13 de julho de 2011

Pão de Açúcar desiste de fusão. Ótimo.

Se a fusão gorou, ótimo. Eu vinha reiterando minha preocupação com um varejo na mão de poucos. Em post recente, pedia a intervenção do Cade e achava que não era saudável a participação do BNDES no negócio. Depois eu desenvolvi o seguinte raciocínio: se a fusão for inevitável, e for um bom negócio para o BNDES, podemos transformar isso numa oportunidade para abrir os mercados externos aos produtos brasileiros industrializados. Fiz questão de frisar isso: que o BNDES deveria explicar e mostrar compromissos assinados, de que sua participação garantiria inclusão maior de produtos brasileiros nas prateleiras do que viria a ser a primeira ou segunda rede varejista do mundo. A primeira hoje é o Walmart, que prioriza produtos norte-americanos e veta qualquer produto brasileiro. Walmart e Carrefour tem presença no mundo inteiro. Ambos vem se expandindo rapidamente na Ásia. Como um dos problemas mais graves da indústria nacional tem sido justamente o bloqueio imposto pelas grandes redes de varejo aos artigos brasileiros, achei que seria interessante o BNDES ter participação acionária no Carrefour. Mas só se a fusão fosse inevitável... E, claro, se não houvesse briga entre os sócios, como houve, o que provavelmente foi a razão principal para o BNDES pular fora do negócio (além da campanha "pública" contra a operação).

Eu também li o artigo do Carlos Lessa, mas acho que ele foi usado mais para virar manchete bombástica em blogs do que para dar subsídio real à questão. Ele não aprofunda nenhum ponto sobre o mercado varejista internacional. Ao contrário, Lessa elogia operações similares do BNDESPar, o braço do BNDES que capta dinheiro no mercado para comprar participação em grandes empresas nacionais. Elogia o banco por investir dinheiro em firmas que produzem e exportam matérias-primas. O próprio Lessa, quando presidente do BNDES, fez o banco adquirir US$ 1,5 bi em ações da Vale (o que valeu muitos elogios meus; ainda acho que ele mandou bem. O valor hoje corresponderia a quase US$ 2 bi, quase o mesmo que o BNDESPar queria investir no Pão de Açúcar). Mas não acho que a instituição deva investir apenas em companhias privadas que operam com produtos primários. Se o BNDES está querendo diversificar seus investimentos para um leque maior de empresas, então seria interessante que uma dessas fosse uma grande rede de varejo, pelas razões que já levantei, a saber, criar uma brecha na muralha que o mundo desenvolvido (sobretudo Europa) malandramente construiu para proteger seus preciosos mercados.

Mas se o Pão de Açúcar não quer se fundir (quer dizer, se não conseguiu), melhor assim. A concentração não é saudável. O Brasil, todavia, precisa encontrar alternativas para escoar melhor seus produtos industrializados. É ingenuidade achar que as coisas estão boas para nós neste terreno. O Brasil tem conseguido, ao menos, exportar industrializados para a América Latina. Não basta; é preciso entrar nos EUA, na Europa e, sobretudo, na Ásia.

Além do mais, eu acho que uma das maneiras do Estado reduzir a carga tributária sem reduzir a arrecadação é justamente tornando-se sócio do setor privado nacional, de maneira a financiar os gastos públicos, que deverão necessariamente crescer à medida em que os brasileiros exigirem melhores serviços de saúde, educação, e uma melhor infra-estrutura na área dos transportes, saneamento, comunicação, etc.

Esta tem sido a receita do crescimento econômico asiático. O Estado tem participação em tudo. Isso não implica em dar dinheiro público aos empresários, mas em tirar dinheiro dos empresários para dar ao público; em troca, os acionistas ganham um sócio poderoso, que pode ajudá-los a ganhar mercados no exterior. Na Cingapura, a carga tributária é baixíssima porque o Estado paga suas contas através do faturamento que aufere com a participação acionária nas empresas do país.

Estas são apenas conjecturas de um blogueiro cada vez mais presunçoso, e que agora se arvora entendido em grandes estratégias de desenvolvimento econômico. Eu achava que o BNDES tinha a ver com estratégias um pouco mais sofisticadas do que emprestar dinheiro para a Petrobrás - que tem milhares de acionistas na bolsa de Nova York - furar poço...

PS: Já corre a todo vapor a notícia de que a Walmart quer comprar o Carrefour. Será uma sinistra concentração do mercado varejista, e o Brasil, que teria presença numa possível fusão entre Pão de Açúcar e  a rede francesa, agora ficará  a ver navios. Navios com bandeirinha dos EUA.

16 comentarios

Sergio Grigoletto disse...

Fui contra essa entrada do BNDES desde o princípio pois não enxerguei,não explicaram, e para mim as contas mostradas não fechavam.
Primeiro, que a ação não foi gestada primariamente com propósitos estratégicos para o país. Esse foi um dos panos e fundo que o Diniz se utilizou para descumprir um contrato com seus sócios no Casino.
E produtos industrializados brasileiros no exterior, com a exorbitância de nossos preços, soa como piada de péssimo gosto, um insulto até.
Quanto custa de uma lata de extrato de tomate a um refrigerador nos USA ou na Europa? Certamente que de preços com os quais não conseguiríamos competir, jamais.
Por último, viria a concentração. Imagine quantos fornecedores não seriam massacrados? Imagine o que isso não seria péssimo para a concorrência e, sempre, em em detrimento ao consumidor que teria reduzido suas opções de escolha?
Nada consegue me convencer do contrário que seria negócio de amigos entre o governo e o Diniz.
E sou lulista e dilmista, mas tem coisas que não é possível aceitar engolir dobrado, sem explicações convincentes.

Anônimo disse...

Miguel, não sei exatamente o porquê do recuo do governo, mas se foi apenas devido à campanha da mídia eu acho muito perigoso. Houve falhas graves de comunicação do BNDES ou a Dilma está ficando refém do noticiário?
André M.

Miguel do Rosário disse...

Sergio, a concentração virá de qualquer jeito, e agora sem que tenhamos qualquer controle. A Walmart deve comprar o Carrefour. Tomara que não, mas é o que estão dizendo. Se tivesse havido a fusão, pelo menos teriamos capital nacional na história, e melhor, capital nacional com presença internacional.

http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/07/12/sem-fusao-com-pao-de-acucar-carrefour-pode-ser-engolido-pelo-americano-walmart-924888937.asp

Não sei se o Cade vai poder barrar isso no Brasil.

Miguel do Rosário disse...

Sergio, uma das razões dos preços altos de nossos produtos industrializados, é a baixa escala de produção. Alcançando outros mercados, poderíamos baixar os preços, inclusive no mercado doméstico.

Mariana disse...

Comentei na ocasião em outro blog: se a Rede Globo e os franceses estão contra, eu apoio!
E vejam agora que se a Rede Globo que é o braço armado midiático do capitalismo era contra, é porque os americanos tinham interesse.
Tem acabar com essa história de blogueiro progressista ser ingênuo e achar que a ética está à frente de certas atitudes.
O que há mesmo é que o Brasil é o grande eldorado do consumo atual em crescimento e qualquer coisa aqui mexe com os gigantes do mercado mundial.
Logo eles não vão chorar. Vão agir, contra atacar e fazer como agora, abocanhar uma fatia que poderia ter participação nacional e vai ser unicamente de fora. E eles vão repassar os lucros, claro! As suas economias estão em situação difícil.E vão desovar produtos encalhados pela sua retração de consumo.

Anônimo disse...

Miguel, não é apenas a escala de produção que encarece o produto industrializado brasileiro. Nossos empreendedores tendem a praticar taxas de retorno muito elevadas. Na China um empresário com menos de 5 funcionários não fica rico. Nada contra ficarem ricos, mas não dá para jogar todas nossas (deles) dificuldades na conta dos juros/câmbio/escala/impostos, não que esses não sejam problemáticos.
André M.

Sergio Grigoletto disse...

A verdade é que o governo não explicou nada porque não tinha explicações a dar. O negócio foi pensado para tirar o do Abílio Diniz da reta. Se fosse por questões estratégicas, os ministros que vieram a público teriam muito mais explicações que apenas um "é bom para o país". Ninguém engoliu.
Se ter uma rede de vendas é importante para o pais, que o BNDES financie uma a começar do zero. Em 10 anos será um gigante aqui e no exterior, oras.
Estamos pelejando com o etanol faz quanto? Quase 50 anos? E os USA começaram outro dia e produzem mais que nós.
Não temos escala em muitíssimas coisas e não será agora que teríamos com produtos para vender no exterior. Carros, por exemplo, no gringolândia são mais baratos porque o mercado é só de trocas, basicamente. Aqui, é muita gente entrando no mercado de consumo e querendo carro novo.
Então, não teríamos também escala em extrato de tomate para que custos fossem competitívos com para o mercado exterior.
E isso da Walmart querem ampliar no Brasil é meta antiga deles. Sobrou agora a ocasião e vão tentar.
TENTAR.

Miguel do Rosário disse...

sergio, os ministros não podiam falar nada porque era uma operação do BNDESPar. Criar rede varejista do zero é delírio. A chance era esta. De resto, podemos ser fracos em extrato de tomate, mas com certeza teríamos vantagem em todo o tipo de carne congelada, e produtos à base de soja, suco de laranja. Na verdade, como temos matérias primas em abundância, no médio e longo prazo, poderíamos ser competitivos em muita coisa.

Marcelo de Matos disse...

Miguel, você se disse diletante e presunçoso em macroeconomia. Eu sou ignorante mesmo, mas, gosto de dar meus pitacos. Não estou preocupado com a concentração no mercado varejista pelas seguintes razões: 1) Em 2010, segundo a Folha, as cinco maiores redes de supermercados do país faturaram R$ 93,46 bilhões - o equivalente a 46% das receitas das empresas que atuam no segmento; 2) Outros setores têm maior concentração de investimentos estrangeiros: telefonia, equipamentos eletrônicos, fertilizantes, defensivos agrícolas, medicamentos. Diz a lenda que Collor promoveu a total abertura da economia. Há setores, porém, que demonstram não sofrer concorrência de países emergentes, como o de medicamentos. A Índia tem moderna indústria farmacêutica, mas, a penetração de seus produtos em nosso mercado é muito modesta. Os laboratórios aqui instalados devem saber como manter o mercado cativo. O setor de defensivos agrícolas é todo dominado por multinacionais: Du Pont, Bayer, Singenta, Dow Quimical, etc.; 3) A produção automobilística, no Brasil, é a quarta do mundo; a de cervejas, idem. Há, porém, poucas marcas nacionais nesse setor. A Índia tem indústria automobilística nacional e já produz carro elétrico. A Itaipu Binacional está desenvolvendo o projeto de um pequeno carro elétrico, mas, com investimentos bem modestos.

Anônimo disse...

Miguel, o Eduardo e o Brizola Neto (Fernando Brito) concordam contigo.

http://www.blogcidadania.com.br/2011/07/bom-mesmo-foi-o-bndes-pagar-pela-privataria-tucana/

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/brizola-neto-gorado-o-negocio-ja-podem-dizer-a-verdade.html

Claudio disse...

Miguel. Acho que são dois assuntos diferentes. A concentração no varejo e a participação do BNDES no negócio. Então, é um sofisma o argumento da concentração para jogar contra a aquisição pelo banco nacional de parte do Pão de Açúcar.
Na minha humilde opinião de não economista, já coloquei meu argumento aqui, ou seja a estratégia do governo de ter espaço nesse campo sensível da distribuição de alimentos como forma de se ter um certo controle sobre o setor, mantendo capital nacional. Além disso temos a soberania econômica, grandes empresas nacionais num mundo se esfarelando financeiramente.
Miguel, acho que você deveria sair de cima do muro. Em um parágrafo é contra e noutro, nem tanto.
Acho impressionante como a blogesfera progressista faz o jogo do mercado. Foi assim com os sigilos, lembra? Misturaram sigilo "eterno" dos documentos secretos com o sigilo nas licitações, foram semanas de massacre. "Não sei que sigilo é esse, mas sou contra".
No caso do PNBL também, aquela gritaria toda. Ou alguém acha que o mercado tem interesse que a Telebrás implante uma rede de fibra ótica Brasil afora e forneça internet barata e universal? Lançaram até o mote "Fora Bernardo!", PHA à frente, que interesses êle representa, hein?
Acho que êles já descobriram o macete. Colocam o assunto de maneira enviezada na mídia e deixam o trabalho de convencimento para os "progressistas".
Não é uma questão de ser contra ou a favor do governo. É ser a favor do Brasil. Vamos prestar atenção gente, senão a gente vai fazer papel de palhaço sempre.
Grande abraço.

Miguel do Rosário disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

Miguel do Rosário disse...

Oi Claudio, você tem razão. Neste tema, eu talvez tenha exagerado na ponderação. Fiquei com medo de dizer besteira. Pesei muito os prós e - sobretudo - os contra. Confesso que ando meio intimidado com essa atmosfera de inquisição que toma conta da blogosfera, de ares fortemente oposicionista, com posições sempre radicalóides, com pré-julgamentos, moralismo de botequim.

Neste caso do Pão de Açúcar, por trás da retórica um pouco insegura, você verá que mantenho uma linha constante: pondero os riscos da concentração, mas levanto as vantagens de termos influência num grande grupo de varejo internacional.

E concordo contigo também sobre o "macete" descoberto pela mídia conservadora. Nos últimos tempos, os progressistas tem agido como uma linha de apoio aos conservadores, em todas as frentes. E se alguém pondera que não é bem assim, que a questão não deve ser vista apenas por um ângulo, é atacado pelos mesmos progressistas.

A coisa tá difícil. Mas se fosse fácil também não valeria a pena e qualquer um fazia. Estou acostumado com isso. É somente mais um desafio.

Obrigado pelas ideias e pela força.

Grande abraço!

Claudio disse...

Miguel, me explica melhor essa "atmosfera de inquisição que toma conta da blogosfera". Você, como blogueiro, deve conhecer melhor o que se passa nesse meio. Quem está tentando fazer a cabeça da rapaziada?
Eu sei que deve ser difìcil, Se você faz uma postagem "favorável", é tachado de "chapa branca", então resolve ser "contra" para mostrar "independência". Tudo clichês. A geração tweeter é um perigo.
Fora o fato, tenho observado muito isso, que um post contra, apesar de argumentos frágeis, obtém muitos comentários, centenas. Quanto mais contra, mais comentários. Quem não quer receber centenas de comentários a um post seu?
É que eu tenho visto alguns casos de gente virando a casaca. Blogueiros capitalizando o lacerdismo vermelho, termo lançado aqui, se não me falha a memória.
De onde vem esses "ares fortemente oposicionistas"? Não sei se é paranóia minha, mas tenho sentido uma armação, uma postura "fake" para manipular a blogosfera progressista usando esse dilema. Vamos ficar de olho, a gente não é manada. A gente tem muito a perder.
Ainda bem que você fica na dúvida.
abraços

Miguel do Rosário disse...

Oi Claudio, prefiro não entrar em nenhuma teoria de conspiração. É algo espontâneo. E tem até um elemento nobre, a meu ver, de querer ser independente e crítico. Com isso, porém, acaba seguindo o caminho mais fácil, que é colhendo as críticas prontas da mídia, apenas embalando-as numa roupinha mais vermelha. O que falta mesmo é análise. A blogosfera ainda é nova. Aprendeu tudo de forma atabalhoada, na própria luta. Ainda é ingênua, afobada, talvez um pouco deslumbrada consigo mesma. Afora isso, com certeza tem muito oportunismo, populismo, radicalismo (sempre no mau sentido do termo) e também há muitos fakes rolando por aí, dando gritinhos de desencanto, etc. Por fim, há uma postura de fazer "pressão política à esquerda", confundindo isso porém com uma estratégia extremamente rancorosa, hostilizante, às vezes mesmo truculenta (do ponto-de-vista da falta de argumentos e sensibilidade). Uma coisa meio chauvinista até. Enfim, é a guerra da comunicação em curso.

Claudio disse...

Valeu, Miguel.
Também acho importante continuar fazendo pressão política à esquerda.
Se cuida.

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