3 de outubro de 2009

Chicaneiros e Sofistas

(Leonel Obando, artista hondurenho)


Depois de Merval Pereira, do Globo, ter citado artigo de Dalmo Dallari no qual o jurista defende o golpe em Honduras – dizendo que não foi golpe -, a Folha de São Paulo, reproduz o texto na edição deste sábado. Com um detalhe importante: o artigo vem publicado na própria seção Mundo, ao lado das notícias, e não na parte reservada às opiniões.

O fato de Dallari ser ligado ao PT é um trunfo. A mídia conservadora está sempre à cata de petistas cujas opiniões lhe seja útil. Recentemente, Dallari também elogiou o espancamento de estudantes e professores da USP, durante os conflitos decorrentes de uma greve, e suas palavras também pareceram cair como maná dos céus para editorialistas meio acuados na posição desconfortável de isentar ou defender o governador José Serra.

Desta vez, novamente, a opinião dallariana soa como trombeta salvadora, principalmente para aqueles que, como Merval Pereira, apostaram seu prestígio na defesa de um golpe condenado mundialmente.

Acontece que o artigo de Dallari é um amontoado de besteiras. A discussão sobre se foi golpe ou não é ultrapassada. A maioria esmagadora afirma que sim. Os fatos dizem que sim. As consequências gritam. O povo hondurenho, que é, afinal, quem tem a última palavra nessa questão, se manifesta nas ruas, gritando contra o golpe de Estado.

Dallari menciona a decisão da Suprema Corte de Justiça como se falasse de uma canetada de Otávio Augusto, o César dos Césares. Quer dizer, então, que se Gilmar Mendes quiser, ele pode depor o Lula e deportá-lo para Nicarágua?

É por essas e outras que sempre afirmo aqui, neste blog, que não acredito em sábios. A verdade não é uma propriedade arraigada em títulos acadêmicos ou fama. A verdade é uma força em movimento, e só existe na discussão livre, na dialética. O golpe militar no Brasil, em 1964, também foi apoiado por diversos juristas famosos. Muitas celebridades do mundo artístico e acadêmico igualmente chancelaram o assassinato da democracia brasileira. Ao percorrer as páginas dos jornalões brasileiras dos dias subsequentes ao golpe de 64, encontro, por exemplo, um depoimento de Augusto Federico Schmicht, o simpático e boêmio editor e poeta, o mesmo que descobriu Graciliano Ramos e foi uma figura tão querida entre a vanguarda da intelectualidade nacional, defendendo a legalidade do golpe.

Respeito a opinião de Dallari, mas dou-me o direito e a liberdade de afirmar que ele, mais uma vez, perdeu uma magnífica oportunidade de não falar besteira. Diante da gravidade do fato e dos interesses geopolíticos envolvidos, a opinião de Dallari apenas serve à extrema direita americana (tenho usado essa palavra, americana, no caso de Honduras, para me referir a toda América, de norte a sul).

É claro que foi golpe! Não são chicanerias de juristas vaidosos e confusos (para não dizer senis), que mudarão o fato consumado de um presidente, eleito democraticamente, ser deposto sem o mínimo direito à defesa, essa sim uma lei “pétrea” de qualquer democracia. Dallari pode até defender o espancamento de alunos e professores da USP, mas usar o seu prestígio para chancelar um golpe de Estado é de provocar engulhos. Ao mesmo tempo, serve de alerta para todos. É preciso pensar com a própria cabeça, sempre. O caso de Honduras é um tema politico, e não podemos nunca deixar a política ser dominada pela esquizofrenia jurídica, pois, é sempre bom lembrar, quase todos os golpes de Estado da história da humanidade, tiveram suas justificações. No caso da América Latina, sempre foram “democráticos”...

Zelaya pode ter cometido inúmeros erros políticos. Não tenho a mínima idéia se Zelaya é um bom presidente ou não. O que estamos discutindo aqui são princípios democráticos universais, os quais foram brutalmente violentados em Honduras, e o Brasil, na medida do possível, sem intervenção e sem agressão, está colaborando para que eles, os tais princípios, sejam consolidados.

15 comentarios

Hernan disse...

"O caso de Honduras é um tema politico, e não podemos nunca deixar a política ser dominada pela esquizofrenia jurídica"

Certeiro.

Hugo Albuquerque disse...

Miguel,

Recentemente a própria Folha publicou um artigo do Professor Pedro Estevam Serrano da PUC-SP sobre o que houve em Honduras em uma perspectiva jurídica. Os argumentos ali contidos, ao meu ver, sepultaram definitivamente qualquer possibilidade de debate que partisse da premissa de que a Constituição Hondurenha autorizou o que houve - enfim, nem mesmo a limitada perspectiva do constitucionalismo liberal entende aquilo como tolerável, como tenho reiterado seguidas vezes desde a deposição de Zelaya.

O texto de Dallari é muito fraco. Se a premissa da qual ele partiu fosse verdadeira, as Cortes Constitucionais pelo mundo funcionariam como clubinhos onde soberanos schmittianos se reuniriam aos sábados para brincar de instalar a exceção - uma espécie de teoria nazista onde a soberania seria exercida não por um Líder, mas por uma dúzia de magistrados. Mesmo levando em conta que a pluralidade de concepções acerca do que é Democracia, eu não conheço nenhuma que se coadune com isso.

Voltando ao artigo do Professor Serrano, as Cortes Constitucionais tem competência para exercer o controle de constucionalidade, não para se arrogarem das funções de uma Poder Constituinte Originário - haja vista que a titularidade dele ao Povo, seguindo o Princípio da Soberania Popular, elemento basilar de todas as concepções de Democracia que existem.

Portanto, trata-se, nada mais nada menos do que um Golpe. Simples assim - e todos aqueles que pegarem em armas contra ele estarão protegidos ainda pelo princípio de resistência à tirania (este é um caso clássico e etimológico de tirania).

No fim das contas, só me resta tentar entender o que aconteceu com o Professor Dallari, figura combativa em anos tão mais duros e perigosos do que esses e que agora vem manchando - e também contradizendo - sua própria biografia.

Daniel27 disse...

Miguel, no OI cheguei a comentar (obviamente não foi publicado...) que o (des/)arrazoado do Dallari deve-se tão somente ao fato dele ter se sentido preterido na nomeação para o STF. Continuo acreditando que seja assim, de outra forma não se explica a quantidade de falsidades e imprecisões que ele usou como base argumentativa, torcendo os fatos atétorna-los úteis à finalidade que ele já tinha decidido. Realmente, a vaidade destroi histórias pessoais e públicas que custaram uma vida a ser criadas, exemplos têm aos montes......

Vera Pereira disse...

Desconfio que Dalmo Dallari estava esperando ser indicado para o STF. O nome dele apareceu em alguns blogues. Não foi indicado. Posso estar completamente enganada, mas acho que muitos intelectuais "petistas", ou ex-petistas, têm absoluta certeza de que, sendo "ilustrados", podem dizer ao Lula, um "não-ilustrado", o que ele deve fazer. E quando notam que não mandam nele, ficam muito irritados. Isso tem acontecido com grande frequência.

heliojesuino disse...

E mole?! Tiram um presidente eleito da cama sob a mira de metralhadoras, expulsam o cara do país e vem essa gente com tecnicalidades jurídicas justificando a gorilada.Que a direita o faça, compreende-se , mas um cara como o Dallari ater-se à letra da lei numa hora dessas é, pra dizer o mínimo, deformação profissional ...

Anônimo disse...

Esses pseudo-intelectuais julgam, por acaso, que não tempos olhos para ver tudo o que esse governo, com todos os seus erros e contradições, tem feito? Se assim for, são de uma arrogância e falta de visão de realidade totais. Vão "rodar" e amargar depois sua derrota. Isso já está acontecendo.

Em tempo, não existe essa de golpe democrático em Honduras. Ninguém arranca um presidente de casa sem que isso seja um golpe. E o direito de defesa? O mundo inteiro não pode estar errado, certo? Se ninguém reconheceu o "governo" Micheletti, é por que ele não existe.

Quanto ao PIG e seus "analistas" como Merval (irc), Jabor (irc 2 - esse parece que está surtado), Dalari (que pena) etc, a essa altura deveriam repensar seu apoio incondicional ao Serra e ao PSDB de SP, antes que seja tarde. Serra já era. Depois dessa conquista das Olimpíadas, Lula elege o Macaco Simão, se quiser.

Gente, "o cara" e sua equipe colocaram mais de cinquenta milhões de brasileiros no acesso ao consumo. O atual governo tem criado várias novidades positivas para os mais pobres, medidas que FHC, Serra e sua turma jamais tomariam, por um simples motivo: não ligam para os pobres.

Finalizando, o povo do Rio de Janeiro ganhou um presente de Lula de valor incalculável e os cariocas certamente saberão agradecer ao líder brasileiro que os agraciou dessa forma. No espírito do divertido Paulo Henrique Amorim, tchau tchau Serra 2010!

Luis Gustavo

Unknown disse...

E aí Miguel?
Faltou inspiração para falar do Lula e a olimpíada? Gostaria de ler umas linhas suas sobre isso!!!

Essa semana tem assunto pra Dedéu, mas a que mais me intriga é: Porque a oposição que é rápida no gatilho ainda não pediu uma CPI pra esse episódio do ENEM? Tiro no pé?

Tiago Mesquita disse...

Como diria o Lênin: "advogados? nem os do partido"

José Carlos Lima disse...

Decepcionei-me com o Dallari.
Dias atrás até pensei que ele(Dallari) é que deveria ter sido indicado para o STF, no lugar de Toffoli.
Claro que Dallari não poderia ser indicado porque, apesar do seu conhecimento acadêmico, já passou dos 70 anos, o que é impedimento para ser ministro do STF.
Ainda bem que Lula não indicou Dallari para ser ministro do STF pois, assim como os juristas ensandecidos de Honduras, ele(Dallari) poderia também, junto com Gilmar, mandar militares prenderem o presidente e exilá-lo.
Mesmo assim não seria golpe, pois que autorizado pelo judiciário.
Eu heim.
Dallari ficou louco?
Perdeu a compostura?
Não estou acreditando no que acabo de ler.

Miguel do Rosário disse...

Obrigado por comentar, amigos. Já disse e repito. Comentários legais são o cachê melhor do blogueiro. Agora vou lê-los com atenção e tentar responder a todos (porque é um prazer, não por obrigação ou para ser simpático).

Desculpe atrasar tanto a liberação, é que estou sem internet em casa e participando do Festival do Rio.

Essa é uma das grandes vantagens de ser jornalista: a CREDENCIAL, esse crachá mágico que me permite assistir todos os filmes. Cinema está muito caro e tenho que aproveitar a chance.

Fiquei devendo, de fato, Giovani, escrever sobre a Olimpíadas e o Lula. Como diria o Jânio, fá-lo-ei em breve.

Abraço a todos.

Miguel do Rosário disse...

Eis o texto do Dallari, publicado na Folha de São Paulo, no dia 2 ou 3 de outubro:

http://silncioerudoasatiraemdenisdiderot.blogspot.com/2009/10/folha-de-sao-paulo-uma-voz-seria.html

O Roberto Romano, claro, sacerdote supremo ético da mídia, reproduziu o texto em seu blog com o chapéu: uma voz séria...

Miguel do Rosário disse...

Bem, agora li os comentários todos com atenção e posso respondê-los.

Valeu, Hernan.

Valeu pelo link, Hugo. Pois é, o que será que deu no Dallari, héin? Esse é o tipo de coisa que só um ficcionista pode escrever. Devem existir muitos personagens similares na literatura. O ser humano é assim: surpreendente, também para o mal.

Daniel e Vera, acho que é por aí. Nada mais destrutivo do que a vaidade. Imagina o que esses veteranos não sentiram ao se verem preteridos por um "garoto" de 41 anos?

Helio e Luiz Gustavo, essa defesa do golpe é revoltante demais.

Bem, acabou o tempo da internet.

Até mais.

Anônimo disse...

Não tenho entendido o Dallari dos últimos tempos.Tanto no caso da USP como de Honduras parece ter sido contaminado pelo virus "reinaldo azevedo".
ONU,OEA(Estados Unidos inclusive apesar da madame Clinton),Comunidade Européia devem estar muito equivocados em condenar o golpe em Honduras. Deveriam ter pedido a assessoria do Dallari antes de colocar o tema em discussão.

Unknown disse...

AH, GALERA..com relação ao GOLPE DE HONDURAS...O GOLPE JÁ FOI DADO, HÁ MUITOS ANOS...há um princípio básico, que permite a mudança nos regimes de Leis SEMPRE que um povo o considere necessário...ESTE É O PRIMEIRO PRINCÍPIO DE DIREITO...e O GOLPE está na IMPOSSIBILIDADE DE MUDANÇA de uma CONSTITUIÇÃO, que por origem é a VONTADE DO POVO...ISSO É GOLPE...o resto, é discussão banal...POIS QUE NÃO HÁ OUTRO NOME PARA UMA IMPOSIÇÃO DAS ELITES VISANDO A CONGELAR O STATUS QUO, coisa dos tempos dos REIS e quejandos...fosse isso possível, SOMENTE com REVOLUÇÕES se mudariam os regimes...o que CONVENHAMOS, não é o melhor caminho...OU VÃO DEFENDER AGORA, A CONSTIUTIÇÃO IMUTÁVEL? ...simples assim...

Armando disse...

A título de colaboração, pergunto se, em vez de Alfredo, não seria Augusto Frederico Schmidt o nome do editor e poeta a quem se refere no texto.

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