8 de junho de 2009

Filosofadas petroleiras

(mais uma do Rio antigo; Gomes Freire, Lapa)



Nota importante: Manifestação pela Petrobrás no dia 19/06. Mais informações no blog Cidadania.

Muito mais impressionante do que a decisão da Petrobrás de criar um blog é a comoção produzida. Milhares de internautas estão entrando no blog da empresa diariamente, fazendo comentários emocionados, elogiando a iniciativa e sentando o cacete na grande imprensa. Há muita revolta, há muita indignação, contra o que as pessoas entendem como manipulação sistemática dos grandes jornais, sobretudo a trinca maldita: Globo, Folha e Estadão. Esses três jornais, que ironicamente vêem autoritarismo em tudo, não passam de filhotes da ditabranda, pois foram as publicações que mais apoiaram o golpe e mais receberam recursos financeiros do regime militar, além do benefício trazido pelo fechamento de seus principais concorrentes.

O comentário que mais se repete, lá no blog da Petrobrás, é o que pede a empresa para não desistir do blog.

Nós, blogueiros, conhecemos bem esse tipo de comoção. É uma sensação poderosa, talvez parecida com a primeira vez em que um líder sindical anunciou o primeiro resultado vitorioso de uma greve longa, penosa e arriscada.

O fato é que a Petrobrás não é, definitivamente, uma empresa qualquer. Ela é controlada pelo Estado, é a maior empresa da América Latina e tornou-se a mais importante investidora em obras sociais e culturais do Brasil.

Nos últimos dez anos, quase 100% da vanguarda da produção cinematográfica brasileira tem sido patrocinada pela Petrobrás. Tá certo que com lei Rouanet. Mas não deixa de ser pela Petrobrás, já que os impostos da empresa também abastecem o Tesouro Nacional.

Enfim, a Petrobrás é símbolo de nossa soberania e a decisão tresloucada do PSDB, aliado à grande mídia, de criar uma CPI com objetivo de atacá-la, não constituiu somente um tiro no pé. É um tiro na cabeça!

Agora ficam histéricos por causa de um blog? E vocês viram os argumentos da Associação Nacional de Jornais, uma entidade mafiosa dominada pelas famiglias, contra o blog da empresa? Esses alcapones midiáticos pensam que detêm o direito divino à informação, ad eternum. La loi c'est moi, dizia um rei francês, na época do absolutismo da Europa pós-medieval. Agora, Julio Mesquita, que assina o manifesto da imprensa contra o blog da Petrobrás, afirma, com outras palavras, que a imprensa são eles.

Ora, tenho acompanhado o debate no blog do Idelber, e o comentário que mais me emocionou foi um que lembrou a canção do Dylan, The time they are a'changing.



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Há um outro ponto. Todo esse ataque à Petrobrás, e agora a polêmica em torno do blog, está servindo como tremenda propaganda institucional para a empresa. Milhões de brasileiros que sempre admiraram a Petrobrás estão se tornando, em razão do espírito de justiça que rege as emoções humanas, verdadeiros fanáticos. Particularmente, acho que, embora o fanatismo não seja saudável em lugar nenhum, é muito melhor ser fanático pela Petrobrás do que sê-lo pela Xuxa ou Ivete Sangalo. Através do blog, os brasileiros estão se informando, com detalhes, sobre realizações da empresa que vinham sendo escamoteadas pela grande imprensa. Interessante isso, não? É o típico efeito bolo. A maneira profissional e transparente com a qual a Petrobrás vem respondendo aos ataques midiáticos produz o efeito oposto ao desejado pela oposição e mídia: faz crescer o prestígio da Petrobrás.


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Toda essa história realmente dá o que falar. É lugar comum afirmar que a história é narrada pelos vencedores. Creio que esta é uma forma branda de tratar o tema. O certo seria dizer que a história é descaradamente manipulada pelos vencedores. Entretanto, os vencedores de ontem muitas vezes são os perdedores de hoje e amanhã. Entre os assuntos que tem sido mais descaradamente manipulados está a função da imprensa para a democracia.

Naturalmente, a imprensa cumpriu uma missão importante para difundir conhecimentos, antes restritos ao clero e à corte. O produto principal das tipografias, afinal, não foram jornais, e sim livros. E nisso reside sua importância primordial. A imprensa propriamente dita, naturalmente, tem seu lugar ao sol na construção das democracias modernas; por outro lado, vale recordar o pensamento de Spengler sobre isso; segundo ele, a imprensa constituiria o grande trunfo dos espíritos antidemocráticos, porque os poderosos poderiam, a partir de agora, subjugar o povo através do domínio de sua consciência, não precisando mais apelar à força. Dá como exemplo o alistamento militar; houve tempos em que os servos eram convocados à força para lutar em favor do rei; com a imprensa, a população dirigia-se à sua própria carnificina com um sorriso nos olhos, após terem seu patriotismo insuflado por dois ou três artigos de jornal.

Qual o papel da imprensa no atiçamento da discórdia que levou a Europa a engalfinhar-se em duas grandes guerras?

A imprensa em si, naturalmente, não tem culpa de nada. A culpa reside naqueles que a dominam, na forma como a gerem, nos interesses que seguem, e no sentido social que dão a seu trabalho.

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Os que defendem os jornalistas tradicionais, em particular neste debate levantado pelo blog da Petrobrás, esquecem muitas coisas. Estou lendo um livrinho fantástico, que já andei comentando por aqui. Trata-se de Introdução à História da Filosofia, do Hegel. Um dos pontos que o filósofo repete ao longo da obra é que a filosofia de hoje é sempre herdeira da filosofia passada. O Ser de hoje é sempre herdeiro do Ser passado. Os jornais de hoje (e aí sou eu que digo, inspirado pelo pensador germânico) são o que são por causa de seu passado. A história deixa mais marcas do que imaginamos. A imprensa brasileira, reitero, precisa realizar a autocrítica sobre o seu papel no golpe militar de 1964.

Os que nos chamam de "turba bolchevique em fúria contra a imprensa burguesa" apenas procuram fugir ao debate usando clichês ideológicos. Eu não odeio a imprensa, não odeio os jornais. Ao contrário, eu adoro jornais. Sempre adorei jornais. Entendo, inclusive, que existe uma dialética de qualidade dentro da imprensa. Claro que há coisas boas. Claro que há algumas boas apurações. Lembro, porém, de outro autor, do italiano Benedetto Croce, afirmando que a mentira nunca é pura. A verdadeira mentira é a meia-verdade. Se a mentira fosse pura, bastaria invertê-la e teríamos a verdade.

(Se bem que nossos jornais estão mentindo de forma tão grosseira que, daqui a pouco, bastará invertemos suas notícias para sabermos o que se passa).

O problema, afinal, não está na imprensa em si. Não está nas grandes rotativas que imprimem os jornais, nem nos operários que as manipulam. Não está nos computadores das redações, nem nos estagiários hiperexplorados. Não está, enfim, nem na maioria dos jornalistas. O problema está nas cabeças que dirigem as redações dos jornais latino-americanos. O problema está no histórico de golpismo. O problema está na ausência de autocrítica e na mania de colocarem-se, no jogo político, como entidade fantasma, invisível, intocável, incriticável.

Quando Deus quer destruir um império, ele enlouquece seus líderes, diz uma frase do Alcorão. Deus, em minha concepção atéia do mundo, é a inteligência universal que rege a existência. Assisti um filme belíssimo outro dia, do Tarkóvski, intitulado Stalker. São três personagens: o Stalker, o guia; um escritor de sucesso; um cientista. Ambos entram numa área proibida, A Zona, onde pessoas desaparecem misteriosamente, outras conseguem realizar desejos, muitas enlouquecem. Numa cena, o escritor, que se mostra um tanto sarcástico e leviano perante a Zona, faz um gesto de arrancar um capim. O Stalker dá um grito e ordena que ele não faça aquilo. Tudo na Zona tem uma função, tudo está em seu lugar, afirma o Stalker. Mais tarde, o Stalker, que vai se revelando uma personalidade bem mais sofisticada do que sua aparência rústica, simplória, modesta, revela, intromete-se numa discussão entre o cientista e o escritor, onde o escritor observa que a arte é um fenômeno desprovido de sentido, um mistério. O Stalker diz que não pode aceitar isso, que tudo possui um sentido, uma função; o fato de não sabermos que função é esta, que sentido é este, não importa. Isso vale para a imprensa, para o fim da imprensa, e para a internet. O homem, infelizmente, não consegue entender a complexidade de sua própria civilização. Não consegue entender o verdadeiro valor da imprensa, nem o sentido de sua decadência; tampouco compreende o sentido profundo por trás do advento da internet. Se um capim tem tanta importância, a rede mundial de informação, certamente terá uma função extraordinária.

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Aliás, sobre a culpa da imprensa, trago ainda outro texto, desta vez um belíssimo Sermão do Padre Vieira. Trata-se do Sermão I do Quarto Sábado da Quaresma. É um texto longo, onde nosso caríssimo reverendo explica as diferentes artimanhas pelas quais o diabo convence os cristãos a continuarem pecando. Citando histórias do Velho Testamento, ele lembra de cidades históricas destruídas por Deus porque já excederam "a medida" de seus pecados. Ou seja, Deus, em sua infinita misericórdia, deixa homens e cidades viverem em pecado; mas quando os pecados se acumulam e atingem um determinado limite, Deus intervém com sua justiça, e ai daqueles que se deixaram levar pelas tentações do Diabo! Deus perdoa os pecados, desde que o perdão seja pedido com sinceridade. Ou seja, os jornais, que pecaram ao apoiar a ditadura militar, podem ser perdoados por Deus; e numa democracia, onde o poder emana do povo, podemos dizer que a voz de Deus é a voz do povo. Ou seja, o povo, de boa vontade, perdoa os jornais por sua participação numa ditadura que produziu estragos morais e políticos ainda um tanto subestimados. Vieira lembra, no entanto, que mesmo os pecados perdoados pesam na conta: "Respondo que sim; porque ainda que estejam perdoados quanto à culpa e satisfeitos quanto à pena, para encherem o número e perfazerem a conta basta haverem sido".

Em outras palavras: embora o povo brasileiro tenha perdoado os jornais pelo vergonhoso apoio que deram ao fim das liberdades democráticas no Brasil, esses pecados continuam pesando em sua medida; que eles tenham bastante cuidado, portanto, em não continuarem pecando, ou seja, mentindo e desrespeitando a sociedade, tratando a opinião pública como criança ingênua que pode ser manipulada a seu bel prazer. Para tudo tem um limite; a imprensa brasileira chegou a um ponto que não convence nem mais o Homer Simpson.

Por isso, donos de jornais e defensores de jornais, não perguntem por quem os sinos dobram.

4 comentarios

Climão Tahiti disse...

Fantástico artigo.

Fantástico.

Se junta a tudo que penso a respeito da situação em si. Essa situação da petrobras foi a sacudidela que há muito tempo os editores de jornais estavam precisando.

Espero apenas que quando mudar, que mude pra menos ruim.

carlos disse...

grande do rosário,

é isso, bicho!
nem saber fazer a pergunta - por quem os sinos dobram? - eles sabem>

parabéns pelo texto.
valeu!

abçs

peterson disse...

rgrgdfgdfgdf

Anônimo disse...

Comentário que eu fiz na Folha de SP sobre a petrobras ter feito negócios de "4 milhões com empresas ligadas ao PT", vamos ver se aprovam:
"Engraçado. Se uma empresa presta serviço ao PT ela já vira petista na hora? Qualquer um que fizer negócio com a empresa em questão no futuro estará fazendo negócio com uma empresa ligada ao PT? E o funcionário (da Petrobras) já foi, inclusive, demitido. Isso merece uma reportagem grandona no domingo? Não tem nada mais importante?
Quanta maldade e falta de profissionalismo em um jornal só, deveriam ter vergonha na cara. Isso fica até feio pra vocês, está cada vez pior, sabe... as pessoas têm comentado, estão parando de assinar e de comprar nas bancas (apesar da propaganda na TV). Ninguém é bobo de achar que o jornalismo é neutro como deveria. Mas ficar lidando com jornalismo tão descaradamente tendencioso como o que tem sido feito no seu veículo me dá vergonha de ser brasileiro e paulista, mas de certa forma me dá alívio de não ser jornalista."

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