11 de fevereiro de 2011

O ditador caiu, e agora?


As multidões venceram, o ditador renunciou, o odiado congresso foi dissolvido e o presidente do supremo tribunal militar assumiu o poder. Ã? Os militares assumiram o poder? Isso é vitoria democratica? Pois é, na atual conjuntura egipcia, sim. Os militares, especialmente os oficiais de baixa e média patente, são vistos como aliados dos egipcios que protestavam na praça Tahrir.


Até discuti no Twitter com um colega sobre isso, explicando que o vacuo do poder não permitia alternativa. Ele respondeu, amargamente, que essa historia de vacuo de poder era usada por 9 entre 10 golpes de Estado. Eu respondi que ele estava certo, mas não eram 9 entre 10 e sim 10 entre 10. O que eu não tive tempo de falar na hora, e falo aqui, é que toda democracia também começa através de um golpe de Estado, e todas com ajuda do exército.

O movimento que deflagrou nossa primeira republica contava com apoio do exército e nossos primeiros presidentes foram militares: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto...

Todo poder politico nasce de um golpe. Getulio Vargas, por mais que o admiremos, aplicou um golpe de Estado em 1930.

Sei que essa argumentação é incômoda, porque nos levaria a justificar o golpe de 1964. Mas a historia da humanidade é mesmo complicada.

O dinamo do poder, de qualquer forma, não parece estar sequer nas constituições, ja que estas são facilmente rasgadas ou tão modificadas que dificilmente identificamo-lhes o sentido original. O dinamo esta no povo, ou melhor, no estomago do povo, e nesta sensação algo misteriosa, e sempre dubia e subjetiva, a que chamamos liberdade.

Prefiro ser otimista, portanto. Os egipcios conseguiram o que queriam. Naturalmente o pais não se convertera automaticamente numa democracia escandinava. E o governo provisorio, chefiado por militares, não representa o ideal de nenhum democrata. Mas é o que os egipcios queriam, e isso é o que importa, e não quero subestimar sua inteligência e audacia.

A renuncia de Mubarak foi saudada com o entusiasmo alucinado que so vemos numa vitoria de Copa do Mundo, mas de um tipo naturalmente muito mais nobre, muito mais duradouro.

A Economist lembra que o golpe militar de hoje se assemelha ao de 1952, quando oficiais revolucionarios derrubaram uma "democracia pluralista". Mentira! O governo pré-1952 no Egito era apenas uma espécie de testa-de-ferro dos interesses ingleses. De maneira geral, toda a imprensa corporativa, obrigada a elaborar uma contextualização historica do Egito, trata a revolução de 52 e, sobretudo, a figura de Gamal Abdel Nasser de forma condescendente, focando apenas em seus aspectos negativos, que naturalmente existem. Mas ninguém cita a profunda reforma agraria feita por Nasser, desvirtuada pelos governos seguintes. Ninguem cita os relatos de que, sob Nasser, o Egito viveu tempos de prosperidade econômica, justiça social e renascimento artistico. Nasser nacionalizou as grandes companhias européias que exploravam os serviços publicos do pais, dando autonomia politica ao povo egipcio. Nasser tentou juntar os povos arabes a elaborar uma politica progressista para a Africa, coisa que jamais nenhum estadista europeu ou americano jamais procurou fazer.

Em seu livro Filosofia da Revoluçao, Nasser observa que é preciso pensar o Egito através dos conceitos de tempo e espaço: ou seja, o Egito estava ligado a um tempo historico, e ocupava um lugar especifico no mundo, geograficamente falando. Não era (e ainda o é menos hoje) um pais isolado. Estava rodeado de outros paises arabes, com os quais se relacionava e com os quais precisava dialogar para progredirem juntos.

Nasser, como todo arabe, era profundamente tocado pelo sofrimento do povo palestino, assim como o egipcio de hoje é emocionalmente marcado pela tragédia iraquiana (e também pela palestina).

Enfim, não sei se a historia se repete, mas as agruras e demandas humanas sim, são quase sempre as mesmas. Pobreza, corrupção, violência, os males que assolam os povos continuam desfilando juntos no mesmo bloco de carnaval, usando mascaras parecidas, ha milhares de anos.

2 comentarios

ziulsorrab disse...

E neste desenrolar da Historia, visões abrangentes como esta sua e esta outra em http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/as-raizes-do-fundamentalismo-arabe concluo que é preciso comemorar fatos como do Egito. Particularizando, Lula e agora Dilma. Serra e o que ele representa perdeu. Brasil, ou melhor America Latina, berço de uma nova civilização. Nesta perspectiva eu aqui a teclar e voce ai na França. Parafraseando a Cristina P. Rodrigues lá no RGS com seu blog "Somosandando"

Miguel do Rosário disse...

Isso aí, a luta continua naturalmente no Egito. Ainda há muito o que conquistar por lá, mas foi uma grande vitória já!

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