19 de novembro de 2007

Jon Anderson enterra os ossos de reporter da Veja

Pesquei essa no Biscoito Fino. É a tréplica de Jon Anderson, jornalista da New Yorker, ao repórter da Veja que o acusou de "anti-ético". Daniel Lopes entrou em contato e entrevistou. Pedro Dória traduziu.

Para quem não sabe do que estou falando, explico rapidamente. A Veja publicou, há algumas semanas, uma reportagem de capa, escrita por Diogo Schelp, sobre Che Guevara. A matéria é uma obra-prima do mau jornalismo. E o Jon Anderson é o mais prestigiado e imparcial biógrafo do Che.

Anderson, ao se deparar com a bizarra reportagem da Veja, não se conteve e divulgou o email que enviou ao repórter da Veja, no qual desanca severamente a matéria. Schelp responde com grosseria e ainda ganha apoio do pit-blogueiro da Veja, que vai mais fundo na falta de educação, chamando o americano de canalha para baixo, respigando ainda para blogueiros que estavam no caminho da polêmica, como Pedro Doria, chamado de "petralha", ofensa maior da turminha da Veja.

O Schelps termina sua réplica ao americano dizendo que seus livros não aparecerão mais na Veja. Oh! Pois bem, Anderson escreveu uma tréplica, conforme já antecipei. Vamos a ela.


Tréplica de Jon Anderson a Diogo Schelp

Prezado Diogo Schelp:

Agradeço pelo sua ‘gentil’ resposta. (Soube, graças a você, que você é de fato uma pessoa muito ‘gentileza’; você mesmo o disse duas vezes em suas mensagens.) Só agora percebo, o mal-entendido entre nós nasceu exclusivamente por conta de meu caráter profundamente falho. Eu jamais deveria ter presumido que você recebera meu email inicial em resposta ao seu ou minha segunda mensagem a respeito de sua reportagem, muito menos deveria ter considerado que você pudesse ter decidido ignorá-los. É evidente que você tem um sistema de bloqueio de spams muito rigoroso. Uma dica técnica: talvez você devesse configurar seus sistema como ‘moderdo’ e não ‘extremo’. Se o fizer, talvez comece a receber seus emails sem quaisquer problemas. Lembre-se, Diogo: moderado, não ‘extremo’. Esta é a chave.

Você me acusa de ser antiético, um ‘mau jornalista’. Você questiona até se posso ser chamado de jornalista. Nossa, você TEM raiva, não tem?

Enquanto tento parar as gargalhadas, me permita dizer que, vindo de você, é elogio. Permita, também, recapitular por um momento a metodologia utilizada por você para distorcer as informações que o público de Veja recebeu:

Você publicou na capa e na reportagem uma grande quantidade de fotografias de Che, aproveitando-se assim da popularidade da imagem de Guevara para vender mais cópias de sua revista. Para preencher seu texto, você pinçou uma certa quantidade de referências previamente escritas sobre ele – incluindo a minha – para sustentar sua tese particular, qual seja, a de que o heroismo de Che não passa de uma construção marxista, como sugere seu título: ‘Che, a farsa do herói’.

Para chegar a uma conclusão assim arrasa-quarteirão, você também entrevistou, pelas minhas contas, sete pessoas. Uma delas era um antigo oponente de Che dos tempos da Bolívia. As outra seis, exilados cubanos anti-castristas, incluindo ex-prisioneiros políticos e veteranos de várias campanhas paramilitares para derrubar Fidel. (Um destes, o professor Jaime Suchlicki, você não informou a seus leitores, é pago pelo governo dos EUA para dirigir o assim chamado Projeto de Transição Cubana.) Percebi também que você prestou particular atenção no testemunho de Felix Rodriguez, ex-agente da CIA responsável pela operação que culminou na execução de Che. O fato de que você o destaca quer dizer que você o considera sua melhor testemunha? Ou terá sido porque ele foi o único que algum repórter realmente entrevistou pessoalmente? Os outros, parece, Veja só falou com eles por telefone. Mas como são rigorosos os critérios de reportagem de Veja!

Como disse em minha ‘carta aberta’ a você, escrever uma reportagem deste tipo usando este tipo de fonte é o equivlente a escrever um perfil de George W. Bush citando Mahmoud Ahmadinejad e Hugo Chávez. Em outras palavras, não é algo que deva ser levado a sério. É um exercício curioso, dá para fazer piada, mas NÃO é jornalismo. Dizer a seus leitores, como você diz na abertura da reportagem, que ‘Veja conversou com historiadores, biógrafos, ex-companheiros de Che no governo cubano’ passa a impressão de que você de fato fez o dever de casa, que estava oferecendo aos leitores um trabalho jornalístico bem apurado, que apresentaria algo novo. Infelizmente, a maior parte do que você escreveu é mera propaganda, um requentado de coisas que vêm sendo ditas e reditas, sem muitas provas, pela turma de oposição a Fidel em Miami nos últimos quareta e tantos anos.

Minha questão não é política. Escrevi um livro, como você mesmo disse, que é ‘a mais completa biografia’ de Che. Há muito lá que pode ser utilizado para criticar Che, mas também há muitos aspectos a respeito de sua vida e personalidade que muitos consideram admiráveis. Em outras palavras, é um retrato por inteiro. Como sempre disse, escrevi a biografia para servir de antídoto aos inúmeros exercícios de propaganda que soterraram o verdadeiro Che numa pilha de hagiografias e demonizaçoes, caso de seu texto.

Não cometa o erro de me acusar de defender Che porque critico você. Serei claro: a questão aqui não é Che, é a qualidade do seu jornalismo. Sua reportagem, no fim das contas, é simplesmente ruim e me choca vê-la nas páginas de uma revista louvável como Veja. Seus leitores merecem mais do que isso e, se aparecerei ou não novamente nas páginas da revista enquanto você estiver por aí, não me preocupa. O que PREOCUPA é que, com tantos jornalistas brilhantes como há no Brasil, foi a você que Veja escolheu para ser ‘editor de internacional’.

Cordialmente,
Jon Lee Anderson


*

Dica de leitura. Fantástico de bom esse artigo do Luiz Carlos Azenha. Explica muito bem a dinâmica geopolítica petróleo-Chávez-mídia brasileira-Mercosul-e demais picuinhas. Aliás, aproveite o passeio e leia outros artigos do Azenha, que contém informação de primeira qualidade.

*

Recado para mim mesmo: tenho que conhecer melhor essa figura, o Silviano Santiago.

6 comentarios

Juliano Guilherme disse...

A única coisa errada do texto do Anderson é chamar a Veja de louvável. Será que não traduziram errado, e ele disse na verdade lamentável?

Gui disse...

"Como sempre disse, escrevi a biografia para servir de antídoto aos inúmeros exercícios de propaganda que soterraram o verdadeiro Che numa pilha de hagiografias e demonizaçoes, caso de seu texto."

Demonização de Che? Onde Jon Lee Anderson vive?

De qualquer forma, essa é uma discussão inútil. Não há nada de errado em falar mal de Che, da Veja, de Anderson, de Diogo, de publicar fotos de Che para vender mais revistas, etc.

Deixem os melindrados se morderem de raiva.

rcleme disse...

Que discussão mais besta...deviam se restringir aos seus e-mails particulares ao invés de emendar bate boca de pré-escola na internet. Um querendo dar aula de jornalismo lá dos EUA, e o outro querendo justificar uma imparcialidade q não existiu.

Aliás, o Schelp nem precisaria justificar imparcialidade nenhuma. Bastava a Veja vender a matéria sobre o Che Guevara como uma matéria q ressalta os aspectos condenáveis (ou no mínimo questionáveis) da figura, q seria aceita pelo menos por mim como "ok, se a esquerda pode achá-lo um santo, aceito q existam pessoa q o achem o demônio".

Mas aí entra a burrice da Veja, q já achou seu nicho, mas se nega a largar da tal "imparcialidade" (q só existe no mundo como teoria), e dá margem pra ser espinafrada.

Fazer o q? Temos q ver dois adultos brigando como se tivessem 8 anos.

Anônimo disse...

Caríssimo.
É aquela história né? A qual interesse serve o que esse Diogo Schelp escreve? Parafrasenndo Erasmo de Rotterdam, "[i]tem olhos de lince para ver os defeitos dos (ini)migos, e de toupeira para ver os próprios[/i]".
E a besta é tão arrogante que comete dois erros: uma de achar que a verdade existe; outra de achar que é o dono dela.

Anônimo disse...

Estes desmentidos deveriam ser mais comuns.

Assim desmoralizaria de vez certos meios de in-formação de opinião.

Anônimo disse...

"sabedores da verdade mentindo
negando O Claro Divino e Puro;
no fundo são inocentes os barbaros do mal" 1979 pm

Humanos ...será que todos são?
Erramos e estamos certos; os outros erram e são uns "diabretes"

A verdade é e sempre será e prevalecerá "A Verdade".

Sei onde está depositada toda a verdade e sei por mim mesmo onde; no entanto cada um vive no seu proprio retalho...e, só uma instituição a retem ( e todos temos acesso)...

Ninguem se pode igualar, de genio para mim basta Beethoven
Mas, a humanidade de Anderson é inagualavel

Decerto que a sua magnitude está como eu costumo dizer:

Hoje raramente se faz jornalismo.
Jornalismo é tirar a foto e deixar que os outros tirem suas conclusões, o que for mais do que isso já é uma mera opinião e não uma noticia - é uma interpretação

Quem é que evolui?
O que for distinto na sua ascenção
"Straight to the heart of things" JA ´80

Obrigado por na Terra existirem homens como Jon Anderson

"leave us from the unreal , to the real"
"leave us from ignorence , to ligth"
Thank you Jon

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