21 de abril de 2009
De agência antimaconha à FBI brasileiro
(uma foto bonita da Sophia Loren, apenas para enfeitar o blog)
Sinto que as pessoas estão fazendo uma grande confusão entre política e polícia. A política é uma atividade que, embora com forte trabalho de bastidores, necessita de transparência e divulgação de seus atos. A polícia vive uma situação contrária. Precisa de segredo. O político trabalha ao sol (teoricamente, ao menos). O policial trabalha nas sombras. Por que? Porque o policial existe para prender bandidos, cujas atividades ilícitas levam-no às partes escuras do mundo.
Um trabalho como o da Polícia Federal, que mexe com as altas esferas do poder, precisa ser conduzido com mais discreção ainda. Mais que isso: é obrigado a usar táticas de diversionismo, para distrair o adversário. É uma guerra, afinal. Num mundo sem grandes conflitos bélicos, o maior desafio dos estrategistas é vencer o crime organizado, cujos cérebros frequentemente ocupam poderosos cargos republicanos.
As operações da PF, definitivamente, não necessitam ser acompanhadas pela imprensa ou pelos cidadãos. Ao contrário, precisam transcorrer em sigilo. Autorizados pela Justiça, policiais espionam suspeitos, grampeiam telefones, disfarçam sua identidade, enfim, fazem de tudo para pegar os vilões. Sobretudo, procedem de acordo com métodos específicos, criativos, sigilosos, surpreendentes.
Portanto, os cidadãos, mesmo bem-intencionados, que continuam dando palpites sobre o que deveria ou não fazer a PF, sobre quem deveria ser ou não o seu diretor, estão fazendo-no sem ter a mínima idéia da seara em que se metem. Se os criminosos continuam sendo pegos, qual a diferença entre Paulo Lacerda ou Luiz Fernando Corrêa? A nossa democracia é representativa e hoje, pensando bem, acho ótimo que assim o seja. O brasileiro tem que votar no deputado, no senador e no presidente. Quem escolhe o diretor da PF é o ministro da Justiça, que por sua vez é designado pelo presidente da República. Com sua vaidade inflada por ter lido dois ou três jornais e lido quatro ou cinco blogues, o brasileiro se acha suficientemente informado não apenas para saber quem será o melhor técnico da seleção, como também o diretor mais preparado e honesto para a PF. Não é assim. Ele não tem informação suficiente para saber se Paulo Lacerda é realmente tão melhor que Corrêa.
É como um leigo dar palpite numa conversa entre dois neuro-cirurgiões sobre a melhor forma de operar o cérebro de uma criança. O que importa, aos cidadãos, é ver as quadrilhas desbaratadas e os criminosos condenados. Isso está acontecendo e aconteceu com a Satiagraha. A PF praticamente acabou com a farra do Opportunity, iniciada pela privatização do sistema público de telefonia e permitiu que Dantas sofresse a sua primeira condenação pela Justiça Brasileira. No próximo pedido de prisão, ele não mais se beneficiará de um habeas corpus, porque não é mais réu primário - a menos que o excelentíssimo Gilmar Mendes, para proteger seu chefe, resolva mudar também esta lei.
Protógenes é apenas um pião neste tabuleiro. Seu afastamento da PF talvez lhe proporcione a estabilidade emocional de que necessita, em vista de sua paranóia constante. E o que é pior: paranóia com razão de ser. Há poucos meses, o carro de Protógenes sofreu um problema em seu radiador, e o delegado assustou-se profundamente. Ao chegar em casa, escreveu em seu blog que havia sofrido um atentado. Talvez tenha sido apenas paranóia sua. Talvez não. Talvez alguém realmente haja mexido em seu carro.
O que é imperdoável, no entanto, é o envolvimento de Protógenes com o PSOL. Ele está usando a notoriedade que conseguiu à frente da Satiagraha para dar prestígio a um partido de oposição. Ora, está usando o capital político da Polícia Federal contra a própria instituição. Agindo como se a Satiagraha tivesse sido a única operação importante da PF. Como se fosse a última. Como se fosse dele. Não acho legal ou ético esse envolvimento do Protógenes com a política partidária. É contra o regulamento da PF e tem um aspecto fortemente egocêntrico, como se ele, Protógenes, sozinho, representasse o combate à corrupção no Brasil. Tudo que ele fez na PF foi com verbas (mesmo que ele reclamasse de falta de recursos, esses existiam) públicas cedidas pelo governo federal; portanto, é incoerente e traiçoeiro ele usar esse capital acumulado para desprestigiar a própria PF.
Tenho quase certeza que ele age de boa fé, com ingenuidade, abalado pela exposição midiática imensa, de um dia para outro e pelos discursos adolescentes dos parlamentares do PSOL. Mas isso não o redime.
Protógenes pode até vir a se tornar um político. Mas eu não me entusiasmo facilmente com policiais que se tornam políticos. Eles tendem a ser inflexíveis. Confundem inflexibilidade com honestidade, e se tornam políticos sem jogo de cintura, isolados, sectários e, por fim, moralistas.
Sua carta para Obama, cheia de acusações levianas, é uma vergonha para o Brasil, um país com instituições tão sólidas quanto os EUA. Demonstra confusão mental, paranóia absurda ou imperdoável ingenuidade. O governo americano por acaso é mais honesto e confiável do que o brasileiro? Ora, tenha dó. Vá falar de integridade ianque aos iraquianos mutilados!
O próprio Protógenes declarou, diversas vezes, que o atual coordenador da Satiagraha, Ricardo Saad, é um policial íntegro e adequado à missão. Tanto que seu relatório levou o juiz federal Fausto De Sanctis a decretar a culpabilidade de Daniel Dantas e a condená-lo a dez anos de prisão. Poucas semanas atrás, no mesmo dia em que Protógenes se apresentava na CPI, a PF realizou outra devassa nos escritórios de Daniel Dantas. Quer dizer, a substituição de Protógenes e a investigação sobre a sua conduta não levaram ao esvaziamento da Satiagraha.
Especialistas em segurança pública explicam que operações que mexem com figuras poderosas da política não podem ser fulanizadas, porque isso expõe os agentes a um risco excessivo: risco de corrupção, risco de vida, risco de ter sua imagem manipulada pelos meios de comunicação favoráveis àquelas figuras. Imagine o tratamento que as redes de tv de Berlusconi não dariam aos agentes policiais que pretendessem investigá-lo?
As pessoas devem entender que não basta querer prender Daniel Dantas. É preciso ser capaz de fazê-lo. No caso do banqueiro, há necessidade ainda de articulação política. É preciso cercar o banqueiro por todos os lados, juridicamente, financeiramente, e politicamente.
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De qualquer forma, Protógenes simboliza uma nova e promissora geração de homens públicos. Você já deve ter reparado que, por trás de todas essas grandes operações da PF contra delitos nas altas esferas da sociedade, encontramos promotores, delegados e juízes muito jovens? Pois é. Esses garotos estão transformando o país. Realizando uma limpeza mais substancial que a própria Mãos Limpas da Itália, porque não é temporária e não se volta apenas para um tipo de crime.
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A operação Satiagraha é um marco do qual devemos nos orgulhar. É um feito da Polícia Federal do governo Lula, das novas gerações de policiais, promotores e juízes. Seus desdobramentos continuarão por muito tempo. A caixa de Pandora foi aberta e, apesar de toda a podridão que veio à tona, no fundo dela restou a esperança.
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No debate entre Leandro Fortes, repórter da Carta Capital, com um repórter do Globo, e um mediador, na TV Senado, o repórter do Globo, embora gaguejando, visivelmente arrependido de ter aceito participar daquela conversa incômoda, admitiu uma coisa que dificilmente ele mesmo publicará no jornal para o qual escreve: que a PF, antes de 2003, apenas aparecia na TV para queimar maconha. Eram cerimônias midiáticas, com presença até do Ministro da Justiça, filmadas por helicópteros das redes de tv, onde víamos as colunas de fumaça saindo dos montões de marihuana apreendidos pela PF. A PF tinha se tornado uma agência anti-maconha, e só.
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Parabéns...
Sua clareza nos deixa a pensar...
continue assim... Original.
forte abraço...
seu amigo que sempre te admirou...
Carlos Eduardo (carlinhos) ou cadu
grande do rosário,
a sensatez está de volta à blogosfera.
ainda bem que o amigo se restabeleceu, após o incidente com sua saúde.
como sempre, o equilíbrio, a serenidade e a racionalidade espelham sua análise.
parabéns!
carlos anselmo-eng°-fort-ce
Pena que o PSOL tenha o campo de esquerda como seu inimigo.
O PSOL procurará tirar votos de Dilma, ja vi este filme na última eleição presidencial.
Quanto a Protógenes, acho louvável a sua presença no campo político, no entanto emo que ele poderá ser um desastre para o Brasil continuar avançando a partir do momento em que a divisão da esquerda poderá ajudar a trazer de volta FHC e cia.
Oi, gostei de teu artigo, mas eui já passei pelo que Protógenes já passou e é muito difícil psicologicamente. Ele precisou de acolhimento. Quem foi o primeiro a lhe receber de braços abertos e acreditar no seu discurso: O PSOL. Todos nós somos pessoas. Temos medo, decepção, frustração. Estou em tratamento psicoterápico há seis anos por causa de fatos bem menores que este homem sofreu. Era responsável por uma conta do tipo B, que foi substituída pelo cartão corporativo. Era um inferno! Queriam pagar de tudo com a verba, mas eu dizia não. É um jogo de toma-lá-dá-cá e se você não está no jogo, tem que ser eliminado. A morte social é pior das mortes, posto que não vivemos uns sem os outros, mas te deixo uma reflexão: como equilibrar a ética pessoal com a ética pública?
Miguel, está havendo uma campanha para que enviemos emails aos membros do STF elogiando o Min. Joaquim Barbosa, ou ao menos para o próprio ministro. Os emails do STF sao: mgilmar@stf.gov.br ;
macpeluso@stf.gov.br;
mcelso@stf.gov.br;
mmarco@stf.gov.br;
ellengracie@stf.gov.br;
gabcarlosbritto@stf.gov.br;
egrau@stf.gov.br ;
gabinete-lewandowski@stf.gov.br;
clarocha@stf.gov.br;
gabmdireito@stf.gov.br
e o do Min. Barbosa é:
mjbarbosa@stf.gov.br
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