comentário off-topic. Leiam essa matéria de Azenha, desmascarando a requentada farsa Lina:

http://www.viomundo.com.br/opiniao/folha-vai-alem-do-desapego-a-verdade-factual/

Jeferson Paz disse...

CarÓleo,
Sempre leio seus escritos e me impressiona a clareza com que você escreve.Clareza, simplicidade e boas doses de humanidade. Sei que é um grande admirador(!) das artes visuais e pelo seu Óleo estabeleci contato com os artistas da Clarabóia. Permita-me compartilhar com você um post que enviei para o Portal do Nassif sobre a situação do MAB-Museu de Arte de Brasília.http://blogln.ning.com/profiles/blogs/a-situacao-do-museu-de-arte-de
Grande abraço,

Jeferson Paz

José Carlos Lima disse...

Miguel, escrever de forma compulsiva é uma grave patologia mas só me sinto mais leve quando escrevo sem me policiar embora depois morra de vergonha do que escrevi, por isso ultimamente restringi-me a apenas comentar textos alheios, mas não sei se isso vai resolver minha demanda que vem desde pequeno, quando escrevia no próprio corpo regras de auto-ajuda que eu mesmo inventava. Me lembro que dos textos que escrevi em mim, sob as roupas, para ninguém ver era: criar carapaças para existir, fechar a cara, enrijecer o peito, ser carrancudo, parar de respirar, enfiar uma faca no bucho de fulano,senão uma faca pelo menos um espeto de churrasco, que tal um lápis.
Quanto ao pessimismo generalizado manifestado por nós brasileiros, isto tem a ver com os conteúdos que nos são introjetados desde pequeno por nossoas pais, escola, igrejas e, principalmente, pela televisão, vi isso hoje à noite, meus familiares afirmando que o presidente Zelaya teria sido deposto porque queria implantar em Honduras a ditadura de Hugo Chaves. Tive que falar das relações de poder da mídia, aí entrou a Globo dizendo que a Vale se tornou uma grande empresa porque foi privatizada quando na verdade isto ocorreu por causa da valorização do aço (o que era de conhecimento de FHC), teve o que mais hoje para os meus familiares no JN...ah sim, a Lina Vieira achou a agenda, o que estaria provado que Dilma teria mentido. Como ser não pirar? Viva a escrita.

Montenegro disse...

Cara, as pessoas são feitas de altos e baixos, essa é a realidade e acho que Você não deve se envergonhar de nada.Isso acontece com qualquer um e as coisas sempre dão voltas.Pode ter certeza que as cosas vão melhorar.Agora sobre abrir o flanco para os inimigos, te digo que às vezes existe mais humanidade nos inimigos que no mais incondicional alido, até porque Você não conhece seu aliado até o momento de ele se opor a Você, às vezes usando métodos de baixo nível.Abraço

José Carlos Lima disse...

Que outra terapia me faria pegar-me em gargalhadas?
O ato de escrever me proporciona isso, o riso e a dança.
Ai sim, sei que estou no meu normal.
Embora depois, quando a ficha caia, eu apague tudo.
O que importa isso?
O importante é o processo.
Melhor não explicar estas coisas quand nestes momentos o mundo não é para ser explicado e sim para ser sentido.

carlos disse...

grande miguel,

você tem talento, meu caro.
só isso mostra o seu valor para os leitores. dos assuntos ditos sérios até os devaneios, e até mesmo as besteiras , nos fazem um bem danado.
não pare, não, pedido de amigo, como se diz aqui no ceará.

abçs

Ines Ferreira disse...

Miguel,

Eu vou me repetir, já disse nesta seção de comentários que vc era um cara sensível e inteligente, agora eu maximizo você é O CARA MAIS SENSÍVEL E INTELIGENTE da blogosfera. Passa em muito o Nassif e o Azenha, que tenho também em boa conta. Fico triste que isto não se traduza em grana para vc. Enquanto pulhas como Merval, Alexandre Garcia, Willian Bonner e seu xará Willian Waak, ganham um grana nas Organizações Globo, caras íntegros como vc,Eduardo Guimarães não ganham nada. Mas, a gente escolhe o lado quer atuar na vida.Um vendido, mas cheio da grana ou uma pessoa digna e por isso mesmo sem dinheiro. Eu acho que para o bem de todos e felicidades geral da nação, vc está na 2ª opção. Mas não desanima, não! Sou uma pessoa otimista, acho que esta farsa dos neoliberalistas ou vendidos (sem eufemismos) estão com seus dias contados. Vide o que o Obama está fazendo com a rede Fox, simplesmente diz que eles são PIG e não vai dar mais entrevistas pros caras. O que está acontecendo é que as máscaras estão caindo. Quem está no lado negro da energia (adoro Guerras nas Estrelas) vai acabar perdendo. Acredite!

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