22 de julho de 2005

Ainda sobre a crise

Abaixo, meu último comentário no Manifeste-se da Novae.

Agradeço o companheiro Fernando Soares por ter lido e apreciado meu artigo "A crise não é de hoje" e aproveito esse fórum para fazer mais alguns comentários sobre a crise política. O comentário 1482, do Gilson, por exemplo, é exemplar de um segmento numeroso da opinião pública nacional, e mesmo sendo mal educado, merece ser respondido por causa justamente de seu caráter exemplar. Se você entrar no blog do Ricardo Noblat, encontrará milhares como ele. Considero-os vítimas mentais de uma confusão criada, por um lado, pela mídia, e de outro pelos (já citados em meu comentário 1479) dilemas do próprio socialismo contemporâneo, o qual está sendo, ou deveria ser, representado pelo governo Lula.

Gilson afirma, e esta é opinião quase geral, e todos estão corretos, que as elites se beneficiam da política econômica do governo Lula.

No entanto, o erro não está aí. O erro está em se esquecer de que essas elites, por serem detentoras do capital, se beneficiariam também de qualquer outra política econômica. Se o Banco Central aumenta os juros, eles ganham, porque são detentores de títulos públicos, cujos juros, pagos pelo governo, aumentam sua riqueza. Se o Banco Central baixa os juros, eles ganham também, porque, como grandes proprietários, serão certamente os primeiros a conseguir bilionários empréstimos a juros baixos, que usarão para aumentar mais ainda o latifúndio urbano e rural. Ou seja, as elites ganham de qualquer jeito. Ganham quando o país se desenvolve e ganham quando o país afunda.

O capital compra tudo. Nem próprio Marx preveria que o capital, em mãos do Partido Comunista Soviético, acabaria por perverter a cabeça dos próprios dirigentes comunistas.

O lucro das elites, portanto, não tem a ver com o governo Lula, mas com a dinâmica do próprio capitalismo mundial, que é concentrador.

O processo político é, como todo processo complexo, contraditório. Ao repor o Brasil nos trilhos do desenvolvimento, fazendo o PIB nacional crescer vigorosamente, estabilizar a moeda, controlar a inflação e reduzir o desemprego, Lula acabou dando mais força ao capitalismo nacional.

Gilson se engana ao achar que as elites apóiam Lula. Elas se beneficiam da política econômica, mas, apesar de tudo, ainda sim querem um tucano na presidência. Sabe porquê? Porque querem ganhar ainda mais.

Além disso, Gilson esquece dum fator crucial para se entender o processo político. O fator ideológico. Existem grandes capitalistas que seriam capazes de sacrificar parcela de seu patrimônio apenas para satisfazer sua ideologia. Não pense que apenas os pobres e classe média são capazes de se sacrificarem por ideais. Os ricos também estão dispostos a perderem agora para ganharem lá na frente.

O processo político venezuelano, que se mostra bem semelhante ao que vem ocorrendo no Brasil, mostrou isso de forma bem clara. As elites venezuelanas quase cometeram suicídio econômico. Os pequenas e médios empresários, os alto executivos da Pdveza, apostaram numa greve suicida, que fez o PIB da Venezuela recuar 30% em 2003, por conta de seu ódio de classe contra aquele que representava um ideal de mudança na América Latina.

Lula optou por uma política conservadora porque, como bom nordestino e ex-operário, sabe que a prudência é sempre bem vinda, ainda mais para um povo que não suporta mais sofrer.

É claro que o governo Lula tem contradições. Seria impossível não tê-las. Mao Tsé Tung escreveu um livro maravilhoso entitulado "Sobre a contradição", em que ele explica ao povo chinês, aos intelectuais e aos dirigentes de seu partido, que o princípio da contradição é inerente a todo ente político, e que a existência da contradição é uma evidência de vida e de dinamismo. Governos, partidos e organizações políticas sempre carregam, em seu bojo, contradições que, apesar de nunca se resolverem, evoluem de acordo com as forças com as quais elas interagem.

A crise política foi importante para todos. O governo Lula, mesmo prejudicado em sua imagem, conseguiu livrar-se da proximidade de figuras indesejáveis, tanto de partidos aliados como do próprio PT.

Mas o mais importante da crise foi preparar o país, a imprensa, as instituições, os intelectuais, para as eleições do ano que vem. Não houvesse a crise, a sociedade entraria em 2006 inocente e despreparada para combater a caixa 2. Os empresários que planejavam apoiar candidatos em 2006 pensarão duas vezes antes de aceitarem um Caixa 2 que pode comprometer a imagem de sua firma.

Quanto ao papel da imprensa, fica mais uma vez evidente que a sociedade brasileira precisa construir defesas contra exageros da mídia. Se os colunistas cobram, com razão, ao governo respeito pelas instituições democráticas, eles devem respeitar aquela que é uma das mais importantes e representativas da democracia, a instituição da presidência da república, que deve ser respeitada por representar a a vontade de 63 milhões de brasileiros, a maioria dos quais não assina a Veja e não lê o Estado de São Paulo, quanto mais manda email ou participa de Fòrum.

OBS: Momento histórico, desemprego atinge 1 dígito, 9.5%, segundo o IBGE, um dos menores índices dos últimos 10 anos. Polícia Federal nunca prendeu tantos corruptos. Por que será que a crise política não atingiu a economia? Porque não é uma crise, é um saudável expurgo de corruptos.

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