24 de novembro de 2007

Martelando o Globo

Ontem fui à vernissage da exposição do Nilton Pinho, no Galpão das Artes, uma galeria aberta patrocinada pela Comlurb, situada em frente à PUC. O lugar é mais bonito do que eu imaginava e a exposição ficou bem completa e ilustrativa da obra do meu camarada. Depois fomos à Lapa, encerrar a noite. Vim pra casa já de manhãzinha. Comprei jornal na banca em frente à meu prédio (por isso é bom morar no centro) e, já sentado na minha confortável poltrona preta, com apoio para o pé, comecei a fazer uma das coisas que mais gosto: ombudsman do Globo.

Tem dias, no entanto, que são tantas que dá até preguiça. Aconteceu hoje. Pra começar, a manchete é de um mau-caratismo abominável e incompreensível: Calote de microempresa derruba lucro da Caixa. Fiquei perplexo por quase meia hora, olhando incrédulo a chamada, que trazia ainda um subtítulo digno de levar o troféu da filha-da-putice. O subtítulo dizia o seguinte: Enquanto isso, na Vale... E informava que a empresa fechou acordo com seus funcionários para aumentar salários. A tentativa de desmoralizar a Caixa Econômica através da comparação com a ex-estatal (privatizada por FHC) é um insulto à inteligência. Em todos os sentidos. As empresas operam em áreas completamente distintas. A matéria sobre a Caixa também é altamente editorializada. Primeiro lugar, o tom parece uma denúncia, como se a Caixa tivesse tido prejuízo. Não é o caso. Caiu o lucro somente em relação ao mesmo período do ano passado, mas teve lucro, o que significa que ela teve faturamento para pagar todas as suas despesas e teve um excedente, apenas no terceiro trimestre, de R$ 62,5 milhões. O mais absurdo, porém, é que o Globo criminaliza a micro e pequena empresa. A manchete faz sensacionalismo barato. Outros fatores, inclusive sazonais e extraordinários, pesaram no referido rendimento, como o reajuste nos salários (ou seja, não é só a Vale que eleva salários, certo?) e uma provisão contra possíveis derrotas de ações judiciárias que clientes movem contra a Caixa por contra de planos econômicos do passado.

É claro que o fato da Caixa ter ampliado expressivamente a sua linha de crédito para pequenas empresas implicaria em aumento proporcional dos problemas de pagamento. Quem não empresta não tem problema com devedor. A Caixa Econômica Federal emprestava muito pouco e, portanto, tinha pouco problema. Hoje empresta mais e tem mais problemas. Mas agora está cumprindo sua função social, que é dar crédito à população, principalmente a micro e pequenas empresas que têm dificuldade em obter financiamentos em outras instituições. A Caixa não tem que visar somente o lucro - deve fazê-lo somente no sentido de solidificar-se financeiramente e dar maior segurança a seus clientes e acionistas.

Ao contrário, a política de expansão de crédito, da qual a CEF é uma agente fundamental, tem sido um dos principais indutores do crescimento do consumo das famílias brasileiras, que tem registrado taxas espetaculares. Aliás, ressalte-se que quando lemos críticas ao baixo crescimento do PIB brasileiro, devemos atentar para o farisaísmo desse discurso, desde que ele omita o espetacular crescimento do consumo das famílias, começando pelas mais pobres, que constituem mais de 90% da sociedade brasileira. Há um aumento explosivo de consumo de bens nobres e de vanguarda, como DVD e computadores, bens que revelam sede de conhecimento e que resultarão, no futuro próximo, numa elevação importante do nível cultural médio do brasileiro.

A manchete do Globo é capciosa também porque abafa o assunto principal do miolo do jornal, que ocupa toda a página 3, a saber, o desdobramento da denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando, sobre o mensalão tucano.

O Globo, pressionado pela opinião pública - a verdadeira opinião pública, não a farsante versão dela, a opinião publicada - e, sobretudo, pelos fatos inexoráveis, está fazendo a cobertura do esquema de Caixa 2 do PSDB mineiro, e aceitou mudar o nome do escândalo para mensalão tucano, depois de meses usando apenas mensalão mineiro.

Mas o faz, é claro, sem aquela volúpia com que tratava o caso petista. Sem infográficos, sem editoriais, sem histerias éticas de seus colunistas, sem cartas desaforadas de seus leitores, sem manchetão na primeira página, sem reportagens investigativas complementares. E sem lembrar que Azeredo lançou, recentemente, húmus aos céus, confessando que o dinheiro também abasteceu a campanha de Fernando Henrique. O povão que só lê a manchete do jornal pendurado na banca vai continuar sem saber que o famoso mensalão, chamado do maior caso de corrupção de todos os tempos - nada mais foi que o ovo da serpente parida e alimentada pelo PSDB.

Naturalmente, a matéria não dá uma linha sobre o escândalo sem relembrar o caso petista, como quem diz: veja bem, os tucanos enfiaram o bico na lama, mas os vilões continuam sendo os barbudinhos. O interessante é que o valerioduto tucano tem indícios infinitamente mais sólidos de uso de recursos públicos que seu similar petista. A imprensa fez uma enorme ginástica para convencer as pessoas de que 100 mil pagos pela Visanet (que nem pública é, tem apenas a participação minoritária do Banco do Brasil) às agências de publicidade de Marcos Valério teria relação com certo dinheiro pago a parlamentares e seria, portanto, a prova de uso de dinheiro público no escândalo do mensalão - uma tremenda forçassão de barra, visto que, mal ou bem, as agências de Valério prestavam efetivamente serviços a empresas e governos. No caso tucano, as evidências do uso de estatais para irrigar o valerioduto são onipresentes.

Ah, e tem o famigerado Daniel Dantas, inexplicavelmente poupado de ambos os escândalos, apesar de estar por trás de tudo. Leiam Paulo Henrique Amorim.


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Pérola do artigo do Cristovam "Xarope" Buarque, no Globo deste sábado (24/11): "O Congresso brasileiro colabora sistematicamente para fabricar o chavismo no Brasil (...) com os acordos para salvar colegas condenados pela opinião pública (...)" Quer dizer então que o senhor Buarque deseja que os parlamentares compactuem com os pré-julgamentos absurdos, precipitados, tendenciosos, arbitrários e anti-democráticos que a mídia faz?


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Por falar em xaropada, o Garotinho ganhou na Justiça o direito de publicar um texto seu na página de opinião do Globo, e publicou um texto de um cinismo chocante. Gostei da atitude dele, brizolista, de se defender diretamente com a população. A forma é boa, mas o conteúdo é vazio. O Garotinho não tem boa relação política com ninguém e isso é messianismo ou, o que é mais provável, safadeza.

Eu quase nunca falo da política local do Rio de Janeiro. Dessa vez, porém, trata-se de um caso realmente digno de atenção. César Maia e Garotinho se aliaram para ganharem a prefeitura do Rio de Janeiro, o segundo maior orçamento municipal do país. O PMDB fluminense ainda é dominado pelo Garotinho, apesar do governador Sérgio Cabral, também do PMDB, ser adversário de Garotinho e aliado de Lula. Há tempos que Garotinho perdeu qualquer escrúpulo de ao menos aparentar ter um programa ou proposta de governo ou ideologia. O irônico é que, quando Garotinho apoiou Alckmin na última campanha presidencial, César Maia denunciou a aliança como um terrível erro da campanha tucana, por causa da imagem ruim do ex-governador.

E agora César Maia se associa à Garotinho com a maior cara lavada? E Garotinho, com todo aquele discurso populofrênico, vai apoiar a candidatura da nazista Solange Amaral? Não tem sentido, não tem a mínima coerência ideológica, partidária, racional. Nem mesmo religiosa. Garotinho está dando a sua última tacada, a mais desesperada de todas, e também, de certa forma, a sua trajetória inevitável. O populismo garotinesco é mais reacionário e sinistro de todos.

Reparem uma coisa. Garotinho conseguiu forçar o PDMB fluminense a se ajoelhar perante César Maia. Sim, porque na verdade quem o negócio vai beneficiar mesmo são as forças políticas ligadas ao César Maia, que prefere reprimir vendedores ambulantes a prestar segurança aos turistas. A prefeitura do Rio é um presente, uma homenagem do PMDB ao DEM?

As pessoas acusam sempre a mídia de ser anti-petista, mas parte da mídia também demoniza o PMDB. Apenas o PSDB é tratado com amor absoluto, por razões estritamente "familiares". Cabral é governador, eleito pelo povo, e quem manda no PMDB é o idiota do Garotinho, que não é vereador, deputado, senador, não é nada?




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Depois de todo sensacionalismo em torno de uma suposta crise do gás, o Globo não dá uma chamada na primeira página sobre a instalação, pela Petrobrás, de um centro para recebimento de gás líquido na costa do Rio, que permitirá à empresa ampliar a oferta de gás ao estado via importações da Nigéria e outras fontes, a partir de maio do ano que vem. Isso é conspirar contra os interesses econômicos do Estado do Rio, porque esta informação deveria ser amplamente divulgada, por estimular os investimentos por aqui


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Pesquei essa no Fazendo Média. Requião metendo o cacete na Rede Globo. Muito bom.
http://www.aenoticias.pr.gov.br/visualizar2.php?video=243

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João Ubaldo está louco. Lê isso: "Paranóia ou não, delírio ou não, está na cara que o presidente quer o terceiro mandato", escreve na sua coluna de hoje (domingo, 25/11/07). Repara na lógica surreal do pensamento dele. Delírio ou não? Pô, João, a falta de uísque está te destruindo. Se é delírio, como pode "estar na cara"?

Ele gasta o artigo todo choramingando a vitória de Lula, tentando desmerecer o próprio conceito de sufrágio universal e desfiando uma série de inverdades já desmentidas por prestigiados institutos de pesquisa. "O povo sabe votar muito bem, para as circunstâncias, e vota no que o beneficia diretamente. No caso do Brasil, os eleitores cativos do Bolsa Família vão votar certo, ou seja, em Lula". Ora, João, Lula não é mais candidato. E as pesquisas apontaram vitória de Lula em todas as classes sociais. Mesmo que assim não fosse, o voto do pobre vale o mesmo, inclusive moralmente falando, que o voto da classe média, que também vota com o bolso (ou não?). Votar em razão da percepção de que o representante político irá beneficiar a sua classe é um motivo nobre e democrático. O problema era quando o pobre votava em razão de promessas demagogas não-cumpridas, e acabava votando em quem beneficiava somente os ricos.

Ubaldo ataca o sistema eleitoral, inclusive repetindo a ladainha (não se compara épocas e nações totalmente diversas) de que Hitler também ganhou eleição. Agora Ubaldo quer uma democracia sem eleição, com representantes indicados por meia dúzia de colunistas e donos de jornais, alçados a condição de supremos sábios das nações. Ora, Ubaldo, democracia é isso, meu chapa. Tem que saber perder. O que eu gostaria de saber é o motivo real para a sua histeria anti-lulista. Seja honesto, cara, e diga qual seria a alternativa. Além disso, você tá escrevendo mal pra cacete, João. "Ninguém vê nada de fascistóide no que se anda fazendo", diz João, sem maiores explicações, como se a gente fosse obrigado a saber a que ele se refere. É o que? É corrupção? Pô, você não tá vendo que a Polícia Federal tá agindo muito mais que antes? É ideologia? Você virou o quê, um Bolsonaro literato? Virou um imbecil reaça?

É puro veneno, futrica inconsequente, birra, preconceito vulgar. Você tá dando pena, João. Não vou mais perder meu tempo contigo.

3 comentarios

Vera Pereira disse...

Excelente trabalho, Miguel. Vera Pereira

Anônimo disse...

Você demorou a perceber isso, meu caro Miguel. Já não leio as sandices dele há tempos. Só escreve abobrinhas. Uma dor de corno com a vitória do Lula. Parece que teve algum interesse contrariado. Nâo pode ser só falta ou excesso de bebida. Ninguém é tão mala assim, impunemnte. Só o Jabor !!!

Anônimo disse...

Quase sempre compro O Globo aos domingos. Não sou masoquista, gosto da revista, de algumas colunas e me divirto com a Míriam Leitão.
Não tinha lido o João Ubaldo pq faz tempo que não perco meu tempo com ele, mas após ler esse post fui conferir o jornal. Acho que ele não sai mais da "toca" pra nada e só recebe O Globo e a Veja por baixo da porta. Que "Nóia"!
Falar em coluna, viram a Míriam Leitão 5ª-feira? Para explicar o bom momento da economia brasileira, que nos tempos FHC quebrava até com queda de bolsa de madame, Míriam chegou a conclusão que o mundo mudou. Confiram, é hilário.

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