21 de junho de 2005

Comentários após ver Jefferson no Roda Viva

Acabei de assistir aos últimos blocos da entrevista de Roberto Jefferson ao programa Roda Viva, na TVE. Muito intessante, muito instrutivo. Deviam mostrar todos esses depoimentos, entrevistas e discursos de Jefferson para crianças e jovens aprenderem a reconhecer um político mentiroso, corrupto, frio, calculista, que sabe ocultar interesses com incrível astúcia, jurando lealdade a quem já traiu, acusando a quem diz ser aliado.

Também é interessante o interesse canino da imprensa na figura de Jefferson. Realmente, o mundo é hoje muito melhor. Se estivéssemos na China, Rússia ou Cuba revolucionárias, seria fuzilado sem piedade. Se estivesse nos EUA da guerra fria, certamente morreria engasgado com o próprio vômito, se residisse num país árabe, não duraria horas. Hoje em dia, o estrago político provocado por Jefferson ao governo, ao PT, PP, PTB, PL e ao Congresso Nacional, poderá ser compensado por uma salutar reforma política, dentre outras mudanças profundas no trato com a coisa pública.

Uma primeira grande novidade é a proposta de Genoíno, presidente do PT, sobre a eliminação gradual dos cargos comissionados, ou seja, aqueles que são ocupados por "indicados" pelos partidos que estão no poder. Genoíno defende que todos os cargos sejam ocupados por funcionários de carreira, concursados. Será uma grande lavagem na própria alma do Estado brasileiro.

Agora, é lamentável - apesar de inevitável e mesmo natural num ambiente democrático de lutas políticas - que a opinião pública esteja se deixando levar tão facilmente pelo caminho traçado pelas direitas. Está se desenhando, no Brasil, um clima similar, com suas respectivas diferenças, ao que ocorreu na Venezuela. Trata-se de um jogo arriscado, onde a direita pode ganhar espaço e controlar o país por mais vinte anos; ou pode levar ao acirramento ideológico, obrigando o governo Lula a romper o pacto social que fez com o grande empresariado e ligar-se mais intimamente com os movimentos populares.

Entretanto, acho que, diferentemente da Venezuela, Lula não só tem muito mais a perder, como suas chances de atravessar, vitorioso, como Chávez, as trincheiras de uma guerra política deste tipo, são muito menores.

Em primeiro lugar, o empresariado brasileiro é infinitamente mais poderoso, mais numeroso, que o venezuelano. Nossa classe média também é muito mais significativa. E, suprema desigualdade, o pobre brasileiro é o mais ignorante e despolitizado das Américas; além de ser fortemente controlado por uma rede de televisão de inegável qualidade artística, que é a Globo, distantemente da TV venezuelana, cujos programas voltados ao consumo de massa são de qualidade sofrível.

Existe, porém, uma esperança, que é tão mais poderosa quanto mais difícil de ser concretizada, em função dos elemementos citados no parágrafo anterior. Esta esperança seria uma enorme revolta popular, uma grande manifestação do povo brasileiro em apoio ao presidente, repudiando a volta da direita ao poder.

Voltemos à entrevista de Jefferson. Um repórter do Estadão, muito argutamente, levantou uma interessante questão ao deputado. Começou afirmando, ao mesmo tempo em que pedia a confirmação de Jefferson, que os deputados do PTB eram conservadores, com o que o entrevistado concordou prontamente. O repórter lançou então sua pergunta: aos deputados conservadores do PTB, como aos conservadores em geral no país, não seria de grande interesse um deblace estrondoso de um governo de esquerda, de forma a consolidar, junto à opinião pública, o prestígio de políticos e da própria ideologia conservadora para os próximos 20 anos?

Jefferson pareceu abalado com a pergunta, mas, como sempre, soube sair-se espertamente. Disse que o governo Lula implementava uma política ortodoxa que seria tão neo-liberal quanto a de Fernando Henrique. Falou isso de forma crítica, como se estivesse acusando o governo, no que se revelou tremendamente contraditório, visto que tinha acabado de afirmar a face conservadora do PTB e o fato do partido ser aliado do governo.

Ora, está notório que a estratégia de Jefferson é atacar o governo Lula. Mente ele quando diz que se trata de uma cruzada pessoal contra José Dirceu. Mente ele quando jura não pretender atacar o presidente. Ele tem é medo de Lula, que, como presidente e detentor de plenos poderes delegados pelo voto popular, poderia esmagá-lo pra sempre, extirpando-o da vida pública brasileira. Poderia fazê-lo com um discurso bombástico, terrível, mas creio que Lula deixará isso como última saída. Não valeria a pena, neste momento, descer ao nível de Jefferson. Dirceu, agora simples deputado, é que terá a missão de lutar o bom combate contra Jefferson.

Tenho pra mim que o mensalão quem pagava era o próprio deputado Roberto Jefferson, com o dinheiro obtido em alguma estatal onde havia gente do PTB, como a BR Distribuidora, a vice-presidência da Caixa, o IRB ou mesmo os Correios. Deixemos que a Polícia Federal averigue.

A opinião pública brasileira é dócil, fácil de manipular. Temos uma classe média desestruturada, egoísta, despolitizada, amargurada com tudo e todos. Uma classe alta astuciosa e, ao contrário da classe média, muito politizada, com jovens (ao contrário do passado) abraçando com fervor as novas ideologias conservadoras. Vide o fã clube do Olavo (uma espécie de novo Hitler em embrião, que se alimenta de crises e histerias anti-comunistas), mesmo com todos seus tiques psicóticos, dizendo que a ONU (criada pelos EUA) quer implantar um novo "governo mundial" comunista, que a mídia brasileira é, na sua maioria, esquerdista (que piada), além do bordão enjoado do tal Fórum de São Paulo, do qual participaram as Farcs e o PT.

Temos ainda uma grande massa desorganizada, cética, sem informação, sem respeito às instituições. "Político, policial, autoridade, é tudo corrupto", diz a voz das ruas, não sem alguma razão. Por fim, temos uma imprensa impecavelmente profissional, muito mais que na Venezuela, e que saberá se comportar com mais astúcia e maquiavelismo do que os inocentes do El Universal. A imprensa no Brasil é boa, os jornalistas são bons, mas são empregados mais preocupados em se destacarem junto aos chefes e donos do jornal (todos ultra-conservadores) do que efetivamente contribuirem para a causa da justiça social.

Enfim, as forças políticas estão se acomodando, muito confortavelmente, muito naturalmente, do lado de lá do balcão. Lula ainda tem o apoio de um amplo setor industrial, que assiste chocado mas relativamente tranquilo, seus primos financistas e fazendeiros fazerem o jogo do PSDB e PFL.

Aliás, existem duas grandes bancadas que não estão nada satisfeitas com o governo Lula. A rural e a bancada armamentista. Lula e o PT não criminalizaram o MST, mesmo com toda a pressão de grandes grupos de mídia. Pelo contrário, o movimento cresceu e cresce a olhos vistos, com apoio, explícito ou discreto do governo, do partido governista e parcela expressiva da opinião pública.

Mesmo sendo bem tratada pelo governo, que libera gordos financiamentos a juros mais baixos, a bancada rural tem visto Lula inerte na questão do câmbio. Queria um câmbio mais favorável à exportação. Lula, com sua experiência de operário, sabe que a moeda nacional valorizada é interessante para o assalariado. E, depois de passar por um risco de implosão cambial no início de seu governo, vê inclusive com bom humor essas elites pedirem intervenção estatal para conter a valorização do Real.

A insatisfação com Lula entre a poderosa classe agrária, portanto, cresce. Essa bancada se confunde com a bancada da "bala", que está apavorada com a proximidade da lei do desarmamento, que poderá deflagrar uma revolução na segurança pública no país, ao mesmo tempo que encerrará gloriosamente uma era de exércitos privados, mantidos pelos grandes fazendeiros desde o século XVII, quando exterminavam índios.

Quem não se enganem, há grandes interesses em jogo.

A extrema esquerda, como já venho escrevendo há tempos, tornou-se uma caricatura no Brasil, assim como em todo mundo. Apoiou o "não" na França, com o discurso anti-globalização, sem ter a coragem de admitir que, no fundo, agiu de má fé contra os países mais pobres da União Européia. Votou "não" por medo do "encanador" polonês, numa atitude repulsivamente covarde e estúpida, porque o encanador polonês já está lá e vai continuar chegando, com a diferença de que, com a nova Constituição, seria legalizado e ganharia o mesmo salário que o francês, e agora continuará ilegal.

É a mesma coisa no Brasil. A extrema esquerda se tornou um partido da classe média corporativa. Tornou-se sectária e o que é pior, alienou-se das classes populares. Distancia-se cada vez mais do povo. Os partidos da extrema esquerda no Brasil cometeram suicídio polício, implodiram, por sua própria incompetência, arrogância, falta de humildade e criatividade no trato com o povo. A extrema esquerda foi contra Chávez, foi contra Fidel, foi contra todas as revoluções. Isso vale para aqueles deputados que se entitulam "a esquerda do PT" e que foram responsáveis pelo vergonhoso fracasso que resultou na eleição de Severino Cavalcanti para presidente do Congresso Nacional. Fracasso que, no fundo, está por trás da crise atual.

Historicamente, a verdadeira esquerda é ponderada, não sectária, sabe falar a linguagem do povo, sabe mudar, sabe evitar um confronto desnecessário com as elites, porque sabe que sempre quem sai perdendo é o pobre. Mas na hora da luta, não foge, não trai seus companheiros, diferentemente dos extremistas que assumem ar valentão quando o momento é de paz e botam o rabo entre as pernas quando chega a hora de mostrar de que lado se está. Preferem atacar os próprios companheiros do que lutar contra os verdadeiros inimigos do povo.

Os extremistas são hipócritas. O cara de esquerda honesto, íntegro, dos dias de hoje, é aquele que se preocupa menos com suas idéias e mais com o bem estar da população.

A inflação está controlada e o salário mínimo está em 127 dólares, recorde dos últimos 20 anos. O Bolsa Família está em quase 40 dólares, um nível muito superior aos R$ 15 do Bolsa Escola de FHC, que equivaliam a menos de 6 dólares por pessoa.

É isso que importa.

Tenho grande confiança na nova ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, mulher de enorme integridade, inteligência invejável e capacidade de argumentação insuperável.

Vamos torcer para que o governo consiga superar essa crise e continuar a tocar os milhares de projetos que ainda precisam ser implementados.

Está na hora de cada um sair de cima do muro. Está na hora daqueles 53 milhões que votaram em Lula mostrarem que não querem o PSDB de volta. E que não será nenhuma crise arquitetada nos porões do Estadão, da Folha, da Veja ou do Globo, pra não dizer no escritório de FHC, que mudará isso.

Mas, acima de tudo, está na hora daqueles que tem o dom da palavra, escrita ou falada, de entrarem em contato com as pessoas de baixa escolaridade, que não tem acesso às entrelinhas do que a grande mídia diz, que não tem acesso às mídias alternativas (as quais, de qualquer forma, também estão, na maioria, nas mãos da hipócrita classe média), e explicar um pouco do que está acontecendo.

Explicar que é ridículo transformar Roberto Jefferson no presidente do Superior Tribunal de Justiça, e que acusar sem provas é a coisa mais leviana que qualquer pessoa sã pode fazer. E que todos, até se prove o contrário, são inocentes perante a lei. É assim que devemos ver figuras como Dirceu, Delúbio Soares ou Silvio Pereira. Até que apareçam provas consistentes e sejam julgados, eles não devem ser tratados como culpados.

Por outro lado, o PT não pode se ver como coitadinho. Ele é o maior partido do Brasil, com maior número de deputados federais, com inúmeras prefeituras, com o domínio do governo federal. Tem capacidade plena, portanto, para se defender e atacar seus inimigos. O tempo dos sonhos, da esperança, já acabou. Não quer dizer que foi em vão. Mas existe um tempo de esperança e outro de realização. Existe um tempo de sonho e outro de ação. É hora da esquerda brasileira, representada pelo PT, viver a realidade cruel da política, lutando, brigando, não mais por sonhos, mas por projetos de governo, por novas leis, por mudanças qualitativas na educação e na saúde. Está na hora do governo Lula promover um choque de realizações. Está na hora de Lula parar de chorar, dar um murro na mesa e gritar: agora vamos à luta companheiros!

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