21 de julho de 2005

Carta a um leitor

Um leitor de um de meus artigos publicados na Novae espalhou um email bem crítico. Não foi vulgar, contudo, e por isso achei que merecia uma resposta inteligente, com o fim de contribuir para o debate político que é a própria essência da democracia, o próprio exercício da liberdade.

Como minha carta ficou longa e detalhada, achei que valia a pena compartilha-la com os leitores deste blog.


Prezado Daniel de Souza Falkemberg,

Obrigado por comentar meu texto. Creio que temos mais idéias afins do que imaginas. Acredito que ambos desejamos o melhor para o país e que as diferenças se resumem na interpretação dos fatos políticos e, sobretudo, da crise ora em curso. Em primeiro lugar, não sou fanático em nada. As idéias que apresento são fruto do meu precário discernimento, lastreado na leitura que faço da história e dos acontecimentos; mas nunca me pretendi dono da verdade ou deixei de estar aberto à mudanças em minha forma de pensar.

Entendo que o momento histórico em que vivemos, com suas paixões políticas subitamente acesas pela crise, não nos permite ter uma visão totalmente lúcida e isenta do processo. Tanto os artigos que defendem quanto os que atacam o governo Lula são eivados de adjetivos, são emocionados, desencantados, raivosos; e a interpretação que deles se faz ainda é mais apaixonada.

Você mesmo falha em sua crítica, informal eu sei, mas mesmo assim uma crítica, ao admitir que nem leu o artigo inteiro, o que lhe tira a credibilidade para atacar o texto como um todo.

Sou um polemista e gosto quando algum artigo meu é lido por pessoas que pensam diferente. Se quiser ver outros artigos mais atualizados, e talvez até mais elucidativos da minha forma de pensar, confira no oleododiabo.blogspot.com.

Não sou e nunca fui petista, apesar de sempre ter nutrido grande respeito por esse partido. Agora, acho que você incorre em muitas contradições, como ao atacar o uso de termos como "direita e esquerda" e depois dizer que "esquerda sou eu, esquerda é o povo". Desculpe-me, mas isso é uma tremenda bobagem. Se você é de esquerda, isso vamos ver se você tem disposição, altruísmo e educação para realizar um debate em alto nível; se tiveres preguiça para isso, não és realmente de esqueda, como dizes, e sim de direita, que se caracteriza nos dias de hoje justamente por isso, pelo egoísmo, pela arrogância na posse da verdade e, agora com essa crise, pela explosão de ressentimento e ódio que solta sobre o governo Lula.

Existe ilegalidade e ela está sendo investigada e punida. Agora, acho que é infantil você misturar isso com a competência notória do governo Lula na condução administrativa do país, que nunca viu um crescimento tão vigoroso, sustentado, nos últimos 20 anos, nunca viu uma política externa tão bem sucedida.

Controle da inflação, moeda estável, dívida pública em declínio, rompimento com o FMI, investimento recorde na agricultura familiar, e combate à corrupção, esse é o diferencial do governo Lula.

Não existe governo perfeito. Em política, a comparação é feita com outros políticos. Se Lula está sendo melhor que FHC, o que é minha opinião, inclusive no combate à corrupção, então ele está fazendo um bom governo, o que é inclusive a opinião de quase 60% dos brasileiros, segundo as últimas pesquisas de opinião. Esse grau de aprovação é muito difícil para um governante em meio de mandato, ainda mais num país que herdou 500 anos de injustiça social e mais especificamente 8 anos de desmandos privatizantes e endividantes do governo tucano.

A corrupção que grassou no governo anterior, e que chegou até o governo Lula, mas que agora, finalmente, está sendo implodida por uma conjuntura mais transparente e por uma atitude corajosa do presidente, foi infinitamente superior ao que ocorre hoje. "Nunca se viu tanta corrupção", diz Merval Pereira, do Globo, querendo atiçar - e conseguindo - a classe média contra Lula.

O que significa o dinheiro que está em jogo, entre Valério e Delúbio, em relação aos processos de privatização do governo FHC, da Telebrás, da Vale do Rio Doce, só para citar dois monstruosos exemplos.

Ah, mas a Vale hoje está muito melhor, dirá você. Está porque está colhendo agora os frutos de 20 anos de pesquisa patrocinada por dinheiro público. Está porque o preço do minério de ferro está 2000% mais alto do que na época em que ela pertencia ao povo. Hoje a Vale pertence à Antonio Ermirio de Moraes. Se estivesse em mãos do poder público, talvez não estivesse tão moderna, tudo bem, mas estaria em mãos do povo, e estaria, juntamente com a Petrobrás, patrocinando a cultura e projetos sociais. Estaria contribuindo para o bem estar do brasileiro.

Além disso, o que se aponta de grave, além da própria privatização, contra a vontade popular, foi o preço pago. Moedas podres, 1 bilhão de reais em títulos podres. O Brasil entregou de graça uma das jóias da coroa. Além disso, a Vale tem importância estratégica na geopolítica mundial, na medida em que o Brasil detém as maiores jazidas mundiais de ferro.

Enfim, solicito a você que acompanhe os noticiários com a cabeça mais fria. Concordo com você inteiramente que o mais importante são as instituições democráticas. Muito mais importante que Lula e qualquer outro governante, é o respeito às instituições democráticos. Então peço à você que observe como as instituições democráticas estão resolvendo a crise, investigando culpados e inocentando os inocentes.
E peço a você que observe que, da mesma forma que existe corrupção, também existe mentira. E se você é tão enfático, com razão, em condenar a corrupção, também deve ser na condenação da mentira e do uso político de uma crise para desestabilizar um país que conta com instituições tão sólidas e tentar se derrubar um presidente com inédito respaldo popular.

Quem conhece a história de Lula sabe que é completamente desvairada a teoria de que ele sabia do que estava acontecendo. É claro que ele sabia que existia corrupção no país. Mas, conforme seus próprios argumentos, o país tem suas instituições, tem uma Procudadoria Geral da União, tem Ministério Público, tem Tribunal de Contas, Polícia Federal, Justiça, e não cabia à Lula, nem ele tinha instrumentos para isso, para descobrir corrupção, e sim às instituições.

Agora, deixe Lula em paz. Se não gosta dele, vote em outro em 2006. Agora não entre nessa onda golpista. A maioria esmagadora da esquerda brasileira nunca desejou o impeachment de FHC. Eu sempre achei odioso esses Fora FHC Fora FMI. Para mim, as coisas se resolvem institucionalmente e democraticamente. E assim continuará sendo.
Então, por favor, não colabore com essa onda que pode tirar o Brasil de seus trilhos pacíficos. Que se prendam os culpados, mas que se respeitem as instituições, sobretudo uma das mais importantes, que é a instituição da Presidência da República, que é o símbolo máximo da democracia.

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