17 de julho de 2011

BNDES sob ataque

E lá vai o BNDES pro pelourinho novamente. Repito: acho ótimo. A última coisa que eu faria é sentir pena de uma instituição que movimenta centenas de bilhões de reais. Que apanhe como gente grande, talvez assim aprenda a se defender. Neste domingo, Globo e Folha publicaram artigos bastante críticos à instituição. Nosso amigo Paulo Henrique Amorim, do Conversa Afiada, repercutiu alegremente as duas matérias, o que também considero muito saudável.

Entretanto, não vou partilhar tão facilmente da opinião de um ultra neo-liberal como o Claudio Hadadd, o economista que a Folha entrevistou. E tenho ressalvas importantes à reportagem do Globo. Ambas são positivas por suscitar o debate em torno daquele que, como já disse em outro post, é um dos pilares mais importantes da economia brasileira, com peso relevante em toda América Latina. O BNDES é um dos maiores (talvez até o maior) bancos públicos de investimento do ocidente. A sua própria existência é contrária aos princípios neoliberais, a menos que se restringisse, como sugeriu Haddad, a financiar projetos de infra-estrutura (o que, na verdade, ele já faz, e muito bem).

Ambas as matérias, todavia, pecam pela omissão de dois números fundamentais para contextualizar a participação do BNDES na economia brasileira. O primeiro é o crescimento do número de empresas beneficiadas, sobretudo micro e pequenas, pelos financiamentos do BNDES. Este número trinca o raciocínio segundo o qual ele beneficiaria apenas o andar de cima. Ironia suprema: este aumento se dá sobretudo a partir da gestão de Luciano Coutinho, o mesmo que agora é acusado de privilegiar os tubarões.

Não vou sequer mencionar FHC porque é covardia: naqueles tempos, o pequeno não existia. Nem o Carlos Lessa, hoje verdugo da gestão de Coutinho, se notabilizou neste ponto, tão fundamental. Presidente do banco em 2003 e 2004, Lessa conseguiu elevar o número de pequenos contemplados em 2003 para 27 mil empresas (em 2002, foram 18,9 mil); no ano seguinte, porém, viu esse número cair para 20 mil.

A coisa só começa a mudar mesmo com a entrada de Coutinho, em 2007. A partir daquele ano tem início uma grande transformação, com forte aumento, ano a ano, das concessões de crédito. Em 2010, já eram 417 mil micro e pequenas empresas contempladas.



O segundo número que Globo e Folha omitem é a evolução do lucro do BNDES nos últimos anos. A matéria do Globo, neste sentido, é realmente manipuladora, pois ao invés de trazer dados consolidados, inventa um prejuízo por parte do BNDESPar com base no valor das ações em poder do banco ao final da semana passada. Muito conveniente, porque a desvalorização momentânea das ações da Petrobrás mostraria um resultado negativo. Mas isso pode mudar de um dia para outro. O importante, numa matéria como esta, era informar ao leitor acerca dos valores consolidados. O BNDES vem batendo recordes de lucro, e as operações do BNDESPar tem respondido por cerca de metade desses valores. Ou seja, as ações caem e sobem ao longo do ano, mas o importante é analisar os resultados concretos e não retratos incompletos (possivelmente tendenciosos e equivocados) de momento. Seria honesto, para dizer o mínimo, que o Globo, numa matéria como essa, ao menos informasse seus leitores sobre isso, para que estes não pensassem que a instituição está dando prejuízo ao contribuinte, o que não é verdade.


É bastante irônico que os neoliberais de repente tenham se esquecido do fator "lucro". Está certo que o objetivo central do BNDES não é ter lucro, mas o fato de tê-lo não é ruim, evidentemente. Desde que o banco mostre que tem aumentado os repasses a micro e pequenas empresas e esteja financiando mais projetos de infra-estrutura, então é ótimo que haja lucro, até para que o banco possa se dar ao luxo de financiar projetos de cunho mais social que dão menos lucro. Como o BNDES é público, o lucro vem para o nosso bolso, seja reforçando o caixa do Tesouro, seja financiando projetos de cultura (o que se reflete na educação), o que o banco vem fazendo a uma escala impensável antes da era Coutinho.

Reitero pela enésima vez que é importante que a sociedade fique atenta às ações do BNDES, e mantenha um olhar crítico. Sob Coutinho, o banco tornou-se mais ousado e mais presente na economia nacional. Ganhando mais visibilidade, é natural que seja mais criticado. As ações do BNDESPar refletem, a meu ver, uma política industrial mais intervencionista por parte do governo, e isso necessariamente contraria (e beneficia) muitos interesses poderosos. Por trás da blindagem econômica que protegeu o Brasil da terrível crise financeira que atingiu o mundo em 2008 e 2009, estava o crédito do BNDES, que ajudou empresas nacionais a enfrentarem seus momentos mais difíceis. Não esqueçamos que o BNDES não dá dinheiro de graça para ninguém. Ele empresta a juro mais baixo que a taxa Selic, mas ainda assim com juros, e a empresa tem de pagar em dia. Muitos países não teriam passado pelo que passaram se tivessem um banco como esse. E acho melhor emprestar dinheiro para empresas que geram emprego do que dar trilhões a juro zero para salvar instituições financeiras incompetentes, como fizeram EUA e Europa recentemente, e o governo FHC com seu Proer (que corresponderia hoje, em valores atualizados, e cerca de R$ 50 bilhões).

Naturalmente, se o BNDES dá crédito, tem gente que lucra muito, outros que lucram menos. Consta que as empresas de mídia, que sempre tiveram acesso privilegiado ao caixa da instituição, não tiveram tantas facilidades como gostariam nos últimos anos.

Contemplemos, portanto, o quadro inteiro, levando também em consideração os números que eu lhes trouxe. Quando o BNDES apenas financiava os barões da mídia e demais amigos de Antonio Carlos Magalhães, nunca houve matérias na grande imprensa criticando a atuação do banco. Hoje ele financia 610 mil empresas e pessoas físicas no país e virou um de seus alvos preferidos.

20 comentarios

José Marcio Tavares disse...

Nunca vi a assessoria de imprensa do BNDES (que eu conheço bem) fazer um trabalho que seja de longe tão bom quanto este seu artigo. Mais uma vez parabén, Miguelito.

José Marcio Tavares disse...

Miguel, tomei a liberdade de repassar seu artigo para a assessoria de imprensa do BNDES. Vamos ver se eles aprendem.

Miguel do Rosário disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

Miguel do Rosário disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

Miguel do Rosário disse...

Valeu, Marcio.(Tinha escrito um comentário maior em resposta à sua colocação, mas acabei agregando o texto ao post, então apaguei aqui.)

Abraço

Anônimo disse...

Miguel, você traz dados que nos permitem tirar conclusões através de nossas próprias cabeças, isso é muito importante. Obrigado e abraço!

Marcos Petina
Vitória-ES

Ana Karina disse...

Valeu, Óleo! Seu blog contribui para o debate político e econômico no Brasil.

José Marcio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Marcio disse...

Na época de FHC o banco ao invés de financiar a produção e, com isso, gerar desenvolvimento econômico, era o gestor da privataria.
Ainda bem que, nessa época, eu estava no Sindicato dos Bancários combatendo esses destruidores da economia brasileira.
A bem da verdade, tenho muitos colegas no BNDES que se recusaram a trabalhar em setores ligados à privataria. Nem preciso dizer que ficaram na geladeira durante oito anos.

Anônimo disse...

Ultimamente você está parecendo uma "enceradeira". Fica dando voltas no mesmo lugar. De novo BNDES ?
Acho que você está se preocupando com assuntos menores e não está postando nada de assuntos mais importantes para o país.
Também tem o lado internacional das postagens. Você postou em 12 de julho uma fofoquinha sobre Rafael Correa. Acho que no lugar poderia ser discutido o possível calote de países europeus e uma possível nova crise. Ainda tem também os EUA querendo aumentar ainda mais o nível de endividamento deles, o que representa uma quebradeira mundial ainda maior quando o calote chegar. E vai chegar.
Voltado para os assuntos nacionais. Você não postou nada sobre o superfaturamento de obras no Ministério dos Transportes.
Nem uma linhazinha sequer sobre a fracassada licitação do trem bala.
Também não li nada sobre a invasão de hackers em sites oficiais do governo. Isso virou até caso para a Polícia Federal. É questão de segurança nacional. Os assuntos são muitos. Chega de BNDES.

Miguel do Rosário disse...

Ô anonimo, que canseira! Não sou uma fábrica de posts, apenas um só! E tenho costume de ir fundo nos temas. Melhor se aprofundar num tema só do que ficar ciscando em vários. Quanto ao Ministério dos Transportes, escrevi um post sobre corrupção há poucos dias, abordando o assunto. Meu próximo post será sobre cinema. Vou dar um tempo de economia e política.

Marcos Dantas disse...

Obrigado, Miguel, por esse esclarecedor texto. Só uma falha: só tocou, sem detalhar, nas polpudas ajudas do BNDES às privatarias do setor elétrico e de telecomunicaçoes, durante FHC. A "privatização" da então "Tele Norte-Leste" pela depois "Telemar", hoje "Oi", seria impossível sem a entrada do BNDES na composição do capital acionário, além de empréstimos subsidiados. Contra isso, a "imprensa sadia" (como se dizia em outros tempos) não escreveu nada...
Marcos Dantas (Prof. ECO-UFRJ)

Miguel do Rosário disse...

Obrigado pelo comentário, Marcos. É uma honra tê-lo como leitor. Bem lembrado. Nunca é demais repisar a participação do BNDES na privataria, feita sem qualquer planejamento ou preocupação em manter algum controle sobre as novas tecnologias revolucionárias que então surgiam no mundo.

Abraço,
Miguel

Werner Piana - @SAGGIO_2 disse...

Miguel, sempre esclarecendo o obscuro... ainda bem que na velha midia não existam penas com sua capacidade.
Mesmo se as houvesse, vc tem os dados - que não mentem - e este estão do lado de cá.

Abraço e obrigado por enriquecer o debate

Anônimo disse...

Enquanto isso o Banco do Brasil trabalha apenas para o ... lucro! Onde está o "maior banco agricola do mundo"? Onde está o "maior banco do brasil"? Apesar de crescer e criar musculatura no governo Lula, e agora certamente na governo Dilma, o Banco do Brasil diminui sua presença junto a população pobre e carente de cidadania, onde sua atuação como banco publico é necessaria. Parece que Brasilia pensa diferente... E o BB vai cada dia privatizando sua atuação, terceirizando e precarizando as relações de trabalho, e colocando seus donos em maior quantidade, o brasileiro comum, para fora de suas agencias...

Miguel do Rosário disse...

Luis Moreira, vou considerar sua sugestão com carinho.

Anonimo, é importante trazer dados e links para a gente debater o assunto com mais profundidade.

Marcelo de Matos disse...

“O BNDES é um dos maiores (talvez até o maior) bancos públicos de investimento do ocidente. A sua própria existência é contrária aos princípios neoliberais...”. O banco, na verdade, foi concebido quando Getúlio Vargas, deposto, foi para São Borja-RS, onde teve a companhia de Guilherme Arinos. Voltando ao poder, em 1950, Getúlio resolveu criá-lo. Tudo isso é narrado na crônica de Luis Nassif: http://www.econ.puc-rio.br/gfranco/Nassif%20sobre%20Arinos1.htm
Curioso, também, o posicionamento de PHA contra o banco. Ele parece ser o maior desafeto de Mirian Leitão, mas, estão cada vez mais parecidos.

Marcelo de Matos disse...

Deixei de frequentar alguns blogs por aí. Sou capaz de ler sem ojeriza Ricardo Noblat e Josias de Souza. Ali a gente já sabe o que vai encontrar. Clicando no link aqui do Óleo fui parar lá no PHA. Com ar “jet set”*, de lencinho de seda no bolso da jaqueta, o blogueiro progressista retoma sua antiga idéia fixa: “Falam mal do BNDES, mas não falam mal da BrOi”. Precisamos tomar cuidado, senão o lobby das telefônicas volta à cena. O PIG e um grupo de blogueiros malharam muito Daniel Dantas por causa da disputa pelo mercado da telefonia celular. Aí sobrou para Lula e, até, Gilmar Mendes, do STF. Verdade seja dita, FHC também apanhou muito pela mesma razão.
*Quem desconhecer, ou não gostar da expressão, pode substituí-la por socialite, janota, mauricinho ou metrossexual.

Marcelo de Matos disse...

José Dirceu destaca em seu blog o apoio do BNDES às pequenas e médias empresas: "Tem tudo para ser comemorado balanço feito junto ao BNDES sobre o acesso das pequenas e médias empresas (PMEs) às linhas de crédito a elas destinadas. Pelo levantamento, 25% - R$ 8,5 bi dos R$ 33,9 bi - dos recursos liberados pelo banco no 1º quadrimestre deste ano foram destinados às PMEs."

abrantes disse...

Marcelo eu já deletei o blogueiro com ar "jet set" e também troquei o Domingo Espetacular pelo PÂNICO.

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