Também li muito nesses últimos meses, sobretudo clássicos de filosofia e livros de história antiga. Impressionante como as lutas se repetem ao longo da história. A briga entre ricos e pobres vem de longe, desde os primórdios da democracia grega. Gostei de saber que o próprio antiquíssimo Egito, que sempre levou a fama (para mim, ao menos) de ser uma autocracia desumana, na verdade foi a civilização mais duradoura da humanidade(cerca de 5 mil anos), e conheceu muitos momentos democráticos e com relativa justiça social. Havia cidades onde todos os jovens tinham acesso a escolas públicas, através das quais podiam ascender socialmente e tornarem-se escribas do reino.
Por outro lado, como não podia deixar de ser, também me espantei com as terríveis matanças e guerras que pontuam a história da humanidade. Os romanos, por exemplo, povo pelo qual sempre nutri simpatia, por sua cultura e humanismo, surpreenderam-me negativamente. A marcha triunfal de Roma correspondeu à escravização, morte e exploração de milhões de seres humanos. Mas tinha que ser assim, para o mal ou para o bem. E não creio que o anjo da história, conforme relata Benjamin, se deixasse impressionar. Deve ser um anjo bem cruel e cínico, embora com seus momentos de justiça.
De resto, acho importante destacar a existência de um livro intitulado Controle da Opinião Pública, do Nilson Lage, além dos trabalhos do Perseu Abramo. São obras que mostram que ainda existe (ou existiu) crítica midiática inteligente na Academia brasileira. O que talvez falte, certamente, é continuidade e interação entre os órgãos universitários e ausência destas críticas na mídia, ou ausência de uma mídia própria para divulgá-las.
Outras coisas importantes aconteceram nas últimas semanas que merecem comentário. Houve o elogio de Obama a Lula, por exemplo. "Esse é o cara", disse Obama, para depois afirmar que o nosso presidente era o mais popular do planeta. A mídia brasileira reproduziu a notícia, que foi destaque no mundo inteiro, com o esperado constrangimento, logo seguido de um meticuloso trabalho de desconstrução de sentido. Afinal, a declaração de Obama chocou profundamente setores da classe média brasileira que adoram Obama mas odeiam Lula. Porque eles adoram Obama? Porque é chique apoiar a esquerda americana. Ninguém é humilhado por Diogo Mainardi ou Reinaldo Azevedo por apoiar Obama. A desconstrução de Lula entre os meios letrados da classe média nacional tem sido bastante eficaz. Sim, porque os índices de popularidade não revelam tudo. Lembro de uma coluna social na Folha afirmando que, segundo fontes do Planalto, Lula apoiaria Jonh Mcain. Repetiram isso em várias partes. Não se queria associar Lula à Obama. Naturalmente, achar que Lula - um sindicalista nordestino, ligado, desde seus primórdios na política, com a esquerda mais autêntica, com Fidel, com célebres esquerdistas internacionais - apoiaria o candidato republicano era um estupidez e uma maquiavelismo ingênuo (se é que isso é possível), com vistas a separar, no inconsciente das elites brasileiras, a imagem de Obama e Lula. Obama de um lado, uma esquerda de primeiro mundo. Lula de outro, esquerda de terceiro mundo.
De fato, nota-se ainda, entre os brasileiros, sobretudo da elite letrada, uma melancólica falta de auto-estima que a faz considerar qualquer política doméstica como inferior à outras praticadas por nações desenvolvidas. O que mais me impressiona é a forma provinciana como as políticas assistencialistas são encaradas. Governos de direita ou esquerda do primeiro mundo praticam, desde o fim da II Guerra, um assistencialismo intenso e universal. Nos EUA, o governo dá centenas de tipos de ajuda estatal a seus cidadãos. Pensões, cupom alimentação, subsídios, as ajudas federais do governo americano a seus cidadãos é vasta. Na Europa, então, as ajudas são muito maiores. No Brasil, no entanto, qualquer ajuda federal é esnobada por nossas elites como se fosse imoral.
*
Estou conformado com meu papel de ombudsman do Globo. Mas, um dia ou outro, de uma forma ou de outra, o Globo terá que me pagar, regiamente, por esse trabalho excepcional que venho fazendo. Lendo meus artigos, os editores do Globo poderão, talvez, salvar o jornal da falência moral e financeira para onde caminham, caso continuem chafurdando e se afundando na lama nazista. Vejam essa notinha:
Revolução
Entre as causas da grande evasão escolar detectada por estudo da Fundação Getúlio Vargas, na faixa de jovens entre 15 e 17 anos, há professores mal preparados, incapazes de conquistar alunos para o aprendizado.
É outro forte argumento a favor das mudanças no gerenciamento dos professores da rede pública, para que sejam bem treinados, passem a trabalhar por metas e recebam parte da remuneração mediante avaliação.
Nossa senhora! Os professores do Estado do Rio não precisam de nenhum treinamento! Muito menos de "remuneração mediante avaliação"! Quem irá avaliar? O Globo? O Serra? Ora, o que os professores do estado precisam é ganhar salários decentes! Porque o Globo não faz campanha para o Cabral elevar o salário dos professores? Porque não diz quanto eles ganham? Eu digo: 420 reais por mês. É um terço do salário dos professores da rede municipal! Tenho um amigo que tem registro de professor do município e do estado. Ele me disse: Miguel, estou abandonando o estado, porque o salário é muito baixo. É simples assim, caros editores do Globo. Não é impondo competição empresarial entre os professores que o ensino irá melhorar. Vão aplicar sua competitividade no departamento de vendas da Amil, não no ensino público brasileiro!
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Globo defende remoção de favelas e muros cercando favelas. Muro com função ambiental é uma idéia equivocada, porque impede a circulação dos animais silvestres.
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Também não escrevi muita coisa sobre a ditabranda. Fá-lo-ei em breve. Adianto que a manifestação em frente à Folha me comoveu profundamente, e representou, para mim ao menos, um importante marco na história política nacional. Ainda falaremos muito sobre a ditabranda.
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Paro por aqui. Não posso exagerar. Obrigado pelas mensagens. Estava com muita saudade de todos vocês.
Oi, Miguel,
Bem-vindo de volta. Sua análise sempre muito lúcida fez falta.
Tudo de bom.
A classe média e midiática se enche de admiração quando ouve falar na política do "Well fair state" (Estado do bem estar social)do primeiro mundo. Mas acha o Bolsa Família esmola. Então a solução para obter o apoio dessa classe "cosmopolita" seria dar um nome em inglês ou em francês para o Bolsa Família. Será que daria certo?
Miguel, quando vc puder fala um pouco mais do Protógenes pra gente entender melhor o caso...
Bem-vindo Miguel! Fico feliz com a sua volta. Falando sobre Protógenes, o Azenha postou o seu texto Super-Protógenes há pouco tempo; o problema é que a meu ver totalmente fora do contexto em que você escreveu, porque foi escrito bem antes do indiciamento e afastamento (pela quebra das regras administrativas da instituição) . Além disso, embora tenha o link para o artigo com a data e o texto original, foi publicada apenas uma parte que embolou ainda mais o meio de campo; acredito que nem todos se deram ao trabalho de ir conferir o original; o resultado foi uma série de comentários bastante injustos com você; dê uma olhadinha caso te interesse. Essas distorções da "grande" imprensa ainda vão causar enormes dores de cabeça; esse caso do delegado é um exemplo do trabalho sujo confundindo corações e mentes, mas na minha opinião se são verdadeiras algumas atitudes do delegado, não estou dizendo que são e nem quero mudar o foco do DD que é o verdadeiro acusado na história, ele tem colaborado bastante pra confusão. Até agora não engoli aquela carta ao Obama; ô coisa ridícula. Bom, já escrevi demais! Abraços!
Anonimo. Protógenes é um policial e um ser humano. Fez um grande trabalho à frente da Satiagraha, e agora está cometendo, a meu ver, grandes erros de exposição pública. Mas são erros cometidos, creio eu, com boa fé. Enfim, ele Psolou.
Que bom te lo de volta e mais afiado do que nunca!
Estava sentido falta!
Miguel, eis um desafio para você, que é jornalista e gosta de pesquisas: criar e divulgar à exaustão um painel comparativo entre os dois governos abaixo, com os indicadores listados / outros:
PAINEL COMPARATIVO – GOVERNO LULA x GOVERNO FHC
INDICADORES ECONÔMICOS
PIB
PIB per capita
Taxa de juros
Taxa de inflação
Risco-país
Exportações (em dólares)
Importações (em dólares)
Balança comercial (em dólares)
Transações correntes (em dólares)
Dívida pública
Dívida externa
Dívida com o FMI (em dólares):
Dívida com o Clube de Paris (em dólares):
Valor do salário mínimo em dólares
Crescimento real do salário mínimo
Poder de compra do salário mínimo em relação à cesta básica
Privatizações
Ibovespa
Criação de empregos
Desemprego no país
Média anual de empregos gerados
Taxa de desemprego nas regiões metropolitanas
Número de turistas que vêm ao Brasil
INDICADORES SOCIAIS
Índice de Desigualdade social
Participação dos mais pobres na renda
Número de pobres
Número de miseráveis
Mortalidade infantil (por 1000 habitantes)
Mortalidade infantil indígena (por 1000 habitantes)
Transferência de renda (em reais – média por família)
Pró-jovem - estudo subsidiado
Livros gratuitos para o Ensino Médio
Atendidos pelo Bolsa Família
Atendidos pelo programa Saúde da Família
Atendidos pelo programa Brasil Sorridente (atendimento odontológico)
Atendidos pelo Piroga. Saúde da Família
Equipes do Programa Saúde da Família
Investimento em desenvolvimento (em reais):
Investimentos em alimentação escolar
Investimento anual em saúde básica
Investimento do BNDES em micro e pequenas empresas
Crescimento industrial
Aumento na Produção de veículos
Produção de bens duráveis
Empréstimo para habitação (em reais):
Crédito para a agricultura familiar
Aumento do custo da cesta básica
Distribuição de leite no semi-árido (sistema pequeno produtor)
Apoio à agricultura familiar
Áreas ambientais preservadas
Geração de Energia Elétrica
Eletrificação Rural - Luz Para Todos
Incremento no acesso a água no semi-árido nordestino
Compra de terras para Reforma Agrária
Pacientes com HIV positivo atendidos pela rede pública de saúde
Número de policiais federais
Operações da PF contra a corrupção, crime organizado, lavagem de dinheiro etc
Prisões efetuadas
Acho que seria 10. Organizei mais ou menos os indicadores em dois blocos, mas você poderia agrupá-los melhor.
Abraço Ísis
Miguel, tentando novamente... enviar a sugestão de você criar um painel da seguinte forma (ou melhor):
PAINEL COMPARATIVO – GOVERNO LULA x GOVERNO FHC
INDICADORES ECONÔMICOS
PIB
PIB per capita
Taxa de juros
Taxa de inflação
Risco-país
Exportações (em dólares)
Importações (em dólares)
Balança comercial (em dólares)
Transações correntes (em dólares)
Dívida pública
Dívida externa
Dívida com o FMI (em dólares):
Dívida com o Clube de Paris (em dólares):
Valor do salário mínimo em dólares
Crescimento real do salário mínimo
Poder de compra do salário mínimo em relação à cesta básica
Privatizações
Ibovespa
Criação de empregos
Desemprego no país
Média anual de empregos gerados
Taxa de desemprego nas regiões metropolitanas
Número de turistas que vêm ao Brasil
INDICADORES SOCIAIS
Índice de Desigualdade social
Participação dos mais pobres na renda
Número de pobres
Número de miseráveis
Mortalidade infantil (por 1000 habitantes)
Mortalidade infantil indígena (por 1000 habitantes)
Transferência de renda (em reais – média por família)
Pró-jovem - estudo subsidiado
Livros gratuitos para o Ensino Médio
Atendidos pelo Bolsa Família
Atendidos pelo programa Saúde da Família
Atendidos pelo programa Brasil Sorridente (atendimento odontológico)
Atendidos pelo Piroga. Saúde da Família
Equipes do Programa Saúde da Família
Investimento em desenvolvimento (em reais):
Investimentos em alimentação escolar
Investimento anual em saúde básica
Investimento do BNDES em micro e pequenas empresas
Crescimento industrial
Aumento na Produção de veículos
Produção de bens duráveis
Empréstimo para habitação (em reais):
Crédito para a agricultura familiar
Aumento do custo da cesta básica
Distribuição de leite no semi-árido (sistema pequeno produtor)
Apoio à agricultura familiar
Áreas ambientais preservadas
Geração de Energia Elétrica
Eletrificação Rural - Luz Para Todos
Incremento no acesso a água no semi-árido nordestino
Compra de terras para Reforma Agrária
Pacientes com HIV positivo atendidos pela rede pública de saúde
Número de policiais federais
Operações da PF contra a corrupção, crime organizado, lavagem de dinheiro etc
Prisões efetuadas
Acho que seria bom você bolar um, pois é jornalista, gosta de pesquisas e não é do PIG. Também acho que deveria deixar o Painel Comparativo bem à vista no seu blog, além de divulgar ele à exaustão. Nada como números, dados, para calar a verdade Abraço Isis
Como explicar, então, o antagonismo entre as publicações do Globo acerca do ensino público, acima expostas, e o juízo de valores promovido pela Glória Perez na novela?
Se ambos buscam veicular o mesmo modo de pensamento (é o que se espera das organizações Globo), por que um justifica a falência do ensino público através da incompetência dos professores, ao passo que o outro o faz tratando os professores como injustiçados?
^
Parabéns pelo retorno.
Ricardo, estou falando da linha editorial do jornal. As novelas são produtos artísticos feitos para a televisão. Seguem outra lógica, possuem uma outra linguagem, outra liberdade, outra moral. Podem fazer o mal e o bem de outra forma. Em outra oportunidade, se tivermos paciência e ócio suficiente para abordar assunto tão irritantemente pueril, conversaremos sobre as novelas.
Bem vindo ao batente
Duas coisas:
1- Estive observando as pessoas nas ruas, pontos de ônibus, etc, os humanos somos loucos mesmo, bem deficitários.
2- Sobre o Protógenes. No fundo no fundo vejo-o dividindo a esquerda ao seguir o PSOL, esta minha preocupação de fundo. Quanto a ele virar mito isto não é tão grave, até mesmo por se tratar de um mito positivo em meio a estes deputados que legalizam viagens para parentes e não parentes com nossa grana. Por sua vez o PSOL poderia ter outros inimigos que não o PT, PC do B, PDT. Que bom se desta vez o PSOL não desse uma força para a direita. Isto é invevitável? "Os trabalhadores se dividem, os capitalistas não" (Mauro Santayana)
Bom dia,
(1) Isso aí! Se os professores são ruins, vamos premiá-los com maiores salários. Ah, e claro, vamos pagá-los igualmente para que percebam a clara associação entre mérito e recompensa.
(2) Muito bem! Já estou vendo a pobre jaguatirica ou o faminto preá doidos para cruzar a favela da Rocinha. É claro que é muito seguro pra eles andar por ali. Não podemos arrancar assim seu direito de ir e vir.
Parabéns, blogueiro.
Bom dia,
(1) Isso aí! Se os professores são ruins, vamos premiá-los com maiores salários. Ah, e claro, vamos pagá-los igualmente para que percebam a clara associação entre mérito e recompensa.
(2) Muito bem! Já estou vendo a pobre jaguatirica ou o faminto preá doidos para cruzar a favela da Rocinha. É claro que é muito seguro pra eles andar por ali. Não podemos arrancar assim seu direito de ir e vir.
Parabéns, blogueiro.
Mr.Olavo Carvalho, perdão, Rocha,
Estou realmente impressionando com a sua visão penetrante e sagaz. Tenho apenas algumas observações a fazer:
1) tem que pagar melhores salários para os professores poderem comprar livros, ir ao cinema, estudarem, e para atrair profissionais mais gabaritados. professor não pode continuar sendo um sub-emprego para desesperados.
2) não tem jaguatirica na rocinha, mas há dezenas de pequenos animais, insetos e aves, que serão agredidos. ademais, não se trata apenas de rocinha. ademais, é uma medida idiota, porque neguinho quebra o muro e constrói barraco do mesmo jeito. sou a favor da preservação das florestas, mas sem muro. as próprias comunidades cariocas querem limites à expansão, que sobrecarrega os poucos serviços de que elas dispõe, mas são contra muro porque é contraproducente e antidemocrático. se alguém quiser fazer uma trilha na floresta, não pode?
Miguel, importante: parabéns pela formatura. Grande sucesso em sua carreira. Abç Ísis
Se há toda a conspiração que se imagina, não imagino que a programação televisiva estaja tão desvinculada assim da mídia impressa. A meu ver, ambas se complementam, uma vez que atingem públicos diferentes. Não acho que as novelas sejam assunto tão banal assim. A complexidade dos juízos de valores que elas emitem é muito maior do que a de jornais e hebdomadários e elas abrangem uma massa grotescamente maior que a classe média leitora de jornais, dita "informada".
As lições da dialética já explicitaram que uma lanterna ilumina apenas uma trilha da vasta floresta que temos a desbravar. Se ocorre tamanha delimitação de causas e para um assunto tão batido quanto a situação da educação no Brasil, tenho medo de imaginar o que ocorre quando a discussão chega a assuntos mais densos.
Parabéns pelo retorno.
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