31 de janeiro de 2010

Jacaré escova os dentes

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Depois da onça beber água, está na hora do jacaré bocejar na beira do rio, mas só depois de fechar bem a boca. A curva do gráfico da Vox mostra Dilma registrando forte alta, e Serra despencando.

30 de janeiro de 2010

mormaço

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porque o aço
de teus devaneios, imensos,
hipertensos,
deságuam sempre neste mar
de lama
ferro derretido
sangue

porque há tempo
em que a dor vacila
no interior das tragédias
os dentes estragados
sem olhos
triste como um cão

lá fora os incêndios
a luta
sorrisos, cerveja
aqui dentro o amor
o aço
mormaço
ferro sangue derretido
os terremotos cegos
como quem mata
suavemente
milhões de pessoas

29 de janeiro de 2010

Manual para matar urubus

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O IBGE divulgou ontem que o desemprego no Brasil caiu para 6,8% ao final de dezembro. É o mesmo índice de dezembro do ano passado. O menor índice da história. Mas aí, claro, a imprensa quis abafar. O assunto não apareceu em manchete nenhuma. Em vez de dar uma notícia que provocaria um efeito positivo na sociedade, e que inclusive atrairia muito mais compradores, o jornal anuncia na capa que "Concessões da área elétrica vão ser renovadas por MP". Ulalá! Essa manchete deve ter comovido profundamente o coração dos paulistas!

Aí vou para o Caderno Dinheiro e observou que a notícia não está na página 1, nem na página 2. Viro, viro, viro e a encontro escondida na página B7. E uma surpresa:


Ué? O desemprego não tinha caído, perguntar-se-á o leitor inocente. Outros nem farão essa pergunta. A maioria lerá a manchete e virará a página com um ar levemente compungido. Provavelmente pense: "ainda bem que eu tenho meu emprego". O triste é que talvez esse indivíduo tenha acordado com a idéia de largar seu emprego e procurar outro melhor. Diante da notícia, desistirá certamente. Talvez o sujeito esteja desempregado e, ao ler a matéria, sentir-se-á menos animado a continuar procurando.

O certo é que a Folha manipulou a informação para transformar um dado positivo em seu oposto. É que o desemprego "médio" do ano ficou em 8,1% no ano passado, contra 7,9% em 2008. Mas esse número, desemprego médio, não é o principal. O principal, claro, é o índice de desemprego no último mês apurado. A notícia principal é que o desemprego caiu de novembro para dezembro e atingiu o menor patamar da história brasileira, 6,8%. O principal é que o Brasil, na contramão da maioria dos países desenvolvidos, e mesmo por aqui, no sul da América, é o único que conseguiu fechar o ano com taxas de desemprego historicamente baixas. O EUA está com maior taxa de desemprego dos últimos 20 anos. Nós estamos com a menor taxa da história. 

Não é questão de ser poliana. De ser ingênuo. É a realidade. Esconder essa realidade é uma atitude desonesta, que prejudica os interesses nacionais. Os empresários estão otimistas. O povo está otimista. Porque, diabos, a imprensa continua urubuzando a economia brasileira?

O Globo faz ainda pior. Além de também esconder a notícia do desemprego na primeira página ele brinda seus leitores com a seguinte manchete de capa:


A notícia é antiga. Há mais de uma semana que o governo divulgou os dados de comércio exterior. O lead da capa diz o seguinte:

"Pela primeira vez em 20 anos, os bens primários são mais de 40% das exportações".

A informação pode ser verídica, mas é ao mesmo tempo profundamente falsa. 

As exportações brasileiras de manufaturados cresceram exponencialmente nos últimos 20 anos. 

Total da Consulta - Exportação de autopeças em 1989
PeríodoUS$ FOBPeso Líquido(Kg)
01/1989 até 12/19892.323.650.713539.505.671


Total da Consulta - Exportação de autopeças em 2009
PeríodoUS$ FOBPeso Líquido(Kg)
01/2009 até 12/20098.463.879.3211.033.978.721



Então. As exportações de autopeças, que constituem o principal produto acabado exportado pelo Brasil, cresceram 364% em 20 anos. O jornal não informa isso. Os leitores ficam pensando que a nossa indústria de exportação está andando para trás. Não está. 

A queda na participação dos manufaturados tem uma razão de ser bem simples. As vendas externas de minério de ferro bruto para a China explodiram. As plantações de soja explodiram. A exportação de petróleo explodiu. 

Não foram as exportações de manufaturados que caíram. As exportações de produtos básicos é que cresceram a um ritmo alucinante. 

O Globo também não informa uma outra coisa fundamental. O destino mais importante de nossos manufaturados é a América Latina. 

A matéria do Globo diz o seguinte:

Isso ocorre porque a crise mundial afetou mais fortemente os compradores de produtos acabados brasileiros - como Estados Unidos, Europa e América Latina - e favoreceu a exportação para a China, grande compradora de bens primários e hoje o maior parceiro comercial do Brasil.

Mentira! A Europa não compra "produto acabado" do Brasil (retificação: compra sim, mas pouco). A Europa é igual à China. Só compra matéria-prima. Os EUA compram um pouco de produtos acabados do Brasil. Mas o grosso dos manufaturados brasileiros vai para a América Latina. Isso devia estar explícito. Ao posicionar a Am.Latina em terceiro lugar na frase, dá a entender que ela é o terceiro mercado de "produtos acabados" do Brasil. Não é. Está em primeiríssimo lugar. 

A matéria do Globo é medíocre. Não diz que "produtos acabados" o Brasil exporta. Eu digo aqui. Os principais "produtos acabados" exportados pelo Brasil são: autopeças em primeiríssimo lugar, reatores nucleares, aviões, eletrônicos. Quem os compra? A América Latina compra 67% de nossas autopeças, 45% de nossos reatores nucleares, e igualmente é a maior compradora de nossos eletrônicos. O mercado de aviões da Embraer, tudo bem, esse está mesmo bastante concentrado nos EUA, mas vem se pulverizando nos últimos anos e crescido rapidamente na China. O importante é entender que o preço médio das exportações brasileiras para a América Latina (US$ 1.177 a tonelada) é muito superior ao praticado nas vendas para Europa (US$ 449), EUA (US$ 810) e China (US$122). 

Cliqu na tabela abaixo para checar, com seus próprios olhos. 



*

Abaixo, reproduzo uma matéria que publiquei na Carta Diária Óleo do Diabo, edição de 14 de janeiro de 2010. Aliás, tenho feito uma cobertura bastante intensa da pauta de comércio exterior em minha Carta. 



América Latina continua no topo do ranking dos destinos das exportações brasileiras


Os hermanitos continuam sendo nossos maiores compradores. O bloco América Latina e Caribe respondeu por 23% de nossas exportações, ou 35,65 bilhões de dólares, no ano passado. Essa é a informação mais sonegada da história recente da imprensa econômica brasileira. Esses números posicionam o bloco latino como um mercado muito mais importante que EUA, China e União Européia, até porque ele importa produtos com muito mais valor agregado. O preço médio dos produtos brasileiros exportados para América Latina e Caribe em 2009 ficou em US$ 1.027 a tonelada, enquanto para a União Européia não passou de US$ 499, para os EUA ficou em US$ 810 e para a China, meros US$ 122.

Os dados de dezembro acabam de ser atualizados pela Secretaria de Comércio Exterior, órgão subordinado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, através do sistema online Alice. Os totais já haviam sido divulgados, mas repetimos aqui: o Brasil exportou 152,99 bilhões de dólares em 2009, o que representou uma queda de 22,7% sobre o ano anterior, mas um aumento de 219% sobre os valores registrados em 1999. 

Os números desmentem também aqueles que pretendem ver na política brasileira de comércio exterior qualquer descuido quanto ao comércio com os Estados Unidos. A corrente de comércio entre Brasil e a potência número um caiu em 2009 em função da crise, mas mesmo assim é muito superior ao registrado ao final da década de 90, quando patinava em pouco mais de 20 bilhões de dólares. Nos últimos anos tem ficado sempre acima de 35 bilhões de dólares, atingindo 53 bilhões em 2008 e declinando apenas no ano passado, quando encerrou em 35 bilhões. 

O saldo comercial entre Brasil e EUA tem, igualmente, se mantido favorável ao Brasil nos últimos 6 anos, com exceção de 2009, por causa da crise financeira que derrubou o dólar e a economia americana. Ao final dos anos 90, o déficit da balança cambial entre Brasil e EUA chegou a 4,49 bilhões de dólares, e permaneceu negativo por todo o período fernadista. Durante a gestão Lula, o Brasil acumulou enormes superávits com os EUA, com o pico ocorrendo em 2007, quando chegou a 6,4 bilhões de dólares.

28 de janeiro de 2010

Balançando a cabeça

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O blog é como um ser vivo. Humano, acho eu. Ou melhor, o blog é como eu. E nos últimos dias, ele tem sofrido de uma profunda síndrome de sono. Aquele sono gostoso do qual temos dificuldade de sair, envolvidos pelo conforto quieto da imobilidade. O incrível é como o tempo passa rápido nesses momentos. Lembro-me da infância, quando precisava acordar às seis horas da manhã para ir à escola. Cada mísero minuto parecia valer horas de descanso. Por outro lado, fugiam em alta velocidade. Os minutos valiam como horas mas passavam como segundos!

A mesma coisa acontece hoje. Eu queria apenas descansar um pouco. Dois ou três dias, mas eles passaram rápidos demais e daí outros dias se foram, escapulindo malandramente pelo ladrão. Houve um tanto de mau caratismo aí. Eles - os dias em fuga - intoxicaram-me com preguiça, embora fazendo-me achar que se tratava de um merecido repouso.

Enfim, tenho mil desculpas a dar, a mim mesmo. Arrumei um trabalho, por exemplo, e isso é verdade, mas ainda tenho bastante tempo para escrever. De qualquer forma aproveitei o tempo para acelerar algumas leituras.

Chegou a hora, porém, de balançar a cabeça e dar um grito rouco para espantar o sono. Mas recomecemos aos poucos. Para não espantar também os leitores.

Hoje eu vim aqui apenas para denunciar duas mentiras:

1) Que o governo teria recuado na questão do aborto, em relação ao Plano de Direitos Humanos.

O Globo deu manchetes sobre "recuo" do governo. Eu procurei melhor a informação, e fiquei sabendo que o ministro Paulo Vanucchi concordou apenas em mudar o texto, que usava linguagem incendiária feminista, mantendo inalterada a defesa pela descriminalização do aborto. Não houve recuo.

2) Jornal Nacional de ontem afirmou, assim sem mais, que Zelaya foi deposto porque desejava fazer plebiscito sobre reeleição, o que seria contra a Constituição.

Mentira. Zelaya queria fazer um plebiscito sobre a possibilidade de se convocar uma assembléia constituinte. A cédula já estava impressa e não constava nada sobre reeleição. Era apenas uma pergunta sobre a assembléia. E o nome de Zelaya não estava inscrito para a reeleição ao fim do ano passado. Lembro que discuti feio com uma conhecida porque ela afirmava que Zelaya queria a reeleição para si mesmo. Ela se baseava em Merval Pereira. O irônico é que Merval Pereira nunca afirmou isso. Merval admitiu inclusive que Zelaya não iria participar das eleições. Mas usava uma linguagem tão cheia de sugestões maliciosas, que conseguiu dar a entender o contrário do que ele mesmo informava.

Aliás, sobre o caso em Honduras. Vários colunistas ficam se perguntando: o que ganhamos com isso? Como se a diplomacia fosse uma vendinha de português que dependesse de lucro. O Brasil deu combate pela democracia e contra o golpe. Os golpistas venceram, infelizmente. Mas sofreram um prejuízo financeiro e político monstruoso. Não foi fácil. Ficou registrado que o Brasil não apoiará golpes. Quem se arriscar a dá-los, portanto, deverá incluir mais esse custo. Ganhamos isso: respeito. O mundo agora sabe que golpes ainda existem na América Latina, mas tem adversários poderosos e insistentes, e o Brasil é um deles.

26 de janeiro de 2010

Professora fala ao governador do Rio

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Prezados, isso não é usual no blog, nem será, mas como o blog anda preguiçoso nos últimos dias (depois explico porque), publico uma carta de uma leitora amiga, que me pediu para fazê-lo.

Cordialmente,
Miguel



Carta aberta ao Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Por Carla Hirt

Sou professora do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira, conhecido como Colégio de Aplicação da Uerj. Nesta instituição leciono para turmas no nono ano, primeiro ano e segundo ano, além de ser docente também em uma disciplina do curso de Graduação em Geografia da UERJ. Sou responsável, assim como os demais professores, pela formação não só escolar e acadêmica dos alunos, mas também por uma educação cidadã e de qualidade de um dos melhores colégios do estado do Rio de Janeiro. Apesar de dividir esta responsabilidade com todo o quadro docente não só da escola, mas com os profissionais desta categoria - o Estado do Rio de Janeiro entende que não tenho os mesmos direitos que os demais professores. Isto acontece não só comigo, mas todo o quadro de professores "contratados” (é assim que sempre fui chamada na escola, pelos demais funcionários) desta instituição.
Apesar de já termos solicitado, nunca tivemos acesso ao nosso contrato (já que somos professores “contratados”). Ao ligar para o departamento de Recursos Humanos da universidade – fui informada que somente recebemos a declaração de que prestamos serviços à escola. O contrato, segundo Roberta (moça que me atendeu por telefone), o Superintendente da UERJ está preparando desde 2005 (eu comecei a trabalhar na escola em junho de 2009). Ao perguntar para Roberta o motivo pelo qual eu era chamada de professora “contratada”, se eu não tenho contrato, ela respondeu: “não sei, você é professora substituta”.
Preocupada, fui procurar a tal “declaração”, e nela consta o seguinte: “Declaramos, para os devidos fins, junto ao banco Itaú, que Carla Hirt, CPF XXXXXXXXXX, RG XXXXXXXXXX, exercerá suas atividades laborativas como docente, sob regime de contrato neste instituto, necessitando abertura de conta corrente para recebimento de seus proventos.”
Ou seja: A declaração não serve para garantir os meus direitos, mas sim para assegurar ao banco Itau que eu tenho condições de abrir uma conta. Não bastasse isso, eu só poderia trabalhar no Cap/UERJ se abrisse conta no Banco Itaú. Não tive o direito de escolher o banco de minha preferência.
Se estou exercendo minhas atividades laborativas “sob o regime de contrato neste Instituto”, por que motivo até hoje não tive acesso ao meu contrato?
Nenhum professor contratado do colégio tem o direito de saber sob quais condições está sendo contratado, mas sabe das responsabilidades que tem enquanto professor desta instituição. Caso haja algum processo de alunos ou questionamentos destes com relação à notas, reprovações, entre outros – quem é acionado na justiça é não só a escola, mas o professor – que deverá arcar com a responsabilidade de participar do processo pedagógico da escola.
Professor contratado também não tem direito ao décimo terceiro salário – apesar de trabalhar na escola durante todo o ano letivo assim como os demais professores do quadro de “efetivos”. Roberta me informou que o que rege o meu contrato (que a princípio não existe) é uma tal lei 4.599/2005, que não consegui ter acesso pois nunca imaginei que meu “contrato” (que nunca tive acesso) não seria regido pela legislação trabalhista brasileira.
O Artigo 1º do decreto nº 57.155, de 3 de novembro de 1965, dispõe que “o pagamento da gratificação salarial, instituída pela Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as alterações constantes da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965, será efetuado pelo empregador até o dia 20 de dezembro de cada ano, tomando-se por base a remuneração devida nesse mês de acordo com o tempo de serviço do empregado no ano em curso”.
Por algum motivo, o Estado do Rio de Janeiro entende que não temos direito este direito previsto para os trabalhadores brasileiros. Talvez o estado entenda que se tivéssemos escolhido uma profissão mais digna do que ser professor teríamos direito a ser tratado enquanto trabalhadores.
Como resposta, enquanto cidadã que paga seus impostos e exerce seus direitos e deveres como tal, gostaria de receber uma manifestação do poder público estadual.
Enquanto profissional formada e em constante aperfeiçoamento para exercer minha profissão com a qualidade e a ética com que me comprometi, gostaria de ser tratada como uma trabalhadora brasileira.

Carla Hirt – Professora.
E-mail: carla.hirt@ufrgs.br

22 de janeiro de 2010

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Quer ter acesso a matérias exclusivas sobre comércio exterior brasileiro? Quer saber qual é o produto manufaturado que o Brasil mais exporta, e para onde vai? Quer ler matérias de economia que não sejam manipuladas por interesses partidários? Que venham embasadas em números atualizadíssimos? Que venham contextualizadas dentro de seu significado geopolítico para o Brasil?

Além disso, quer ler análises hiperinformadas sobre política brasileira?

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Minha solidariedade à São Paulo

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Já fui muitas vezes à São Paulo e sempre me trataram excepcionalmente bem. Tenho um carinho muito grande por esta cidade, apesar de seus defeitos. Seu conservadorismo exagerado possui um contraponto subversivo e anárquico que ainda mostrará ao Brasil sua força, sua criatividade louca e apaixonada. Nos últimos tempos, os paulistas tem sofrido terrivelmente por causa do mau tempo (e má gestão, mas prefiro, nesse post, nem tocar no assunto; depois sim). Deixo aqui, portanto, uma mensagem de solidariedade ao centro nervoso do país. Faço minhas as palavras de Tom Zé:

São, São Paulo, meu amor.
São, São Paulo, quanta dor.

19 de janeiro de 2010

Imprensa tenta resgatar espírito da guerra fria

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(Outra pintura chilena)

Se qualquer cidadão dos anos 50, habituado a ler jornais, entrasse numa máquina do tempo e visitasse o Brasil de hoje, encontraria um debate muito parecido ao de sua época. Estadão, Folha e Globo procuram colar no governo o adesivo do comunismo totalitário. E dá-lhe Cuba por toda parte. Muitos lembram, a todo momento, que militantes anti-ditadura não queriam a volta da democracia, e sim a implantação de um regime soviético no país. Esta é a tática mais capciosa, mais hipócrita, mais revoltante - desenterrar ideologias há muito sepultas por esses militantes, descontextualizando épocas e situações. Como se o florescimento dessas ideologias não fosse ligado umbilicalmente à derrota inflingida à democracia por militares e mídia. Se é para lembrar o passado e a bandeira de cada um, seria honesto informar que esta mesma imprensa defendeu o golpe de Estado, através da tática mais vil de todas. Mentindo. Afirmando que o golpe era democrático. Que era uma vitória das forças da democracia! Assim eram as manchetes!

A imprensa não apenas ajudou os militares a violarem a democracia brasileira. Ela também contribuiu para solapar o próprio conceito de democracia. Deliberadamente inoculou enorme confusão ideológica no espírito nacional, afirmando que o preto era branco e o branco, preto.

Os jovens de dezessete anos que decidiram lutar contra a ditadura, como era o caso da ministra Dilma Rousseff (que é o alvo principal desses ataques), haviam perdido a esperança na democracia. Aí está outra consequência nefasta do golpe: aniquilar nos espíritos jovens e idealistas a esperança, o sonho, a poderosa ingenuidade juvenil de achar que pode mudar o mundo - tão ingênua e tão poderosa que às vezes muda mesmo.

*

Ontem assisti trechos do debate na Câmara sobre o III Programa Nacional de Direitos Humanos. Todo mundo se manifestou fortemente favorável ao decreto presidencial e identificou, nos ataques que este sofreu da mídia, uma grande ofensiva conservadora. Os representantes dos diversos segmentos que participaram das conferências regionais e nacional mostraram-se bastante conscientes de que os meios de comunicação assumiram o protagonismo da oposição política ao programa, e que eles poderiam tirar alguma vantagem disso, trazendo o debate para um público maior. Demonstraram segurança de que a exposição os beneficia, porque têm os argumentos mais sólidos. Rechaçaram as críticas mais vulgares, que pretendem atribuir intenções ideológicas obscuras a projetos de lei que nada mais são que desdobramentos democráticos da própria Constituição Brasileira. Um surdo "oralizado", presidente de uma entidade ligada aos direitos humanos dos deficientes físicos, fez um discurso comovente afirmando, no entanto, que o sonho de seus representados não é esticar esse debate indefinidamente, e sim levá-lo a uma etapa mais avançada, ou seja, transformá-lo em leis e, sobretudo, em realidade prática.

*

Está claro, todavia, que a maioria das críticas ao programa de direitos humanos ganhou um ar caricatural, tendencioso, partidário. Os tucanos se retraíram nas críticas, mas assistem alegremente o incêndio no circo, o que é uma atitude ainda pior, uma covardia obsequiosa, malandra. A imprensa, de qualquer forma, conseguiu o que desejava. A histeria criada, com direito até a José Neumanne afirmando que por muito menos Goulart fora deposto e conclamando: e os militares, onde estão os militares?, criou núcleos extremistas de opinião, e a imprensa não procurou debelá-los. Ao contrário, atiçou-os, publicando cartinhas desinformadas, caluniosas, que associavam um programa elaborado cuidadosamente por elementos democráticos a ideologias soviéticas.

Em relação à mídia, os participantes do debate na Câmara disseram que a versão anterior do programa era ainda mais enfática em relação à necessidade de exercer um controle social sobre os meios de comunicação.

*

É preciso vestir as roupas da mídia para poder dialogar com ela. O programa de direitos humanos assinado por Fernando Henrique não metia medo porque a mídia sabia que a palavra final era sempre dela. Ela confiava no governo. Hoje não confia. FHC podia posar como defensor dos direitos humanos com toda a desenvoltura porque a midia e os segmentos conservadores sabiam que possuía a decisão final sobre quais direitos seriam válidos e quais não.

Além disso, não havia, em 1997 ou 2002, quando foram publicadas as primeiras versões do decreto, nenhuma intenção de desgastar o governo. Muito pelo contrário.

*

Há um outro item da agenda política que merece a nossa atenção redobrada. O chavismo foi transformado, pela mídia, e quiçá também por seus próprios erros (mesmo que bem intencionados), numa bola de chumbo presa aos pés da esquerda democrática latino-americana. Na derrota de Frei por alguns milhares de votos podemos ver o peso chavista puxando o balão para baixo. O chavismo já não pertence à Chávez. Tornou-se um símbolo. Já não importa o que seja na realidade. Como símbolo, o chavismo exerce forte influência na América Latina. Uma influência negativa eleitoralmente. E por quê? Por que, dentro da Venezuela, Chávez tem amplos espaços para se defender. Ele se esquece, porém, que é atacado em outros países, onde não pode se defender e, portanto, a mídia pode pintá-lo, livremente, das cores mais escuras e tenebrosas. E depois de fazê-lo leva o boneco gigante à rua, para que todos o vejam, e diz: vejam, esse é monstro que deseja dominar a América Latina! Se vocês votarem em Eduardo Frei, em Cristina Kirchner, em Dilma Rousseff, ele atingirá seus objetivos!

Eu entrei em sites e blogs do Chile e constatei que é assim mesmo. Frei perdeu muitos votos para o antichavismo.

E o que é esse chavismo assustador, chamado inclusive de ditadura, apesar de na Venezuela vigorar o sufrágio universal?

Já lhes falei de uma conhecida com quem discuti muito asperamente essas questões. Ela é leitora e fã de Merval Pereira e, portanto, vocês imaginam que maravilha de opiniões ela tem sobre tudo. Para ela, não houve golpe em Honduras, e Merval foi o único a perceber isso. O único no mundo inteiro, diga-se de passagem. Então ela disse:

- Você acha que a Venezuela é uma democracia?

Mas não foi uma pergunta propriamente dita. Foi quase uma ameaça. Do tipo: "você terá a ousadia de afirmar, contra tudo que venho lendo no Globo há anos, que o Chávez não é um ditador odioso?"

*

Não se pode subestimar o poder midiático sobre a opinião pública, principalmente sobre a classe média. O Chile é um país de classe média, um pais culturalmente conservador, e a propaganda antichavista fez grandes estragos no prestígio da esquerda chilena junto aos segmentos sob influência de uma imprensa altamente sofisticada. Sim, porque a imprensa latino-americana é sofisticada - tecnologicamente, eu digo. As ditaduras que assolaram a região produziram enormes conglomerados ultramodernos que hoje se vêem ameaçados pela emergência de novas forças políticas e de uma nova configuração social.

*

A configuração política brasileira é muito distinta da chilena. Não somos um país conservador culturalmente, apesar dos esforços de César Maia em provar o contrário. Aliás cabem aqui algumas observações.

Eu li o tal ensaio de André Singer. Interessante, mas um bocado pretensioso. Tem coisas boas, mas baseia-se em premissas duvidosas. Há uma pesquisa, por exemplo, feita há alguns anos, que mostra o povão contrário às greves, enquanto a classe média e alta seria favorável. Isso é usado como prova de que o povão é de "direita". Errado. O povão é contra a greve porque é seu filho que irá ficar sem hospital em caso de greve na saúde pública. Irrita-me pensar que André Singer, ex-porta voz do governo, sempre usando terno e gravata de cinco mil reais, com seus quatro ou cinco planos de saúde, tenha construído um castelo em cima de bases conceituais tão preconceituosas. Também temos o conceito de "subproletariado", que seria a nova massa eleitora de Lula, em oposição ao proletariado convencional. Que coisa mais vaga! Querem botar etiqueta de subproletariado em cem milhões de brasileiros! Valha-me Deus! Mistura-se o camelô que possui uma barraquinha de cachorro-quente ao pé da favela com o sujeito que administra trinta barracas de eletrônicos na Uruguaiana. O catador de latinhas de alumínio com o proprietário de quatro biroscas de sucesso. E assim vai.

Achei ofensivo ao trabalhador brasileiro ser chamado de "subproletariado". Só porque não trabalha na Volskwagen? Não acho científico englobar uma quantidade tão heterogênea de profissões, mesmo que se as considere todas informais, num conceito que, além disso, é preconceituoso, pois as posicionam, ao menos linguisticamente, em patamar inferior ao proletariado comum.

Dito isto, creio que se faz muita confusão quando se tenta procurar pêlos conservadores no ovo popular. O povo pobre é ignorante, isso sim, como qualquer povo pobre do mundo. Não podemos confundir ignorância com conservadorismo político ou cultural. Pelo que eu pude observar com meus próprios olhos, o povo brasileiro não é conservador. Ele encara tranquilamente o homossexualismo - embora ainda exista muita violência contra homossexuais no Brasil. Maconha, aborto, raça, etc, em muitos aspectos temos um povo bastante progressista.

Não vejo como um povo tão apaixonado por festas coloridas, variegadas em seu formato, quase orgiásticas, um povo tão namorador, tão romântico, tão generoso, seja classificado por mauricinhos (mesmo que de esquerda) como "conservador". Dependendo do ponto-de-vista, claro, todo mundo é conservador. Ou liberal.

O ensaio de Singer se aprofunda nessa questão bizantina, forçada, de querer classificar o nível de esquerdismo ou direitismo do povo. Vejam a tabela abaixo (clique para ampliar, como sempre):



Ã? Esses acadêmicos me dão um sono mortal. Escala de esquerda e direita de 1 a 10? Não é forçar a barra demais?

Discordei de quase tudo no artigo. Para fazer essa tabelinha de esquerda X direita, ele usa o conceito "ordem" para associá-lo à direita. Desde quando almejar a "ordem" é algo da direita? Pode-se tranquilamente dizer o contrário. Pega-se um conceito subjetivo, vivo, dialético, historicamente instável, como é o conceito de "esquerda", e tenta-se congelá-lo? Pior: tenta-se obrigar o povo a engoli-lo assim mesmo: duro, congelado, sem tempero?  E aí o povo se recusa e então se diz que o povo é de "direita"?

*

Outros argumentos do ensaio também são débeis, como o que pretende provar que o eleitorado de Lula migrou da classe média para o povo. Tudo bem, concordo que Lula perdeu, de 2005 para cá, depois do mensalão, uma parte dos votos de classe média. Mas ganhou outros votos, também de classe média! O estudo tenta mostrar que Collor teve votos do povo e Lula da classe média, mas a tabela que traz não condiz com a tese. Singer quer forçar uma tese à revelia dos próprios dados que oferece.



A tabela acima não diz que Lula teve apenas votos da classe média. Informa que ele perdeu para Collor no segmento que ganha menos de 2 salários, mas teve 41%. Da mesma forma, quem ganha mais de 10 salários votou majoritariamente em Lula, mas Collor teve 40%. O problema de Singer é que ele usa números frios sem imaginação. Ele os esfria ainda mais. E tenta dissecar um corpo vivo, sensível, delicado, complexo, usando uma peixeira baiana.

De fato, em 2006 Lula ganhou de lavada no povão, e perdeu entre a turma do andar de cima. Mas as estatísticas enganam. Os números abaixo não trazem detalhes, como o fator regional: foi a classe média sulista, com ênfase em São Paulo, que deu votos ao PSDB.





Se o povão tinha "hostilidade" às greves, e por isso não votava em Lula, não é porque ele (o povão) era de "direita", e sim porque, repito aqui, eram suas crianças quem amargavam a falta de cuidados médicos. É claro que o povo era contra as greves. Um punhado de operários do ABC paulista, cujos salários correspondiam ao triplo do de um professor do ensino básico ou de um enfermeiro do serviço público, sabia o valor de uma greve para sua classe; o funcionário público com estabilidade no emprego mas um salário de fome, corroído cada vez mais pela inflação, também sabia o valor de uma greve; mas as crianças que morriam na porta dos hospitais fechados - em greve - não tinham nada a ver com isso! Para André Singer, todavia, o povo é de direita porque não gosta de greve... E daí ele usa esses dados como base para uma série de outras conclusões, as quais, por se originarem em premissas falsas, são igualmente artificiais.

Meus leitores sabem que prezo muito o uso de estatísticas. Mas eu gosto de números confiáveis, como os de comércio exterior, onde os volumes e valores são registrados minuciosamente na alfândega. Ou pesquisas eleitorais objetivas, onde se pergunta ao entrevistado: vota em x ou y? E o sujeito responde: voto em x. Esse tipo de estatística capenga, contudo, sem imaginação, não contribui em nada, a meu ver, para se compreender o processo político e eleitoral no país. Ao contrário, serve apenas para, mais tarde, alegar-se que o povo "contrariou as expectativas" e desmerecer o trabalho dos cientistas sociais. A ciência política deve buscar sempre amparar-se em dados objetivos, mas não deve nunca, sob o risco de se tornar uma matemática burra e inútil, esquecer que o mais importante, para entender a sociedade e seus anseios, continua sendo a intuição e o bom senso.

18 de janeiro de 2010

O descanso do condor

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Arriscado usar, numa crônica sobre política latino-americana, o nome condor. Apesar de ainda ser um símbolo de liberdade e independência, a bela ave das cordilheiras andinas teve seu nome estigmatizado pela homônima operação de contra-insurgência realizada coletivamente pelas piores ditaduras da região. Mas eu insisto. Recuso-me a entregar tão facilmente um arquétipo poderoso e popular às mãos torpes de forças derrotadas. Ave mais nobre e mais livre das Américas, o condor é o maior pássaro do planeta. Suas asas têm envergadura superior a três metros, permitindo que ele voe longas distâncias sem sequer movimentá-las. O condor pode voar até trezentos quilômetros sem descanso. Mas o que isso significa perante a imensidão continental das montanhas onde ele vive? Em algum momento, o orgulhoso pássaro tem que descer e descansar.

A derrota de Eduardo Frei é o descanso do condor. Por mais competente que seja uma agremiação partidária, sempre haverá um período de cansaço, de esgotamento, de ânsia pelo novo. A esquerda chilena não foi derrotada neste domingo. Ganhou um desafio. Haveria derrota se o legado da esquerda chilena fosse um país devastado economica e socialmente, disso resultando uma vitória eleitoral esmagadora para a oposição. Nada disso aconteceu no Chile. A esquerda entrega um país com índices solidamente positivos e perdeu por poucos milhares de votos. Saiu por cima, com dignidade e respeito. Não se radicalizou. Não caiu em armadilhas maniqueístas, realizando avanços onde devia fazê-los e mantendo políticas que achou sensato conservar.

As grandes mudanças não são necessariamente inversões. Nenhuma instância é mais dialética que a política. Todo governo é simultaneamente continuidade e superação. Ou continuidade e regresso.

É válido comparar o Chile ao Brasil. Os formuladores da campanha de Dilma Rousseff terão à sua disposição o exemplo da derrota da esquerda chilena para se precaverem contra algo semelhante por aqui.

*

A esquerda latino-americana acumulou, nos últimos anos, uma longa série de vitórias. Muito além do que os mais otimistas jamais esperavam. Quem imaginaria, dez ou quinze anos atrás, que a esquerda ganharia as eleições presidenciais em quase todos os países do continente? E que a primeira década do novo século, após os trágicos anos 90, assistiriam a um declínio da miséria tão acentuado?

Essas vitórias sucessivas, todavia, são o prefácio de derrotas futuras. É a lei da vida. A derrota no Chile serve à esquerda como advertência de seu próprio declínio. Ingenuidade achar que o PT ou qualquer outro partido de esquerda governará o Brasil indefinidamente. Então achei esse poema de um chileno que ganhou o Nobel de literatura, o socialista Pablo Neruda, que fala da necessidade de caírmos de vez em quando para não perdemos a perspectiva da altura. Ou mesmo por razão nenhuma. Porque há mistérios na vida que não compreendemos e seria arrogância e loucura pretender controlar tudo o que acontece. O poema alude também às desgraças políticas (e humanas) que varreram o continente. "Os copos se enchem e voltam / naturalmente a estar vazios / e às vezes de madrugada / morrem misteriosamente. Os copos e os que beberam."

A esquerda latino-americana não perdeu no Chile, porque sua maior vitória ainda é válida. Os gritos de júbilo pela volta da democracia ainda ecoam nas escarpas de Machu Pichu. As ditaduras direitistas não voltarão mais. E se voltarem encontrarão um ambiente social e institucional muito mais preparado para enfrentá-las.

Os povos latino-americanos são pacientes e fortes. Já enfrentaram séculos de opressão, miséria e totalitarismo. Não será a eleição pontual de um conservador que abaterá o seu espírito endurecido por tantos anos de sofrimento. Sem dúvida, tudo está muito bem; e tudo - diz Neruda - está muito mal.

De qualquer forma, vinte anos no poder é um sonho ainda distante da esquerda brasileira. Lula teve oito. Ainda teremos que nos preparar muito para sermos capazes de voar tão alto e tão longe quanto o condor andino.

*

Abaixo o poema de Neruda, traduzido por mim mesmo.


Não tão alto

De vez em quando e à distância,
Há que se tomar um banho de tumba.

Sem dúvida tudo está muito bem
E tudo está muito mal, sem dúvida.

Vão e vem os passageiros,
Crescem as crianças e as ruas,
Por fim compramos o violão
Que chorava sozinho na loja.

Tudo está bem, tudo está mal.

Os copos se enchem e voltam
Naturalmente a estar vazios
E às vezes na madrugada,
Morrem misteriosamente.

Os copos e os que beberam.

Crescemos tanto que agora
Não saudamos o vizinho
E tantas mulheres nos amam
Que não sabemos como fazê-lo.

Que roupas lindas usamos!
E que importantes opiniões!

Conheci um homem amarelo
Que se acreditava laranja
E um negro vestido de vermelho.

Se vêem e se vêem tantas coisas.

Vi os ladrões festejados
Por cavalheiros impecáveis
E isso acontecia em inglês.
E vi os honrados, famintos,
Buscando pão na lixeira.

Eu sei que ninguém me crê.
Mas eu vi com meus próprios olhos.

Há que se tomar um banho de tumba
E desde a terra fechada
Olhar para o orgulho lá em cima.

Então se aprende a medir.
Se aprende a falar, se aprende a ser.
Talvez não seremos tão loucos,
Talvez não seremos tão lúcidos.
Aprenderemos a morrer.
A ser barro, a não ter olhos.
A ser um nome esquecido.

Há poetas tão grandes
Que não cabem numa porta
E comerciantes velozes
Que não recordam a pobreza.
Há mulheres que não entrarão
Pelo olho de uma cebola
E há tantas coisas, tantas coisas,
E assim são, e assim não serão.

Se quiserem não me acreditem.

Apenas quis ensinar-lhes algo.

Eu sou professor da vida,
Vago estudante da morte
E se o que sei não lhes serve
Não disse nada, senão tudo.

Pablo Neruda

(Tradução: Miguel do Rosário).

Ler original.

Bortolotto volta à liça

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Lembram quando eu informei vocês aqui sobre o trágico incidente ocorrido com Mário Bortolotto, dramaturgo londrinense que vive em São Paulo? Pois é, o cara, com quem já compartilhei algumas noitadas em Sampa e no Rio, já está recuperado, graças a Deus, em casa, recebendo amigos, dando entrevistas e escrevendo em seu blog.

A prova maior de sua recuperação, contudo, foi seu último post, onde ele destila toda sua verve blogueira para se defender de mordidinhas medíocres e covardes de jornalistas mauricinhos da Folha de São Paulo.

Vale a pena ler. Reproduzo abaixo:

JORNALISMO MAURICINHO

Mario Bortolotto

Eu realmente estou um pouco estarrecido com o comportamento da Folha de São Paulo no que se refere ao trágico episódio que aconteceu comigo e que já é do conhecimento de todos (pelo menos dos que freqüentam esse blog). Uma pá de jornalistas ficou no meu pé assim que saí da UTI no afã de conseguirem a primeira declaração minha sobre o ocorrido. Eu me neguei a atender quem quer que fosse por vários motivos. Porque estava muito cansado (entendam que levei três tiros e ainda quebrei o braço esquerdo tendo que me submeter a duas cirurgias sendo que uma delas durou 9 horas – quer dizer, fiquei mesmo entre a vida e a morte e segundo me disseram, muito mais pra lá do que pra cá), entupido de remédios, o que me dificultava o pleno entendimento do que estava acontecendo e em terceiro lugar, não tinha o menor interesse que a imprensa fizesse um freak-show dessa história toda (muito dolorida pra minha família e pros meus amigos). Não quero ser conhecido como o Dramaturgo que reagiu a um assalto e levou três tiros. Quero sim ser conhecido como o Dramaturgo que escreveu mais de 50 peças e que trabalha exaustivamente não só como escritor, mas também como diretor, ator, sonoplasta, iluminador, e que ainda encontra tempo pra cantar numa banda de rock. É pelo meu trabalho que quero ser lembrado quando estiver bebendo em algum boteco do céu, e não porque reagi a um assalto e levei três tiros. Então não tinha o menor interesse de dar entrevista nenhuma. E evitei o máximo que pude. O jornalista Lucas Neves da Folha (Ilustrada) me procurou e eu disse pra ele esperar, que ia dar entrevista pra ele e pro Estadão no mesmo dia, sem procurar privilegiar nenhum dos dois. Afinal o Estadão tem dois jornalistas que são meus amigos e pra quem eu jamais recusaria qualquer declaração: Beth Néspoli que acompanha o meu trabalho com a maior atenção desde 1.997, inclusive às vezes fazendo críticas que eu discordo e com quem inclusive me sinto à vontade pra discutir essas criticas e o Jotabê Medeiros que é simplesmente meu amigo de juventude, de jogar futebol juntos e de namorar a melhor amiga da minha namorada. Pra vocês terem uma idéia, o Jotabê foi o primeiro cara que escreveu uma crítica de peça minha no jornal, isso quando ele era ainda estudante do curso de Comunicação Social na UEL (Universidade estadual de Londrina). Não tinha como negar entrevista pra nenhum deles. Então combinei com o Lucas Neves que iria dar entrevista pra ele no mesmo dia que concedesse a entrevista pro Caderno 2. Esperei o Jotabê marcar o dia que ele queria, e ficou decidido que seria quarta-feira da próxima semana (dia 20/01). O Lucas se dizia pressionado pela editoria da Ilustrada que fazia questão de soltar a matéria primeiro e com exclusividade. Respondi que não tinha nada a ver com isso e que só daria a entrevista no mesmo dia do Estadão. Eu não tava interessado em dar entrevista. Ele é que tava a fim de me entrevistar. Engraçado que quando a gente estréia alguma peça e precisa de divulgação, é o mó trampo pra conseguir uma matéria. Aí se instaurou a fogueira das vaidades. Mauricio Stycer do Caderno Cotidiano da Folha me telefonou querendo uma entrevista. Bem, Me recusei, pedindo pra ele esperar e que talvez mais pra frente a gente pudesse conversar (eu já tava comprometido com o Lucas e o Jotabê e sequer conheço o Mauricio Stycer. Não via nenhum motivo pra dar entrevista pra ele, ainda mais na frente dos outros dois. Até concederia uma entrevista pra ele, desde que ele tivesse um pouco de paciência), o que deixou o Mauricio bem irritado. Aí uma jornalista do Globo on line me ligou e conversou rapidamente comigo por telefone (não foi exatamente uma entrevista – respondi quatro perguntas informalmente pra ela por telefone). Foi o suficiente pro Mauricinho Stycer ficar ainda mais puto comigo (parece que ele não conseguiu falar comigo depois). Foi aí que a Folha de São Paulo começou a me ferrar com todo o poder que eles detém. Primeiro soltaram uma matéria podre no dia 14 de janeiro (“Bortolotto faz de blog palco para falar de crime”), não assinada onde eles simplesmente copiaram trechos de textos que escrevi no blog. E qualquer estudante do primeiro ano de jornalismo sabe que excertos de um texto fora de contexto podem prejudicar e muito o real entendimento do pensamento do autor. Mas foi exatamente o que eles fizeram. No final da matéria escreveram: “Procurado pela Folha, Bortolotto não deu entrevista”. Como assim, porra? Eu tinha entrevista marcada com o Lucas Neves pra quarta-feira (dia 20) que vem (o mesmo dia que marquei com o Jotabê). O que acontece é que eles queriam que eu desse entrevista pra eles antes do Estadão. Eu não aceitei e eles ficaram putos comigo. Aí no dia 15 saiu outra matéria mais podre ainda, essa assinada por um tal de Fábio Victor onde ele faz questão de enfatizar que a polícia estava dando prioridade pro meu caso. Notem as aspas: “Segundo a Folha apurou, por determinação do alto escalão da Secretaria de Segurança Pública, uma equipe inteira do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), onde corre o inquérito, está mobilizada para cuidar do caso. São nove investigadores, cinco escrivães e um delegado. A unidade, responsável por investigar crimes contra a vida em sete bairros da região central da cidade, teve de suspender os 130 inquéritos sob sua responsabilidade para elucidar com agilidade o caso de Bortolotto.

Desde o início, o governo do Estado tem dedicado atenção especial ao episódio. O governador José Serra visitou o dramaturgo no hospital.”

Em primeiro lugar, que culpa tenho eu disso? Eu pedi alguma atenção especial pro meu caso? Que eu saiba, o Governador esteve mesmo me visitando no hospital, mas eu tava em coma induzido. Não cheguei a conversar com ele (não conheço o governador pessoalmente) e não pedi nenhuma atenção especial pra mim. Conversei sim com o Kassab que foi lá na UTI com sua assessoria e conversou comigo, mas foi uma conversa informal onde eu também não pedi nada pra ele. Não tenho essa cara de pau. Fui bem educado pelos meus pais. Foi até engraçado porque uma das enfermeiras me julgando um cara muito importante por estar recebendo visita do prefeito, pediu que eu intercedesse junto a ele a respeito do décimo quarto salário dela. E agora eu pergunto: Foi eu que convidei o Kassab a me visitar?

Mas agora vem o pior. Olhem só esse outro trecho da matéria: "Ocorre que, ao ser confrontado com o suspeito no último dia 8, quando também depôs à polícia, Bortolotto se revelou incapaz de identificá-lo como o autor dos disparos. Alegou que estava muito bêbado naquela madrugada para conseguir apontar quem quer que fosse como o responsável.

No entender de policiais, o real motivo de Bortolotto ao se dizer inapto seria o fato de ele ser conhecido no submundo da praça Roosevelt, além de saber que, nesse universo, a delação é tida como imperdoável.
Procurado, Bortolotto não quis dar entrevista".

Vamos deixar uma coisa bem clara. Em primeiro lugar, eu não aleguei que estava bêbado. Eu estava realmente muito bêbado e toda a rapaziada que tava no bar sabe disso e infelizmente não consigo identificar ninguém. Adoraria identificar pelo menos o cara que atirou em mim, mas não posso fazer isso e correr o risco de condenar algum inocente. Pra vocês terem uma idéia do meu estado etílico, até alguns dias atrás eu podia jurar que o cara que atirou em mim e que eu derrubei no chão, estava usando camiseta branca. Vendo o vídeo do circuito interno dos Parlapatões, percebo que o cara está usando uma blusa verde. Em resumo, que espécie de testemunha confiável eu sou? Aí a matéria ainda afirma que os policiais disseram que eu estou com medo de denunciar os caras e sofrer represália. Quer dizer então que eu não tenho medo de enfrentar um cara armado que vem pra cima de mim, mas agora eu tô com medinho de denunciar o cara? Ah, qual é, porra? Vamos deixar uma coisa muito clara, pelo menos no meu blog onde ninguém pode distorcer as minhas palavras. Eu não tenho medo de ninguém. Nunca tive. Eu sempre fui kamikaze e quem me conhece, sabe disso. E digo isso sem nenhum orgulho, porque eu acho sinceramente que eu devia ser mais cuidadoso comigo mesmo. Mas infelizmente eu não sou, até por isso vivo me metendo em encrenca e me ferrando. Se eu pudesse identificar o cara, eu o faria, mesmo porque não interpreto isso como delação. O cara atirou em mim, porra. Eu não sou bandido e não vivo sob código de bandido. Mas eu não sou leviano a ponto de acusar alguém sem ter certeza. E isso definitivamente eu não vou fazer. Vou ficar o resto da minha vida na dúvida se incriminei um inocente. Eu prefiro levar um tiro e acabar com essa merda de uma vez. Acho bem mais digno. Se antes eu já não tinha medo de morrer, agora então eu tenho muito menos. Descobri que morrer é simplesmente não mais existir. Fiquei dois dias em coma induzido. Não é nada demais. O ruim mesmo é ficar por aqui vivendo sem dignidade. E que história é essa de submundo da Praça Roosevelt? Eu sou um escritor e ator. Eu não faço parte de nenhuma gang. Meus amigos são todos escritores, atores, músicos e simpatizantes de artes em geral. Ninguém ali é bandido. Que merda é essa de vir dizer “que nesse universo a delação é tida como imperdoável” ? Eu não faço parte desse universo, Fábio Victor. Eu sou escritor e ator. Sequer conheço algum traficante na área, simplesmente porque sequer eu cheiro cocaína. Então de que merda de submundo que eu sou? E depois ainda o Fábio Victor volta a dizer que “procurado, Bortolotto não quis dar entrevista”. Caralho, eu já tinha prometido pro Lucas que ia dar entrevista pra ele no mesmo dia do Estadão. Porque a Folha de São Paulo tem que ser tão mimada assim? Porque eles acham que são os melhores e que tem que ter prioridades sempre? O que é que acontece?

E uma coisa eu tô tentando entender até agora. Foi essa matéria de merda que o Bressane elogiou? O que tá acontecendo com você, Bressane?

E aí vem a cereja do bolo. O Mauricinho Stycer no blog dele comentando a matéria do amiguinho Fábio Victor diz que ela levanta uma questão fundamental. Notem as aspas: “a do peculiar privilégio deste caso sobre os demais” Volto a perguntar: Que culpa eu tenho? Não pedi nenhum privilégio. Não conheço o governador José Serra e não conhecia o prefeito Kassab até ele entrar lá na UTI e vir falar comigo. E depois disso, ainda não nos tornamos grandes amigos, não vamos jogar nenhuma partida de squash no final de semana.

E o Mauricinho continua provocando no seu texto : “e aborda um tema muito sensível e delicado, que é a dupla violência que Bortolotto, como outras vítimas, pode estar sofrendo: a do assalto em si e, depois, a do medo de represálias se ajudar a levar o criminoso à prisão”. Caralho, tudo o que eu queria era colocar esse merda que atirou em mim na cadeia e esse mauricinho fala uma merda dessa? Eu vou repetir pela última vez: Não consigo identificar sequer o cara que atirou em mim simplesmente porque estava muito bêbado e foi tudo muito rápido. Tinha um outro lá que eu lembro praticamente porra nenhuma. Quanto aos outros dois assaltantes, não me lembro sequer de ter visto eles. Só fiquei sabendo que eram quatro depois que acordei do coma no hospital. Sei que dois entraram intimando e achei que podia lembrar pelo menos do cara que atirou em mim, mas depois que vi o vídeo, percebi que minhas parcas lembranças não valiam merda nenhuma.

E o Mauricinho Stycer termina assim o seu brilhante texto: “Em sua primeira entrevista à televisão, ao programa “Metropolis”, da TV Cultura, o dramaturgo refletiu sobre o impacto que o assalto está tendo em sua vida e como poderá se refletir em sua obra, mas não comentou os fatos relacionados à noite do crime”

Mauricinho, eu vou gritar no seu ouvido pra ver se você entende, falou? EU NÃO COMENTEI NADA SOBRE A NOITE DO CRIME PORQUE A REPÓRTER NÃO PERGUNTOU SOBRE ISSO E ACERTADAMENTE, DEVO DIZER, AFINAL É O PROGRAMA METROPOLIS E QUE EU SAIBA, O PROGRAMA METROPOLIS É UM PROGRAMA DE CULTURA E NÃO UM PROGRAMA POLICIAL.
Agora eu vou descansar, porque essa dor nas costas tá de matar. E decididamente não é fácil escrever com um dedo só e com dor nas costas. Com tanto texto bacana que eu quero escrever, tenho que perder meu tempo respondendo esse tipo de merda.

15 de janeiro de 2010

Os reaças da semana

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O blog Esquerdopata, linkado ao lado, tem uma série muito engraçada sobre manifestações reacionárias na internet. Quero fazer uma contribuição ao trabalho dele. Fuçando a internet, topei com uma comunidade no orkut intitulada: Dilma Roussef em 2010, não. Aí encontrei o seguinte tópico, que realmente... não merece sequer comentários... Basta reproduzi-lo.

É autodesmoralizante. Só gostaria de observar uma coisa: depois de nos aterrorizar com a possibilidade da "comunista" Dilma ganhar eleições e tomar o apartamento de todos, eles citam o poeta russo Maiakósvki, um dos mais entusiastas pela revolução bolchevique de 1917. É ou não engraçado demais?


Lei de Gérson
Sua residência será invadida, graças ao Lula!!!
.
Todas os brasileiros trabalhadores e honestos precisam saber que o decreto comunista e golpista que Lula assinou dá direito que qualquer residência ou propriedade seja invadida, em nome daquele conceito aloprado de "justiça social".

A revolução comunista/socialista está em marcha e irá trazer milhões de mortes se não for contida a tempo.

É hora da gente de bem se movimentar contra esses anormais comunistas.
Comunismo/socialismo é um crime hediondo contra a humanidade e não pode ter mais vez no mundo atual.

“Hoje, eles nos insultam e agridem com palavras
E nós não dizemos nada!
Amanhã, eles invadem nosso jardim e pisam nossas flores
E nós não dizemos nada!
Finalmente, arrombam a porta, invadem nossa casa e nos arrancam a língua
E nós... já não podemos dizer nada!”
Maiakovsky


Joguem água e comida por balão!

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Mandem água e comida por balão às pessoas no Haiti, como faziam na II Guerra! Por que não fazem isso? Joguem toneladas de água e comida por ar, em várias partes do país. A ONU tem que saber fazer as coisas com urgência!

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Send food and water to people in #Haiti by balloons! Urgent! Help Haiti

14 de janeiro de 2010

Promoção: Carta Diária Grátis por 1 semana para quem assinar o blog

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Atualização: Essa promoção vale por tempo indeterminado.

Prezados, pensei numa promoção legal para vocês e para mim. Quem assinar o feed do blog (digitando o email na seção superior do blog, à direita), irá receber a minha Carta Diária, gratuitamente, por uma semana (5 dias úteis). Não se esqueça que o sistema feed envia uma mensagem pedindo confirmação para seu email, e a promoção só vale para quem tiver cumprido essa etapa.

A promoção vale a partir de agora, e aconselho a participarem logo, porque a edição de hoje está quentíssima, com análises e tabelas contendo as atualizações divulgadas hoje pelo Sistema de Comércio Exterior.

Aos assinantes já inscritos no Feed que quiserem participar da promoção, peço encarecidamente que mandem um email para oleodiario@gmail, apenas dizendo, no assunto, a frase: "também quero".

Cordialmente.

13 de janeiro de 2010

Lula 2 X Mídia 1?

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Ainda quero confirmação para essas notícias. Ao que parece, todavia, Lula decidiu manter o III Programa Nacional de Direitos Humanos intocado. Fez apenas mudanças de vocábulário na parte que toca aos milicos, num gesto de conciliação com a extrema-direita militar - que de resto oscila entre os 80 e 98 anos. O mais importante é que manteve os outros pontos polêmicos. Não quero comemorar a vitória antes da hora. Esperemos. Se for verdade, Lula terá marcado dois gols de uma vez e superado a crise artificial produzida pela mídia de oposição.

Essa notícia é 99% verdadeira. Mas apanhei tanto de minha própria consciência nas últimas 72 horas que prefiro esperar um pouco antes de abrir a cerveja.

Luto pelo Haiti

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Olhem o estrago

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Separei abaixo duas cartas publicadas no Globo impresso de hoje, para vocês verem o nível de desinformação a que o jornal leva seus próprios leitores. Outras vão no mesmo tom. O revoltante é que o Globo, ao publicá-las assim, sem contraponto, agrava a ignorância. Desinforma mais ainda. Porque outros vão ler e acreditar. Elas são prova da incompetência da empresa em esclarecer seus leitores, e mesmo assim são publicadas, em virtude do interesse político em desgastar o governo.

Diante de um estrago tão imenso, estou quase mudando de idéia novamente e achando que, de fato, o anúncio do plano foi equivocado. O governo e os movimentos sociais deveriam ter chamado a imprensa para discutir o seu impacto na opinião pública. E quando falo imprensa, falo em todos, na grande imprensa corporativa, na pequena alternativa, na blogosfera. Um plano tão abrangente deveria contar com uma assessoria de imprensa mais competente.







Sei que para vocês, leitores meus, não é preciso explicar que estamos lidando aqui com calúnias absurdas. O programa não vai proibir ninguém de sair com símbolos religiosos. Haverá uma discussão sobre símbolos em repartições públicas, feita pelo Congresso, conforme disposição da ONU sobre o tema, e não creio que os parlamentares brasileiros, apesar de suas conhecidas deficiências, cometerão alguma insanidade. O programa visa ampliar os direitos individuais, e não suprimi-los. Não há absolutamente nada no programa que sequer sugira censura à uma opinião individual, apenas a sugestão de que, CONFORME A LEI, as empresas de comunicação que operam concessões públicas tenham responsabilidades no que toca aos direitos humanos, como acontece em qualquer país civilizado. E repito: são apenas diretrizes, uma plataforma de sugestões vagas a ser encaminhada ao Congresso Nacional.

Quanto à segunda carta, ela resume maravilhosamente a estratégia da mídia de oposição: transformar um programa de direitos humanos sugerido pela ONU e aprovado por todas as entidades que lidam com o tema no Brasil, numa plataforma bolivariana. Com isso, tenta-se transformar as eleições presidenciais deste ano num plebiscito antichavista e, considerando que a opinião pública nacional já foi devidamente preparada para ver o chavismo como a consolidação dos ideais satânicos na Terra, o resultado será a criação de um grande pânico, reginoduartiano, para o qual serão necessárias cavalares doses de esperança e esclarecimento para debelar.

Mídia 1 X 0 Lula

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Dessa vez Lula perdeu. A mídia aproveitou o fato do presidente estar de férias para se esbaldar. O governo ficou totalmente encurralado. Tipo se fugir o bicho pega se ficar o bicho come. E a blogosfera não pode ter a ilusão de achar que já tem força suficiente para se contrapor à avalanche de calúnias da grande imprensa. A blogosfera é fundamental no combate às mentiras da mídia, mas quando todos jornais e revistas e portais se unem numa só frente, a briga fica muito desigual.

Hoje Roberto Damatta, num exercício de desonestidade intelectual incrível, bota uma bala de prata em seu revólver antropológico e dispara. O Programa Nacional de Direitos Humanos, chamado por ele de "decreto cultural centralizador", reflete (segundo ele) uma crise institucional que vem desde que Dom João VI abandonou Portugal em 1808, fugindo de Napoleão, e se refugiou no Brasil. Damatta, naturalmente, ressalva que ainda há cachorros de raça no mundo: os Estados Unidos. Os vira-latas brasileiros ainda tem muito a aprender.

A mídia oposicionista meteu um gol bonito, não há como negar. Conseguiu acuar toda a base do governo no Parlamento, que reagiu negativamente ao PNDH 3. É isso que a blogosfera e a esquerda não compreendem. As escaramuças virtuais não refletem a correlação de forças nas altas esferas institucionais. A influência mais poderosa da mídia se dá sobre os próprios políticos. Há uma ala de centro, conservadora, que é peça-chave na sustentação parlamentar do governo. Afinal Lula conseguiu operar uma delicada alquimia. Não foi apenas o governo de esquerda que se inclinou ao centro e à direita. Alguns próceres de centro e da direita também caminharam para esquerda. Lembro que Francisco Dornelles, senador fluminense conhecido por suas posições conservadoras, fez uma comovente defesa da CPMF e da necessidade de se financiar a saúde pública, e tem sido um valioso paladino dos aumentos do salário mínimo e das aposentadorias. Assim ocorre com diversos outros parlamentares. O próprio Sarney, outro conservador famoso, tem sido um dos maiores apoiadores de programas sociais do governo e um sólido partidário de manter o pré-sal sob controle do Estado.

*

Em outras frentes, a oposição obteve vitórias importantes. O PV de Marina Silva aproxima-se cada vez mais de José Serra. O PSDB conseguiu convencer Gabeira a se candidatar ao governo do estado do Rio, para dar um palanque a Serra em território fluminense.

Marina Silva, aliás, também criticou o PNDH 3, apesar de saber que se trata de um documento valiosíssimo  para o meio ambiente e para os índios, que tem seus direitos regulamentados e ampliados. Sua crítica é leviana. "Num governo de 8 anos, porque não foi feito antes?" Que declaração estúpida! Se o Programa é bom (e ela não tem coragem de afirmar o contrário), a reação nunca poderia ser essa, e sim: "finalmente!"

*

A balbúrdia golpista em torno do PNDH 3 representou uma derrota para o governo, que sai chamuscado à direita e à esquerda. A direita, cujo porta-voz maior é a grande mídia, encontrou a prova de um governo com viés autoritário, uma acusação que ganha muita força num continente em plena combustão ideológica, dividido entre chavismos e antichavismos.  A esquerda, por seu lado, não reconhece no governo um aliado confiável. Não perdoa recuos - apesar de que, tantas vezes, é necessário recuar para avançar adiante.

*

Qual a lição disso tudo? A lição é não subestimar o Leviatã midiático. Ele conseguiu converter um programa de direitos humanos não vinculante, cheio de propostas bem intencionadas, mas vagas, que busca dar mais dignidade aos cidadãos brasileiros, que busca progredir na forma como se entende a ditadura, e que ainda será discutido exaustivamente no Congresso Nacional, conseguiu convertê-lo numa carta de intenções golpistas. E com isso deram um contra-golpe, pegando um governo desprevenido, com sua equipe ainda de férias, com sua base parlamentar em recesso.

*

Enquanto isso, José Serra permanece quietinho, sem dar opinião sobre nada. E ninguém cobra nada também. Sua estratégia será sempre essa: assistir a grande mídia vir com toda a força contra o governo, desmantelando-o peça por peça, para só no último momento, quando Lula e Dilma estiverem agonizando no meio do descampado, aproximar-se, costeando o alambrado, e disparar o tiro de misericórdia: algum escândalo de última hora, que já deve estar sendo devidamente articulado.

12 de janeiro de 2010

Vendendo o peixe

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O Programa de Direitos Humanos é democrático e moderno

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Leio e releio o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos e não consigo encontrar nada que justifique a histeria antichavista levantada pela imprensa. Trata-se de uma longa carta de boas intenções, e nem me refiro àquelas que abundam no inferno - boas intenções mesmo, em conformidade às orientações da ONU e do bom senso. Só coisa boa: direito dos idosos, das crianças, das mulheres, dos homossexuais. Muita coisa sobre proteção ao meio ambiente. Tudo sem exagero, em linguagem moderada e racional. Claudio Lembro, do DEM, um raro conservador honesto e tranquilo, e que já governou São Paulo por alguns meses, também defendeu o programa.

Há também muitas sugestões para aperfeiçoamento da segurança pública, com investimento em tecnologias de investigação criminal, melhor formação dos agentes, independência dos peritos, criação de ouvidorias de polícia independentes e com participação da sociedade civil.

E tudo vem escrito com prudência e humildade. Não há imposição de nada. Somente "estimular debate", "fomentar a criação", "discutir projetos de lei". Um texto, enfim, que serve de ponto-de-partida para um debate constitucional à vera sobre direitos humanos no Brasil.

Na questão fundiária, igualmente não há nada que prejudique o agronegócio. Há uma preocupação legítima de proteger o pequeno e o médio proprietário, o que é justo, e, ao contrário do que pregam os detratores do programa, confere mais segurança à propriedade, e não o contrário.

As afirmações de que o programa daria direitos indevidos e inconstitucionais ao invasor é mentirosa, odiosamente mentirosa. O que o texto diz é que as ações de despejo devem seguir as normais internacionais referentes aos direitos humanos. De resto, reitero que tudo são apenas orientações para um debate.

Não há motivo nenhum para a celeuma criada. Faltou informação também, sobretudo nos primeiros dias, de que o decreto assinado por Lula consiste num aperfeiçoamento da segunda edição, assinada por Fernando Henrique Cardoso. Essa informação, simples e necessária, bastaria para impedir a quase crise institucional que se seguiu à gritaria antibolivariana. Os pontos mais polêmicos sobre a questão fundiária e os meios de comunicação apenas repetem, com outras palavras, o que foi abordado no texto de FHC.

Não é desejo de todos que o Brasil se torne uma nação avançada em matéria de direitos humanos? Então? É assim que se faz. Discutindo com a sociedade, fazendo propostas. Como vocês acham que a Europa se tornou a Europa? Através do mesmo processo. E o programa em questão segue as orientações da Organização das Nações Unidas (ONU), que reúne as experiências mais modernas neste sentido desenvolvidas pelos países com melhores índices de justiça e bem estar social.

O Brasil é um país que viola brutalmente os direitos humanos de seus cidadãos. E quando o governo assina um Programa que promete regulamentar e normatizar esses direitos, a mídia reage com essa truculência?

Não há nada de "esquerdismo radical" no texto. Nada de chavismo, nem de bolivarianismo. Nem estou criticando Chávez ou o bolivarianismo. Mas é mentira atribuir esse programa ao núcleos radicais encrustados no governo. O texto não tem a dimensão revolucionária sugerida na mídia, mas apenas (apenas?) prevê o avanço dos direitos humanos numa sociedade democrática e capitalista.

O objetivo da oposição e suas mídias, conforme já abordei em um post anterior, é desgastar o governo junto aos segmentos conservadores, como a classe agricola, muito numerosa nos feudos tucanos, como São Paulo e Minas, de modo a empurrar o centro político e os moderados, hoje aliados à Lula, para os braços abertos de José Serra.

Eu mesmo caí na conversinha. Pensei inicialmente: "ih, será que o PT exagerou desta vez? Será que deu mais uma vez um tiro no pé e comprometeu a candidatura Dilma?"

Nada disso. É um texto ponderado. A mídia diz que reflete "o assembleísmo" de setores da esquerda, criminalizando assim a própria essência da democracia, que é chegar a acordos através de discussões abertas. Democrático para eles é decidir tudo em volta de uma mesa no Piantella...

Confiram vocês mesmos! Não há nada de radical no texto. Eu recortei alguns itens para meu Twitter e os reproduzo abaixo para vocês constatarem com seus próprios olhos o descaramento e má fé com que  segmentos midiáticos trataram esse importante passo do Brasil em direção a um céu mais limpo e a uma cerveja mais gelada...

Obs: Inventei hoje o "sinal de ironia", conforme certa vez sugeriu Ziraldo. É o §. Para evitar confusão em caso de ironias excessivamente disfarçadas.


  1. b)Propor projeto de lei voltado a regulamentar o cumprimento de mandados de reintegração de posse (...), garantindo (...) Direitos Humanos.from web

    Objetivo estratégico IV: Garantia de acesso universal ao sistema judiciário.
  2. from web
    Objetivo estratégico III: Garantia da proteção de crianças e adolescentes ameaçados de morte.
  3. from web
    b)Desenvolver e apoiar ações específicas para investigação e combate à atuação de milícias e grupos de extermínio. [coisa de comunista! §]
  4. from web
    i)Realizar campanhas de prevenção e combate à tortura nos meios de comunicação para a população em geral (...)
  5. from web
    h)Incluir na formação de agentes (...) curso com conteúdos relativos ao combate à tortura e (...) importância dos Direitos Humanos.
  6. from web
    Objetivo estratégico III: Consolidação de política nacional visando à erradicação da tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis (...)
  7. from web
    h)Realizar estudos e pesquisas sobre o tráfico de pessoas, inclusive sobre exploração sexual de crianças e adolescentes.
  8. from web
    d)Consolidar fluxos de encaminhamento e monitoramento de denúncias de casos de tráfico de crianças e adolescentes.
  9. from web
    Objetivo estratégico VI: Enfrentamento ao tráfico de pessoas.
  10. from web
  11. d)Desenvolver normas de conduta e fiscalização dos serviços de segurança privados que atuam na área rural.
  12. from web

















  13. c)Promover a capacitação técnica em investigação criminal para os profissionais dos sistemas estaduais de segurança pública.from web
    Publicar trimestralmente estatísticas sobre: - Crimes registrados (...)

    from web





  14. c)Fomentar o acompanhamento permanente da saúde mental dos profissionais do sistema de segurança pública (...)
  15. from web
    c)Propor (..) ouvidorias de polícias independentes (...) , com ouvidores protegidos por mandato e escolhidos com participação da sociedade.
  16. from web
    a)Promover a inserção, a qualidade de vida e a prevenção de agravos aos idosos, por meio de programas (...)
  17. from web
    b)Fortalecer políticas de saúde que contemplem programas de desintoxicação e redução de danos em casos de dependência química.
  18. from web
    a)Apoiar campanhas para promover a ampla divulgação do direito ao voto e participação política de homens e mulheres, (...)
  19. from web
    i)Fortalecer e ampliar programas que contemplem participação dos idosos nas atividades de esporte e lazer.
  20. from web
  21. a)Elaborar relatório anual sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil, em diálogo participativo com a sociedade civil.