30 de setembro de 2011

Os cansados não ouvem jazz

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Tem um filme simpático do Otto Preminger, de 1962, intitulado Tempestade em Washington, que aborda o tema da chantagem na alta política americana, e que eu assisti pela primeira vez há poucos dias. A história se passa inteiramente no Congresso e os personagens são todos senadores, além do presidente. Como usualmente acontece nas histórias holliwoodianas, apontam-se os podres do sistema, mas essas zonas escuras servem apenas para os roteiristas exibirem, orgulhosamente, o amor que votam aos ideais democráticos e à liberdade. Se esses ideais não passavam de palavras vazias, e eram defendidos (como hoje) ao mesmo tempo em que se massacravam os mesmos valores nos países em desenvolvimento, isso é outra história. Nem acho que é para tanto.

Eles - os americanos - acreditam, nos ideais, mas ainda não entenderam que um princípio democrático nunca será moderno e nunca será de fato autêntico e coerente consigo mesmo enquanto não açambarcar a humanidade inteira. E isso já não é uma utopia ingênua. A instabilidade econômica global, as ameaças virais que pairam, sinistras, sobre a raça humana, os desequilíbrios ecológicos, só encontrarão respostas quando surgir um comando político centralizado no mundo. Moeda única, regras únicas, uma educação que tenha ao menos algumas plataformas unificadas. Eleição de uma língua franca (possivelmente o inglês), que deveria ser ensinada como segundo idioma a todos os homens, através de cursos públicos patrocinados pela própria ONU nos países mais pobres.

Mas é melhor parar com esse papo senão daqui a pouco estou votando em Marina Silva, e eu não gostaria de cometer um desatino assim.

Pesquisando na web sobre esse filme, topei com um post que seria uma excelente resenha, não pecasse pela inferência idiota e forçada que faz da realidade tupiniquim. Ele diz que assistir ao filme lhe produziu imensa vergonha de nossos políticos, porque, na história de Preminger, os senadores se digladiam por ideais e não por interesses mesquinhos e cobiça, como acontece - diz o blogueiro - no Brasil. Ora, compre um remédio pra sarna! Esse complexo de vira-lata enche o saco. O sistema político americano sempre foi podre, sempre viveu atolado em corrupção. Os interesses mesquinhos no mundinho estadunidense são tão arraigados que o lobby se tornou uma indústria bilionária, além de legalizada, e sem mencionar a desagradável mania que os congressistas ianques tinham (e ainda tem, como se viu em 2002 com a Venezuela) de apoiar golpes de Estado mundo afora.

O filme é bom, mas trata-se de uma ficção que mostra um pouquinho do lado podre da política americana. Só um pouquinho, para não assustar as donas de casa.

Entretanto, acho que foi interessante esbarrar com mais essa vira-latice; é um caso bem representantivo de como pensa um setor importante da sociedade brasileira. Os famigerados estratos médios produzem, em ritmo frenético, imbecis deslumbrados com a própria cultura. Suas manifestações textuais invariavelmente parecem discursos proferidos do alto de um púlpito sagrado, mesmo quando simulam (sobretudo quando fazem isso), com ar blasé, informalidade e non-chalance.

Daí eu lembro do nosso glorioso Merval Pereira e de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras. Até hoje não comentei o fato. Lembro que, assim que o soube, imaginei que o colunista do Globo mereceu esta honra pela sua habilidade em usar o futuro do pretérito. Jamais houve jornalista ou escritor com mais talento para manejar expressões tais como "fulano teria dito", "sicrano teria ouvido". Afora o monstruoso dom que tem para sondar os pensamentos secretos e íntimos dos poderosos. Quantas vezes Merval não destrinchou o inconsciente de Lula? Se não acertou nenhuma vez, não é por sua culpa, naturalmente, visto que é um gênio imortal. A culpa é de Lula que mudou de ideia...

Claro, a eleição de Pereira foi um típico "aparelhamento". Não vou dizer que ele seja um analfabeto, como fez um colega. Não. A gente tem que perder essa mania pedante de chamar todo mundo de analfabeto. Merval Pereira sabe ler muito bem e se trata, obviamente, de um sujeito tremendamente astuto, com uma invejável capacidade de trabalho. Aliás, eu tiro o chapéu para esses caras. Miriam Leitão, Merval, Jabor, trabalham com uma energia que me enche de admiração. A Miriam Leitão escreve uma coluna diária no Globo. Fala na CBN também todo dia. Aparece na Globonews. Tem um blog. Para culminar, desempenha sempre um papel importante nos filmetes publicitários que a Globo exibe de vez quando. A moça tem garra!

No discurso em que homenageou Merval, o super acadêmico Eduardo Portella não escondeu as razões que fizeram seus pares escolherem o jornalista para ocupar uma vaga na ABL. Foi um movimento político muito bem premeditado. Assim como tem sido essa festinha toda para que surja uma nova legião de cansados enfurecidos.

Confesso que fiquei bem ressabiado ao ver os jornais convocando manifestações ao mesmo tempo em que ressaltavam a sua "independência". Adotei uma postura deliberadamente hipócrita, voltariana, se é que se pode atribuir tal qualidade a si mesmo sem cair no ridículo - porque eu sabia que aquelas manifestações eram vazias, oportunistas, mais um capitulozinho medíocre no grande livro negro que a mídia escreve há décadas sobre as instituições políticas nacionais. Entretanto, como dizia Regina Duarte, eu tive medo. Muito medo.

A manifestação da Cinelândia foi um fracasso, é preciso que se diga com todas as letras. Esperavam mais de 30 mil e somente 2.500 compareceram. E olha que vieram algumas celebridades das artes, como Frejat e Fernandinha Abreu.

Agora eles estão tentando organizar outra manifestação no dia 12 de outubro. A mídia continua ajudando, divulgando e dando prestígio ao movimento. Não vaticinarei um novo malogro, mas não posso continuar agindo como um guarda do Palácio Real de Londres. Se eu ainda dava um certo crédito a essas manifestações anti-corrupção, a quantidade de abutres que se ouriçaram ao vê-las convenceu-me do contrário.

Não vou chamá-las, contudo, de golpistas, apesar de que elas exalam um fortíssimo cheiro. Um tiranete midiático vai usar técnicas bastante sutis para enganar a vontade popular e praticar uma espécie de golpe político. Mas se é mesmo tão sofisticado, o seu golpe já não pode ser considerado ilegal. É um golpe que não infringe, não diretamente ao menos, o princípio democrático, e portanto deve ser combatido com os instrumentos democráticos a nossa disposição.

No filme de Preminger que cito no início do post, tem um personagem - um senador jovem, voluntarioso, cercado de puxa-sacos -, que é o defensor mais apaixonado do presidente, mas é justamente ele que põe tudo a perder. Porque ele não entende alguns preceitos de uma democracia: uma vitória não precisa ser absoluta para ser uma grande e completa vitória; se não quisermos sermos mordidos, devemos deixar que os cães ladrem à vontade; demonstra-se força e prestígio não através do silêncio de nossos adversários, mas pela altivez e elegância com que enfrentamos seus impropérios. E partir para a baixaria - coisa que os rapazes das melhores famílias fazem sem disso se dar conta - apenas nos degrada.

Dito isso, não sou nada otimista em relação às lutas que travamos para democratizar a comunicação. A tal Ley dos Medios provavelmente não vai sair, e mesmo se sair não creio que dará resultados concretos. Concentração dos meios de comunicação? Ora, pode-se até proibir. Os gigantes se coligarão e driblarão a lei. Um Marinho leva a TV, outro Marinho leva o jornal, um terceiro Marinho leva o rádio. A fantasia esperta de nossos morenos Lampedusos. Cada um na sua, conforme a nova lei, e tudo continuará na mesma.

Por outro lado, após tantas vitórias, a gente às vezes até esquece do que está reclamando. Com o universo midiático relativamente pacificado, alguns blogueiros partem para o superficial, acusando a imprensa por eventuais escorregadelas semânticas ou sintáticas. Ironicamente, os gigantes da mídia, com todo seu imenso poderio, semelham garotos palestinos atirando pedras em tanques de guerra. Sendo que os tanques de guerra somos nós, as forças progressistas. Os partidos conservadores minguam em velocidade crescente. Li hoje que até o ACM Neto vai sair do DEM. E os tucanos correm desta vez sério risco de perder a sua cidadela.

O que falta, então? Por que nunca estamos satisfeitos?

Pois bem, eu vou dizer o que falta. É muito simples. Ou antes, não é nada simples. Falta realizar justamente agora o mais difícil. Falta a realização dos grandes projetos. Por isso é que se combate tanto a construção do trem-bala. Ele é um grande projeto. Na área da cultura, ainda esperamos o despontar de um boom cinematográfico que nunca chega. Temos visto somente espasmos de criatividade, geniais mas efêmeros. O mundinho literário é sempre cheio de auto-referências elogiosas, mas a verdade é que há muito tempo os dez livros mais vendidos são invariavelmente de autores norte-americanos. Isso não é normal, não é saudável, não tem explicação plausível. O Brasil precisa reconstruir-se culturalmente, mas de uma forma realmente autêntica, livre. Bem distante dos protestos verde-tecnológicos das viúvas de Gilberto Gil, dos clichês solipsistas dos garotos do Millenium, das xaropadas midiáticas, das panelinhas da Vila Madalena, etc. Eu acho que o brasileiro precisa é de solidão. Solidão, trabalho, renúncia. Mas eu permito que se vá, às quarta-feiras, ao live jazz da praça Tiradentes, para ouvir Miles Davis e contemplar o belíssimo edifício mourisco do Real Gabinete Portuguez (assim, com z mesmo). É muito melhor que o Rock in Rio, não tem engarrafamento, a cerveja é barata, o ingresso é grátis, e garanto que dificilmente encontrá algum cansado ou neo-cansado por aquelas bandas...

(Imagem: Juliano Guilherme)

Pesquisa CNI/Ibope

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Saiu hoje a nova pesquisa CNI/Ibope sobre o nível de aprovação do governo. Não vejo nenhuma novidade digna de nota, apesar do aumento da popularidade da presidente, mas como eu acompanho esse tipo de informação há bastante tempo, deixo o registro aqui. Publico apenas duas tabelas, sendo que uma é um quadrinho com o perfil sócio-econômico dos entrevistados.






(Clique na imagem para ampliar).

27 de setembro de 2011

Vídeo dos debates e festa da Revista Forum

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Eu não pude ir, infelizmente. Nem assistir ao vivo pela internet, eu pude. Mas agora, ao menos, poderei sentir um pouco do clima da festa através desse vídeo-resumo, cujo link acabo de catar no blog do Rovai, o editor da revista e, portanto, anfitrião do evento. Tenho um amor especial pela Forum, e talvez o fato de escrever regularmente para ela tenha alguma influência, rs.

Bem, assistam ao vídeo abaixo.

20 de setembro de 2011

Péricles em Bonsucesso

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(Parede do ateliê de Nilton Pinho, artista plástico carioca)

Tem um lugar aqui no Rio, chamado Buraco do Lacerda, no bairro de Bonsucesso, que passamos a usar, em família, como sinônimo de inferno urbano. Virou uma expressão meio mitológica para gente, motivo das piadas de humor negro que aplicamos o tempo todo um ao outro. Se eu ganhar muito dinheiro (digo a ela), vou poder comprar uma belíssima barraca para você trabalhar como vendedora ambulante no Buraco do Lacerda. Eventualmente, posso adquirir um apartamento nas adjacências, para você morar perto do trampo.

O lugar é realmente horrível. Sujo, destruído, fedido, sempre engarrafado, com poças de água podre na rua esburacada e bueiros vazando merda. Para completar o quadro dantesco, há sempre viciados de crack vagando pelo local, alguns segurando pedras ou barras de ferro, sabe-se lá porque.

Outro dia, um garoto (imagino que seja um garoto, espero que seja, para escrever algo tão idiota e ingênuo) publicou um enorme artigo no Segundo Caderno do Globo denunciando que os cariocas e o seu poder público estavam acabando com o maravilhoso caos da cidade. Ele referia-se - imagino - a instalação de unidades de segurança nos morros e às operações para trazer melhoramentos urbanos às favelas. O texto é todo cheio de metáforas gordurosas, o garoto deve ser um neto de Fernando Henrique Cardoso que depois de fumar uns baseados sentiu algo estranho e eufórico no estômago; ao invés de ir ao banheiro e descarregar a energia por lá pegou um laptop e mandou um texto para o Globo, que naturalmente adorou. A razão de ser do artigo é que, acabando o caos, o Rio sofreria grave prejuízo a nível literário e cinematográfico. Escritores e cineastas, diante de um Rio higienizado e resolvido, não teriam mais material para se inspirarem.

Ora, parabéns ao poder público pelas UPPs e UPAs, e às obras de urbanização, mas elas cobrem um percentual medíocre da cidade. O Rio tem caos, sujeira, horror e tragédia suficiente para algumas décadas. Admito que tive sentimentos diabólicos, bandidos, de ir ao encontro do tal rapaz, encostar-lhe uma arma na cabeça, e conduzi-lo encapuzado até o Buraco do Lacerda, largando-o por lá, no meio dos viciados de crack, para ele curtir e se inspirar bastante.

Essas fumaças de violência, porém, não passam disso, de fumaça. Sou um cara totalmente da paz. Se eu fosse colega do tal janota, não faria mais que atacá-lo com perdigotos cheios de sarcasmo, mas ainda sim amistosos, compreensivos e hipócritas...

Afinal a gente tem que ser democrático, não?

Eu pensava nisso depois de ler uma série de artigos sobre a democracia na Grécia Antiga, e particularmente um sobre Péricles, um dos grandes líderes da época de ouro da democracia ateniense.

Aliás, uma errata. Sabe a historinha sobre o cara que passou o dia ouvindo insultos de um sujeito, no caminho de casa ao trabalho, na ida e na volta, e que, à noite, ainda mandou seu empregado escoltar o sujeito até onde ele morava? Não era Julio César. Era Péricles. A história é contada, se não me engano, por Plutarco, e tem um significado especial, que é mostrar a tolerância de Péricles para com seus adversários políticos, mesmo os oligarcas e aristocratas mais odiosos.

Segundo o artigo de Anne Bernet, publicado na revista História Viva, Péricles desarmou seus críticos com a seguinte afirmação:

Qualquer um que vise os mais nobres objetivos deve aceitar a hostilidade, e tem razão em fazê-lo, pois a cólera não dura muito tempo, enquanto a celebridade assegura a glória eterna.

A postura de Péricles (com o sujeito que o insultava e a sua fé na tolerância) me faz pensar em nossas lutas ideológicas domésticas, onde os jornalões figuram como a vanguarda mais agressiva do exército do conservadorismo, e os blogueiros, seus adversários mais aguerridos.

Por exemplo, hoje, no Globo, há um artigo de Rodrigo Constantino, intitulado "Às ruas!", onde mais uma vez constatamos a gana com que setores da imprensa tentam beber no pote da justa indignação popular.

No entanto, a imprensa privada tem o pleno direito, garantido na Constituição e em nossos valores democráticos, de apoiar a bandeira que lhe convir. Tem até mesmo o direito à hostilidade, e não acho que devamos mais nos estressar em demasia com isso. Assim como qualquer cidadão, a imprensa tem o direito de denunciar o poder público e externar seu ódio aos valores e ideias que considera nocivos ao país e ao mundo.

Tem um livro de Maquiavel menos famoso que O Príncipe, mas que na verdade é a sua melhor obra: Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, em que o florentino revela-se, decididamente, um entusiasta da democracia e da liberdade política. Nessa obra, há um trecho intitulado: Quanto le accuse sono utili alle republiche, tanto sono perniziose le calunnie. Não precisa nem traduzir, né? Na verdade, o título já diz tudo. Maquiavel traz exemplos da história antiga para provar a sua teoria, que será a mesma de Montesquiet, no Espírito das Leis: a calúnia deve ser combatida a todo custo, porque ela envenena o próprio coração da democracia, que é a liberdade de expressão. Ou seja, os caluniadores são os piores parasitas da democracia, porque eles semelham a um fascínora que se aproveita de um ambiente onde se permite que todos usem armas em público, desde que não as usem uns contra os outros, para violar essa regra sagrada e assassinar a reputação de um colega.

A solução é complexa, como ocorre com todas as coisas realmente importantes na vida. A captura e a punição a um caluniador mexe com os fundamentos morais de uma democracia, um sistema político até hoje instável ideologicamente, sempre se equilibrando, com dificuldade, entre os repuxões brutais dos defensores da igualdade política, à esquerda, e da liberdade, à direita. E, no entanto, ambos dependem um do outro para não caírem no abismo. Igualdade sem liberdade se converte em tirania, o que destrói a própria igualdade. E liberdade sem igualdade se transforma em opressão, matando qualquer impulso livre.

Esses dilemas, no entanto, antes de nos desanimar, deveriam nos provocar um grande entusiasmo espiritual, porque eles nos indicam um motivo de luta, um objetivo nobre, num mundo onde às vezes o desespero político parece dominar as mentes mais arrojadas. Não se trata, aliás, apenas de democracia, mas de alguma coisa ainda mais nobre que ela, alguma coisa que estava por trás, que estava ao fundo, quando um grego maluco decidiu que era melhor dar poder à maioria, ao povo, do que deixá-lo para sempre nas mãos de uma aristocracia arrogante. Trata-se de justiça, de paz, de amor, de conceitos extremamente antigos, extremamente contemporâneos, capazes de serem assimilados, em toda sua grandeza, por qualquer ser humano, independente de seu grau de cultura ou riqueza.

E já que um post recente fez sucesso justamente pela citação final de um poema de Rimbaud, segue um trecho de outro, intitulado "Democracia":

Adeus ao aqui, não importa onde. Recrutas de boa vontade, teremos a filosofia feroz; ignorantes para a ciência, astutos para o conforto; arrebente-se o mundo que vai. Esta é a verdadeira marcha; avante, a caminho!
(Tradução colhida aqui).

18 de setembro de 2011

Bebendo em serviço

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(Pieter Brueghel, o bom pastor)


Enfim, a liberdade.

Tive que me afastar da internet nos últimos dias por motivos pessoais (não é doença, como uma leitora entendeu, ao ler meu post intitulado "Mãos trêmulas"; é um lance acadêmico), mas agora já posso voltar à normalidade blogueira. Daí que no ônibus mesmo em que retornava do último compromisso que me deixou fora daqui, já pensando num post, eu imaginei o seguinte. Que essa coisa de escrever sobre política me angustia porque me sinto como um cara que entra no bar todo pimpão, pronto para relaxar bebendo uma cervejinha, e se dá conta de repente de que ele não é um freguês, mas um barman, e que está ali não para curtir, mas para trabalhar!

É assim que eu me sinto.

Então de vez em quando eu me rebelo, e ajo como um barman que resolvesse beber em serviço. É tão fácil, tão tentador, com todas aquelas garrafas ali na sua frente. Escrevo crônicas amalucadas, cometo poemas, reclamo dos ossos do ofício e resmungo promessas de saltar o balcão e rir junto com todos aqueles universitários que vem aqui beber e divertir-se diariamente.

Só que aí, mal começo a beber, algumas paranóias vem me afligir. Que todos estão me olhando com reprovação, como faríamos se víssemos o pediatra da família tomando um porre e falando palavrão no churrasco para o qual o convidamos. Ou com piedade (ou condescendência), que imagino ser o que sentiríamos ao testemunhar um ótimo barman pôr em risco o seu emprego no restaurante ao beber acintosamente diante dos fregueses.

Já falei alhures que manter um blog por muito tempo, e tratá-lo com um mínimo de seriedade, é um desafio psicológico tremendo. Toda aquela turma que usava o blog apenas como um hobby light, para vazar de vez em quando um pensamentozinho pessoal, ou alguma indignação fugaz, migrou para o Facebook. Os escritores, por sua vez, meio que fugiram da blogosfera por causa do excesso de luz, que atrapalha a atmosfera de penumbra e mistério em que eles preferem viver, por razões nobres ou mesmo por mediocridade. Não é interessante descobrirmos que aquele romancista tão talentoso é um ingênuo, um babaca, ou um calhorda - quando o cara é muito bom, isso até não tem tanta importância, mas quando ele é médio pra baixo, esses defeitos, se descobertos, podem destruir sua carreira.

De qualquer forma, todos, por razões nobres ou não, enfrentam o principal obstáculo para levar adiante um blog: dá trabalho pra cacete e não dá dinheiro. A menos que você tenha talento para fazer um puta site voltado para cultura pop: mas aí também terá de trabalhar muitas horas por dia nisso, e pôr de lado qualquer veleidade intelectual que porventura tenha alimentado. Terá que blogar pensando exclusivamente em termos estatísticos (visitação, comentários) e financeiros (banner, etc).

Mas chega de papo furado e vamos ao que interessa. Hoje testemunhei uma cena interessante. Estava numa sala cheia de gente, esperado começar a prova. Uma senhora vestindo uma camisa onde se lia Amazônia, bem grande, com provavelmente alguma inscrição ecológica embaixo, e também com um adesivo lembrando do acidente do bondinho de Santa Teresa, levantou-se de sua cadeira e pediu a atenção de todos. Conseguiu rapidamente, até pelo inusitado, ou possivelmente porque todos achavam que tinha algo a dizer sobre o que fazíamos ali. Explicou que era uma ativista, e que estava convidando todo mundo para participar da manifestação contra corrupção, na Cinelândia, no dia 20 deste mês.

Vocês sabem que eu não tenho simpatia por essas passeatas insufladas pelos meios de comunicação, e sou contra a corrupção assim como sou contra homicídios. Nem fui com a cara da mulher, que tinha pinta de ser uma tremenda mala sem alça, dessas bem sem-noção que desandam a fazer discurso nas horas mais impróprias.

Mesmo assim, tive a impressão de ser uma boa pessoa, uma dessas mulheres engajadas politicamente, por razões espontâneas ou por ter vivido algum acontecimento doloroso que a fez querer ter mais participação na vida política a seu redor. Não é preciso nem ser um experiente blogueiro, nem leitor de Max Weber, para saber como isso é importante para a democracia - que os cidadãos participem mais da vida política de seu país.

Hoje o site do Globo aparece com uma lista interminável de celebridades que apóiam a mobilização social contra a corrupção. Até criaram uma logo especial para isso:


Do jeito como a questão é colocada, é quase impossível deixar de apoiar. O próprio discurso, que eu também veiculei aqui, de que estaria havendo manipulação de um sentimento legítimo da população, acaba se esvaindo no poder avassalador da mídia. Você é a favor ou contra a corrupção? Então apóie as manifestações! Não há meio termo.

Mas não apoiar porque? Não é uma coisa boa?

A militância de esquerda assiste a tudo com perplexidade, vendo esse bando de "bárbaros", que não entendem nada de política, articularem-se e reunirem-se, e ainda contarem com apoio maciço e entusiástico dos senhores feudais dos mass media. Falam em golpe, lembram das manifestações de 64, mas desta vez não me parecem estar conseguindo muita recepção para suas teses. E, a meu ver, as razões são as seguintes:

  • o movimento anti-corrupção teve início como um ato de apoio à "faxina" da presidente; a tese, portanto, de que haveria, por trás das manifestações, uma tentativa de golpe midiático contra Dilma, não colou. 
  • ao mesmo tempo, ao não se caracterizar como um movimento de oposição ao governo federal, que ainda é muito bem avaliado pela população, ele produziu, ao menos, silêncio por parte das organizações aliadas da situação: UNE, CUT, MST, etc; e mesmo declarações de apoio algo constrangidas, como dos dirigentes partidários e membros do Executivo. 
  • a própria presidente movimentou-se politicamente, nesses primeiros nove meses de mandato, para desconstruir a polaridade e desfazer o maniqueísmo ideológico que predominou tão intensamente no periodo eleitoral; foram gestos arriscados, custaram um bocado de desgaste junto aos setores mais à esquerda, mas a ajudaram a desconstruir o ódio irracional, quase religioso, que um segmento importante da sociedade desenvolveu contra o PT e contra o governo federal; a alta popularidade de Lula escondeu esse ódio, que veio à tôna quando se desdobrou a terrível espiral do silêncio no segundo turno de 2010. 
  • algumas denúncias de corrupção divulgadas pela grande imprensa em primeira mão foram certeiras; os jornais derrubaram ministros e ganharam muitos pontos junto à sociedade "letrada", os famosos "formadores de opinião", que na verdade é a classe média das metrópoles, inflada nos últimos anos pelos milhões que ascenderam socialmente. 
A meu ver, portanto, não tem sentido polarizar com essas forças. Somos todos contra a corrupção, então vamos todos marchar de mãos dadas. Há um aspecto positivo em toda essa pressão midiática, que é forçar o governo e o congresso a aprovarem portarias e leis que promovam um combate mais severo contra os desvios de dinheiro público. Manipulada ou não, essa é uma bandeira essencial ao futuro do país. Algumas mudanças já estão em curso, conforme se pode ver por essa nota que pesquei hoje no Noblat:


Ao governo, portanto, cabe responder mostrando serviço. Baixando portarias e demonstrando coragem na hora de "limpar" as áreas contaminadas pela chaga da corrupção. O apoio popular (mesmo que inflado midiaticamente) serve como escudo para se proteger dos ataques dos fisiológicos, sobretudo do PMDB. Dilma, conhecedora dos clássicos de política, vem seguindo à risca os ensinamentos de Weber: ética rigorosa, temperada pelo senso de responsabilidade política e pelo sentido de proporção. A tarefa é delicada, mas possível e necessária. Dilma já engoliu e digeriu os hidrófobos antilulistas. O que falta mesmo é acertar os ponteiros com a sua própria militância, cuja belicidade amadurecida em anos de luta na guerra da comunicação ainda não se ajustou à postura conciliadora e pacífica da presidenta.

17 de setembro de 2011

Ética e jogo político

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Milhares de pessoas saem em todo Brasil para cobrar ética na política. O Globo divulga fotos na capa e na terceira e quarta páginas (as áreas mais nobres do jornal). A manchete diz: "Pelo país, protestos contra a corrupção". O subtítulo: "atos foram convocados pela internet".

Quem sou eu para ser contra protestos contra a corrupção?

No entanto, acho curioso que os jornais digam que "os atos foram convocados pela internet" se todos eles divulgaram data, local e até mapas na véspera.

É a mesma coisa que aconteceu em março de 1964. A imprensa fez uma grande campanha de mobilização da sociedade, através da força de seus instrumentos de comunicação de massa; entrevistava autoridades e entidades (as mesmas de hoje: OAB, ABI, Fiesp, Firjan...), que afirmavam apoiar a manifestação e que estariam presentes; e depois dizia que as pessoas haviam acorrido "espontaneamente".

Os órgãos de imprensa, que hoje formam a cabeça do "estamento" político da direita (conforme o conceito de Max Weber), querem associar-se às manifestações de massa para produzirem a impressão de que as suas ideias tem respaldo popular. Mas lhes interessa que essas manifestações não tenham líderes, não produzam organizações civis, que não sejam vinculadas a nenhum movimento social, partido político ou sindicato. Na matéria do Globo, deu-se destaque a hostilidade dos manifestantes a qualquer símbolo de alguma entidade civil organizada.

Quais são as propostas concretas que os manifestantes oferecem à sociedade?

Na verdade, uma manifestação contra a corrupção é como fazer uma manifestação contra a maldade: é uma manipulação da ingenuidade das pessoas.

Tenho me convencido, nos últimos tempos, que a sociedade manipulada pela mídia é inocente. Sinto-me cada vez mais inclinado a ver o que chamamos de classe média conservadora e alienada como vítima. Claro que o egoísmo entra em jogo aqui com muita força. Mas a partir do momento em que a informação disponibilizada para todo um grupo social vem somente de uma fonte, é inevitável que acarrete um processo de homogeneização (no caso, conservadora) ideológica de todo este grupo.

Ora, todos nós somos contra a corrupção. É saudável, da mesma forma, que a sociedade se mobilize para pedir reformas. O lado sombrio dessas manifestações, contudo, é que elas inscrevem-se na campanha sistemática da mídia para satanizar as instituições políticas.

Há muita corrupção no Brasil e ela deve ser combatida. Eu tenho prestado apoio aqui todo meu apoio à "faxina" da presidente, mesmo sabendo que a narrativa das ações governamentais tem sido em grande parte sequestrada por setores midiáticos de oposição. Não tem importância. Em política, assim como nas artes marciais, pode-se usar a força do adversário contra ele mesmo. A mídia quer fazer campanha contra a corrupção? Ótimo. A esquerda política pode dar o drible da vaca e usar isso para, de fato, fazer uma limpeza ética no país, investindo pesadamente em ações da Polícia Federal.

Na última vez que o governo federal fez isso, na era lulista, a mídia pediu arrego, assustada com o desfile de altos empresários, magistrados, políticos, entrando algemados em camburões. A mesma OAB que hoje apoia as manifestações contra a corrupção deu, na época, declarações de defesa aos empresários presos por sonegação de imposto. Não esqueço: presidente e diretores da OAB defendendo as falcatruas das proprietárias da Daslu. Não esqueço: editoriais e mais editoriais contra o "estado policial".

Na minha opinião, portanto, devemos apoiar as manifestações contra a corrupção, mas dar-lhes uma consequência. Vamos ampliar ainda mais a Polícia Federal. Vamos endurecer as leis contra políticos, funcionários públicos e empresários (sim, não esqueçamos os empresários!) envolvidos em prevaricação. Vamos exigir mais transparência nos gastos governamentais, em todas as esferas. Essa é uma agenda importante, até mesmo prioritária, porque se esses desvios não representam muita coisa (percentualmente falando) a nível federal, eles constituem uma verdadeira tragédia nos municípios.

Não há frase melhor para fechar esse post do que um misterioso verso de Arthur Rimbaud:

"Enquanto recursos públicos se evaporam em festas de fraternidade, um sino de fogo rosa soa nas nuvens."

16 de setembro de 2011

Mãos trêmulas

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Se Deus quiser (embora essa não seja a expressão mais adequada para um blog com esse título, mas vá lá, é só uma maneira de falar), volto a escrever no blog com mais assiduidade a partir de domingo. Tenho as mãos trêmulas como aqueles alcóolatras em último grau antes de entornarem sua primeira dose, sendo que, no meu caso, o vício é o blog. Até breve, meus chapas!

Quanto ao evento aí embaixo, eu divulgo e apóio, mas não poderei fazer a cobertura, por causa da mesma razão que me afastou do blog nos últimos dias.

O Manifesto dos Sem-Mídia

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Por Eduardo Guimarães, no blog Cidadania

Senhoras e senhores,

Estamos aqui hoje para nos manifestar contra a corrupção, mas não como aqueles que estiveram neste mesmo local no último dia 7 de setembro dizendo que se manifestavam pelo mesmo motivo. O que aquelas pessoas fizeram, na verdade, foi um ato orquestrado por grandes impérios de comunicação e que teve como objetivo favorecer partidos políticos.

Antes de prosseguir, é bom explicar que este Ato Público não pertence a nenhum partido político, a nenhum sindicato, a nenhum grupo de interesse. Foi convocado pelo Movimento dos Sem Mídia, que luta pela democratização da comunicação no Brasil, ou seja, para que essa comunicação não continue na mão de meia dúzia de famílias.

Quem são esses impérios de comunicação? São a Globo, os jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo e a revista Veja e alguns outros que repetem o que eles dizem. Esses veículos estimularam a manifestação que ocorreu aqui no Masp no último dia 7 usando artigo escrito por um jornalista espanhol ligado a esses empresários de comunicação.

O jornalista espanhol Juan Arias disse que os brasileiros seriam acomodados com a corrupção porque não saem às ruas para protestar como no país dele. Escreveu aquilo apesar de que seu povo está indo às ruas porque a Espanha está em uma terrível crise econômica, com desemprego nas alturas. Os brasileiros não fazem o mesmo porque este país está indo muito bem, obrigado.

Os tais impérios de comunicação, dessa forma, passaram a reproduzir sem parar aquele texto sem sentido em seus jornais, revistas, rádios, televisões e portais de internet. Poucas semanas depois, aparecem essas manifestações “contra a corrupção” como a que aconteceu aqui no Masp no último dia 7 de setembro.

Naquela manifestação, o que se viu não foram críticas a toda corrupção, mas a políticos e ao partido aos quais as famílias Marinho (dona da Globo), Frias (dona da Folha de São Paulo), Mesquita (dona do Estadão) e Civita (dona da revista Veja) se opõem há muito tempo, ou seja, ao Partido dos Trabalhadores, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à presidente Dilma Rousseff.

Não foi por outra razão que aquela manifestação que ocorreu há cerca de duas semanas aqui neste mesmo local tinha faixas e cartazes acusando de corrupção o ex-presidente Lula, o PT e a presidente Dilma e foi acompanhada por políticos do Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB. Foi um ato político disfarçado de “marcha contra a corrupção”.

Não há brasileiro que não saiba que a Globo e os outros veículos já mencionados – e alguns menores que agem sob sua influência – fazem oposição ao PT e a todos os políticos deste partido ou a ele aliados. Desde 1989, quando Lula disputou sua primeira eleição presidencial, que esses impérios de comunicação fazem isso.

E por que fazem? Porque são contra a distribuição de renda, contra a melhora de vida do povo mais pobre e a favor da corrupção, pois todos sabem que quando denunciam políticos eles são sempre do PT e de partidos aliados e nunca do PSDB e dos aliados dele. E o que é pior: só denunciam quem se vende, quem se corrompe, mas nunca quem suborna porque são empresas que anunciam nesses jornais, revistas, tevês etc.

Durante semanas, esses veículos martelaram esses atos públicos artificiais que sairiam às ruas no 7 de setembro. Com publicidade dessa dimensão sendo veiculada sem parar nas televisões, rádios, jornais, revistas e portais de internet, claro que inocentes úteis que acharam que estavam se manifestando “contra a corrupção” foram atraídos e engrossaram as manifestações.

Se quisessem se manifestar contra a corrupção, os que estiveram aqui no Masp naquele dia também acusariam o governo de São Paulo, que impede que uma única CPI contra si seja aprovada na Assembléia Legislativa, onde há mais de cem pedidos de investigação que não vão para frente porque a imprensa, diferentemente do que faz contra o PT, não divulga.

E não divulga porque o governo de São Paulo acaba de gastar NOVE MILHÕES DE REAIS comprando assinaturas da Folha, do Estadão e da Veja, por exemplo. Dinheiro dos seus impostos, cidadão, que vai para o bolso desses impérios de comunicação.

Um bom exemplo de escândalos do PSDB que a mídia esconde está nas obras do Rodoanel, contra as quais pesam denúncias de superfaturamento. Ou, por exemplo, as obras de limpeza do rio Tietê, que neste ano transbordou porque o ex-governador José Serra diminuiu aquelas obras e aumentou gastos em publicidade que infestou a tevê durante o ano passado, quando o ex-governador disputou a Presidência da República.

A corrupção da mídia, portanto, está em ela jamais expor empresas que subornam políticos corruptos simplesmente porque são suas anunciantes. Assim, atacando só quem se vende e nunca quem compra políticos, a corrupção no Brasil não diminuirá nunca.

Há, sim, escândalos e corrupção nos governos do PT, do PSDB, de todos os partidos. Por isso há que investigar a todos e não só aos inimigos políticos das famílias Marinho, Frias, Civita, Mesquita e outros empresários da comunicação que acobertam políticos amigos e denunciam os políticos inimigos até mesmo quando não há prova alguma.

Nada a espantar vindo de impérios de comunicação que ajudaram a implantar e a sustentar a ditadura militar que manteve este país nas trevas de 1964 a 1985 e que torturou e assassinou pessoas apenas porque tinham opinião política diferente.

Ser contra a corrupção é ser contra quem corrompe e quem é corrompido. É não dar propina ao guarda de trânsito, é não subornar funcionário público para ele “agilizar” aquele processo em um órgão público. Não será atacando só os políticos inimigos e protegendo os amigos que este país reduzirá a corrupção, portanto.

O Movimento dos Sem Mídia, assim, é contra TODA a corrupção e não apenas contra a corrupção de alguns. Por isso, quando você, cidadão, ler ou ouvir esses jornalistas que se vendem aos patrões dizendo só aquilo que eles querem, acusando só petistas e aliados e dizendo que não votando neles a corrupção acabará, não acredite. É tramóia.

Corrupção existe no mundo inteiro. Em governos de todos os partidos. Há que dificultá-la, mas nunca se conseguirá acabar com toda ela. Não adianta demonizar a classe política porque sem políticos não há democracia. Voltaremos à ditadura militar, a um tempo em que os políticos eram amordaçados por generais que roubavam sem ter quem contestasse.

Assim sendo, se você quer uma imprensa que combata toda a corrupção, é preciso que essa imprensa não fique na mão de meia dúzia. Nos Estados Unidos, por exemplo, um mesmo empresário não pode ter jornal e televisão na mesma cidade. No Brasil, a Globo tem tudo – jornal, revista, TV, rádio, portal de internet – em todas as cidades.

Isso se chama concentração de propriedade de meios de comunicação. O que se quer, assim, é aprovar leis que existem em todos os países desenvolvidos e que não permitem que uma Globo use concessão pública como é um canal de tevê para fazer jogo político em favor dos partidos e políticos amigos.

Esses impérios de comunicação acusam quem pede leis para a comunicação de querer “censura”. É mentira. Ninguém quer que esses impérios não falem o que pensam. Só o que se quer é que quem pensa diferente da Globo possa ir em suas tevês contradizer a família que as controla, pois a faixa de onda eletromagnética que usam é uma concessão do povo.

Isso não é e nem jamais será censura.



MOVIMENTO DOS SEM MÍDIA

São Paulo, 17 de setembro de 2011

15 de setembro de 2011

Atos contra corrupção da mídia no Rio e SP

1 comentário

O Eduardo Guimarães, em SP, e o Sérgio Telles, no Rio, estão organizando atos para protestar contra o viés golpista que alguns setores da mídia corporativa (que bem conhecemos) sempre confere à qualquer manifestação popular, tentando manipulá-la, orientá-la, enquadrá-la dentro de seus interesses. Segue o texto do Eduardo que explica melhor a coisa.



Atos contra corrupção da Mídia, em São Paulo e no Rio



Eduardo Guimarães, do blog Cidadania
Haverá ato contra a corrupção da mídia também no Rio, na Cinelândia, na próxima sexta-feira, dia 16 de setembro, às 17 horas. Está sendo organizado pelo companheiro Sergio Telles.
Em São Paulo, a página do ato do Movimento dos Sem Mídia no Facebook já conta com 1000 confirmações de presença e mais de 300 adesões na página da Marcia e do Adolfo, que criaram o ato antes do MSM mas depois se uniram a ele. Aqui no blog, contabilizei umas 200 pessoas que não têm Facebook e que prometem comparecer.
No Rio de Janeiro, de ontem para hoje o ato pulou de 36 adesões para mais de 70 durante a madrugada. Possivelmente não haverá tempo para fazerem um ato mais denso, mas, pelo menos, farão alguma coisa.
Para  o ato paulista – no Masp, no próximo sábado, 17 de setembro, às 14 horas – já conseguimos um carro de som e o MSM fará algumas faixas. Não temos recursos para fazer muitas, então peço que quem puder faça a sua e leve.
A mídia não deu nem uma notinha, claro. Mas quem viu os atos recentes do novo Cansei  “contra a corrupção” na avenida Paulista, verá agora um ato contra a corrupção da mídia e quem tiver cérebro perceberá que a mesma mídia escondeu.
Os discursos e faixas pedirão o marco regulatório da comunicação e denunciarão que a mídia só noticia corrupção dos políticos do PT e aliados e ignora a dos governos tucanos como o de São Paulo. E que, acima de tudo, ignora os corruptores, ou seja, os que corrompem os políticos.
Estou preparando o manifesto do Movimento dos Sem Mídia que, como em todos os atos da ONG, será lido na abertura do evento, para que depois quem quiser faça uso da aparelhagem de som (potente) que levaremos.
São Paulo e Rio, portanto, começam reação contra um movimento engendrado, financiado e amplamente divulgado pela mídia, e que, lendo os leões-de-chácara dessa mídia em suas colunas e blogs, percebe-se que pretende atingir o governo Dilma e o legado de Lula.
É preciso reagir. No Rio, uma empresária “cansada” está convocando um ato genérico “contra a corrupção” para o próximo dia 20; em São Paulo, os “cansados” locais querem voltar à avenida Paulista em 12 de outubro; em Florianópolis e em Recife, outros “cansados” irão à rua no mesmo dia.
Os atos contra a corrupção da mídia não têm outra fonte de divulgação além deste blog, do facebook e do Twitter do blogueiro e no boca a boca dos leitores na internet, além de outros blogs que estão veiculando, enquanto que os atos da mídia saem em todos os grandes jornais, revistas, tevês, rádios e portais de internet.
É uma luta desigual? Sim, mas aí é que está o valor da iniciativa.
Para confirmar presença no Facebook no ato contra a corrupção da mídia em São Paulo, clique aqui, e para confirmar presença no ato do Rio, clique aqui

1 de setembro de 2011

Anti-imperialismo tropical

15 comentarios

Termino a última matéria do dia junto com o primeiro chop, num barzinho de Lisboa. O chop custa menos que na terra do sabiá. Passeando pela cidade, paramos diante de uns anúncios de imóveis e constatamos que um apartamento em Lisboa custa menos da metade que um similar no Rio. O hotel e a alimentação aqui são igualmente mais baratos que na minha cidade. Imagino que, não fosse as leis protecionistas da União Européia, o Brasil poderia engolir sua antiga colônia. O antigo sonho imperial lusitano terminou com um brasileiro bebendo e escrevendo no Bairro Alto.

Penso nisso enquanto medito sobre os imperialismos de hoje e ontem. Acabo de ler mais uma matéria do Pepe Escobar na qual ele faz diversas menções positivas ao Kadafi, o que me fez sentir mais remorso por ter me posicionado tão duramente contra o velho ditador líbio.

Evidentemente, eu me deixei levar pela onda de entusiasmo que varreu a intelectualidade ocidental ao ver os árabes derrubando tiranos e pedindo democracia e liberdade. Afinal, esses valores não são bandeiras da direita americana, como às vezes parece. São valores que fundamentam a nossa própria espiritualidade, para usar uma palavra bem forte.

Pepe Escobar e todos os analistas apontam a grande hipocrisia ocidental, que consiste em dar apoio às ultra totalitárias dinastias sauditas. De fato. O Ocidente vem destruindo os melhores países do norte da África, em prol de valores absolutamente filisteus. Primeiro foi o Iraque, um dos poucos regimes verdadeiramente laicos da região. Agora a Líbia, o único país árabe que fazia alguma coisa em prol da miserável África subsaariana. Enquanto os europeus se limitam a dar esmolas que, em última instância, apenas devastam ainda mais os últimos vestígios industriais do continente negro, Kadafi articulava o fortalecimento da União Africana e a criação de uma moeda única.

Bem, isso é o que agora falam os defensores de Kadafi, e me sinto inclinado a acreditar neles, por causa do meu remorso diante da guerra, mas é evidente que a ditadura líbia cometeu um erro fundamental, que é subestimar o valor da liberdade política. Tudo bem, a Arábia Saudita, o Barhein, etc, também cometem os mesmos erros e não são destruídos pela Otan. Mas a ditadura é um erro em toda parte: e uma hora ou outra, esse erro converte-se em alguma forma de tragédia, além de ser uma tragédia em si.

Há algum tempo que venho meditando sobre esse novo imperialismo e suas conexões com os antigas edições do mesmo fenômeno. São muito parecidos, por mais que as tecnologias tenham avançado. Quando vejo Hillary Clinton na tv falar que o governo da Síria tem de mudar, e que os sírios merecem isso e aquilo, tenho a sensação estranha de que aquilo é uma ficção bizarra. A diplomacia americana é incrivelmente tosca e agressiva. Com que direito os EUA se arrogam donos do futuro da Síria? Que visão de democracia imbecil é esta segunda a qual os povos não tem direito de decidir por si mesmos o seu futuro?

Por outro lado, é tão interessante observar como esses imperialismos, sem exceções, declinam e desaparecem. Da mesma forma, tento ver um lado positivo em tudo isso. Já li Voltarei e sei quando o otimismo pode ser idiota, mas é que eu penso nos imperialismos grego e romano. Eles também espalharam morte, devastação e injustiça. Destruíram culturas, sistemas políticos e formas originais de organização social. Moldaram a nossa história mesclando lições de arquitetura, filosofia e membros decepados.

Eram outros tempos, todavia. Ou supõe-se que eram outros tempos. Ao ver as matanças na Líbia, humanidade não parece ter mudado tanto. Enfim, nós brasileiros, assistimos Portugal quase exterminar toda uma raça de índios. E hoje, eu, bisneto de índios do Planalto Central, bebo um chop em Lisboa com um sensação algo vingativa de que sou mais bonito e mais rico de que todos esses portugueses a meu redor. O tempo passou, o imperialismo lusitano caducou e a história das injustiças encerra-se, como sempre, com alguém sentado num bar, divagando pacifica e melancolicamente, sobre as violências do passado e as loucuras do presente.

PS: prezados, terei que reduzir o ritmo dos trabalhos aqui até o dia 17 ou 18 de setembro, porque tenho uma prova para qual preciso ler toneladas de texto num curto espaço de tempo. Depois disso, volto com força total.