4 de julho de 2011

Concentração no varejo não é boa

Estou à procura de pesquisas para embasar uma outra análise sobre as consequências da fusão do grupo Pão de Açúcar ao Carrefour. Quero mais informações sobre o processo de concentração varejista e, sobretudo, analisar o desempenho das pequenas e médias lojas.

Ainda não encontrei nenhuma estatística atualizada. O que eu sei é que o grande varejo segue a tendência de concentração. Mas também tenho visto reportagens falando do ressurgimento do pequeno varejo local. Procurei no Ipeadata, no IBGE, no Dataevarejo, na Abras, e ainda não encontrei nada interessante sobre o tema. Continuo à caça de números.

No entanto, entendo que a concentração varejista não é saudável para a economia, sobretudo porque aumenta o poder de barganha de alguns gigantes em sua relação comercial com a indústria. Com esse entendimento, já não sei se a entrada do BNDES na fusão do Pão de Açúcar com Carrefour é positiva para a economia nacional. A menos que seja uma estratégia muito clara (e constando em documentos e compromissos assinados) para abrir mercados externos aos produtos brasileiros industrializados; caso contrário ela poderá dificultar a vida de segmentos da indústria, sobretudo do setor de alimentos.

Para isso existe o CADE. Então eu acho que o CADE deveria vetar essa fusão, se achar que ela prejudica os negócios, e o governo deveria, ao mesmo tempo, sinalizar que seu interesse é pela desconcentração do varejo. O próprio BNDES poderia dar uma excelente demonstração nesse sentido, ao divulgar novas linhas de financiamento voltadas exclusivamente para pequenos e médios varejistas.

PS: E conforme vou pesquisando, mais me convenço de que o governo deve ampliar o crédito para pequeno e médio varejo, o que vai na contramão do aporte de 4,5 bilhões de reais do BNDES na fusão do Pão de Açúcar. Achei uma reportagem de 2009 que traz dados alarmantes sobre o aumento na concentração do varejo, apontando justamente a falta de crédito como a causa principal. Ainda não encontrei nada mais recente; assim que achar, publico aqui.

PS2: Interessante que o próprio governo federal já identificou esse processo. No ano passado, apareceu a notícia de que o governo "quer restringir a concentração no varejo". Pelo visto essa preocupação ficou apenas no gogó...

PS3: O BNDES vem insistindo no argumento de que a fusão abrirá as portas para produtos brasileiros no exterior. É bom que traga mais esclarecimentos nesse ponto, oferecendo alguma coisa mais do que vãs promessas, porque seria a única justificativa plausível para se apoiar a operação.

PS4: O lucro para o BNDES, através de seu braço, o BNDESPar, é muito positivo, mas não pode se dar às custas de incentivar a concentração do varejo nacional.  Essa é uma questão complexa, que está me deixando confuso: era uma fusão inevitável e seria positivo o BNDES ter um pedaço da nova empresa? A operação evita um outro processo de desnacionalização que entregaria o grande varejo nacional a empresas estrangeiras? Será o racha na muralha do protecionismo europeu contra produtos industrializados brasileiros?

Eu só conseguirei analisar a contento este tema quando tiver acesso a dados mais completos sobre a distribuição do varejo no Brasil e sua evolução nos últimos anos, e mais informações sobre o poder que terá o BNDES para forçar a nova rede a ampliar a presença de produtos brasileiros em suas prateleiras.

15 comentarios

Claudio disse...

Alô Miguel, sugiro essa postagem do dep Brizola Neto no Tijolaço:
http://www.tijolaco.com/a-china-avanca-sobre-a-economia-em-crise/
Na sua postagem anterior vc estava mais convicto sobre o assunto BNDES, no de hoje senti um pouco de dúvida sobre de que lado ficar, contra ou a favor. Tem que seguir o caminho do Buda, o caminho do meio, da compreensão.
Eu também estou querendo entender. Mas a soberania nacional inclui também a soberania econômica. Tem que ter bala na agulha, grana. Grandes empresas e grandes bancos nacionais.
Grande abraço. Gostei muito do seu blog
Claudio

Miguel do Rosário disse...

Oi Claudio, pois é, coincidentemente eu estava justamente lendo o tal post do tijolaço quando recebi seu comentário. Você tem razão. Agora estou em dúvida. Entendo que é bom para o BNDESPar, porque é um negócio lucrativo para um banco público, fortalecendo-o. Desde o post anterior, porém, eu ressalvei que, se houvesse entendimento de que a operação prejudica a saúde do varejo nacional, então deveria ser vetada pelo CADE. Como você, estou tentando entender. Decerto há dois lados nessa questão, prós e contras. Vamos esperar as partes se manifestarem. Talvez as coisas vão fiquem mais claras nos próximos dias.

Sabe o que me fez balançar? Eu li declarações de lideranças do setor da agroindustria temerosos da consequência dessa fusão para a relação das empresas fornecedoras com o grande varejo. Aí eu lembrei que, de fato, esse tem sido um problema grave. Os gigantes do varejo impõe condições draconianas sobre as indústrias. Tudo isso dever ser analisado.

Claudio disse...

Mas êles vão ser gigantes de qualquer jeito. Se o BNDES não entrar outro grupo estrangeiro vai comprar e aí o gigante vai ser dos gringos.

Miguel do Rosário disse...

É, acho que você tem razão, Claudio. Tá todo mundo querendo um naco da varejo brasileiro.

Claudio disse...

Aliás, as lideranças da agroindústria devem estar temerosas mesmo. A presença estatal (que a "militância" tanto demanda) num setor sensível como o de alimentos pode impor respeito na área.
Lembra como manipularam os estoques de álcool? A Petrobras já botou o pezão lá no meio. Ainda bem que a gente tem um empresa gigante assim né?

Luiz Monteiro de Barros disse...

Miguel sem puxasaquismo os graficos das cartas diarias. Enquanto estiverem bonitos daquele jeito não há direita que consiga vencer. São a expressão da realpolitik que predomina,queiram ou não os Pigs do Brasil ou do planeta.
Resta tambem comemorar do que se deixar pautar por duvidas, verdadeiros factoides, testes de hipodteses da midia. Logico que estamos atentos a problemas como o da fusão se realmente existirem. Porem o Estado tem seus motivos estrategicos

Miguel do Rosário disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

Marcelo Rodrigues disse...

Caro Miguel,

O poder das redes sobre os pequenos fornecedores é preocupante.

As grandes redes sujeitam os fornecedores ao que eles chamam de "contratos", em que os fornecedores arcam com itens como:
1. Para poder entrar na loja (iniciar as vendas do produto em determinada filial da rede) paga-se uma taxa de 5 mil.
2. Aluguel do espaço na gôndola, 10 mil por metro quadrado, ao mês.
3. Aniversário, que é uma taxa para a rede fazer promoção da comemoração de aniversário, o carrefour comemora dois aniversários no ano, o da rede mundial e o da rede nacional - 40 mil por aniversário.
4. Para aparecer o produto no folheto de promoções também paga.

Os valores são meros exemplos, pode variar segundo a rede, por localização, pelo poder de barganha do fornecedor e inclusive quanto ao segmento (perfumaria, bebida, produto de limpeza etc).

Estas informações são de memória, podem não ser totalmente exatas, mas as obtive de um gerente de vendas de uma empresa do setor de perfumaria. Alguém que trabalhe com isso pode dar informações melhores e mais atualizadas.

Miguel do Rosário disse...

Pois é, Marcelo, tô ligado nessas coisas. E o pior nem é isso, é que as redes de varejo (e isso tem em todo mundo) acabam dominando a indústria, ao impor produtos com sua própria marca.

Maria 1 disse...

Sempre muito bom ler suas considerações. Confessa suas dúvidas, o que é muito salutar, mas não é tão comum entre os seus pares da blogosfera. Muitos, cheios de "certeza", descambam para arrogância e não raro sonegam informações e até distorcem fatos, para não comprometer suas "análises".

Anônimo disse...

Miguel,

Seu post sobre este assunto está super badalado na rede. Mas esta exposição toda é justa, pois como tudo o que você faz, está muito bem escrito e sensato.

Ines Ferreira

PS.: Olha, não consigo enviar sem ser como anônima, já fiz até uma conta no google para isto, mas não sei o que faço de errado, simplesmente não consigo enviar. É muito confuso este processo.

Miguel do Rosário disse...

Ines, pode comentar como anonimo e assinar ao final, como você faz, não tem problema nenhum.

Abs

Anônimo disse...

Prezado Miguel,

Envio link de um estudo do DIEESE-SP que poderá ajudá-lo.

http://www.dieese.org.br/esp/balancoSetorSupermercadistaemSP.pdf

Abs

RCDS

Anônimo disse...

Marcelo Rodrigues,

O poder das redes pode ser preocupante, mas o poder dos produtores não é menos preocupante. Não cabe ao BNDES regular as práticas ilícitas(?) entre fornecedores e distribuidores. E temo ainda o consumidor, que é o juíz final do processo.

André

Anônimo disse...

Miguel,

Creio que essa questão da concentração seja bem complexa. Por exemplo, perto de casa tem 3 supermercados, o que tem melhor preço tem acesso sofrível, pouco estacionamento, é desorganizado, etc. O de preço intermediário faz parte de um rede local muito forte, tem excelente acesso, amplo estacionamento, organização de shopping. Embora forte na cidade, não creio que eles tenham força para brigar com grandes fornecedores. E os pequenos fornecedores poderiam optar por driblá-los através dos pequenos mercados. Mas muitos dos pequenos mercados se abastecem num atacadista (também perto de casa) cujos preços chegam a ser superiores aos dos supermercados citados (mas oferece a vantagem do pagamento em 30 dias). Não vejo como o governo poderia atuar nessa muvuca sem piorar a situação.

André

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