31 de maio de 2010

Kennedy Alencar entrevista Hugo Chávez

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Essa entrevista realizou-se no dia 3 de maio deste ano, mas será sempre atual. Chávez explica, com muita tranquilidade, todos os ataques polêmicos dos quais tem sido alvo nos últimos anos. É uma excelente oportunidade de conhecer o "outro lado" de uma história que os brasileiros conhecem apenas pela mídia violentamente antichavista que domina os meios de comunicação de toda a América Latina.






Demônios da guerra à solta

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Eu não sou supersticioso, nem religioso, nem sensitivo, nem médium, nada disso. Mas estou sentindo cheiro de guerra no ar. Primeiro foi a reação estranhamente afoita, agressiva, dos EUA ao acordo obtido entre Brasil, Turquia e Irã. Depois um navio sulcoreano é atacado misteriosamente, provocando súbito aumento de tensão entre as duas coréias. A Coréia do Norte, acusada de ordenar o ataque, nega a autoria. A China afirma também não acreditar na culpabilidade do regime comunista. Jà foi o bastante, porém, para os EUA se moblizarem militarmente.

Soubemos que os EUA iniciaram, desde setembro do ano passado, uma ofensiva clandestina contra regimes considerados "hostis" do oriente médio.

E agora Israel ataca um comboio marítimo em águas internacionais, provocando, naturalmente, uma onda de ódio em todo o mundo árabe pela covardia do ato. O comboio carrregava 10 mil toneladas de suprimentos para a Faixa de Gaza, onde a situação humanitária é desesperadora.

A militância pró-palestina na internet está estupefata. Apesar de esperarem qualquer coisa de Israel, ninguém imaginava que o país fosse capaz de atacar um comboio com mais de 600 pessoas, todos pacifistas civis, com muitos velhos, mulheres, parlamentares, jornalistas entre eles.

O Nassif está monitorando a situação. A rede Al Jazeera também, em inglês, claro. A blogosfera está toda extremamente revoltada, sobretudo porque o fato evidencia a política de dois pesos e duas medidas dos Estados Unidos e do Conselho de Segurança da ONU, que fazem todo o tipo de acusações verbais violentíssimas ao Irã e procuram impor sanções econômicas severas, em cima de hipóteses, enquanto Israel promove um massacre real em águas internacionais e tenta vender bombas atômicas para outros países, e tudo fica por isso mesmo.

O demônio da guerra está à solta novamente e quer sangue. Nas fábricas de armas do interior dos EUA, contratam-se mais operários para um turno extra. Algum figurão abre uma champagne em Manhathan. Lembrei, não sei porque, da canção de Dylan, cantada por Hendrix, que deixo aqui como uma oração à vida, à arte, ao amor e à paz:

"There must be some way out of here," said the joker to the thief,
"There's too much confusion, I can't get no relief.
Businessmen, they drink my wine, plowmen dig my earth,
None of them along the line know what any of it is worth."

"No reason to get excited," the thief, he kindly spoke,
"There are many here among us who feel that life is but a joke.
But you and I, we've been through that, and this is not our fate,
So let us not talk falsely now, the hour is getting late."

All along the watchtower, princes kept the view
While all the women came and went, barefoot servants, too.

Outside in the distance a wildcat did growl,
Two riders were approaching, the wind began to howl

Apoio a acordo de Teerã ganha poderosos defensores

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Ergue-se uma forte onda de apoio internacional ao acordo de Teerã e contra a aplicação de sanções ao Irã. Nesta segunda-feira, o Globo publica entrevista com o chanceler da Espanha, em que ele defende abertamente a iniciativa brasileira de procurar resolver o imbróglio nuclear através do diálogo.

O mais importante, porém, é a movimentação favorável da opinião pública chinesa. Como a China é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, e tem poder de veto, uma eventual recusa do país em aplicar sanções ao Irã, implicaria no abortamento da medida.

Daí que um camarada do Twitter, Hayle Gadelha, deu a dica. O jornal estatal chinês, China Daily, o mais importante do país, publicou editorial no dia 29 de maio, assinado por um importante membro do governo de Pequim, além de especialista no assunto, em que defende com argumentos simples e brilhantes o acordo nuclear firmado entre Brasil, Turquia e Irã.

Eu o traduzi, e publico abaixo:


O Irã merece uma chance
Por Zhai Dequan (China Daily)

Publicado em: 29/05/2010

A comunidade internacional deve deixar Teerã ir adiante com seu programa nuclear para uso civil

O recente acordo tripartite sobre a troca de material nuclear entre Irã, Turquia e Brasil mostra que países influentes que não as grandes potências ocidentais começaram a contribuir para a resolução de questões sensíveis internacionais.

Esses esforços devem ser aplaudidos e incentivados, sobretudo porque no ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que, em vez de depender apenas da América, outros países também devem tentar resolver os problemas do mundo.

Antes do acordo tripartite ser assinado, esperava-se que o Conselho de Segurança da ONU aprovasse uma resolução impondo novas sanções contra o Irã por se recusar a trocar o seu urânio pouco enriquecido com outro país.

Agora, o Irã concordou com o local, data e quantidade de urânio pouco enriquecido para ser trocado e apresentou a lista de provisões para a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), embora não totalmente em conformidade com as condições da entidade sediada em Genebra.

Dado que a situação mudou, as pré-planejadas ações punitivas também devem ser alteradas. Ou seja, já não há qualquer racionalidade na imposição de novas sanções sobre o Irã.

Além disso, desde que o Irã é signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e está legalmente autorizado para uso pacífico da energia nuclear, é absurdo dizer que não deve processar os materiais nucleares para gerar eletricidade.

A AIEA tem realizado muitos inspecções normais e repentinas em instalações nucleares iranianas - possivelmente o maior número em um estado signatário do TNP, e disse que seu estado "não era longe da faixa normal". Enquanto AIEA confirma que as atividades nucleares do Irã são confiáveis e tem a cooperação do país, as sanções adicionais são desnecessárias.

Conforme noticiou a imprensa, os dirigentes russos e americanos sugeriram que a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Cúpula do Movimento dos Não-Alinhados, em Teerã, em 17 de maio, seria a última chance para o Irã para evitar novas sanções da ONU.

O acordo foi alcançado após árduos esforços, e o Irã sinceramente espera isso irá ajudá-lo a evitar mais sanções. Tão alta é a esperança que o Irã ameaçou desfazer o negócio, se o Conselho de Segurança da ONU for adiante com seu plano de impor novas sanções.

Sanções contra um país revelam-se eficientes apenas quando são impostas oportuna e adequadamente. Mas, de um modo geral, eles não provaram ser muito úteis na prática, na maioria dos casos até agora. Em vez disso, eles geralmente geram sentimentos de confronto e ódio, e tornam as coisas mais complicadas.

É por isso é muito importante considerar fatores humanitários e a normalidade econômica enquanto se estuda a possibilidade de aplicar sanções a um país. Afinal, os efeitos desastrosos das sanções recai diretamente sobre as pessoas comuns do país de destino.

Sanções, na verdade, são uma maneira de trazer um país à mesa das negociações. Assim, portanto, não devem ser impostas de forma aleatória.

A não-proliferação de armas de destruição em massa e o bloqueio de seus canais de entrega é o nosso objectivo comum, mas devemos alcançá-lo através da justiça, legalidade, igualdade e racionalidade.

A confiança mútua deve ser a base para resolver todas as questões internacionais mais importantes, e o viés ideológico e padrões duplos devem ser evitados. Como diz o ditado, "se você quiser um amigo, ele pode não estar lá; se você quiser fazer um inimigo, ele irá aparecer."

Quanto à questão nuclear iraniana, pode ser resolvido apenas através do diálogo, interação e cooperação e, consequentemente, o Conselho de Segurança não deve impor novas sanções contra o país, porque elas só podem ter êxito em causar sofrimento ao povo iraniano.

O autor é secretário-geral adjunto de Associação de Controle de Armas e Desarmamento.

(2010/05/29 page5 China Daily)

Ovos & café 2

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Uso esse título porque é um café-da-manhã que aprecio muito. Simples, forte e econômico. O significado dele, como título, é fazer um post do tipo básico, despretensioso. A boa e velha análise de mídia, acompanhada de um clipping, através de links, e para o qual uso meu blog de rascunho Momentum. Meu objeto de análise são os principais jornais de opinião: Folha, Globo, Estadão, apelidados por mim de "Os três patetas do apocalipse". Tentarei listar as notícias por ordem de importância.

A primeira notícia a conquistar a preferência de minhas sinapses é uma das capas do Estadão. Brasil cresce mais que a China no primeiro trimestre, registrando a segunda maior taxa de crescimento no mundo, atrás apenas da Índia. Ah, bem, nessas horas eu queria ter um uísque 12 anos a minha disposição. Tudo indica que o Brasil saiu da crise financeira mais sólido e mais dinâmico do que entrou. Os jornais estão tentando olhar apenas o lado negativo do crescimento, que é a falta de mão-de-obra, mas nesse caso eu acho que eles prestam um bom serviço à sociedade.

A crítica da partidarização da imprensa chegou ao jornais hoje através de dois textos. Um, no Estadão, diz que as centrais sindicais "elegeram como inimigo o principal partido de direita no país, os conglomerados privados de mídia".

Outro, uma coluna de Noblat no jornal O Globo, tenta se defender dos ataques que recebe na blogosfera através de um contra-ataque capenga: diz que a internet é tão golpista e manipuladora quanto as mídias tradicionais.

Prefiro não me estender sobre o primeiro, porque ele é autoexplicativo. O jornal não explica, porém, o porquê as centrais sindicais pensarem assim. Além disso, há uma semana que o Estadão vem publicando reportagens de cunho fortemente antissindical.

Quanto ao texto do Noblat, trata-se de uma xaropada; muito sintomática, no entanto, sobre o poder crescente das novas mídias. Ele equipara forças totalmente distintas. A internet pode ter tantos defeitos, ou até mais defeitos, quantitativamente, que a imprensa corporativa. É partidária, caótica, passional. Mas é infinitamente mais democrática. Há sempre espaço para o contraditório. As pessoas podem comentar à vontade. Podem criar seus próprios blogs. Algumas notícias de jornal tem espaço para comentários, mas isso é muito recente e, de qualquer forma, não significa diálogo.

Não vejo, todavia, a blogosfera exatamente como inimiga da imprensa, e sim como um contraponto dialético. Acho que a sociedade ainda necessita de estruturas organizadas que possam se contrapor ao Estado e aos poderes econômicos, mas elas precisam se adaptar às novas realidades políticas que a tecnologia produziu. A internet minou grande parte do poder da imprensa e libertou (em parte) a sociedade civil da dependência que tinha da mídia tradicional para se expressar. Libertou também (em parte) a classe política, que agora pode se comunicar diretamente com seus eleitores, sem a necessidade do intermédio midiático.

*

Muito boa essa entrevista de Marcio Thomaz Bastos para a Folha. Ele fala, inclusive, sobre o mensalão: "Não acredito que haja muito mais ali [no mensalão] do que esse tipo de coisa de crime eleitoral. Não me parece verossímil a história de que havia uma mesada paga a congressistas".

Bastos acha que a legislação eleitoral deveria se adaptar à realidade, dando maior liberdade para os candidatos dialogarem com o povo. As restrições atuais, que nestas eleições inclusive descambaram para análises "subjetivas", em que os ministros vêem culpabilidade até nas metáforas usadas pelo presidente, agridem a liberdade de expressão, princípio fundamental de nossa Constituição.

O ex-ministro da Justiça do governo Lula se soma ao grupo de juristas, no qual se inclui do ministro do TSE, Arnaldo Versiani, relator das regras para as eleições deste ano, que declarou ser favorável à liberação da propaganda eleitoral o quanto antes.

A liberdade é uma dádiva e deve ser preservada sempre que não prejudique a ordem social. A atual legislação eleitoral vem de épocas remotas, quando não existiam as atuais tecnologias de comunicação e por isso é anacrônica. O raciocínio de Versiani é simples e belo: quanto mais o eleitor souber, melhor. E para saber mais, é preciso saber antes, para que tenha mais tempo de processar as informações.

As pessoas estão cada vez mais conscientes da triste contradição de José Serra: quando era candidato do governo, tentou se descolar de FHC e vender-se como representante da mudança; agora, à frente de uma oposição raivosa e golpista, quer se mostrar como representante da continuidade, e seus aliados procuram, de todas as formas, evitar que a população saiba que Dilma Rousseff é a candidata apoiada pelo presidente da república.

*

Passou despercebida, pelo menos para este blogueiro, uma notícia publicada na Folha de domingo sobre os resultados de uma outra pesquisa Datafolha, com perguntas sobre a ideologia dos eleitores e sobre o carisma dos candidatos. É tão interessante que reproduzo aqui mesmo, abaixo. Desta vez, porém, comento antes.

Interessante mas duvidosa, porque não consegue auferir o grau de confusão e ignorância por parte dos entrevistados. Os termos direita e esquerda, além disso, só adquirem sentido pleno numa relação dialética. Por exemplo, nos EUA, Obama representa a esquerda, em contraponto a seus adversários na política e na mídia. Apesar disso, Obama continua representado para o mundo, e mais ainda nesse momento específico de tensão diplomática com o Brasil, posições de direita.

A única conclusão válida, portanto, que se pode inferir da pesquisa Datafolha, é que, na comparação entre Dilma e Serra, a petista marcou mais pontos à esquerda do que o tucano, que por sua vez obteve pontuação relativamente forte à direita.

Por exemplo:

Extrema esquerda: Dilma 9 X 6 Serra.
Esquerda: Dilma 6 X 4 Serra.
Centro-esquerda: Dilma 11 X 4 Serra.
Centro: Dilma 16 X 18 Serra.
Centro-Direita: Dilma 13 X 15 Serra.
Direita: Dilma 9 X 13 Serra.
Extrema Direita: Dilma 13 X 15 Serra.

A comparação PT X PSDB é similar. E na questão "E em qual você colocaria os pré-candidatos?", Dilma consegue se posicionar à esquerda de forma ainda mais clara.




Folha 30/05/2010 - - Maioria dos eleitores do PSDB diz ser de direita

Entre simpatizantes do PT, 35% se veem na direita e 32%, na esquerda

Dilma é tida como a mais simpática por 29% e Serra, por 28%; ele é considerado o mais antipático por 27%

DE BRASÍLIA

A maioria (51%) dos simpatizantes do PSDB no Brasil se diz de direita, segundo pesquisa Datafolha realizada em 20 e 21 de maio, com 2.660 pessoas em todo o país. Entre os petistas, a taxa dos que se declaram de direita é de 35%.

O Datafolha realiza esse estudo há mais de 20 anos.

A pergunta é formulada assim: "Como você sabe, muita gente quando pensa em política utiliza os termos esquerda e direita. No quadro que aparece neste cartão [numerado de 1 a 7], em qual posição você se coloca, sendo que a posição "um" é o máximo à esquerda e a posição "sete" é o máximo à direita?"

Apesar de o PT ser um partido associado a ideias de esquerda, apenas 32% dos seus simpatizantes se declararam seguidores dessa orientação ideológica. No caso do PSDB, a taxa é de só 13%.
A estratificação isolando a intenção de voto para presidente mostra que 35% dos eleitores de Dilma Rousseff (PT) se dizem de direita, 26% de esquerda e 16% de centro. No caso de José Serra (PSDB), há 43% de direita, 17% de esquerda e 18% de centro.

Desde 1989, quando o Datafolha começou esse tipo de estudo, houve pouca variação na declaração de orientação ideológica. Apesar das pequenas flutuações ao longo dos anos, o total dos que se dizem hoje à direita é idêntico ao de 21 anos atrás: 37%.

A rigor, quando se considera os que se declaram de centro (posição número 4 na cartela da pesquisa) e os levemente inclinados à direita (posição 5) ou à esquerda (posição 3), pode-se dizer que um terço dos brasileiros prefere se colocar no centro do espectro político.
A soma dos que se dizem de centro, centro-direita e centro-esquerda é de 38%. O percentual é maior do que os daqueles que se dizem mais à esquerda (12%) ou mais à direita (24%). Outros 25% não souberam responder e 1% deu outras respostas.

SIMPATIA

No quesito "simpatia", a pesquisa confirma o senso comum de que carisma não é o forte destes postulantes ao Planalto. Indagados sobre quem seria o "mais simpático ou simpática", 29% escolheram Dilma, 28% optaram por Serra e 19%, por Marina.

Ou seja, há um empate técnico entre os dois primeiros e ninguém chega nem perto de atingir maioria absoluta.

Já quando é o caso de apontar o "mais antipático ou antipática", Serra fica na frente. O tucano é considerado o mais antipático por 27% dos eleitores. Dilma fica com 23% e Marina tem 11%.
Como a pesquisa foi realizada neste mês, Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha alerta para o fato de as campanhas não estarem totalmente à vista dos eleitores. ° (FR)


Quanto ao carisma, a Folha esqueceu de mencionar que Dilma é bem menos conhecida que seu adversário. Logo, se ela já o supera nesse item, é porque tem potencial de incrementar bastante sua popularidade.

30 de maio de 2010

O pó malhado de José Serra

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If you got bad news, you wanna kick them blues. Se a coisa tá feia, e você quer dar a volta por cima, apele para a cocaína. É o que diz a canção imortalizada por Eric Clapton. É o que fez José Serra. A diferença é que a canção vem carregada de ironia. O tucano falou a sério.

De certa forma, é bom que Serra e seus cúmplices na mídia gastem saliva e energia tentando fazer da Bolívia a origem de nossos males. Quer dizer, isso é ruim diplomaticamente e ajuda a criar um preconceito xenófobo no Brasil. Daqui a pouco, veremos carecas paulistas espancando bolivianos, a mídia entrevistará antropólogos para saber a razão disso e a Ilustríssima dedicará um caderno inteiro ao tema. Por outro lado, é uma estupidez do ponto de vista eleitoral, visto que as eleições acontecem aqui no Brasil, não na Bolívia. É bom porque ajuda a Dilma.

Além do mais, a mídia agora está sendo obrigada a se contorcer para transformar as afirmações de Serra num argumento racional. A Veja, como era de se esperar, embarcou a todo vapor. E hoje a Folha traz uma matéria de Josias de Souza intitulada "PF avaliza visão de Serra sobre Bolívia".

É uma matéria curta mas eficiente, e não foi a tôa que incumbiram um de seus melhores repórteres para a tarefa.

Através de uma sutil e astuta manipulação sintática, Josias de Souza consegue várias proezas:

  1. Converter a opinião de uma fonte anônima da PF numa declaração oficial da própria instituição.
  2. Diz que a opinião dessa fonte "reforça" as acusações de Serra; daí transforma "reforçar" em "avalizar".
  3. Reforçar é uma coisa; avalizar é outra. Dizer que a PF avaliza a visão de Serra é uma mentira e uma temeridade. 
  4. Transforma uma questão eminentemente diplomática e política, porque envolve a soberania de outra nação, em mero assunto de polícia. 
  5. Usa um silogismo afoito e miserável: aumentou produção de coca na Bolívia, logo Morales fez corpo mole.
A produção de cocaína aumentou em toda a América Latina. Aumentou na Colômbia em plena vigência do plano Colômbia, pelo qual o governo deste país recebeu quase 2 bilhões de dólares dos Estados Unidos para combater o plantio da droga. 

As declarações de Serra foram desastradas e grosseiras, e assim devem ser tratadas, por diversas razões:
  • O governo boliviano enfrentou, nos últimos cinco anos, uma gravíssima crise política, que por pouco não descambou em guerra civil. Tudo isso agravado pela queda no preço do petróleo, principal insumo de exportação do país, e pela crise econômica mundial, que afetou as suas já combalidas contas públicas. Querer que o governo boliviano consiga, sozinho, enfrentar aquele que é um dos problemas mais sinistros do mundo moderno, ou pior, julgá-lo negativamente por isso, é prova de mau caratismo. Serra não tem moral para cobrar do governo boliviano uma política de combate antidrogas se não consegue controlar sequer uma organização criminosa que age dentro dos presídios do estado que seu partido governa há 16 anos.
  • Esse tipo de problema deve ser tratado no âmbito diplomático, e usando sempre a linguagem diplomática. Está aí o maior problema. Não se pode acusar, sem prova, um governo amigo de ser cúmplice do narcotráfico. O governo Uribe foi acusado, por diversas vezes, por sua própria Justiça, de ser cúmplice de paramilitares e narcotraficantes, mas o governo brasileiro nunca usou essas acusações para fazer proselitismo na imprensa brasileira. As declarações de Serra têm origem, portanto, numa visão rancorosa da Bolívia, nascida de preconceitos de todo o tipo: contra um país pobre, contra um governante índio, contra uma visão ideológica diferente da sua. 
  • O plantio de coca no mundo, por razões óbvias, nunca seguirá a vontade de governos, e sim a demanda. Se aumentou a entrada de coca boliviana no Brasil, a culpa não é de Morales, e sim porque o Brasil está consumindo mais. Trata-se de um problema terrível, de fato, e que por isso mesmo deve ser discutido com seriedade e prudência; não é honesto transformá-lo em sensacionalismo eleitoral. 
  • Trata-se de uma acusação genérica e inconsequente, que prejudica as relações bilaterais entre os países e, portanto, dificulta qualquer ação em conjunto. É contraproducente.
O Brasil tem procurado ajudar a Bolívia a se desenvolver economicamente, através de financiamentos a sua infra-estrutura, aumento das relações comerciais, investimentos no país, pagando preços mais justos pelo gás boliviano. É hipocrisia e má fé querer que a Bolívia combata eficazmente o plantio de coca sendo um país devastado economicamente. Morales tem obtido conquistas sociais muito importantes para seu povo, e isso, com certeza, ajudará os bolivianos a reduzirem a dependência econômica da coca. Serra acena com a estratégia oposta: vamos ferrar ainda mais a Bolívia para ver se eles páram de plantar. É claro que não vai dar certo.

A questão toda é extremamente complexa e as declarações de Serra revelam um político inescrupuloso, procurando faturar em cima dos terríveis problemas políticos, sociais e econômicos que marcam a realidade boliviana. Ele sequer relativiza sua crítica lançando-a sobre a conturbada história do país, marcada desde seus primórdios pela injustiça, pela brutalidade, e pelo saque indiscriminado de suas riquezas. Serra não tem nenhum assessor no campo da diplomacia? Esse é outro problema grave de Serra: sua arrogância centralizadora, chauvinista, solitária. Um diplomata, para poder se relacionar bem com outro país, deve estudar profunda e detalhadamente a sua história. Deve pesquisar as relações econômicas que movem e controlam o país. E deve evitar, naturalmente, julgamentos morais apressados. 

Além do mais, está se fazendo deliberadamente uma grande confusão. A crítica de Serra é uma tentativa de lucrar com o desespero social oriundo do aumento do consumo de crack no país, que é uma droga usada principalmente pelas classes baixas. Omite-se, no entanto, que a maior parte da coca boliviana que entra no Brasil é consumida pelas elites. O crack é o resto, a xepa, e seu uso está ligado à miséria, à ignorância e à depressão psicológica. 

A pujança econômica do Brasil faz aumentar o consumo de cocaína no país, e estimula o plantio na Bolívia. É uma verdade simples e brutal. O consumo per capita no Brasil ainda é muito baixo em relação ao dos Estados Unidos. Confira abaixo uma tabela do Relatório de Drogas da ONU 2009:



Repare que a América do Norte, com 522 milhões de habitantes, tem 9,57 milhões de usuários de cocaína, ou 2,3% de sua população adulta. Apenas nos EUA, a taxa de consumo chega a 2,8% dos indivíduos com idade entre 15 e 64 anos. O consumo na América do Sul, cuja população é de 357 milhões, atinge 2,31 milhões de pessoas, correspondendo a não mais que 0,9% da população adulta.

Por que os americanos usam mais cocaína? A hipótese mais plausível, a meu ver, é que eles desfrutam de maior poder aquisitivo. Qual a conclusão? Há uma tendência, entre os países da América do Sul, de crescimento do consumo, paralelamente ao aumento da renda per capita. Brasil à frente. 

O crescimento da produção de coca na Bolívia, portanto, está ligado ao aumento da demanda por parte da sociedade brasileira, o que por sua vez é uma das consequências, tristes mas inevitáveis, do desenvolvimento econômico. 

Não acho prudente ser otimista em relação a esse tema. Quer dizer, o relatório da ONU tem alguns números otimistas, que é a estagnação do consumo na Europa e a queda, ligeira, mas consistente, do consumo nos Estados Unidos. Especialistas detectam que as drogas tradicionais começam a perder um pouco de seu status na cultura ocidental, para o que contribui, certamente, um grau maior de informação por parte das pessoas. No caso do Brasil, todavia, não há como conter a ansiedade, inclusive em seus aspectos autodestrutivos, de mais de 50 milhões de brasileiros entrando no mercado de consumo, e suspeito que o uso de cocaína deverá continuar crescendo no Brasil por anos, antes de se estabilizar e iniciar um processo de queda. 

José Serra é um homem vivido, sabe que o consumo de cocaína nas grandes cidades brasileiras é altíssimo, sobretudo nas camadas mais altas da sociedade. As classes emergentes tendem a imitar quem está em cima. Ascensão social não significa elevação moral. Ao contrário, em geral vem acompanhada de um coquetel de novos defeitos: egoísmo, consumismo, vícios. Faz parte da vida. É forçoso reconhecer, contudo, que se os pobres brasileiros registrassem um consumo de cocaína per capita apenas próximo do observado entre a boemia paulistana, a Bolívia teria que quintuplicar a sua área plantada.

Don't forget this fact, you can't get back. Não tem volta, Serra, você falou uma grande besteira. A imprensa está tentando aliviar, mas com isso apenas faz com que o tucano não reflita sobre seus erros e não se aperfeiçoe, e se gaste tinta que poderia ser usada para atacar Dilma Rousseff. O que é ótimo: por trás de um homem triste, há sempre uma mulher feliz. Recado final de Clapton para Serra: If you wanna get down, down on the ground, se você quer cair ainda mais nas pesquisas, continue fazendo merda. Cuidado, porém, para não se desesperar. Viciados em crack roubam a própria mãe. Candidatos sem escrúpulos tentam roubar a vontade das urnas. Ambos sempre se ferram no final.

Ovos & café 1

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Inicio os trabalhos sem muita inspiração. A melhor coisa a fazer nesses momentos é seguir a rotina. Então façamos o trabalho básico de análise da mídia. Separo algumas matérias e comento.


No Painel da Folha

Ataque especulativo

Ciente de que a subida de Dilma Rousseff nas pesquisas desacelerou a aproximação do PP com os tucanos, o PT fixou como prioridade da reta final da pré-campanha abortar essa aliança, que daria a José Serra mais um minuto e meio no horário eleitoral gratuito. No comando da campanha de Dilma, já não se fala apenas em garantir a "neutralidade" do PP, mas em -por que não?- tentar a composição formal.

Pós-Datafolha, vários pepistas que vinham sinalizando preferência por Serra reformaram o discurso. Para dar um empurrãozinho nos indecisos, o PT lembrará que, sem apoio formal, o PP pode rodar na hora da partilha dos ministérios, em caso de vitória.

Assombração Por mais enfáticas que sejam as negativas públicas e privadas de Aécio Neves, o Planalto e o PT ainda não se tranquilizaram de todo. O medo de que o ex-governador de Minas venha a aceitar ser vice na chapa de Serra é real -e supera qualquer outro.

tiroteio "A direção do PTB deu a Serra o tempo de TV. Mas a bancada do partido dará a Dilma os votos de que ela precisa."

DO LÍDER PETEBISTA NA CÂMARA, JOVAIR ARANTES (GO), em resposta ao tucano, segundo quem a aliança firmada com Roberto Jefferson não resultará em loteamento de cargos para a sigla em seu eventual governo.


A primeira e a terceira nota sinalizam que, de fato, aquele Datafolha que pôs Serra à frente de Dilma num momento em que outros institutos já previam empate, tinha como objetivo facilitar o fechamento de acordos partidários ao PSDB, permitindo-lhe alcançar tempo maior de TV, um elemento fundamental para tornar a oposição competitiva. Com a reviravolta provocada pelo empate em todas as pesquisa (inlusive Datafolha), o PP volta a se aproximar de Dilma e o PTB, embora já tenha entregue seu tempo de TV à campanha de Serra, começa a enfrentar graves dissidências internas. A declaração do líder petebista na Cãmara, Jovair Arantes, prova isso. O poder de Roberto Jefferson sobre o PTB tem algo de mistério, visto que ele se tornou um personagem obscuro, odiado pela midia, pelas massas cheirosas e pela classe média progressista. Mesmo isolado, mesmo o PP sendo um partido que compõem a base do governo Lula na Cãmara e no Senado, Jefferson manteve o cargo de presidente do partido, e agora, contra a vontade de grande parte dos petebistas decidiu entregá-lo, qual fosse propriedade sua, para a campanha do PSDB.

Se Dilma conseguir o apoio do PP, ganhará importantes minutos de tv, distanciando-se ainda mais de Serra nesse quesito, onde ela já tem larga vantagem.

Sobre a segunda nota, que fala de Aécio, a matéria me parece mais uma das dezenas de iscas que a imprensa vem jogando ao ar na tentativa de pescar a ambição do governador mineiro.

*

Em entrevista para o Globo deste domingo, Aécio enterra de vez a possibilidade de ser vice de Serra. Caso mude de idéia no futuro, será taxado de instável.  Achei a entrevista com relevância suficiente para transcrevê-la na íntegra, abaixo. Comento entre colchetes.

ENTREVISTA Aécio Neves

Aécio diz que desde dezembro decidiu que não seria vice, mas que será o mais empenhado pela eleição de Serra

Preterido pelo PSDB na disputa pela vaga de candidato a presidente, o exgovernador Aécio Neves ocupou, nos últimos dias, o posto de um dos principais personagens da campanha tucana rumo ao Planalto. Especialmente depois que o presidenciável José Serra perdeu a dianteira nas pesquisas de intenção de voto, o que desencadeou uma nova ofensiva dentro e fora do PSDB no sentido de convencê-lo a ser o vice da chapa. Mesmo após três semanas de férias no exterior e sob pressão, ele resiste à ideia e afirma, nesta entrevista ao GLOBO, que não será vice de Serra. Para se justificar, apresenta números de pesquisas do PSDB indicando que sua presença na chapa presidencial tucana garantiria, no máximo, acréscimo de 5% nas intenções de votos em favor de Serra. A seguir, trechos da entrevista, feita na sexta-feira à noite, por telefon

[Hummm, não creio nesse entusiasmo todo por parte de Aécio. Se estivesse tão engajado não teria desaparecido por três semanas num momento tão crucial como este, em que há várias alianças ainda incertas quando a que rumo tomar.]


Adriana Vasconcelos

O GLOBO: O senhor diz que política é destino, e o seu parece que está lhe empurrando para ser vice de Serra. Isso pode ocorrer?
AÉCIO NEVES: No ano passado, apresentei ao meu partido uma alternativa de candidatura presidencial. No momento em que percebi que uma maioria partidária caminhava na direção da candidatura do governador Serra, fiz um gesto em favor da unidade, que foi abdicar desta candidatura. Acima de projetos pessoais deve haver algo, hoje em falta na política, que é uma visão patriótica. Em dezembro anunciei minha candidatura ao Senado. De lá para cá, nada mudou, nem minha convicção de que Serra é o melhor candidato para vencer as eleições, e que como candidato ao Senado tenho mais condições de ajudá-lo.

[A repórter se junta ao clamor midiático para Aécio ser vice do Serra. Essa estratégia, conforme vários tucanos já perceberam, apenas serve para produzir pequenas derrotas diárias ao candidato, forçando-o a uma agenda puramente negativa, onde um de seus correligionários passa a imagem de um político recalcitrante.]

Não teme ser responsabilizado por uma eventual derrota de Serra?
AÉCIO: De forma alguma. Na vida devemos ter convicções e lutar por elas. Precisamos fortalecer diariamente nossas convicções e resistir às pressões que nos afastam delas. Estou absolutamente seguro de que tomei a melhor decisão, pensando no meu país.

Que fato poderia levar o senhor a mudar de ideia?
Há quem diga que o fato de o gover nador Anastasia estar atrás nas pesquisas... AÉCIO: Quando retornei (das férias), me deparei com uma grande confusão entre opinião e análise. E com três fatos que me eram colocados à frente. O primeiro de que a eleição se definiria em Minas. Qualquer análise pode mostrar que a eleição pode ser definida no Nordeste, que tem 27% do eleitorado. Minas tem 10%. O segundo fato é que a má situação de Anastasia poderia me fazer mudar de opinião. O governador tem 25% de conhecimento e, na pesquisa espontânea, tem os mesmos 5% de intenções de votos de seu adversário. É uma situação extraordinária, e estamos preparados para vencer no primeiro turno. A terceira, de que minha candidatura a vice seria fundamental para eleger Serra. Tenho pesquisas que mostram que isso poderia aumentar em no máximo 5% as intenções de votos em favor de Serra em Minas.

Mas já ajudaria...
AÉCIO: Isso significa meio por cento dos votos nacionais e com risco de desguarnecermos a nossa retaguarda e termos outras perdas, se eu não estiver em Minas. Não haverá no meu partido ou fora dele alguém tão dedicado à vitória de Serra.Temos o melhor candidato e condições para vencer em Minas e no Brasil.

O empate entre Serra e Dilma pesou na sua decisão?
AÉCIO: Minha decisão foi tomada em dezembro, quando Serra tinha uma vantagem expressiva em todas as pesquisas. É preciso haver mais serenidade por parte dos nossos próprios companheiros. Vejo uma ansiedade excessiva.

A subida de Dilma confirma o poder de transferência de votos de Lula?
AÉCIO: Reconheço que o governante bem avaliado tem algum poder de transferência de voto. E servirá, certamente, para o nosso caso em Minas. Mas essa transferência é limitada. Quem define a eleição não são os apoiadores, é o eleitor.

Que outras opções Ser ra tem para vice?
AÉCIO: É uma questão que tem de ser vista com serenidade. Existem alternativas dentro do partido, como o senador Tasso Jereissati, ou mesmo dentro da coligação. Não é isso que vai mudar o rumo da eleição.

O senhor ainda acredita num distensionamento entre PT e PSDB no futuro?
AÉCIO: Acredito. Acho que vai chegar um momento em que vamos perceber que temos mais identidade do que imaginamos, e que hoje o que nos separa mais profundamente é a disputa pelo poder. Mostramos em Belo Horizonte, quase como um laboratório, que é possível construir um projeto conjunto em favor de uma cidade. Acho que a sociedade brasileira aprovaria a construção de um projeto em que o PT e o PSDB pudessem fazer parte.

Pelo papel que o senhor está tendo nesta eleição, dá para dizer que os mineiros poderão ter um candidato à Presidência em 2014?
AÉCIO: Não projeto o futuro com tanta antecedência. Durante oito anos fomos o governo mais bem avaliado do país. Agora estou engajado em outro projeto. Se eu não tivesse convicção da capacidade de Serra de governar o país, talvez estivesse até hoje na disputa.

[Repórter esqueceu que Dilma é mineira...]

O PT e o PMDB estão encomendando pesquisa para definir seu candidato à sucessão mineira. Quem daria mais trabalho para Anastasia: Fernando Pimentel ou Hélio Costa?
AÉCIO: Não posso me intrometer na discussão que está no outro campo. Tenho boa relação com ambos, mas tenho um enorme compromisso com Minas e não tenho a menor dúvida ao afirmar que, para Minas, a melhor alternativa é Antonio Anastasia. Os mineiros saberão fazer a opção. Estou confiante que Anastasia continuará governando pelos próximos quatro anos, qualquer que seja o seu adversário.

29 de maio de 2010

Vice-presidente da Unesco adere à guerrilha da contrainformação

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É isso mesmo, Mogens Schmidt, vice-presidente da Unesco, deu uma entrevista hoje, ao Globo, totalmente "chavista". Ele defende a "alfabetização midiática", que consiste em ensinar a crianças e adolescentes a absorverem as notícias de maneira crítica, e estimulá-las que criem seus próprios meios de comunicação alternativos, através da internet.

Tive um pouco de dificuldade em reproduzir a matéria, então colo aqui alguns trechos. Clique para ampliar, se necessário:






Der Spiegel, maior revista alemã, elogia diplomacia brasileira

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(essa é uma das fotos que acompanham a reportagem)



Lula salta para a primeira divisão da diplomacia mundial

29/05/2010 - 00h01 | do UOL Notícias

Jonathan Ernst/Reuters

Por Erich Follath e Jens Glüsing

Transpirando autoconfiança, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva está elevando o status global do seu país ao protagonizar um número cada vez maior de iniciativas na área de política internacional. Na mais recente dessas ações, ele convenceu o Irã a concordar com um polêmico acordo nuclear. Poderia este acordo proporcionar uma oportunidade para que sejam evitadas sanções e guerra?

Ele foi acusado de ser muitas coisas no passado, incluindo um comunista, um proletário grosseiro e um alcoólatra. Mas a época dessas acusações acabou há muito tempo. À medida que o Brasil cresce para tornar-se uma nova potência econômica, a reputação do presidente brasileiro cresce de forma meteórica. Hoje em dia muita gente vê o presidente como um herói do hemisfério sul e um importante contrapeso em relação a Washington, Bruxelas e Pequim. A revista de notícias norte-americana “Time” foi além, duas semanas atrás, ao afirmar que ele é “o líder político mais influente do mundo”, colocando-o à frente até mesmo do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. No Brasil, muita gente vê em Lula da Silva um candidato ao Prêmio Nobel da Paz.

Nova estratégia de segurança dos EUA admite peso do Brasil no mundo

A Nova Estratégia de Segurança dos Estados Unidos, anunciada nesta quinta-feira (27) pela Casa Branca, elogia as políticas econômicas e sociais do Brasil, reconhece o país como guardião de “patrimônio ambiental único” e dá as “boas-vindas” à influência de Brasília no mundo.

Leia matéria completa:

E agora este homem, Luiz Inácio da Silva, 64, apelidado de “Lula”, que passou a infância em um cortiço como filho de pais analfabetos, conseguiu mais outra vitória política no exterior. Em uma reunião que foi uma verdadeira maratona política, ele negociou um acordo nuclear com a liderança iraniana. Na última segunda-feira, ele apareceu triunfante ao lado do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan e do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Os três líderes chegaram a um acordo que eles acreditam que retirará da agenda internacional as previstas sanções da Organização da Nações Unidas (ONU) contra o Irã devido ao possível programa de armas nucleares do país. O Ocidente, que vinha fazendo pressões pela adoção de medidas punitivas mais duras contra o Irã, pareceu ter sido feito de bobo, e até ter sido pego de surpresa.

Mas o contra-ataque de Washington veio no dia seguinte, abrindo um novo capítulo nesta acalorada disputa nuclear, na qual Pequim, em especial, há muito vem resistindo a adotar uma abordagem mais dura. A secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton anunciou: “Nós chegamos a um acordo baseado em medidas fortes com a cooperação tanto da Rússia quanto da China”. O texto relativo às sanções planejadas contra o Irã foi enviado a todos os membros do Conselho de Segurança da ONU, incluindo o Brasil e a Turquia. Os dois países são membros eleitos para ocuparem durante dois anos esse conselho que têm 15 integrantes, e que precisa aceitar uma resolução com pelo menos nove votos para que esta possa ser implementada.

Os Estados Unidos mostram-se irredutíveis quanto às sanções

Clinton agradeceu especificamente a Lula pelos seus “esforços sinceros”. Mas a sua expressão indicava claramente que ela viu os esforços de lula mais como um impedimento do que como uma ajuda. “Nós estamos procurando o apoio da comunidade internacional a uma resolução composta de sanções fortes que, segundo o nosso ponto de vista, constituir-se-ão em uma mensagem muito clara a respeito daquilo que se espera do Irã”, afirmou Hillary Clinton.

Mas a abordagem menos confrontativa de Lula nesta disputa nuclear não seria muito mais promissora? Seria tão fácil assim desacelerar o “Lula Superstar”, que conta com o apoio da Turquia, um país membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)? Quem quer que tenha acompanhado a carreira de Lula achará difícil acreditar nisso. Este homem sempre superou todas as resistências, e todos os cenários desfavoráveis com os quais se defrontou.

O pai dele abandonou a família quando Lula era bem novo, e a mãe mudou-se com os oito filhos do nordeste do Brasil para o sul industrializado, onde ela esperava aumentar as chances de sucesso da família. Lula só aprendeu a ler e a escrever aos dez anos de idade. Quando criança, ele ajudou a sustentar a família trabalhando como engraxate e vendedor de frutas, e também como operário de uma fábrica de tintas. Ele acabou conseguindo fazer um curso de torneiro mecânico. Quando Lula tinha 25 anos de idade, a mulher dele, Maria, e o seu filho ainda não nascido morreram porque a família não tinha condições de pagar por atendimento médico adequado.

Lula tornou-se politicamente ativo quando era jovem, ao ingressar em um sindicato e organizar greves ilegais na época da ditadura militar. Ele foi preso várias vezes na década de oitenta. Insatisfeito com os esquerdistas clássicos, ele fundou o seu próprio Partido dos Trabalhadores, que gradualmente transformou-se de um partido marxista em uma agremiação social-democrata. Ele concorreu três vezes, sem sucesso, à presidência, até que, na quarta vez, venceu a eleição presidencial de 2002 com uma vantagem significante sobre o seu adversário. Foram os indivíduos mais pobres que, em um país de extremos contrastes econômicos, depositaram as suas esperanças no carismático líder trabalhista. Quando Lula venceu a eleição, os indivíduos extremamente ricos, temendo que os seus bens fossem desapropriados, mantiveram os seus aviões a jato particulares abastecidos, prontos para decolar.

O herói dos pobres distanciou-se de revoluções

Mas aqueles que esperavam ou que temiam uma revolução no Brasil ficaram surpresos. Após tomar posse, Lula levou alguns dos membros do seu gabinete a uma favela, e lançou um programa de grande escala chamado “Fome Zero” para aliviar os sofrimentos dos desprivilegiados. Mas ele não assustou os mercados. Aumentos dos preços das commodities e uma política econômica moderna que enfatizou os investimentos estrangeiros, a educação nacional e recursos para treinamento ajudaram Lula a se reeleger em 2006.

O mandato dele termina em dezembro, e Lula não poderá disputar novamente a reeleição. Ele colocou a casa em ordem e cultivou uma potencial sucessora. Mas o presidente autoconfiante deseja evidentemente deixar também um legado político: ele considera uma missão sua transformar o Brasil, com a sua população de 196 milhões de habitantes, em uma grande potência mundial, bem como assegurar uma cadeira permanente para o seu país no Conselho de Segurança da ONU.

Lula reconheceu que manter boas relações com Washington, Londres e Moscou é algo que ajuda o Brasil a tentar alcançar essa meta. Mas ele sabe também que vínculos fortes com países como a China e a Índia, bem como o Oriente Médio e os países africanos, poderiam ser ainda mais importantes. Ele se considera um homem do “sul”, e um líder dos pobres e desfavorecidos. E, é claro, ele também reconhece as mudanças que estão ocorrendo. No ano passado, por exemplo, a República Popular da China ultrapassou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial do Brasil pela primeira vez na história.

Lula é o único chefe de Estado que participou tanto do exclusivo Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, quanto do Fórum Social Mundial, que criticou a globalização, na cidade de Porto Alegre, no Brasil. Ele é um viajante infatigável, tendo visitado 25 países só na África, muitos países asiáticos e quase todos as nações da América Latina – levando sempre consigo uma delegação econômica. Lula prega incansavelmente a sua crença em um mundo multipolar. E, como Lula é um orador carismático e um “autêntico” líder trabalhista, multidões em todo o mundo o saúdam como se ele fosse um pop star. Na reunião de cúpula do G20 em 2009, em Londres, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que aparentemente é um fã de Lula, afirmou: “Eu adoro esse cara”.

No entanto, Obama não pode mais ter certeza de que Lula é de fato “o seu cara de confiança”. O brasileiro está ficando cada vez mais autoconfiante à medida que se distancia de Washington e, às vezes, chega até a buscar a confrontação com os norte-americanos.

Autoconfiança cada vez maior

O caso de Honduras é um exemplo dessa tendência. Os Estados Unidos, que sempre viram a América Central como o seu quintal, ficaram perplexos quando Lula concedeu abrigo ao presidente deposto Manual Zelaya na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa no ano passado e exigiu que tivesse uma voz no processo para solucionar o conflito. Ao recusar-se a reconhecer o novo presidente, Brasília se opôs ostensivamente a Obama.

Depois disso, as coisas aconteceram muito rapidamente. Lula viajou a Cuba, onde reuniu-se com Raul e Fidel Castro e pediu um fim imediato do embargo econômico norte-americano à ilha. Para a alegria dos seus anfitriões, ele comparou os críticos do regime que sofrem nas prisões de Havana a criminosos comuns. Lula também fez questão de aparecer junto ao presidente venezuelano Hugo Chávez, que não poupa críticas a Washington e que está amordaçando cada vez mais a imprensa no seu país. Em uma entrevista a “Der Spiegel”, Lula definiu o líder autocrático como “o melhor presidente da Venezuela em cem anos”.

E quando recebeu Ahmadinejad em Brasília alguns meses atrás, Lula cumprimentou o presidente iraniano pela sua suposta vitória eleitoral impecável e comparou o movimento oposicionista iraniano a torcedores de futebol frustrados. Ele afirmou que o Brasil também não permitiria que ninguém interferisse com o seu programa nuclear “obviamente pacífico”.

Apesar dessa aproximação, muita gente manifestou ceticismo quando Lula seguiu para Teerã a fim de negociar um acordo nuclear com a liderança iraniana, especialmente depois que os iranianos não demonstraram quase nenhuma disposição para ceder nos meses anteriores. Em uma entrevista coletiva à imprensa com Lula, o presidente russo Dmitry Medvedev disse que a probabilidade de um acordo mediado pelo Brasil seria de no máximo 30%. Lula retrucou, dizendo: “Eu diria que as chances são de 99%”. Lá estava novamente em evidência o ego pronunciado do astro político em ascensão. “Ele acredita ser um trabalhador milagroso que é capaz de obter sucesso onde outros fracassaram”, diz Michael Shifter, um especialista norte-americano em América Latina.
Vitória inédita ou fracasso?

Neste momento, só existem indícios circunstanciais de que uma “vitória inédita” foi alcançada em Teerã após 17 horas de negociações. É também possível que a reunião tenha sido, na verdade, aquilo que o jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung” classificou como um “fracasso”, ou apenas mais uma forma encontrada pelos iranianos, que em outras ocasiões foram frequentemente evasivos, para novamente paralisarem as iniciativas internacionais contra o seu programa nuclear.

Autoridades da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena afirmaram cautelosamente que qualquer fato novo no sentido de que se chegue a um acordo nuclear se constitui em um progresso. Os inspetores da AIEA são responsáveis por inspecionar as instalações nucleares de todo o mundo em nome da ONU. Eles recentemente descobriram mais indícios de um programa iraniano ilegal de armas nucleares e pediram a Teerã que cooperasse mais. A avaliação dos especialistas da agência, cuja comunicação com Teerã nunca foi interrompida e que jamais afirmaram algo que não fossem capazes de provar, terá agora muito peso. O fato de os iranianos só se disporem a apresentar o texto do acordo à AIEA “em uma semana” gerou dúvidas.

Os governos ocidentais têm manifestado muito ceticismo, e a resolução da ONU que Hillary Clinton tornou pública pouco depois do acordo de Teerã aparentemente deixou os israelenses preocupados. Alguns membros do governo de linha dura do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu estão criticando abertamente o acordo como sendo uma artimanha para aliviar a pressão internacional que é exercida sobre Teerã. O ministro israelense do comércio Benjamin Ben-Elieser afirma que Teerã está aparentemente “tentando novamente ludibriar o mundo inteiro”.

O acordo proporciona uma brecha ao Irã

O instituto norte-americano ISIS, que sempre defendeu uma solução negociada e que acredita que a “opção militar” para resolver a questão nuclear iraniana é impensável, fez uma análise inteligente do acordo Lula-Ahmadinejad-Erdogan. Na análise, os especialistas nucleares independentes do instituto divulgaram as suas preocupações e observaram os pontos fracos do texto do acordo que foi revelado até o momento.

Os iranianos só concordam em enviar 1.200 quilogramas do seu urânio de baixo teor de enriquecimento à Turquia, para receberem em troca combustível para o seu reator de pesquisas em Teerã. As dimensões do acordo correspondem àquelas de um outro acordo proposto pela AIEA em outubro do ano passado, segundo o qual mais de três quartos do urânio produzido no Irã seriam mandados para fora do país, fazendo desta forma com que a fabricação de uma bomba atômica se tornasse impossível. A ideia era que isso fosse uma medida fomentadora de confiança para proporcionar espaço para negociações.

No entanto, o acordo atual ignora o fato de que o Irã, após ter colocado em funcionamento as suas centrífugas em Natanz, aparentemente já conta com mais de 2.300 quilogramas de urânio. Em outras palavras, o acordo possibilitaria que Teerã ficasse com quase a metade desse material, que é um ingrediente básico para uma bomba nuclear, de forma que o Irã ainda contasse com matéria prima suficiente para atingir a “capacidade mínima” de fabricação de armas nucleares.

O acordo também proporciona uma brecha a Teerã: ele concede à liderança iraniana o direito de pegar o seu urânio de volta da Turquia se, na sua opinião, qualquer cláusula do texto oficial “não for cumprida”. E o mais importante é que o acordo não exige que Teerã suspenda o processo de enriquecimento de urânio. “Nós nem sonharíamos em fazer isso”, declarou uma autoridade iraniana. Mas é isso precisamente que a ONU exigiu inequivocamente com aquilo que a esta altura já são três rodadas de sanções.

Essas objeções todas não preocupam Lula. Ele demonstrou que não pode mais ser ignorado no cenário internacional. Na última terça-feira, os amigos do presidente brasileiro elogiavam os seus esforços no sentido de fomentar a paz durante a reunião de cúpula América Latina-União Europeia em Madri. A participação do presidente tinha como objetivo demonstrar que a “lula” possui vários braços. Ele provou que é capaz de nadar na companhia de grandes tubarões.
Por trás dos bastidores, o Lula Superstar gosta de falar sobre como obrigou os diplomatas brasileiros a abandonarem a “síndrome de vira-latas”, o seu termo para designar o profundamente arraigado complexo de inferioridade que os brasileiros demonstravam até recentemente em relação aos norte-americanos e aos europeus.

O fato ocorreu em 2003, na primeira aparição internacional importante de Lula, na reunião de cúpula do G8, em Evian, na França. Um grupo de pessoas estava sentado no saguão do hotel onde ocorria a conferência, aguardando o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Quando os norte-americanos finalmente entraram no recinto, todos se levantaram – menos Lula, que ordenou ao seu ministro das Relações Exteriores que também permanecesse sentado. “Eu não participarei desta subserviência”, declarou o presidente brasileiro. “Afinal, ninguém se levantou quando eu entrei”.

Link da matéria original.

Respeite o Brasil, Sam!

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À medida que Washington endurece o discurso contra a diplomacia brasileira, intelectuais tucanos voltam a se alinhar, trêmulos e submissos, às ordens do Tio Sam. Reparem que nem me refiro à imprensa, ainda acuada diante de uma opinião pública cada vez mais orgulhosa das posições corajosas tomadas pelo Brasil. A declaração de Hillary Clinton, de que o mundo estaria "menos seguro" após o acordo de Teerã, revela que a diplomacia tupi realmente conseguiu pôr uma pedra na engrenagem de guerra. Todas as guerras sempre foram feitas em nome da paz, assim como as democracias são solapadas em nome de princípios democráticos. Si vis pacem, parabellum, diziam os romanos. Se queres a paz, faça a guerra.

Amorim deu uma excelente entrevista à Miriam Leitão,  explicando que o Brasil tinha obrigação moral e política de se envolver nas questões do oriente médio, justamente porque é membro (não-permanente) do Conselho de Segurança da ONU. O chanceler argumentou que outras nações votaram no Brasil para ocupar o lugar que ocupa para que ele batalhe em favor da paz. Lembrou que Oswaldo Aranha, chanceler brasileiro, participou ativamente das negociações para criação do Estado de Israel. Perguntado se a postura do Brasil não dificultaria a entrada do Brasil como membro permanente no CS, Amorim respondeu que o Brasil quer fazer parte do CS para adotar posições independentes e não para ser subserviente às grandes potências.

De qualquer forma, os EUA não estão bem na fita. A guerra do Iraque foi um fiasco. Destruiu-se um dos países mais prósperos e liberais do oriente médio, transformando-o num dos lugares mais sinistros, infernais e perigosos do planeta, onde o valor da vida humana chegou a zero. Um celeiro de terroristas. Um campo de treinamentos para homens-bomba e psicóticos antiocidentais. E não se esqueçam de que tudo começou a degringolar quando os EUA forçaram a ONU a impor sanções contra o país.

Parte da minha formação política vem dos livros de Noam Chomsky, que colecionava jornais e mostrava a contradição nas notícias. Chomsky conta que os EUA decidiram aplicar e depois ampliar sanções contra o Iraque por mais que o país de Saddam procurasse o diálogo.

A mídia brasileira, além disso, omite notícias importantes para se entender a atual conjuntura geopolítica. Sobretudo duas informações estão sendo escamoteadas:

  1. A revelação, pelo The Guardian, o segundo site de notícias mais lido no mundo (depois do NY Times), de que Israel tentou vender armas nucleares para o regime racista da África do Sul.
  2. A descoberta de que os EUA iniciaram, ao final de setembro do ano passado, uma ofensiva clandestina no oriente médio, visando principalmente o Irã, para organizar grupos de dissidentes políticos em regimes "hostis", os quais ajudariam os EUA na eventualidade de um ataque militar.
Essas notícias nos permitem tirar muitas conclusões interessantes:
  • Os EUA estão de olho no Irã há tempos. As reações internacionais, inclusive via internet, às eleições no país, podem ter sido infladas por estratégias de propaganda patrocinadas pelos serviços secretos norte-americanos, da CIA ou ainda mais clandestinos. Não sou paranóico, pelo amor de Deus. A história contemporânea registra inúmeros casos similares. Mesmo no Brasil, está provado que os EUA tentaram influenciar nos processos políticos das décadas de 50 e 60, inclusive fazendo doações ilegais de campanha. A participação em conjunto de todas as mídias ocidentais na tentativa de derrubar o governo de Ahmadinejad é um indício. O mundo vivencia crises políticas muito piores que as experimentadas pelos iranianos, onde pelo menos há eleições, e não assistimos a essa cobertura nervosa, simultânea, militante. 
  • A posse, por Israel, de artefatos nucleares, é motivo de grande instabilidade no oriente médio. Torna-se cada vez mais ridículo o discurso apocalíptico americano por causa do Irã, cujos conhecimentos na área nuclear ainda engatinham, enquanto aceitam tranquilamente o fato de Israel possuir a bomba; sem esquecer que Israel tem hoje um governo ultra-agressivo de ultradireita e no passado tentou vender a bomba a um regime racista, que estava sob embargo econômico do próprio EUA (!!!), e pretendia usá-la em outros países. 
*

Na Folha, Clovis Rossi diz que os americanos agora estão tentando reduzir as tensões com o Brasil. Ele também participou da entrevista que autoridades americanas não-identificadas deram a expoentes da mídia nacional. Por influência de Rossi e Janio de Freitas, a Folha adotou uma linha editorial mais simpática à diplomacia brasileira do que outros jornais. A mesma entrevista é interpretada de forma negativa pelo Globo. 

De qualquer forma, as explicações dessas autoridades não convencem nenhum pouco. Há contradições e equívocos em toda parte. A Agência Internacional de Energia Atômica permite que os signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear enriqueçam urânio para fins pacíficos. O fato do Irã manter o enriquecimento de parte de seu urânio é perfeitamente normal. Não fazê-lo, implicaria em abandono de um conhecimento científico fundamental para as economias modernas, inclusive para fins médicos. A troco de que o Irã faria uma coisa dessas? E o Irã pretende enriquecer urânio até somente 20%, nível que não é válido para o uso militar, que precisa do minério enriquecido até 90%.

Os EUA estão cada vez se enrolando mais. As autoridades afirmam que o Irã assinou o acordo para evitar as sanções. Ora... É claro! Os persas não me parecem masoquistas ou suicidas. Eles não querem, naturalmente, isolar-se do resto do mundo.

Há muita confusão. O que os americanos querem? Que o Irã interrompa totalmente seu programa nuclear? Pessoas que conhecem a fundo a sociedade persa relatam que, por mais que Ahmadinejad seja execrado pelas classes instruídas do país, a defesa de seu programa nuclear é um consenso nacional. Se os EUA continuarem batendo nessa tecla, apenas darão mais força aos políticos linha-dura do partido de Ahmadinejad.

Jefferson peida

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Ainda no Panorama Politico:


Outra boa notícia para Dilma. Bob Jeff peidou. Ao que parece, tá com medo de Collor, que apóia Dilma. Aqui vale uma explicação: Collor é mais um dos que apóiam Lula porque ser contra o presidente no Nordeste é missão impossível.O Jarbas Vasconcelos está fazendo isso, e não é por outro motivo que os analistas caracterizam sua opção como "sacrifício".

Sem querer, Jefferson revelou duas coisas importantes:

  1. Que há muita insatisfação no PTB pela postura totalitária de Jefferson em vender o partido e seu tempo de TV para um pré-derrotado como Serra.
  2. O apoio do PTB à Serra será puramente formal, frio, sem participação das bases partidárias. 

Serra e seus malas

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No Panorama Politico do Globo deste sábado:


A única coisa que posso comentar sobre isso é que Serra tomou a decisão de ser um candidato de direita, flertando cada vez mais com a ultradireita. Suas declarações sobre a Bolívia não passam de factóides de um neocon enlouquecido. Seus possíveis vices estão todos postados no extremo oriente do espectro ideológico: Katia Abreu, inimiga número um dos movimentos sociais do campo; Agripino, um dos maiores amigos do Esgotão, e que faz propaganda gratuita da Veja em seu blog; Aleluia é um descerebrado que apenas repete, como papagaio, o que vê na mídia.

Excelente notícia para Dilma Rousseff. O tucano, isolado politicamente, terá que amarrar, a seus pés, alguma mala pesada, sem alça e sem votos do DEM.

28 de maio de 2010

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Exportações brasileiras para Argentina crescem 290% desde 2002

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Já faz tempo que eu não publico nada sobre comércio exterior. O blog recebe muitas visitas em busca desse tipo de informação, que é ainda muito difícil de obter. Então eu fiz uma tabela com as exportações brasileiras para a Argentina. Lembram que há pouco tempo, o Estadão pregou que o Brasil reagisse violentamente à uma medida argentina que dificultava a entrada de alguns produtos alimentícios brasileiros? Eu lembrei, na ocasião, que a Argentina é nossa maior compradora de autopeças, eletrônicos, máquinas, e brinquei dizendo que o Estadão queria destruir o Mercosul por causa da importação de biscoitinhos.

Era brincadeira mas é verdade. Clique na tabela abaixo para ampliar. Alimentos constituem um item insignificante dentre os produtos brasileiros exportados para a Argentina. Mesmo assim, o Brasil deve lutar por justiça e equidade nas relações comerciais, claro; mas daí fazer um editorial ameaçando o Mercosul, sem mostrar que o país é o maior mercado de nossos manufaturados, eu acho desonesto.

O Serra já andou falando que o Brasil não pode se tornar apenas um exportador de produtos básicos. Então olha essa tabela, Serra, e veja se a Argentina compra produtos básicos do Brasil. Nos últimos 12 meses até abril, a Argentina importou o equivalente a 14,6 bilhões de dólares em produtos brasileiros, a maioria manufaturados de alto valor agregado.

Confira abaixo.

Comentando a mídia

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Caríssimos leitores, os jornais desta sexta-feira já estão todos no ar. Vamos destacar algumas notícias e comentá-las.


Miriam Leitão, hoje no Globo:

Nada acontece com a dívida líquida, mas essa estatística não faz mais sentido de tanta gambiarra feita pelo governo. Ele está bombeando dinheiro para o BNDES e pouca gente fala disso porque o empresariado foi todo cooptado. Antes havia dinheiro para alguns, e os outros reclamavam. Agora parece haver dinheiro para todos e ninguém quer apontar o problema diz o economista.
Touché! O urubu quer mesmo sangue! O crédito flui para o setor produtivo e Miriam não está gostando nada nada disso. Ele quer crise, recessão, desemprego, o fim do mundo! Falando sério, eu não consegui entender, querida, esse negócio aí do BNDES. Pelo jeito, os empresários, que foram "cooptados", também não. Você está sozinha nessa. Eu prefiro acreditar nos técnicos do Banco Central, que até onde eu sei, possuem "autonomia operacional" para manter a casa em ordem. Aliás, fui até o site do BC, catei os dados até abril e fiz um gráfico.


Agora, se você está falando que os rapazes do BC, até então motivo de orgulho do conservadorismo nacional, converteram-se ao anarquismo, e ajudam o governo, com "gambiarras" estatísticas, a elevar o crédito ao setor produtivo, eu acho ótimo. É uma grata surpresa. A considerar a argumentação leitonina, daqui a pouco Henrique Meirelles troca o PMDB pelo PSOL...

Você não ficou alegre com a queda no desemprego, dona Miriam? Não está contente com o fato do FMI ter projetado um crescimento de 7% (o maior em décadas!) para o Brasil este ano? Nada lhe deixa satisfeita? Para você estaremos sempre caminhando para o abismo? O engraçado é que nos tempos fernandinos, era o contrário. A dívida pública subia o elevador em direção ao céu, na companhia do desemprego e da recessão econômica, e a senhora não via problema nenhum, né?

*

Alguém precisa pôr a mão sobre a testa de Otavinho para ver se ele está com febre. Elogiar a diplomacia brasileira num editorial? Criticar os EUA? Onde se viu? O que Merval vai falar disso, meu Deus! Logo ele, que hoje mesmo explicou que a carta de Obama à Lula não passou de um mal entendido.

Comentemos, porém, as dúvidas existenciais de Merval. Ele elabora um raciocínio que, por sua complexidade sintática, somente um filósofo de trás-os-montes poderia apreender:

"O pressuposto era, portanto, que o Irã reduzisse substancialmente os seus estoques. Qualquer acordo que não reduzisse substancialmente os seus estoques, não teria sentido, portanto."

Legal esse toque lusitano de Merval, né? Mas eu não entendi uma coisa. No próprio Jornal da Globo de hoje, a repórter afirma que os tais 1.200 quilos que o Irã se comprometeu a enviar para a Turquia representavam "pouco mais da metade". Se reduzir um estoque em mais da metade não é fazer uma redução "substancial", então eu não sei o que significa "substancial"... Para mim só resta orar para que Dilma ganhe de José Serra com uma margem "substancial" de votos, e que os jornalões tucanos quebrem a cara substancialmente.

*

Pois é, meus amigos. A tucanada amanhece triste hoje. Aecinho não quis ser vice. Apareceu um anjo e parou o braço de Abraão na hora em que ele sacrificaria Isaac, seu filho único. Um petralha atrevido chegou a afirmar, zombeteiramente, que houve uma séria divergência em relação à Bolívia... De qualquer forma, a notícia foi um massacre e espalhou no solo uma porção de cadáveres.

Colunistas e grão-tucanos haviam iniciado uma nova rodada de pressões para convencer Aécio. O mais desesperado foi Roberto Freire, que deve estar cansado de ser aspone do Kassab e aspira por um cargo mais alto, quem sabe mordomo no Palácio da Alvorada. Freire organizou um manifesto, com assinatura até do Ferreira Gullar:



E agora, que tudo se desmorona, começaram as operações para esconder os corpos e limpar as manchas de sangue. Serra disse que "já sabia que Aécio não seria vice", o que me dá a impressão, não sei porque, de que ele chamou Roberto Freire de palhaço.  Mas é só impressão. Dora Kramer, Merval Pereira, Eliane Cantanhede, que empenharam-se tanto para demostrar a Aécio que o facão com o qual Abraão iria lhe cortar o pescoço servia aos desígnios de Deus, ou da pátria, agora estão ocupados em apagar as marcas da derrota. Mas a missão é dura demais para essa trupe de capangas aloprados, então o Globo foi obrigado a chamar um especialista.

Adivinhem quem é?

Ele mesmo! O faz-tudo da imprensa brasileira! Está precisando de uma faxineira? A babá ficou doente? Sua mulher não está podendo cozinhar hoje? Não tem problema. Liguem para...



Com palavras sensatas e objetivas, Villa trouxe consolo aos desesperados:

Nem a candidatura do Serra está afundando nem o Aécio seria o Messias - analisou.
Pronto. Passou, nenem.

Concordo, Villa. Aécio não seria nenhum Messias, mas quanto ao afundamento de Serra, aí, bem, eu receio que se trata disso mesmo. Fiz um gráfico com os números do único instituto no qual Villa acredita:


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Uma coisa é certa. A tucanada mandou aplicar lâminas ultra-cortantes nos bicos e vai vir pra cima. Se o próprio Aécio, o bon vivant, o cordeiro que escapou do sacrifício, o boêmio de Ipanema, pediu um "tom mais agressivo", é porque o negócio tá brabo mesmo. O grito de guerra ecoou na tucanolândia: é hora do pau!

No Panorama Político, do Globo, há dicas das próximas etapas do conflito:

Serra na TV - O candidato tucano à Presidência, José Serra, foi a estrela do programa do DEM, ontem, na TV. No dia 10 de junho, o tucano vai estar no horário do PPS. O PSDB usará a sua rede nacional do dia 17 de junho para mostrar a trajetória pública de Serra. Os tucanos ainda terão os dez minutos do PTB, dia 24 de junho. Neste, a coordenação política quer que o marqueteiro Luiz Gonzales faça um programa para desconstruir a petista Dilma Rousseff.

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Ã? Continuando a leitura dos jornais, deparo-me com a seguinte matéria:

Mineiro continua nos planos da oposição

Leiam um trecho:

Seja qual for o desfecho, consideram útil disseminar a negativa de Aécio. Caso ele a mantenha, terão reforçado o discurso do líder mineiro. Se ele mudar de ideia, o reforço ajuda a conferir impacto maior ao "fato político espetacular" do recuo.

A mídia se tornou um brinquedinho dos tucanos, ou os tucanos se tornaram um brinquedinho da mídia. Eles consideram útil disseminar a negativa de Aécio... Útil? Que maravilha! E a verdade, a sinceridade, a clareza, não valem nada? Leitores e eleitores são uns otários? "A gente engana todo mundo mais um pouco..." Essa história já virou palhaçada! Nós, analistas, perdemos horas procurando explicar aos leitores porque Aécio desistiu, etc, e aí alguém planta a notinha: "Aécio... ainda há esperança!"

Nosferatu mostra os dentes (e os dentes estavam estragados)

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Serra é realmente um cara muito esperto. Irritado com seu desempenho nas pesquisas de intenção de voto, irritado com o sucesso de Lula no campo da política internacional, irritado com o solene fora que levou de Aécio, o tucano resolve partir para a ofensiva.

Ergue a cabeça, em postura altiva, dirige o olhar desafiador para o futuro e, como a águia heróica do poema de Victor Hugo, tão brilhantemente traduzido por Castro Alves, "ergue um grito aos fulgores do arrebol".

José Serra, finalmente, deixa o pusilânime figurino paz e amor e parte pra guerra. Seus aliados, boquiabertos de admiração, vêem-no desfilar com suas terríveis armas fulgurantes - armas verbais, claro, e por isso mesmo mais poderosas e destruidoras que aquelas que Hefestos forjou para Aquiles.

O tucano avança e, por onde passa, esmaga dezenas de adversários. Qual um ciclope, pega vários com uma das mãos e os leva à boca. E os engole.

Não teme nada, o nosso herói. Tanto que sua primeira vítima é uma das maiores potências da atualidade. A terrível e maligna Bolívia e seu governo dominado por um índio comunista e narcotraficante.

Serra é valente e, por dois dias seguidos, fez ataques a esse novo Leviatã latino-americano, Evo Morales.

Viva Serra! Nosso Bolívar de pronunciadas gengivas libertará as Américas das garras do socialismo macabro!

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Bem, agora chega de brincadeira; o negócio é sério.

Eu gostaria de saber o que se passa pela cabeça de Serra. Será que ele ficou maluco? O que ele acha que ganha atacando a pobre Bolívia, já tão cheia de problemas de toda ordem?

Além disso falou merda. O maior produtor mundial de cocaína é a Colômbia. Em segundo lugar, vem o Peru. A Bolívia está em terceiro. Não sei se a Bolívia fornece 80 ou 90% para o Brasil. Mas é óbvio que o fornecimento para o Brasil é bastante flexível entre esses três países. Quando há problema em um, compra-se em outro.

A atitude de Serra é ESTARRECEDORA.

Ao menos serve, contudo, para mostrar àqueles que não viam grandes diferenças entre Serra e Dilma como estavam enganados. A ultraesquerda terá que refazer seu discurso.

Mas isso me deixa triste também. Nossos monstrinhos políticos deveriam restringir seus freak shows a nosso território. A agressão à Bolívia não tem sentido. Serra deveria ter a hombridade de atacar Lula e sua adversária Dilma. Não a Bolívia. A baixaria tucana deveria se manter dentro de nossas fronteiras.

Há dezenas de milhares de bolivianos vivendo no Brasil. A fala de Serra ofende essa população. Eu gostaria de saber se ele realmente acha que ganhará votos dessa forma.

A América Latina inteira deve estar perplexa com as últimas declarações de Serra, sobre o Mercosul e agora sobre a Bolívia.

Entretanto, a verdade é bem outra. O Primeiro Comando da Capital (PCC), crime organizado que domina o tráfico de drogas em São Paulo e vem se expandindo por todo país, também está agindo dentro da Bolívia. Ou seja, o cinismo tucano não tem limites. Com um orçamento cinquenta vezes superior  ao da Bolívia, o governo de São Paulo não conseguiu deter a consolidação e crescimento do PCC, e agora pretende dar lição de moral e segurança pública em Evo Morales?

É simplesmente inacreditável. Trata-se de uma grosseria extraordinária. Acho que jamais o Brasil teve um candidato à presidência tão obtuso no campo da diplomacia.

Serra cometeu um erro colossal. A campanha da Dilma não pode deixar barato. O Marco Aurélio Garcia já se pronunciou, chamando Serra de "exterminador do futuro da política externa brasileira". Gostaria de ver agora todo mundo atacando veementemente essa manifestação de preconceito, covardia e xenofobia. Trata-se de uma obrigação moral defender um país irmão, que desejamos ver se desenvolver em harmonia com o Brasil.

Acho que vou deixar de ser ateu por uns tempos, só para pedir a Deus que nos livre dessa desgraça. Delenda Serra.

27 de maio de 2010

Pegaram Tio Sam com armas na cueca

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E agora? Quem terá coragem de continuar criticando o Acordo de Teerã?

Não é mais Clovis Rossi. Nesse imbróglio, a Folha é obrigada, pela força da razão, a defender a diplomacia brasileira. Esperemos pelo que a turminha do Globo e os Mesquita tem a dizer.

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Clóvis Rossi: Vale o que está escrito, Obama?

SÃO PAULO - Nunca acreditei muito na "flaflulização" do relacionamento Brasil x Estados Unidos. Sempre achei que as rusguinhas (por Honduras, pelas bases na Colômbia, mesmo pelo contencioso nuclear com o Irã) não eram sérias o suficiente para turvar um entendimento que está no melhor ponto de todos os tempos.

O recente acordo militar entre os dois países só fez consolidar minha sensação, fruto também de conversas com fontes dos dois lados.

Agora, no entanto, há uma perplexidade do lado de cá com a atitude da administração Obama em relação ao acordo Brasil/Turquia/Irã que pode passar a um azedume absolutamente desnecessário.
A culpa não é do suposto esquerdismo da política externa brasileira. Um governo que tem parceria estratégica tanto com os Estados Unidos como com a União Europeia -os dois baluartes do capitalismo- não pode, por definição, ter uma política esquerdista.

Aliás, se eu fosse de esquerda radical, até diria que Lula foi pau-mandado de Barack Obama no acordo que teceu no Irã, junto com a Turquia. Tudo o que consta do acordo estava solicitado por Obama na carta que enviou a Lula, pouco antes de o presidente brasileiro viajar a Teerã. Nada saiu do "script".

Logo, a reação norte-americana (é verdade que mais de Hillary Clinton que de Obama) só pode mesmo provocar perplexidade em Brasília.

Leia, por favor, em Mundo a comparação entre o acordo e a carta de Obama para comprovar por você mesmo se há ou não boas razões para perplexidade.

Torço para que tenha razão Farideh Farhi, do Departamento de Ciência Política da Universidade do Havaí, que, em entrevista para o Council on Foreign Relations, diz que a reação de Washington "é o tipo de teatro que os EUA acham necessário antes de se engajar em negociações com os iranianos".

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DA FOLHA

O acordo nuclear entre o Brasil, a Turquia e o Irã segue, ponto a ponto, todas as solicitações que o presidente Barack Obama havia exposto em carta a seu colega Luiz Inácio Lula da Silva, datada de 20 de abril, apenas três semanas antes, portanto, da viagem de Lula ao Irã, da qual resultou o acordo. A Folha obteve, com exclusividade, cópia integral da carta, na qual Obama escreve que o objetivo era oferecer "explicação detalhada" de sua perspectiva "e sugerir um caminho a seguir".

Leia a íntegra traduzida da mensagem:

"Gostaria de agradecê-lo por nossa reunião com o primeiro-ministro Erdogan, da Turquia, durante a Conferência de Cúpula sobre Segurança Nuclear. Dedicamos algum tempo ao Irã, à questão da provisão de combustível nuclear para o Reator de Pesquisa de Teerã (TRR), e à intenção de Turquia e Brasil quanto a trabalhar para encontrar uma solução aceitável. Prometi responder detalhadamente às suas ideias, refleti cuidadosamente sobre a nossa discussão e gostaria de oferecer uma explicação detalhada sobre minha perspectiva e sugerir um caminho para avançarmos.

Concordo com você em que o TRR representa uma oportunidade para abrir caminho a um diálogo mais amplo no que tange a resolver preocupações mais fundamentais da comunidade internacional com respeito ao programa nuclear iraniano em seu todo. Desde o começo, considerei a solicitação iraniana como uma oportunidade clara e tangível de começar a construir confiança mútua e assim criar tempo e espaço para um processo diplomático construtivo. É por isso que os Estados Unidos apoiaram de forma tão vigorosa a proposta apresentada por Mohamed El Baradei, o ex-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

A proposta da AIEA foi preparada de maneira a ser justa e equilibrada, e para permitir que ambos os lados ganhem confiança. Para nós, o acordo iraniano quanto a transferir 1.200 quilos de seu urânio de baixo enriquecimento (LEU) para fora do país reforçaria a confiança e reduziria as tensões regionais, ao reduzir substancialmente os estoques de LEU do Irã. Quero sublinhar que esse elemento é de importância fundamental para os Estados Unidos. Para o Irã, o país receberia o combustível nuclear solicitado para garantir a operação continuada do TRR a fim de produzir os isótopos médicos necessários e, ao usar seu próprio material, os iranianos começariam a demonstrar intenções nucleares pacíficas. Não obstante, o desafio continuado do Irã a cinco resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que ordenam o final de seu programa de enriquecimento de urânio, estávamos preparados para apoiar e facilitar as ações quanto a uma proposta que forneceria combustível nuclear ao Irã usando urânio enriquecido pelo Irã uma demonstração de nossa disposição de trabalhar criativamente na busca de um caminho para a construção de confiança mútua.

No curso das consultas quanto a isso, reconhecemos também o desejo de garantias, da parte do Irã. Como resultado, minha equipe se concentrou em garantir que a proposta da AIEA abarcasse diversas cláusulas, entre as quais uma declaração nacional de apoio pelos Estados Unidos, a fim de enviar um claro sinal do meu governo quanto à nossa disposição de nos tornarmos signatários diretos e até mesmo potencialmente desempenharmos um papel mais direto no processo de produção do combustível; também ressaltamos a importância de um papel central para a Rússia e da custódia plena da AIEA sobre o material nuclear durante todo o processo de produção de combustível. Na prática, a proposta da AIEA oferecia ao Irã garantias e compromissos significativos e substanciais da parte da AIEA, dos Estados Unidos e da Rússia. O dr. El Baradei declarou publicamente no ano passado que os Estados Unidos estariam assumindo a vasta maioria do risco, na proposta da AIEA.

Como discutimos, o Irã parece estar seguindo uma estratégia projetada para criar a impressão de flexibilidade sem que concorde com as ações que poderiam começar a gerar confiança mútua. Observamos os vislumbres de flexibilidade transmitidos pela Irã a você e a outros, enquanto reiterava formalmente uma posição inaceitável à AIEA, por meio dos canais oficiais. O Irã continuou a rejeitar a proposta da AIEA e insistiu em reter em seu território o urânio de baixo enriquecimento até a entrega do combustível nuclear. Essa é a posição que o Irã transmitiu formalmente à AIEA em janeiro e uma vez mais em fevereiro de 2010.

Compreendemos pelo que vocês, a Turquia e outros nos dizem que o Irã continua a propor a retenção do LEU em seu território até que exista uma troca simultânea de LEU por combustível nuclear. Como apontou o general [James] Jones [assessor de Segurança Nacional da Casa Branca] durante o nosso encontro, seria necessário um ano para a produção de qualquer volume de combustível nuclear. Assim, o reforço da confiança que a proposta da AIEA poderia propiciar seria completamente eliminado para os Estados Unidos, e diversos riscos emergiriam. Primeiro, o Irã poderia continuar a ampliar seu estoque de LEU ao longo do período, o que lhes permitiria acumular um estoque de LEU equivalente ao necessário para duas ou três armas nucleares, em prazo de um ano. Segundo, não haveria garantia de que o Irã concordaria com a troca final. Terceiro, a "custódia" da AIEA sobre o LEU no território iraniano não nos ofereceria melhora considerável ante a situação atual, e a AIEA não poderia impedir o Irã de retomar o controle de seu urânio a qualquer momento.

Existe uma solução de compromisso potencialmente importante que já foi oferecida. Em novembro, a AIEA transmitiu ao Irã nossa oferta de permitir que o Irã transfira seus 1,2 mil de LEU a um terceiro país especificamente a Turquia- no início do processo, onde ele seria armazenado durante o processo de produção do combustível como caução de que o Irã receberia de volta o seu urânio caso não viéssemos a entregar o combustível. O Irã jamais deliberou seriamente quanto a essa oferta de "caução" e não ofereceu explicação confiável quanto à sua rejeição. Creio que isso suscite questões reais quanto às intenções nucleares iranianas. Caso o Irã não esteja disposto a aceitar uma oferta que demonstre que seu LEU é para usos pacíficos e civis, eu instaria o Brasil a insistir junto ao Irã quanto à oportunidade representada por essa oferta de manter seu urânio como "caução" na Turquia enquanto o combustível nuclear está sendo produzido.

Ao longo do processo, em lugar de construir confiança o Irã vem solapando a confiança, na forma pela qual abordou essa oportunidade. É por isso que questiono a disposição do Irã para um diálogo de boa fé com o Brasil, e por isso eu o acautelei a respeito em nosso encontro. Para iniciar um processo diplomático construtivo, o Irã precisa transmitir à AIEA um compromisso construtivo quanto ao diálogo por meio de canais oficiais algo que até o momento não fez. Enquanto isso, continuaremos a levar adiante nossa busca de sanções, dentro do cronograma que delineei. Também deixei claro que as portas estão abertas para uma aproximação com o Irã. Como você sabe, o Irã até o momento vem recusando minha oferta de um diálogo abrangente e incondicional.

Aguardo ansiosamente a próxima oportunidade de encontrá-lo e discutir essas questões, levando em conta o desafio que o programa nuclear iraniano representa para a segurança da comunidade internacional, inclusive no Conselho de Segurança da ONU.

Sinceramente,

Barack Obama"

Tradução de Paulo Migliacci

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Outro clipping interessante da Folha. Duas notas da coluna Toda Mídia, de Nelson de Sá.

Toda Mídia :: Nelson de Sá

Guerra?

O "New York Times" postou no site o artigo "Dando uma chance à diplomacia", dos chanceleres Ahmet Davutoglu, da Turquia, e Celso Amorim, dizendo que "perder a chance pode ser lamentado por gerações". O mesmo "NYT" deu em papel e destacou na home a coluna "O mais feio possível", um ataque de Thomas Friedman ao acordo no Irã. Ontem mesmo, no Daily kos e no Huffington Post, a esquerda democrata reagiu, relacionando a coluna à defesa, por Friedman, da invasão do Iraque. No dia anterior, a manchete do "NYT" revelou que a Casa Branca autorizou operações "específicas" no Irã "para reunir inteligência sobre o programa nuclear e identificar grupos dissidentes úteis para uma futura ofensiva militar". Diz o jornal que "o Pentágono tem que fazer planos de guerra" preventivos.

PRESTANDO ATENÇÃO?
Thomas Friedman cita Moisés Naím como editor-chefe da "Foreign Policy". Na verdade, o ex-ministro venezuelano, um crítico constante de Lula, deixou a "FP" em abril, dando lugar à editora do site da revista, Susan Glasser. E a home da "FP" destacava ontem um ensaio de James Traub, que escreve no "NYT Magazine" e é membro do Council on Foreign Relations. Em suma: "As incursões diplomáticas de Brasil e Turquia podem ser irritantes, mas são sinal de uma grande mudança na maneira como funciona o mundo. Obama está prestando atenção?".

A opinião de Friedman, um conservador que apoiou a guerra no Iraque, é totalmente previsível. O Esgoto da Veja já se agarrou a ela como à Arca Sagrada. Melhor trabalho fez Nelson de Sá, trazendo o contraponto dentro do próprio Estados Unidos.

A Folha, como de praxe, publica na íntegra somente a opinião que detona o Brasil, o artigo de Friedman.

Entretanto, é interessante acessar o artigo no NYTimes e ler os comentários. A opinião pública americana, decididamente, está dividida em relação ao Irã. Entre os leitores do jornalão novaiorquino (que, não esqueçamos, sempre apóia as guerras imperialistas e os golpes de Estado, embora depois, anos depois, hipocritamente, qual o Vaticano, peça desculpas) entre os leitores, ia dizendo, a opinião parece tender em favor do acordo mediado para o Brasil.

Eu separei alguns comentários e os traduzi. Escolhi os comentáris "mais recomendados", ou seja, os que fizeram mais sucesso entre os leitores do Times:

Comentário 4: Por mais repressivo que seja o governo iraniano para com seu povo, ele seria tão agressivo se os EUA não o tivessem rodeado por todos os lados? (Tropas no Iraque ao oeste, Afeganistão a leste, nas ex-repúblicas soviéticas ao norte, e no Golfo Pérsico ao sul)? O que é mais feio? Quem é o beligerante aqui?

pdxtran
Minneapolis
May 26th, 2010
3:07 am

7: Porque seria melhor aplicar sanções e isolar o Irã (e assim punir a população civil e possivelmente fortalecer o atual regime clerical via alienação) do que aceitar que outros países possam atuar como mediadores mais efetivos? Parece que Friedman e Hillary Clinton estão chateados que não foram eles que convenceram Ahmadinejad através da construção de um diálogo franco, pacífico, de que é possível sentar-se à mesa para negociar. É interessante notar que a bandeira de direitos humanos é hasteada para somente determinados países em momentos oportunos.

terry oats
New York, NY
May 26th, 2010
3:07 am

9: Moralidade? Como ousa julgar moralmente? Sério? Um país engajado em duas guerras apenas pelo dinheiro. Quantas companhias americanas atualmente fazem negócios com o Irã e outras nações não-democráticas? A china é uma democracia? Porque tantos executivos americanos estão lá? Isso é pura enganação. Se este país está no topo do mundo é basicamente porque vendeu sua moral há muito tempo.

Alessandro
San Diego
May 26th, 2010
3:07 am

11: Embora seu desejo por um oriente médio livre de bombas atômicas seja bem vindo, eu não concordo com sua opinião sobre o acordo feito por Brasil e Turquia com o Irã. O acordo provavelmente não mata a possibilidade do Irã fazer a bomba, mas dificulta seriamente esse objetivo.

Obama deveria usar essa oportunidade para trazer o Irã de volta à mesa de negociação. A gente precisa entender que Ahmadinejad precisa de alguma coisa para mostrar a seus cidadãos, da mesma forma que Obama. A pressão que os Estados Unidos vem fazendo sobre Israel advém principalmente de articulações domésticas. Articulações similares podem ter forçado o Irã a rejeitar o acordo que os EUA ofereceram pela primeira vez.

O fato de que Lula é um forte apoiador de regimes não-democráticos na América Latina não pode ser usado contra ele, à luz do histórico apoio norte-americano a ditadores como Musharraf. Os EUA não tem moral para fazer tal acusação. E se vocês realmente querem um oriente médio livre de bombas atômicas, assegurem-se de que a mesma pressão deve ser aplicada à Israel também. Na minha opinião, uma Israel detentora de bomba nuclear representa um perigo tão grande para o mundo quando um Irã igualmente armado nuclearmente - com regime clerical ou não. Bombas atômicas são um mal, simples assim.

Arthas
India
May 26th, 2010
3:07 am

26: E o que deveria Israel, a SUA PÁTRIA, fazer com suas bombas atômcias, senhor?

Zeppelin Fan
Cambridge, MA 02139
May 26th, 2010
3:11 am

200: Se você acha que a tentativa dos líderes dos três países emergentes, para resolver uma disputa internacional importante sem recorrer à guerra e sem a permissão de super-poderes, é algo feio, então é claro que você tem estranhos valores estéticos. O que é feio é permitir que um país agressivo e expansionista, que tem atacado a cada um de seus vizinhos, possuir o único arsenal nuclear do Oriente Médio, e enquanto isso agitar-se constantemente para guerra contra outro país que pretenda desenvolver um programa nuclear pacífico. Ainda mais feio do que isso é o único país que usou armas nucleares na história apontar Irã e Coréia do Norte como alvos de possíveis ataques nucleares, apesar do fato de que o Irã seja signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

No entanto, o mais feio de tudo, é fabricar uma mentira como pretexto para sanções e a guerra contra outro país, como foi feito no caso do Iraque. O tenente-general Ronald L. Burgess Jr., diretor da Agência de Inteligência de Defesa (Defense Intelligence Agency), e o general James E. Cartwright, vice-presidente da Junta de Generais dos EUA (Joint Chiefs of Staff), durante audiência no Comitê das Forças Armadas do Senado (Senate Armed Services Committee Hearing) afirmou que "o Irã provavelmente precisa de dois a cinco anos para fabricar uma bomba atômica funcional", conforme relatado por New York Times. A AIEA também tem afirmado repetidamente que não viu qualquer sinal de desvio do programa iraniano para fins militares. No entanto, ao invés de acolher o acordo que foi alcançado entre o Irã, Turquia e Brasil, algo que o Ocidente tinha exigido, as autoridades americanas, com uma afobação indecente, novamente pressionam por mais sanções. Tal comportamento induz muitas pessoas no mundo a pensar que os Estados Unidos estão usando o programa nuclear do Irã como um pretexto para outros fins, ao invés de impedir a proliferação.

Embora a preocupação do senhor Friedman sobre democracia e direitos humanos no Irã seja comovente, a maioria dos iranianos pretendem trazer uma mudança de regime através de seus próprios esforços e sem o uso da força ou invasão estrangeira. Eles viram como seus vizinhos do Iraque e do Afeganistão foram "libertados" e eles não querem esse tipo de libertação.

Frank 95
UK
May 26th, 2010
2:50 pm