24 de janeiro de 2006

Ah, História, essa velha sarcástica

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(Simone de Beauvoir e Sartre)


O aumento do salário mínimo será um choque de auto-estima no povo brasileiro. Mais um choque legal que Lula vem promovendo desde que se elegeu. Os adversários de Lula podem achá-lo que ele é um péssimo presidente. Mas comparem-no à Collor. A Sarney. Aos militares. Até agora, os únicos presidentes que prestaram no Brasil foram JK, Getúlio Vargas e Lula. Este último ainda pode ter um outro mandato, se os intelectuais tiverem um mínimo de vergonha na cara para não se venderem barato aos setores reacionários da burguesia.

Claro que muitos empresários irão, de pirraça, demitir funcionários em represália ao aumento do mínimo, mas a injeção gigantesca de dinheiro no mercado interno e o aumento da renda de milhões de trabalhadores irão estimular de maneira extraordinária outros empresários a contratarem e investirem em novos negócios.

Fala sério, a única coisa que realmente importa para um governo federal é gerar emprego, valorizar a renda mínima e ter uma política fiscal séria, que dê vigor ao Estado brasileiro para reconstruir o patrimônio perdido em décadas e décadas de governos corruptos e descomprometidos com o bem estar da imensa maioria da população brasileira.

A reconstrução do Estado brasileiro, após o desmonte irresponsável promovido pela gestão tucana, passa pelo rigor fiscal, necessário para o incremento dos gastos em saúde, educação e política social. Essa é a razão pela qual Lula é o verdadeiro pai da política econômica. Por isso mesmo acho irracional e alienígena a teoria inventada pela direita e engolida ingenuamente pela esquerda de que o rigor fiscal é uma política conservadora. Rigor fiscal no Brasil é revolucionário! Com que dinheiro você quer investir em saúde, educação, política agrária, senão tivermos, antes de tudo, um Estado saudável financeiramente?

Faz-se confusão ainda sobre o tema reforma agrária. Os grandes meios de comunicação não estão iluminando o que foi a principal política do governo Lula: a valorização da agricultura familiar. Estive dez dias agora na zona da mata mineira, e observei o enorme crescimento do crédito rural para o pequeno agricultor, somado ao dinheiro do Bolsa Familia para pessoas antes destruídas pela miséria. Conversei com gerentes de agências do Banco do Brasil, funcionários de órgãos de extensão rural e com muitos pequenos agricultores. A agricultura familiar voltou a crescer, de forma prudente e bem informada, sem afobação ou entusiasmo ingênuo, mas com serena fé num futuro promissor.

A história é uma velha sarcástica, ela enfraquece e fortalece os líderes para transformar a história. O enfraquecimento de Lula junto à classe média está empurrando-o novamente para o proletariado, onde encontra ainda febril apoio. Com isso, nunca foi tão fácil para as centrais sindicais negociar um salário mínimo, nem nunca estiveram numa situação tão à vontade como agora. Os sindicalistas compreendem Lula, perdoam-no de qualquer coisa, como acontece sempre na relação das massas com seus líderes, desde que eles, é claro, se preocupem com o bem estar da "patuléia".

As massas não respeitam os líderes por acharem-no perfeito. Pelo contrário, respeitam-no e gostam deles justamente por seus erros. Porque Lula teve 54 milhões de votos, marca nem de longe alcançada por qualquer presidente na história do país, muito superior ao que outro político brasileiro jamais sonharia em ter?

Por causa de seus defeitos, sua falta de um dedo, perdido num acidente de fábrica, sua fala truncada, cheia de erros gramaticais. A alma dura de sertanejo ignorante sim porém mais inteligente, mais esperto - e mais patriota - que qualquer bacharel engomadinho da cidade... O personagem mais inteligente da literatura brasileira é Riobaldo, do Grande Sertão Veredas, livro que explica o porquê dos sertanejos serem superiores aos intelectuais.

Por que o nordestino é tão sonhador? Por que é tão revoltado, tão sério, tão trabalhador, tão alegre? A história dos milhões de mortos de fome, sede, cegueira, cansaço, no nordeste brasileiro, talvez tenha a ver com isso. Tenho uma teoria que a história da República brasileira tem início em Canudos, em que exércitos de andrajos triunfaram sobre três expedições militares federais.

O Estado venceu porque tinha que vencer. A lei implacável da história. Pra sorte nossa, esteve ali Euclides da Cunha, repórter do Estado de São Paulo, e produziu o documento histórico mais artístico, mais emocionado, da bibliografia nacional, Os Sertões. Ao falar nos sertões, lembro do meu pai, nascido em Araguari, obscura cidade do triângulo mineiro, onde viveu seus primeiros vinte anos, entre o trabalho pesado na roça e os livros - ele me indicou Os Sertões assim que me viu interessado em possuir uma formação. Inclusive sugeriu os capítulos referentes à Guerra e ao Homem, observando que as outras partes do livro são excessivamente descritivas, com alguns trechos um pouco enfadonhos.

É uma merda mas o artista é envolvido pela política mesmo contra a sua vontade... sobretudo nos dias de hoje, em que a concentração dos meios de comunicação no país (os mesmos de que necessita para divulgar seu trabalho) atingiu níveis nunca dantes navegados, e esses meios de comunicação são extremamente engajados no processo político nacional. A concentração dos meios de comunicação é um fenômemo natural e inevitável em todo mundo, e tem a ver inclusive com a democratização e popularização de seu acesso, por isso não adianta querer só ir contra. Tem um bocado de chauvinismo apressado e imperdoavelmente ingênuo dizer "sou contra tudo que está aí" e sair para beber sua coca-cola ou navegar em seu ibm. O indivíduo precisa adaptar-se às circunstâncias e lutar a boa luta no ringue oferecido pela História. Ademais, o advento da internet criou espaços de interação que podem se tornar um excelente contra-peso à concentração midiática.

No caso do Estado, vejo que ele não pode mais ficar dependendo da boa vontade de seus inseguros eleitores. Precisa possuir uma boa estrutura de comunicação, que permita fazer frente aos poderosos grupos privados que controlam o mercado de mídia. Os movimentos sociais, por seu lado, precisam também crescer e se organizarem, como já estão fazendo, para ser o terceiro elemento, o fiel da balança entre Estado e o setor privado.

O debate político no Brasil precisa ser aprofundado. A luta politica não é entre Lulistas e anti-Lulistas e sim entre diferentes grupos econômicos, aos quais se aliam interesses sociais legítimos, mas nem sempre justos ou progressistas.

Por exemplo, setores da classe média não simpatizam de forma alguma com a idéia de pagar 50 reais a mais para sua empregada doméstica. Claro que muitos já pagam inclusive muito mais, mas estão sempre jogando isso na cara, em forma de palavras, olhares, sorrisos, ordens, de seus funcionários.

As relações trabalhistas sempre serão tensas. Por isso devem estar sendo sempre aprimoradas, estudadas, para que possamos construir uma socidade organizada em hierarquias eficientes, democráticas e justas. Não é utopia, são fórmulas já usadas em muitos países. Isso é o que se discute nos fóruns sociais, embora os meios de comunicação e certos setores sociais insistam em ridicularizar todos os debates sérios sobre o futuro da humanidade. Cartas de amor são ridículas, dizia Fernando Pessoa, discutir o futuro da humanidade também soa ridículo. Mas tanto cartas de amor como discussões sérias fazem parte da vida e, quando menos esperamos, somos lançados no meio de fóruns, discussões de bar, crises domésticas, crises políticas, crises profissionais, que nos obrigam a constatar que, para compreendermos um pouco mais a nós mesmos, sempre ajuda entender o que se passa a nossa volta.

5 de janeiro de 2006

A esquerda morreu ?

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(arte contemporânea chinesa)

Ah ah, já posso ver alguns rostos melancólicos contemplando o título deste artigo e dizendo: "oh, meu sonho, meu ideal, acabou!", sem perceber é claro o quanto de egoísmo e puerilidade existe em sua atitude.

Volta e meia leio algum texto de um acadêmico dizendo, com toda pompa e propriedade, ah, o Lula não é de esquerda e tal. A Novae mesmo colocou isso na manchete quando publicou a entrevista da Marilena Chauí.

Alguns mais informados lembram que o Lula responde dessa forma desde os tempos do ABC, quando era um poderoso líder sindical, com enorme prestígio por ter conquistado inúmeros ganhos salariais para os metalúrgicos.

Sempre que chegava um estudante ou professor da USP, o Lula ria e dizia: "ih, lá vem mais um fazer tese..."

No entanto, à diferença de outras lideranças turronas, Lula era simpático e fazia amizade com todos. Respeitava-os pelo conhecimento conceitual de economia e política que ele nunca pôde obter pelos livros, mas que conseguiu acumular ao longo dos anos pela experiência de vida.

Lula já chegou inclusive a discutir ásperamente com mais de um "esquerdista" paulista que vinha às vezes lhe entrevistar no ABC. Numa ocasião, o estudante encontrou Lula num bar próximo ao sindicato, vestido de terno e gravata, e fez uma piadinha com isso: "operário salário mínimo de terno e gravata...". O sindicalista se virou e respondeu algo assim: "meu filho, em primeiro lugar operário aqui não ganha mais salário mínimo. A gente conquistou no grito e na marra e ganha mais que muito professor em São Paulo. Em segundo lugar, trabalhador também quer ser elegante, não é só rico não".

A verdade é que o discurso de Lula, por mais simples que seja, sempre trouxe em seu bojo o diálogo tenso entre os "intelectuais" e a "classe trabalhadora". Eles estão juntos na CUT. O fato é que, hoje em dia, tanto a CUT quanto a classe trabalhadora brasileira, não está mais concentrada no ABC paulista e nos Jardins.

O ABC paulista, enquanto pólo sindical, perdeu força na década de 90, com a implantação dos sistemas robotizados nas fábricas de automóveis. Dezenas de milhares de empregos foram perdidos. As lideranças sindicais tiveram que expandir seus horizontes e ambições. Para melhorar a situação do trabalhador brasileiro, não bastava ser presidente de sindicato. Era preciso ser presidente do Brasil.
Lula pode até não ser reeleito, mas uma coisa é certa. O país que ele vai entregar para o próximo presidente vai ser muito melhor que o país que ele recebeu. Menos endividado, com muito mais emprego, crédito abundante para agricultura familiar e micro empresas, juros médios mais baixos, salário mínimo quase dobrado, contas públicas ordenadas.

Chega a ser engraçado ver os críticos do governo Lula chamarem sua gestão de "fiasco". Acho que eles devem sempre saltar as páginas econômicas do jornal e ficar apenas na seção política. Ah, o Brasil cresceu menos que a Argentina? Tá bom, mas a Argentina cresceu com inflação, não vale. É mil vezes melhor crescer pouco como o Brasil, mas crescer sem inflação. Quando você for assalariado e ganhar pouco, vai entender o que eu tô falando. O assalariado não quer saber se o país cresceu 1.3% ou 3.2%, e sim se o seu poder aquitivo foi esfacelado ou não pela inflação.

Crescimento sustentável, isso é que é importante, e não essa competiçãozinha babaca para ver quem cresceu mais na América Latina.

Outros fatores são mais importantes que o crescimento, como a redução da miséria, a distribuição de renda, os números de reforma agrária.

Muitos intelectuais não vêem isso e acabam influenciando negativamente parcela importante do movimento social.

De fato, é constrangedor constatar que a intelectualidade brasileira, no quesito estar atualizado com novas idéias políticas, está perdendo de dez a zero para o presidente Lula. A macro-economia e a política externa de Lula são as melhores em muito tempo. Poucos países conseguiram sair de uma situação à beira da inadimplência e bancarrota total sem explosões sociais mais graves. Coréia do Sul, Irlanda, conseguiram. O Brasil conseguiu em três anos. Lembram que diziam que a dívida brasileira era impagável? Falava-se que a situação brasileira era inviável. O Brasil não tinha jeito. Pois bem. Libertamo-nos do FMI, convertemos toda nossa dívida pública atrelada ao dólar em moeda nacional. E agora estamos administrando a dívida pública (esta sim a herança maldita de FHC; ouviu Jabor?). Estamos, pela primeira vez na história, emitindo um volume expressivo de títulos lá fora em moeda nacional! E com prazos longos e juros baixos.
Tudo isso aliado a mudanças estruturais de base, confirmadas pelas estatísticas do IBGE e diversos institutos, que mostram a redução da desigualdade social e diminuição da miséria no país, afora a geração de emprego, a diversificação econômica e o incremento da exportação de produtos industrializados.

Vociferar contra o capital internacional pode ser bonito para alguns, mas estamos em 2006 e, pelo amor de Deus, sejamos contemporâneos! Temos que gerar empregos para esse povo, meu Deus! Acho Chávez muito importante para a Venezuela, a América Latina e tal, mas acho que o papel dele de vociferar contra os EUA é só dele. O Lula não pode entrar nessa. Não seria tão burro. O papel de Lula é apoiar Chávez e Morales, como tem feito. A violência sofrida por Chávez e pelos índios venezuelanos e bolivianos tem sido terrível. Na agressividade de Chávez, há uma reação sentimental das massas contra a opressão. Ela será amainada com o tempo, temperando-se com a necessária prudência. Chávez não teve a experiência sindical de Lula, que o ensinou a dialogar com os patrões sem subserviência, mas sem ameaçar ou agredir.

Em sua última entrevista, a uma pergunta do repórter do Globo Pedro Bial sobre a reforma trabalhista, Lula respondeu que esta será fruto de um acordo entre as partes, a saber entre os empresários e os sindicatos e os trabalhadores. Nisso está contido a própria solução para o socialismo moderno, da mesma forma que também responde parte dos dilemas sociais do capitalismo. Acordo. Empresários, trabalhadores, governos, precisamm estar sempre renovando o acordo social entre as diversias entidades humanas, de maneira a conduzir a sociedade para patamares mais avançados.

Outro dia, assisti uma guerrinha de internet entre dois grupos ideológicos. O combate se deu na área de comentários de um certo blog, por conta de um post do autor que falava sobre os 10 pontos da Direita Tupiniquim. Rapidamente, a caixa de comentários encheu-se de elogios de gente da esquerda e protestos de gente da direita. Rapidamente, criou-se um interessante debate, com ambas as partes apresentando dados e raciocínios. Até que veio um cara e listou os dez países no topo da lista de qualidade de vida da ONU: "Finlândia: capitalista; Suécia: capitalista; Japão: capitalista", e por aí vai. Naturalmente, que todos os países eram capitalistas. Isso tudo me intrigou muito. De vez em quando esqueço que ainda tem gente que não atualizou o pensamento para o século XXI, não sabe que estamos em 2006. A guerra fria acabou em 2001. Ah, claro, enquanto existir Cuba e China, existirá a guerra fria.

O fato é que esses países citados, Finlândia, Suécia, e o norte da Europa em geral, são os países que tiveram os mais poderosos movimentos comunistas e trabalhistas, os quais rapidamente se modernizaram e conseguiram transformar-se em instrumentos eficazes de conquista de melhores condições para o trabalhador. O Estado nesses países é muito forte e protetor, provendo saúde, educação e bem estar, e regulando a economia com mão de ferro, evitando que grupos privados exerçam o poder econômico de forma lesiva à sociedade como um todo. Isso é capitalismo puro? Não. Não existe capitalismo puro. Hoje em dia, é mais que sabido que o Estado tem que ser forte. O indivíduo tem que ser forte e ter direitos. É necessário ainda o surgimento de instituições sociais independentes, como Ongs, Fundações, Associações de Classe, Sindicatos, Autarquias, Cooperativas, que sirvam de contra-peso político para o poder privado e o poder estatal.

Não, a esquerda não acabou. Modernizou-se. Mudou seu nome no cartório. Adotou um nome muito mais elegante, e mais atraente tanto para trabalhadores como para empresários. Um nome sem ranços do passado. O nome é "Desenvolvimento Sustentável".

O idealista moderno bebeu a cerveja do socialismo, comeu o feijão do capitalismo, saboreou a carne do anarquismo, e vai desenhando uma sociedade de ideologias vira-latas, mestiças, e como tais vigorosas, maduras, viris, sempre firmes no desejo de conter a miséria e a agressão ao meio ambiente.

Leitores do Observatório da Imprensa defendem Lula

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É... alguma coisa está acontecendo. A campanha midiática para derrubar Lula gerou uma revolta muito grande em parte da população esclarecida. Esse segmento andou quieto, aguardando os acontecimentos. Neste início de ano, o povo está começando a botar a boca no trombone. Ao contrário do que esperava a oposição e a mídia, não para meter o malho no presidente, mas para defendê-lo!

Foi só o sr.Alberto Dines, respeitadíssimo jornalista, publicar artigo intitulado "Porque Lula massacra a imprensa?", com tom crítico ao presidente, para receber dezenas de mensagens de protesto. Confiram vocês mesmo, por aqui.

3 de janeiro de 2006

Ano novo, brigas novas

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Bem, é isso. Chegamos em 2006, senão ilesos, mas vivos, muito vivos. Estarei por aqui com mais frequência, nos interstícios de meu ganha-pão. O trabalho de um blogueiro não é tão simples como parece. Estou seguro que, em breve, será divulgada pesquisa mostrando que 90% dos blogs são abandonados após alguns meses de entusiasmo. O blogueiro precisa estar sempre melhorando o visual de seu blog, procurando assuntos novos, fazendo novos links com outros blogs e sites e, sobretudo, escrevendo algo que preste.

Esse blog é voltado principalmente para a política, e particularmente a política brasileira. Dito isto, prossigamos.

Encontrei um site que me proporcionará bastante material de discussão. O editor-chefe é J.Carlos de Assis, também principal colunista do site. César Benjamin também participa ativamente do empreendimento.

O pensamento exposto do site é o tipo que mais gosto de criticar. Sobretudo porque me identifico em grande parte com os ideais por trás deste pensamento. Trata-se do velho ideal socialista, enfraquecido pela perplexidade diante da conjuntura econômica e política internacional. Tal perplexidade se reflete numa linguagem grandiloquente, amarga e quase sempre pessimista em relação ao Brasil e ao mundo.

Em meus artigos, vocês encontrarão constantes críticas sobre este tipo de atitude, que contém sempre um ranço acadêmico e uma psicologia derrotista. Também noto um certo chauvinismo, um autoritarismo disfarçado, um caudilhismo pós-moderno. Esse pensamento se inclina muito mais para Kirchnner e Chávez, do que para Lula, que consideram excessivamente liberal.

Não pretendo perder muito tempo com as viúvas da guerra fria, aqueles que ficam vomitando sobre a esquerda os 100 milhões de mortos pelo comunismo internacional e os espiãozinhos da Cia de Cuba. Sou estudioso de história e sei muito bem os horrores do comunismo. Mas sei também os valores. Os avanços trabalhistas do mundo capitalista, as conquistas constitucionais dos trabalhadores em todo mundo, foram obtidas pela enorme sombra do comunismo. Após a vitória dos bolcheviques, em 1917, patrões do mundo inteiro passaram a ter um pouco mais de respeito pelos trabalhadores.

Minha teoria é que hoje não existe capitalismo puro nem comunismo puro. O socialismo está dentro do capitalismo através das constituições, das leis trabalhistas. Aliás, foi engraçado ver o Pedro Bial, nesta entrevista com Lula domingo passado, perguntando se o governo não iria pressionar pela reforma trabalhista e sindical. Lula riu. Se uma coisa a crise ensinou ao Lula é que seus únicos aliados de verdade são os sindicalistas. Ele responde ao Bial, após encerrar o sorriso maroto: "a reforma trabalhista tem que ser resultado de um acordo". Isso quer dizer o quê? Lula não vai apoiar uma reforma trabalhista em benefício dos empresários? Bem, acho que é isso mesmo...

O tema a ser abordado hoje é um dos pratos preferidos tanto da esquerda quanto da direita: o neoliberalismo. A direita ama, a esquerda repudia. Lula é chamado de neoliberal por setores acadêmicos da esquerda, como o site supra-citado. A direita critica Lula pelos gastos sociais e elogia a politica econômica, embora sempre enfatizando a suposta "continuidade".

Enfim, o neoliberalismo é tema que pertence à essência do debate político contemporâneo no Brasil. Discutir, desmistificar, destrinchar, analisar, o neoliberalismo é o que compete aos interessados em pensar a política brasileira.

Há muita confusão sobre o tema. Parece-me que os "especialistas", os acadêmicos, não estão dando conta de esclarecer as pessoas sobre isso, seja porque eles simplesmente não têm nada de novo a dizer, seja porque não têm espaço adequado para se expressar.

Vamos aos exemplos. J.Carlos de Assis e César Benjamin dizem que o governo Lula é neoliberal. Dizem não, acusam veementemente. Acusam desde antes da eleição, mas sobretudo durante o primeiro ano de 2003. Houve um certo silêncio constrangido em 2004, por causa do crescimento econômico e queda no desemprego. A crise política em 2005 deu fôlego novamente a esta tendência, que voltou a bater na mesma tecla, retomando a mesma ladainha, sem nem ao menos se dar ao trabalho de atualizar suas planilhas com os dados de 2004 e 2005.

Eu assisti uma palestra de Cesar Benjamin em 2001 (não tenho certeza da data), na UERJ. Ele previa que, em poucos anos, o Real seria substituído pelo dólar, entre outras previsões catastróficas.

Bem, não ocorreu exatamente o que Benjamin previa. Gostaria de saber o que os excelentíssimos senhores J.Carlos de Assis e Cesar Benjamin acham do aumento real do salário mínimo para mais de 130 dólares, quase um recorde histórico. Na época do segundo mandato de Getúlio, ao que parece, o salário mínimo chegou ao apogeu. Mas quem ganhava salário mínimo? Tínhamos 60% do Brasil na miséria total, com bolsões de desenvolvimento no sudeste e no sul.

No Brasil (creio que isso deve se repetir em todo lugar), se faz crítica política com o fígado, não com a cabeça. Há setores da intelectualidade que são amargurados porque são velhos. Senão velhos de idade, velhos de alma.

Todos os governos precisam de crítica. Os governos são nossos. Nós votamos, mas temos que aprofundar nossa democracia. Temos que participar dos processos decisórios. Isso significa produzir crítica construtiva, projeções econômicas consistentes.

Bem, falávamos do neoliberalismo. A confusão sobre o neoliberalismo é grande. Controle de inflação é uma política neoliberal? Bem, se for, então eu sou neoliberal. Gerar empregos de carteira assinada, reduzir o preço dos alimentos, aumentar o salário mínimo, alocar recursos maiores para a agricultura familiar e bater recorde de assentamentos rurais, isso é neoliberal? Então sou neoliberal.

Peraí. Há controvérsias sobre os assentamentos. O MST diz que não são os 115 ou 120 mil que o governo diz. Então são quantos? 100 mil? 90 mil? Se forem assentamentos de qualidade, com recursos do Pronaf e participantes de projetos sociais governamentais, tá mais que bom. Não importa só a quantidade e sim a qualidade.

As estradas estão ruins, é a crítica de fim de ano do jornal Globo. Boa crítica, parabéns ao Globo. Então, aumente-se a verba para as estradas. Triste é ver que os Estados não fazem porra nenhuma. O governo federal deu 12 bilhões de reais para eles reformarem as estradas e não fizeram nada.

No Globo de hoje, a manchete, governo usa dinheiro das estradas até para seguro de saúde de funcionários. Fica parecendo que o governo usou o dinheiro para pagar o seguro-saú de familiares do presidente. Não sublinham que um percentual ridiculamente insignificantes foi alocado para seguro saúde de funcionários ligados ao sistema de transporte. O Globo esquece que consertar estradas implica em pagar operários e, portanto, também seus seguros saúde.

O governo teve 9,5 bilhões de reais e gastou 6,5 bilhões de reais. Tudo bem, não gastou tudo, mas gastou um bom montante. Citar o seguro saúde de meia dúzia de funcionários acidentados na reforma de alguma estrada foi uma tática ridícula de diminuir a ação do governo. Ademais, o jornal sabe muito bem onde o governo gastou o dinheiro, na maldita dívida pública que herdamos de FHC. O Arnaldo Jabor nunca lembra dessa dívida, amplificada em dez vezes por seu ídolo, o mauricinho-mor, nosso ex-presidente, que coincidentemente é colunista aos domingos no Globo...

O Brasil quitou sua dívida com o FMI, com o Clube de Paris e terminou o ano com uma boa reserva internacional, o que é importante para manter nossa economia blindada contra sustos externos. Os governantes estaduais não fizeram a sua parte, então o governo federal está retomando as estradas. Lembre-se que quem empurrou o problema para os estados foi o governo anterior.

Neste ano que começa, espera-se que o atual governo se empenhe em recuperar as estradas. Já tem um plano de emergência. Veremos se terá algum plano definitivo. Aproveito para incluir uma observação pertinente. Todas as estradas brasileiras precisam ter uma faixa segura para uso de pedestres. Em todas as regiões cortadas por estradas, as comunidades são obrigadas a correr risco terrível, pois o acostamento que existe é para os carros e não para os pedestres. Não esqueçam dos pedestres quando fizerem ou reformarem as estradas!

Finalizo com essa tabela do IBGE sobre a taxa de desocupação da população brasileira. O ano de 2005 teve os melhores números em toda série histórica. Que 2006 tenha números ainda melhores!