Prezados, eu publiquei no Cafezinho um texto que eu queria ter publicado por aqui no sábado. Mas não tive inspiração na hora para fazê-lo, então acabei publicando lá no Cafezinho mesmo, apesar de ser um texto mais com a cara do Óleo.
http://www.ocafezinho.com/2012/03/27/dilma-os-ativistas-e-as-conspiracoes/
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27 de março de 2012
Dilma, os ativistas e as conspirações
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Miguel do Rosário
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terça-feira, março 27, 2012
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17 de março de 2012
O capitalismo não existe
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(Luis Felipe Noe, pintor argentino)
Encerrei o último post com uma provocação: "O capitalismo não existe enquanto sistema econômico, ou antes, não é um regime organizado ideologicamente". Agora preciso explicar. Eu já li Marx, e alguma coisa de economia clássica, mas minha opinião nesse ponto é baseada no bom senso.
O capitalismo é uma ideologia; um tanto vaga, instável, puxada para cá e para lá, mas toda ideologia tem esse problema.
Não é, todavia, um sistema político nem um regime econômico. Na Política de Aristóteles, estudam-se os diferentes regimes de organização política: monarquia, aristocracia, democracia. Em nenhum momento, se fala de capitalismo. Igualmente no opúsculo Política, de Espinoza.
Marx e Engels inventam o conceito de capitalismo a partir de uma reconstrução narrativa da história econômica da humanidade. Em Origem da Família e Propriedade, Engels cita a domesticação do animal como o surgimento do conceito de propriedade, que em seguida se estenderá à terra e à família.
A origem do capitalismo, segundo o marxismo, remonta aos primórdios da humanidade, quando ocorrem os primeiros escambos. O seu desenvolvimento dialético, porém, levaria o capitalismo a entrar em crise, criando condições para uma revolução que o levaria a autodestruir-se, depois de dez mil anos de hegemonia. Veríamos, enfim, o nascimento e o domínio do socialismo.
Eu acho o marxismo tremendamente pretensioso neste ponto, em achar que uma evolução de dez mil anos, envolvendo toda raça humana, seria modificada pelo voluntarismo de alguns poucos "iluminados".
Então eu, também pretensiosamente, vislumbrei os principais erros do marxismo e da interpretação do significado deste na história moderna.
O maior equívoco do marxismo, a meu ver, foi equiparar o socialismo, que é uma interessante e sedutora utopia, mas sempre uma utopia, à realidade orgânica que rege a história humana. Esta realidade orgânica é misteriosa porque não somos capazes de apreendê-la em sua plenitude, assim como não podemos entender, totalmente, os segredos do universo, o funcionamento do cérebro ou a resistência da teia de aranha.
O socialismo pode formar um contraponto dialético ao capitalismo, mas o capitalismo deve ser posto em seu devido lugar: é antes de tudo uma resposta acadêmica ao discurso socialista. O comportamento social do homem baseia-se tanto em fatores psicológicos como econômicos, ambos interligados.
Existe uma psicologia das massas, e não me refiro àquela psicologia registrada por acadêmicos. Esta corresponde a um estudo desta psicologia, uma tentativa, quase sempre canhestra, de captar as sutilezas e complexidades da psicologia social.
Da mesma forma, portanto, que não se pode confundir o estudo da psicologia das massas com a psicologia das massas em si, o estudo da economia política não substitui a economia política. O estudo do ser é uma coisa, o ser propriamente dito é outra. Discursar sobre as correntes oceânicas é uma coisa, o oceano monstruoso e terrível é outra.
O que chamamos de capitalismo, então, na verdade são posições políticas, um tanto precárias, fundamentadas no estudo da história. Não pode ser confundido com a realidade em si da economia humana, que é algo tremendamente poderoso e orgânico.
Por favor, não confundam a minha tese como uma louvação à força eterna do capitalismo. Ou como uma postura resignada, descrente das possibilidades de qualquer transformação efetiva. Ao contrário, podemos observar, na história, transformações profundas na maneira como os homens se relacionam entre si e com a produção de riquezas. Ao confundirmos o ser da história e da economia com o capitalismo, estaremos atribuindo a uma ideologia mambembe, criada às pressas no século XIX para servir de contraponto ao socialismo, uma complexidade que esta nunca teve.
Esta confusão, além disso, apenas gera desencanto, decepção, frustração, e converte jovens fogosamente idealistas em adultos amargos e reacionários. A frequente passagem de um trotskismo entusiasta para a um conservadorismo furioso tem sido frequente nas últimas décadas.
O regime econômico no qual vivemos não é capitalista. Existe, claro, a ideia vulgar segundo a qual o capital rege o mundo. Esta é uma concepção tão poderosamente arraigada nas pessoas, no entanto, que não podemos negá-la simplesmente. Então vamos aceitá-la, e desenvolvê-la dialeticamente.
O capital rege mundo, assim pensa Marx, assim pensa o vulgo, e concordamos. De uma forma ou outra, sempre regeu. Afinal o poder político também sempre foi associado ao capital. Mas eu acho equivocado dar ao capital um poder cabalístico. O capital encarna o conjunto das forças produtivas dominadas por um país ou classe social. Por trás do capital, há sempre um poder político e por trás do poder político há sempre homens.
Poderíamos argumentar que o capitalismo é sim um regime econômico e um sistema ideológico e que a prova disso são as leis capitalistas, que regulam o direito de herança e propriedade privada, por exemplo.
Eu diria que foi o capitalismo que se auto-associou a essas leis, milenares. As constituições modernas, aliás, relativizam essas leis. O direito à herança nos EUA, por exemplo, é bastante limitado. O imposto sobre a herança nos EUA é draconiano. A maioria dos milionários, antes de morrer, entregam boa parte de seu patrimônio para fundações sem fins lucrativos. A propriedade privada, por sua vez, é uma conquista do trabalhador moderno, uma vez que, durante séculos, ou mesmo milênios, este não tinha segurança jurídica sobre seu próprio patrimônio. A propriedade privada não é um conceito apenas capitalista. Alguns pensadores marxistas alegam que o socialismo é um grande criador de propriedade privada: faz com que, pela primeira vez, trabalhadores que não tinham nada, possuam um pedaço de terra e uma casa.
Um dos problemas do que poderíamos chamar de capitalismo seria a concentração da propriedade. Aí sim, temos situações realmente nocivas. Mas esse é um problema que, se levado ao extremo, prejudica severamente as economias capitalistas, porque empobrece o consumidor, gerando uma demanda deficitária.
Um regime autoritário, por sua vez, comunista (como a Coréia do Norte) ou não (como a Arábia Saudita) concentra a propriedade em mãos do Estado ou família dirigente.
A concentração da propriedade não é uma característica orgânica do capitalismo. Ela também obedece a leis econômicas naturais. Ela concentrar-se-á necessariamente, ou em mãos de corporações, ou em mãos do Estado. Em ambos os casos, quanto maior for, ficará cada mais sujeita ao controle social. As empresas gigantes são sempre mais fáceis de tributar e vigiar.
Então, se não é capitalista, qual o nome para o sistema econômico e político que temos no Brasil?
Ainda não resolvi a questão do nome para o modo econômico, mas pode-se dizer que vivemos um regime político constitucional republicano democrático presidencialista. É um regime político cujo valor é quase sempre subestimado pelos observadores leigos ou desatentos, à esquerda e direita. Não podemos esquecer que o sufrágio no Brasil e no mundo apenas se universalizou a partir da década de 70 e em muitos países, somente a partir da década de 90 que esta universalização alcançou a maturidade. E falo de países como EUA, Inglaterra, Alemanha e Brasil.
É incrível pensar que, até o final da década de 60, ainda havia restrições de ordem tributária para que negros e homens pobres votassem nos EUA!
Por isso mesmo que eu encaro estas teses sobre "crise de representatividade" com muito ceticismo. Como assim crise de representatividade se os povos mal tiveram tempo de se acostumar ao sufrágio universal, que lhes conferiu um novo poder político?
Muitas dessas teses nascem de interpretações contaminadas de moralismo, ou mesmo preconceitos bem vulgares, acerca dos representantes e partidos políticos. Ora, o poder político é um problema grave para o homem, em termos filosóficos. Um problema que vale para democracias ocidentais, autocracias árabes ou ditaduras comunistas. O homem é um bicho complicado, um animal político com uma psique repleta de impulsos contraditórios: por exemplo, anseia por liberdade, por um lado, mas aceita que esta liberdade seja cerceada por leis que lhe garantam segurança, de outro. Liberdade versus segurança, criatividade versus padronização cultural; são forças dialéticas que se complementam, mas a beleza espiritual do homem reside justamente na tensão entre elas, e na pureza de cada uma. Não se espera de um artista genial que se porte do mesmo jeito que o secretário de segurança, e, no entanto, a saúde social de uma cidade depende igualmente de ambos. Em nossa cachola convivem forças antagônicas cuja tensão configura a nossa personalidade, e cujo equilíbrio nos torna produtivos.
Com esta análise, não quero dizer que o mundo tem um futuro brilhante, medíocre ou sombrio. Isso seria tarefa para videntes. Aceito também que existam divergências ideológicas bem marcantes, que podem ser associadas, em algum grau, a conceitos de esquerda ou direita, embora não concorde com a simplificação maniqueísta com que seus respectivos militantes tratam uns aos outros.
Uma coisa boa, no entanto, é que a fé na democracia hoje ganhou consenso de ambos os grupos ideológicos. Nem sempre foi assim. Acreditar na república e no sufrágio universal já foi sinônimo de esquerdismo radical, e muita gente foi fuzilada, presa e perseguida por causa disso. Eu acredito que os princípios que regem a democracia, se desenvolvidos com inteligência e sensibilidade social, podem nos levar a um mundo bem mais justo. É um ideal tranquilo, que me conforta o suficiente a ponto de cometer a loucura de acreditar no futuro.
10 de março de 2012
Os paradoxos de Rabelais
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(François Rabelais, França 1494 - 1593)
Sabe como a capital da França recebeu o nome de Paris? Segundo Rabelais, o fidalgo Gargantua chegou a cidade pela manhã e provocou tal sensação, em virtude de suas proporções físicas literalmente gigantescas, que o povo lhe seguia de uma parte a outra. Tentando fugir da perseguição, Gargantua sobe ao cume da Notre Dame, e contempla a multidão cada vez maior que se aglomera embaixo. Então, ele desabotoa a braguilha, põe para fora seu bilau e despeja uma enorme torrente de urina, causando uma inundação que afoga milhares de pessoas. Os únicos sobreviventes são os que logram refugiar-se nas partes altas de Montmartre.
Indagado por um de seus acompanhantes porque havia feito aquilo, Gargantua responde que foi somente "par ris", em francês arcaico. Pra rir. Por troça. Daí veio o nome de Paris.
A própria história é uma grande piada, como de resto é toda a literatura rabelaisiana. Por razões que não me cabe explicar no momento, sou um francófilo e um estudante apaixonado de história e literatura francesa, e há dois anos li pela primeira fez o Gargantua, que junto a Pantagruel (que é o pai de Gargantua), são as duas obras-primas de François Rabelais, cujo papel na história da cultura gálica é similar ao de Dante na Itália, Shakespeare na Inglaterra, e Camões em Portugal.
Mas Rabelais é, sobretudo, um magnífico sacana, o que foi uma surpresa para mim, que sempre ouvira falar nele apenas como um clássico tradicional. É uma leitura divertida, despretensiosa, onde topamos com todo tipo de pornografia, escatologia, guerras absurdas, comilança excessiva e, sobretudo, uma defesa incondicional do uso imoderado do vinho.
É realmente divertido pensar no que significou este livro numa época terrivelmente conservadora (século XVI). A obra, claro, foi rechaçada por boa parte do stablishment, em especial os religiosos. Mas outros defenderam Rabelais, inclusive alguns representantes mais esclarecidos do clero. Também me diverte pensar que a Igreja Católica já teve uma ala progressista em termos de cultura, como se pode constatar visitando a Capela Sistina.
Como uma obra assim passou a representar o marco inaugural do renascimento francês, um dos pilares deste humanismo alegre e irônico - e talvez por isso mesmo tão poderoso - que iria caracterizar a literatura francesa a partir de então?
Mas eu não vim aqui falar apenas de Rabelais, e sim procurar estabelecer uma ponte entre seu humor libertário, corrosivo, quase diabólico; seu entusiasmo transbordante pela vida; sua verve incendiária, que era ao mesmo tempo maligna, esperançosa, sarcástica e humanista; uma ponte entre Rabelais e o mau humor da literatura política contemporânea.
Claro, é uma comparação puramente retórica. Os contextos são outros. No tempo de Rabelais, havia uma elite escrevendo para elite. O próprio Rabelais pertencia naturalmente a um estrato social superior. Mas os historiadores atestam, por outro lado, a enorme popularidade de Rabelais junto aos leitores mais humildes, ou mesmo entre analfabetos, que apenas ouviam falar de suas histórias. Ele era engraçado. Zombava dos grandes. Inventava causos incríveis e mágicos. Aliás, Rabelais baseia-se, para escrever suas obras, em folhetins extremamente populares na época, que narravam peripécias e trapalhadas de seres gigantes.
Na verdade não pretendo fazer nenhuma comparação, apenas iluminar um contraste. No tempo de Rabelais, havia uma censura drástica a qualquer crítica abertamente política. Com sua literatura quase desesperadamente hilária, Rabelais expressa, a seu jeito, as dores e misérias de seu tempo. O que me impressionou foi que o mundo levou a sério, muito à sério, a ponto de serem escritos volumes e volumes de "estudos rabelaisianos", todas aquelas histórias sobre intermináveis bebedeiras, comilanças, sonecas vespertinas, sexo e procedimentos fisiológicos.
A leitura de Rabelais me chocou profundamente porque me pôs diante do contraste avassalador com a seriedade, correção política e convencionalismo dos dias atuais. Em nossos TV, rádio, imprensa escrita, cinema e literatura, mesmo em seus programas, seções e vertentes mais ousados e picantes, e mesmo com toda a falação contra censura, não vejo uma grama da liberdade de expressão (com raríssimas exceções na literatura) que encontro numa obra publicada no século XVI!
Bem, ninguém tem culpa disso. É um fato cultural ou sociológico, e a equiparação, eu admito, entre século XVI e hoje é um tanto absurda, mas eu não consigo deixar de pensar nesse contraste enquanto navego pela blogosfera.
Neste sentido, o romance de Reinaldo Moraes, Pornopopéia, é um oásis no deserto. Reinaldo é nosso Rabelais, tanto no conteúdo, focado no lado carnal e demasiadamente humano, quanto na forma, onde o sarcasmo, o humor, a ironia invadem e dominam a sintaxe. Toda a complexidade que outros escritores procuram dar à trama, ou à psique dos personagens, Moraes confere à relação entre os seres linguísticos. O protagonista de Moraes é a frase - na sua relação com outras frases, do mesmo sexo, do sexo oposto ou consigo mesma.
O personagem principal, inclusive, é uma espécie de gigante sobrehumano, um Gargantua pós-moderno. Ele consegue, no mesmo dia, ingerir quantidades homéricas de álcool, cocaína, maconha, lsd, praticar sexo animal, repetidamente, com várias parceiras, e no dia seguinte, enquanto continua cheirando cocaína e fumando maconha, manter os nervos em forma para escrever fluidamente um romance magistral (pois o mesmo é narrado em primeiro pessoa).
A vida às vezes é mais incrível que a realidade, talvez alguém poderia fazer isso tudo, mas o personagem de Moraes não cria a empatia que permitiria ao leitor perdoar a falta de verossimilhança. O leitor sente uma inveja tão grande (não do uso de drogas, mas da vitalidade algo divina deste anti-herói) que não consegue gostar tanto do texto.
Esta convergência entre verossimilhança, originalidade e empatia é uma fórmula poderosa, que produziu os grandes clássicos, porque ela enriquece a obra estética com densidade política. Não é a tôa que, durante séculos, a leitura da Ilíada foi a base da educação da Grécia Antiga.
Verossimilhança, modernamente falando, não significa uma história "crível", ou amarrada aos fatos da realidade concreta; significa antes coerência interior, segundo os parâmetros particulares de cada obra.
No entanto, tão difícil quanto produzir um texto verossímil, e agora me refiro a literatura propriamente política (artigos, crônicas, posts) é conferir-lhe originalidade e empatia. Sem essas características, o texto, mesmo emitindo uma opinião aparentemente justa, não gera nenhuma energia nova. Não muda efetivamente nada. Ao contrário, muitas vezes um texto político aparentemente progressista, vocalizando protestos justos e mesmo urgentes, apenas ajuda a promover desânimo. Vemos isso em toda parte. Mídia e blogosfera às vezes parecem unidos no objetivo de nos fazer acreditar que o mundo é uma droga, o Brasil é uma droga, os políticos são uma droga, e que nem o Hermeto Pascoal enxerga muito bem.
À esquerda, um bando de chorões neurastênicos, a pretexto de exercerem militância ou ativismo virtual, vomitam discursos óbvios, raivosos e desesperançados. À direita, vicejam argumentos verdadeiramente apocalípticos, alguns pintados com o sarcasmo mau-humorado e histérico de membros do Antigo Regime.
Os segmentos mais engajados da juventude, com líderes assim, não vêem nada melhor do que acampar na praça, tocando violão, e repetir discursos vazios, desconexos e tristes. "A política acabou". "Os partidos acabaram". "A democracia acabou". Fala-se em falta de perspectivas... Como assim? Até entendo que um jovem iraquiano mutilado e sem instrução pense assim, mas um jovem europeu? E a aventura do conhecimento, onde foi parar?
Na academia, inaugurou-se uma nova escolástica, com gente produzindo textos cada vez mais esquizóides, incompreensíveis, herméticos, para desespero de milhões de estudantes, que precisam fingir entendê-los, mas como isso é impossível, acabam se tornando repetidores cínicos.
Enquanto isso, o planeta gira e a cada ano a economia global incorpora centenas de milhões de seres humanos que, até há pouco, não conheciam o significado de democracia, nunca haviam estado num cinema, nem jamais consumiram quantidade satisfatória de proteínas.
E acho injusto e equivocado que se atribua esses avanços sociais, que a humanidade vem experimentando, de maneira constante e firme, há séculos, à economia de mercado ou ao capitalismo. São vitórias da humanidade! Do instinto biológico ou divino que leva o homem a se organizar e a procurar instrução. O capitalismo não existe enquanto sistema econômico, ou antes, não é um regime organizado ideologicamente, mas esse é outro debate, que fica para depois.
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27 de janeiro de 2012
O embate ideológico por trás de Pinheirinho
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O principal argumento que tenho escutado para justificar a violenta reintegração de posse da comunidade de Pinheirinho é o de que a polícia tinha de cumprir uma determinação judicial. É a lei, estúpidos. Outro argumento, ligado a este, atribui a culpa à propriedade privada. É o capitalismo, estúpidos.
Não concordo com nenhum dos dois.
Continue a ler.
Não concordo com nenhum dos dois.
Continue a ler.
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Miguel do Rosário
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sexta-feira, janeiro 27, 2012
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28 de maio de 2011
Esclarecimentos sobre minha ideologia
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(Van Gogh, o mestre)
Nos últimos tempos, tenho sido bastante polêmico, divergindo bastante de muita gente, amigos, de outros blogueiros progressistas, em diversos temas. Como é de praxe na política, as pessoas acabam levando isso para o lado pessoal. Uma vez um comentarista me acusou de fazer polêmica apenas para chamar a atenção. Agora um outro disse estar surpreso pelo meu blog ainda estar linkado aos blogs "de esquerda". Preciso esclarecer algumas coisas.
Não faço polêmica pela polêmica. O que eu afirmo aqui é porque eu acredito. Contudo eu gosto de polêmica. Não tenho medo de ter uma opinião diferente, que contrarie a maioria, ou pelo menos um grupo que se considere (mesmo que não seja) a maioria. O que eu vejo, sempre, são as pessoas tentando ganhar no grito. Não constituem a maioria, mas são os mais barulhentos, e que usam determinada circunstância política para falarem mais alto. Assim que as circunstâncias mudam, são forçados a baixar o volume da voz, e aí vemos outros comentaristas emergirem.
Acredito na social-democracia, ou pelo menos no que isso significava antes do PSDB difamar a expressão. Ou seja, um regime democrático deve ter saúde e educação públicas gratuitas e universais, ponto.
De resto, minha única posição mais radical à esquerda refere-se ao sistema bancário: acho que os bancos privados são uma reminiscência medieval. Se a moeda é única e estatal, o crédito também deveria sê-lo. Os Estados deveriam ter apenas um banco público e estatal. Com isso, evitaríamos esse absurdo que é termos uma crise bancária a cada dez anos, forçando os governos a se endividarem para salvar o mundo de uma bancarrota.
Gosto muito da ideia de autarquias públicas, independentes do governo. Tipo assim, um Instituto Nacional de Educação, onde os diretores das filiais nos estados seriam eleitos pelos próprios professores, com participação da sociedade como um tudo. Eu vi isso funcionar muito bem na Colômbia, com a Federación Nacional de Cafeicultores.
Tenho, porém, opiniões muito próprias e até, diríamos, originais sobre o que seria o socialismo, o capitalismo, direita ou esquerda. Já escrevi muito sobre isso ao longo dos últimos oito anos.
Por exemplo, não acho que o capitalismo exista. Para mim existe um problema conceitual que vem confundindo há séculos as lutas trabalhistas. Neste sentido, sou crítico da filosofia marxista. O capitalismo não é uma ideologia. Quer dizer, existe uma ideologia capitalista, mas não se pode confundi-la com o processo histórico-econômico. Ao dizer que o mundo de hoje é o que é em virtude do capitalismo, a esquerda confere ao capitalismo uma força muito maior do que ele tem na verdade. O mundo hoje é simplesmente mundo, sem adjetivos ideológicos. ELe é o que é em virtude do desenvolvimento natural das forças produtivas, do desenvolvimento da vida. Dizer que a nossa civilização é capitalista é como dizer que os macacos e as aves também são capitalistas. O homem é um animal, e como tal se organiza em função de suas possibilidades cognitivas e existenciais.
Da mesma forma, o conceito de esquerda também não existe. Não existe um conceito definido sobre o que é ser de esquerda. A coisa mais palpável são frases do Norberto Nobbio sobre "estar ao lado dos oprimidos", o que é vago demais. Qualquer evangélico conservador ou político populista alega ser de esquerda pelos mesmos motivos. O presidente do DEM ao assumir, recentemente, declarou-se de esquerda. Roberto Freire repetia que o Serra estava muito mais à esquerda que Lula e Dilma. E durante muito tempo Lula repetiu que não se considerava "de esquerda", mas apenas um torneiro-mecânico; mais tarde sofisticou a informação dizendo que era um homem "com tendências socialistas".
No entanto, a gente consegue sempre, no ambiente concreto da luta política, identificar as forças de esquerda ou direita. As diferenças acentuam-se durante um embate eleitoral, mas sempre haverá confusão.
Eu me considero de esquerda, mas isso não quer dizer que eu ache maravilhoso todos os lugares comuns esquerdistas. Ao contrário, um dos focos do meu trabalho é a - digamos - elevação espiritual da esquerda, no sentido de aprimorar seus conceitos, estratégias e objetivos. Isso é uma luta, no seio da qual seus representantes costumam agredir-se mutuamente.
Eu não agrido ninguém, quer dizer, também dou minhas bordoadas aqui e ali, mas quase sempre em legítima defesa, e sobretudo procuro não julgar os outros como se eu fosse dono da razão.
O fato é que ser de esquerda não nos faz inteligentes. Muito pelo contrário, as pessoas ditas de esquerda costumam abraçar-se facilmente a clichês, jargões ideológicos.
Em "A estrutura ausente", de Umberto Eco, há um capítulo que fala sobre "as interações entre retórica e ideologia".
"Mas se retórica e ideologia estão tão intimamente ligadas, poderão os dois movimentos proceder independentemente um do outro?", pergunta-se Eco.
Segundo Eco, a ideologia é "a conotação final da totalidade das conotações do signo ou do contexto dos signos". Ou seja, a ideologia tem uma substância, um conteúdo, mas também possui uma forma. Não se trata, precisamente, de uma definição acerca de ideologia política. É uma ideologia de forma geral. Mas a ideologia política, hoje e sempre, confunde-se com a ideologia comum das pessoas. Com um pouco de sensibilidade e sorte, consegue-se adivinhar a ideologia da pessoa apenas por alguns gestos e frases. Até mesmo expressões faciais nos permitem intuir (às vezes) a que facção ideológica ela pertence.
É justamente isso que às vezes confunde os meus leitores. Eu combato a necrose ideológica decorrente do uso de lugares comuns. Por exemplo, ser de esquerda não é ser contra os Estados Unidos. Acho isso uma tolice. A pessoa está lá, digitando no Twitter, no Blogspot, usando a Internet, e querendo expulsar o Obama do território brasileiro! Além disso, ao apegar-se somente à frase feita, ao lugar comum, a pessoa perde o poder de análise. Nestes imbróglios sobre o oriente médio, por exemplo, culpa-se os EUA por tudo. Certo, os americanos têm culpa no cartório, mas a culpa principal é das próprias elites árabes, que venderam-se facilmente à ideologia americana, de um lado, ou abraçaram com volúpia sistemas de governo ditatoriais.
Aqui nas Américas, a mesma coisa. A culpa da ditadura militar que vivemos não é dos EUA, embora eles tenham ajudado. É nossa, de nossas elites. Durante muito tempo canalizamos mal a nossa revolta. Tínhamos que focá-la nos verdadeiros culpados pelo golpe de Estado: os donos da mídia, as elites econômicas e a classe média moralista e manipulável.
Um dos grandes avanços propriamente ideológicos trazidos por Lula foi justamente o de pararmos de culpar os países ricos por nossa pobreza e passarmos a olhar de frente nossos próprios defeitos, para corrigi-los. Toda a novidade trazida por Lula veio de sua ideologia original, quase anti-esquerdista. Lula quase não usava jargões esquerdistas, e apenas por isso conseguiu conquistar o povão e, mais tarde, todas as classes sociais. O jargão, o lugar comum, o clichê, só fazem sucesso entre um grupo reduzido de militantes.
Eu queria saber tambem qual a explicação, dentro da ciência política, para a emergência dessa ideologia impaciente, radical, irritadiça, sempre que um governo de esquerda ganha uma eleição. Aconteceu no Chile, lembrou-me Wanderley Guilherme dos Santos. Allende foi emparedado pelo radicalismo. Aconteceu na República de Weimar, na Alemanha do entreguerras. Aconteceu no governo de João Goulart. O resultado sempre foi desastroso.
A defesa do meio ambiente é algo fundamental no mundo de hoje, e no Brasil em particular. Mas não é propriamente uma bandeira da esquerda, ainda mais num país que precisa desesperadamente se desenvolver para superar mazelas sociais. É uma bandeira da civilização. Não pensem que eu ponha o meio-ambiente em segundo plano. Evidentemente sou contra o desmatamento, qualquer um, seja de grandes ou pequenos. Não acho, porém, que este será resolvido com aplicação de multas para 3 ou 4 milhões de proprietários rurais, que era o estava em vias de acontecer. Acho a ideia do Aldo Rebelo bastante sensata, que é forçar o produtor, em troca da anistia, a ingressar num programa de regulamentação ambiental. Em vez do governo tomar um calote, e a floresta continuar desmatada, ele ensinará o produtor o que fazer e como fazer. Também não podemos expulsar os pequenos produtores de suas terras por causa de uma legislação draconiana. O resultado seria desastroso: os pequenos não sairiam, haveria um problema social, e não resolveríamos igualmente o impasse ambiental. A solução, mais uma vez, é monitorar, regulamentar, ensinar o produtor a respeitar o meio ambiente.
Tenho esperança que o Congresso Nacional, depois que o Código Florestal for revisado pelo Senado, passar pelos últimos ajustes na Presidência e voltar à Câmara dos Deputados para se tornar lei, será um Código bastante sensato, que contemple as necessidades do agronegócio, do produtor familiar e do meio ambiente. E se não for perfeito, será melhor do que o anterior, e sempre poder-se-á aprimorá-lo ao longo do tempo. Talvez seja ingenuidade, sim, ou talvez seja simplesmente esperança!
Outro ponto que gerou atrito entre este blog e alguns leitores foi um post sobre Bin Laden. Mais uma vez, acho que as pessoas se deixaram levar pelo lugar-comum de culpar os americanos. Bin Laden era o cabeça de uma organização militar não-convencional. Um julgamento justo para Bin Laden apenas seria possível se a Al Qaeda depusesse as armas, como fez o Ira, na Irlanda. Como aconteceu, tratava-se de uma situação de guerra, onde os soldados americanos que invadiram a casa do terrorista enfrentaram risco e portanto podiam perfeitamente alegar legítima defesa. O Chomsky escreveu um texto falando que seria como um outro país invadisse a Casa Branca, assassinasse o presidente e lançasse seu corpo ao mar. Ora, foi exatamente isso que a Al Qaeda tentou fazer. Um dos aviões sequestrados no 11 de setembro (se não me engano), seria jogado contra a Casa Branca. Acho um erro, enfim, que a esquerda assuma a defesa de Bin Laden, porque isso a afasta do bom senso comum e a põe na marginalidade política. Escrevi já milhões de artigos detonando os EUA, detonando a guerra no Iraque e no Afeganistão. Mas entendo que Bin Laden era o inimigo número 1 dos EUA, e que sua morte foi justificada por ser o homem mais perigoso do mundo, um verdadeiro homem-bomba. A violência sempre existirá entre os homens, mas a ideologia democrática define que esta deva ser monopólio dos governos. No futuro, o combate ao terrorismo deve ser tocado apenas pelo exército da ONU, e não de nenhum país em particular.
Por fim, quero deixar claro que não tenho certeza absoluta de nada. Meu ídolo na filosofia é Sócrates e seu jeito irônico, sua dialética e simplicidade. ἓν οἶδα ὅτι οὐδὲν οἶδα. Só sei que nada sei. (Escrevi em grego só para tirar onda, não sei grego. Ainda. Daqui a uns sessenta anos, talvez aprenda. A frase pronuncia-se assim: hen oída hoti oudén oída). Sou apenas um blogueiro diletante e presunçoso, que gosta de dar pitaco sobre tudo. Não me odeiem, por favor. Pra ser franco, eu sofro à beça quando me vejo obrigado a discordar de meus colegas "de esquerda", mas não posso agir de outra maneira. Tenho que dizer o que penso. De qualquer forma, todos nós morreríamos de tédio se houvesse sempre o consenso. E há um ponto bastante positivo em nossas divergências. A gente está começando a esquecer a grande mídia. Nossos debates tem, aos poucos, escapado da simples crítica ao "PIG" e ganhado independência. Em alguns casos, nem damos mais bola ao que diz a imprensa, e fazemos o debate entre a gente, com informações que colhemos diretamente na realidade, através desse maravilhoso "portal" que é a internet.
Juro que estou disposto a mudar de opinião, sempre que me forem apresentados argumentos convincentes. Nem tenho ideia fixa. Também não tenho nenhuma obrigação com o governo Dilma. Às vezes dá vontade até de falar um palavrão, tipo: quero que o governo se... que a Dilma se... Mas isso seria ridículo. Pode parecer piegas e demagógico, e talvez seja mesmo, mas meu único interesse é o bem do povo brasileiro. A gente que gosta de política parece que tem um gene a mais (ou a menos) e sente na carne o que acontece a nosso redor, na sociedade.
Frequentemente falo besteira, sobretudo no Twitter, onde estou exposto aos repuxos do meu sarcasmo, irritação, desejo de ser "engraçadinho", etc. Tanto que às vezes prometo a mim mesmo que não usarei mais o Twitter. Peço que sejam tolerantes comigo nessa rede social, onde geralmente boto meu bom comportamento de lado e ajo como um verdadeiro delinquente. Estou tentando me cuidar, porque o número de seguidores está crescendo e a responsabilidade aumentando, mas nunca deixarei de ser irreverente (ou tentar sê-lo).
E já que abri os portões da pieguice, seguem os primeiros versos de Tabacaria, um poema batido, mas lindíssimo de Fernando Pessoa, que uso à guisa de conclusão e para resumir como eu me sinto:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
# Escrito por
Miguel do Rosário
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sábado, maio 28, 2011
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9 de setembro de 2010
Sobre calúnias e golpismos
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No dia 04 de setembro, lemos as seguintes declarações de personalidades de destaque da campanha de José Serra, sobre o assalto a um comitê do PT no ABC paulista:
Pois bem, agora leiam o que afirmou a polícia de São Paulo, ontem:
Com isso, configura-se uma falsa acusação e isso é bem mais grave do que aparenta a primeira vista. Colunistas vivem falando em princípios democráticos, mas parecem não saber muito bem a que se referem.
Em O Espírito das Leis, Montesquieu conta que as democracias do Mundo Antigo consideravam a falsa acusação um crime gravíssimo. Em Atenas, origem da democracia, se o acusador não apresentasse provas do que dizia, pagava uma considerável multa. Já em Roma, famosa pela severidade de suas leis, o acusador injusto era considerado infame e se imprimia a letra K em sua testa.
A liberdade democrática da qual gozamos tem correspondência direta com a responsabilidade que assumimos em não abusar dela. O abuso do direito que todos temos à palavra conspurca a liberdade. Pois não há multa que pague o dano causado à honra. Quem leu as acusações da campanha de Serra e não ficou sabendo do resultado da investigação policial, ainda ouvirá, em sua memória, as calúnias proferidas por Álvaro Dias e Índio da Costa. E mesmo quem soube do resultado, talvez ainda continue a desconfiar.
A calúnia, portanto, mais do que um crime passível de multa, é um ato imoral, que desprestigia política e envenena o debate democrático.
A postura correta, por parte do PT, é processar seus adversários judicialmente, mas a imprensa bem que podia dar uma força criticando, através de seus colunistas, a estratégia política de se emitir prejulgamentos caluniosos e antidemocráticos. Mas isso seria demais, não é?, visto que tem sido a própria mídia a indutora deste comportamento...
O que não podemos aceitar, todavia, é que as mesmas empresas que articularam e apoiaram o golpe de Estado de 1964, e enriqueceram-se e se tornaram gigantescos conglomerados econômicos sob o regime totalitário que se seguiu, arvorem-se paladinas das liberdades democráticas. E num processo surreal de alquimia ideológica, convertam aqueles que lutaram contra o totalitarismo e governantes eleitos e aprovados pelo povo em inimigos da democracia.
Não podemos nunca nos esquecer que a democracia brasileira (como aconteceu em toda a América Latina) foi violada, espancada, torturada e, enfim, morta, em nome de supostos princípios democráticos.
Por isso, da mesma forma que urge desconfiar de quem fala muito em ética ou moralismo - geralmente são safados -, deve-se tomar muito cuidado com quem fala demais em "princípios democráticos" e "Estado democrático de direito" - quase sempre são golpistas.
"Foi um roubo simulado, roubaram a si próprios. Desapareceram com fichas de filiações para esconder quem as abonou", afirmou o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). "Foi queima de arquivo", emendou.
(...) "O que houve foi uma simulação de assalto", disse o deputado Indio da Costa (DEM-RJ), vice de Serra.
Pois bem, agora leiam o que afirmou a polícia de São Paulo, ontem:
A Polícia Civil de São Paulo descartou ter havido uma "queima de arquivo" no roubo ocorrido em um comitê do PT em Mauá (ABC), na semana passada, como acusou a coligação da campanha de José Serra (PSDB).
Para os policiais de Santo André que estão à frente da investigação, a invasão ao comitê (..) foi um "roubo comum".
Com isso, configura-se uma falsa acusação e isso é bem mais grave do que aparenta a primeira vista. Colunistas vivem falando em princípios democráticos, mas parecem não saber muito bem a que se referem.
Em O Espírito das Leis, Montesquieu conta que as democracias do Mundo Antigo consideravam a falsa acusação um crime gravíssimo. Em Atenas, origem da democracia, se o acusador não apresentasse provas do que dizia, pagava uma considerável multa. Já em Roma, famosa pela severidade de suas leis, o acusador injusto era considerado infame e se imprimia a letra K em sua testa.
A liberdade democrática da qual gozamos tem correspondência direta com a responsabilidade que assumimos em não abusar dela. O abuso do direito que todos temos à palavra conspurca a liberdade. Pois não há multa que pague o dano causado à honra. Quem leu as acusações da campanha de Serra e não ficou sabendo do resultado da investigação policial, ainda ouvirá, em sua memória, as calúnias proferidas por Álvaro Dias e Índio da Costa. E mesmo quem soube do resultado, talvez ainda continue a desconfiar.
A calúnia, portanto, mais do que um crime passível de multa, é um ato imoral, que desprestigia política e envenena o debate democrático.
A postura correta, por parte do PT, é processar seus adversários judicialmente, mas a imprensa bem que podia dar uma força criticando, através de seus colunistas, a estratégia política de se emitir prejulgamentos caluniosos e antidemocráticos. Mas isso seria demais, não é?, visto que tem sido a própria mídia a indutora deste comportamento...
O que não podemos aceitar, todavia, é que as mesmas empresas que articularam e apoiaram o golpe de Estado de 1964, e enriqueceram-se e se tornaram gigantescos conglomerados econômicos sob o regime totalitário que se seguiu, arvorem-se paladinas das liberdades democráticas. E num processo surreal de alquimia ideológica, convertam aqueles que lutaram contra o totalitarismo e governantes eleitos e aprovados pelo povo em inimigos da democracia.
Não podemos nunca nos esquecer que a democracia brasileira (como aconteceu em toda a América Latina) foi violada, espancada, torturada e, enfim, morta, em nome de supostos princípios democráticos.
Por isso, da mesma forma que urge desconfiar de quem fala muito em ética ou moralismo - geralmente são safados -, deve-se tomar muito cuidado com quem fala demais em "princípios democráticos" e "Estado democrático de direito" - quase sempre são golpistas.
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Miguel do Rosário
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quinta-feira, setembro 09, 2010
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19 de agosto de 2010
Para dominar o mundo às quatro da manhã
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O calor eleitoral está produzindo material bom na blogosfera. Reuno abaixo alguns links interessantes. A maioria de vocês deve estar careca de conhecer. Alguns talvez não.
- As províncias persas caem uma a uma em mãos dos gregos. Esse artigo de Altamiro Borges me fez pensar... que o centro da batalha deslocou-se para Sardes, capital do Império.
- O blog Tijolaço sem medo, atacando Serra de frente.
- O Conversa Afiada, mais engraçado e letal que nunca.
De minha parte, voltei a ser acometido por uma crise de irresponsabilidade política, que somente a leitura de Absalom! Absalom!, um romance incendiário, sutil, brutal, de William Faulkner, poderia me causar nesse momento. Como se eu estivesse hipnotizado de alegria pelas chamas que devastam a Berlim nazista. Minha loucura, todavia, tem uma estratégia. E Berlim fica na Barão de Limeira, São Paulo.
Lembro que um amigo qualificava a vitória de Lula em 2006 como um corte epistemológico, ou seja, um divisor de águas na maneira de pensar a política nacional, botando a mídia em seu devido lugar. Mas não. O corte será mesmo agora, em 2010. Porque eles atribuíram a vitória de Lula em 2006 e sua posterior popularidade a razões puramente subjetivas. O povo gosta de Lula, explicam, porque ele é legal, engraçado e inteligente. Mas a linha ideológica do governo, continuam, permanece errada.
Afinal não se joga, nesta eleição, apenas com o destino do Brasil, mas sobretudo com o futuro das Américas. A eleição de Dilma Rousseff pode desencadear uma nova sequência de vitórias dos partidos de esquerda latino-americanos, que tem sido violentamente atacados, de forma estrategicamente coordenada, por grupos midiáticos com estreito contato entre si. A luta ideológica na América Latina não vai bem. As mídias conseguiram produzir uma nova onda conservadora (a segunda, em vinte anos; a primeira veio nos anos 90; essa de agora, ainda no início, quiçá oxalá não vingue). Assim como os tiranos sanguinários da Itália pré-renascentista contratavam artistas e intelectuais para legitimarem um poder que haviam usurpado, na maioria das vezes, mediante traições e artimanhas deploráveis, os grupos midiáticos de hoje contratam, a peso de ouro, os rostos mais bonitos e os cérebros mais ágeis para vender suas idéias. Blogueiros acima do peso e intelectualmente ordinários como eu estão - por enquanto - a salvo.
Eles operam uma verdadeira alquimia semântica. O governo democrático, cujo poder emana do sufrágio universal e, portanto, da vontade do povo, é pintado como símbolo do despotismo - enquanto grupos midiáticos que floresceram à sombra da injustiça social e do totalitarismo político se autodescrevem como paladinos da liberdade e da democracia.
Somente uma nova sequência de vitórias no continente terá o poder de deter esse processo, através do qual este novo Leviatã ganha cada vez mais força e desenvoltura. Dentre estas, a de Dilma Rousseff seguramente é a mais importante. Suspeito que pode inclusive influenciar, de uma maneira que explico adiante, a escalada feroz do conservadorismo norte-americano.
Em 2012 haverá novas eleições nos EUA. Obama não vai bem nas pesquisas, os grupos conservadores tem se organizado de maneira exemplar para combatê-lo no campo ideológico. O que poderá salvar os EUA de cair nas mãos de uma direita bélica e furiosa, que não hesitaria em cometer uma loucura tal como atacar o Irã e possivelmente até mesmo a China?
Talvez um movimento coordenado por essa nova massa crítica, formada e instruída nas lides políticas da internet, essa hidra com milhares de cabeças, e que será enriquecida em breve (esse é o ponto-chave) por milhões de jovens que governos de esquerda tiraram da miséria - talvez esse movimento possa produzir material político, cultural e ideológico não apenas para derrubar o monstro midiático do continente, como também ajudar a esquerda norte-americana a convencer seus compatriotas a não votarem num belicista destrambelhado, a se desligarem, enfim, de seu nacionalismo tacanho e autodestrutivo e se unirem ao conjunto da humanidade. Isso sim poderia criar um novo Renascimento.
A internet globalizou a política e um blogueiro de Mato-Grosso (ou da rua do Resende) poderá lançar granadas ideológicas em Washington. Por isso é tão importante ampliar e baratear a banda larga.
O objetivo continua sendo, portanto, fortalecer o Mercosul, a Unasul, democratizar e fortalecer a ONU, e implantar um socialismo democrático e moderno em todo planeta. Desculpe se pareço grandioso, óbvio ou exagerado. Nem era para eu estar tão otimista, visto que não arrumei dinheiro sequer para ir a São Paulo, encontrar meus colegas. Estarei em São Paulo. Volto ao Faulkner.
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quinta-feira, agosto 19, 2010
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31 de maio de 2010
Kennedy Alencar entrevista Hugo Chávez
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Essa entrevista realizou-se no dia 3 de maio deste ano, mas será sempre atual. Chávez explica, com muita tranquilidade, todos os ataques polêmicos dos quais tem sido alvo nos últimos anos. É uma excelente oportunidade de conhecer o "outro lado" de uma história que os brasileiros conhecem apenas pela mídia violentamente antichavista que domina os meios de comunicação de toda a América Latina.
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segunda-feira, maio 31, 2010
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12 de maio de 2010
Patriotismo de Dunga incomodou Merval
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Samuel Johnson escreveu um livro importante de crítica literária, intitulado "Vidas dos mais eminentes poetas ingleses", mas seu nome entrou mesmo para a história por apenas uma frase, a citada por Merval Pereira no texto que publico abaixo. Eu sou um cara bem chato. Não gosto de academicismo, mas também não gosto dessa vulgarização excessiva no jornalismo, porque respeito profundamente o estudo sério das grandes questões políticas, morais e filosóficas. Cientistas políticos, historiadores, filósofos, escrevem volumes e volumes sobre as razões e contrarrazões do patriotismo. Aí chega um jornalista, pega uma frase de um autor inglês do século XVII cujos livros ele sequer leu, uma frase descontextualizada, e faz uma condenação sumária e dogmática de um conceito.
Ora, o patriotismo pode ser uma enorme estupidez, como pode também se converter em bravura, amor, altruísmo. Sem patriotismo, os gregos não teriam vencido os persas e não haveria civilização ocidental como a conhecemos. O que Merval Pereira fez hoje, todavia, é doentio. Ele esculachou Dunga, técnico da seleção brasileira, por defender o patriotismo. Se um jogador de futebol vestindo a camisa da seleção brasileira, cantando o hino nacional antes do início de cada partida, não for patriota, as centenas de milhões de brasileiros que torcem fervorosamente pela vitória de seu país na Copa do Mundo estariam sendo enganados.
Além disso, essa frase se tornou um clichê medíocre. Os leitores sabem que gosto de fazer citações. Mas não se pode embasar um argumento a partir de uma frase descontextualizada. Citações servem como ornamento estético ao texto, só isso, nunca para substituir a construção lógica, baseada na coerência, na dialética, no bom senso, na objetividade, na lucidez. Se quer extirpar o patriotismo da consciência do brasileiro, Merval, o que de forma alguma me surpreende, em virtude de suas preferências ideológicas e partidárias, se quiser fazer isso, enfim, é melhor se esforçar mais.
Abaixo o trecho da coluna de Merval, publicada nesta quarta-feira, no jornal O Globo:
(...) O patriotismo é o último refúgio do canalha, definiu Samuel Johnson, escritor e pensador inglês do século XVII.
Eu me lembrei da frase ontem, ao ver a entrevista do técnico Dunga na convocação dos 23 jogadores que vão disputar a Copa do Mundo na África do Sul.
Não tenho nenhum motivo para considerar Dunga um canalha, coisa que tudo indica ele não é. Mas não digeri bem aquele discurso patrioteiro que ele e seu auxiliar Jorginho fizeram.
Fiquei com receio de que uma certa politicagem equivocada esteja tomando conta da seleção, e que os jogadores estejam levando ao pé da letra a máxima rodrigueana de que a seleção é a pátria de chuteiras.
Mas o que me chamou mais a atenção foi a exagerada dedicação de Dunga ao sofrido povo brasileiro e à exortação ao sacrifício no altar da pátria.
Ele chegou a se referir às lições de patriotismo que recebeu de sua mãe, professora de geografia e história.
Quando começou a falar de apartheid e da ditadura militar no Brasil, não sei exatamente por que, Dunga demonstrou que não é um indivíduo politizado e, portanto, ainda bem, seu apego ao patriotismo não é um escape político. É apenas um equívoco de quem mistura conceitos e tem uma visão deturpada da função de um jogador de futebol numa sociedade como a brasileira.
Achei Dunga rancoroso demais (...)
Ora, o patriotismo pode ser uma enorme estupidez, como pode também se converter em bravura, amor, altruísmo. Sem patriotismo, os gregos não teriam vencido os persas e não haveria civilização ocidental como a conhecemos. O que Merval Pereira fez hoje, todavia, é doentio. Ele esculachou Dunga, técnico da seleção brasileira, por defender o patriotismo. Se um jogador de futebol vestindo a camisa da seleção brasileira, cantando o hino nacional antes do início de cada partida, não for patriota, as centenas de milhões de brasileiros que torcem fervorosamente pela vitória de seu país na Copa do Mundo estariam sendo enganados.
Além disso, essa frase se tornou um clichê medíocre. Os leitores sabem que gosto de fazer citações. Mas não se pode embasar um argumento a partir de uma frase descontextualizada. Citações servem como ornamento estético ao texto, só isso, nunca para substituir a construção lógica, baseada na coerência, na dialética, no bom senso, na objetividade, na lucidez. Se quer extirpar o patriotismo da consciência do brasileiro, Merval, o que de forma alguma me surpreende, em virtude de suas preferências ideológicas e partidárias, se quiser fazer isso, enfim, é melhor se esforçar mais.
Abaixo o trecho da coluna de Merval, publicada nesta quarta-feira, no jornal O Globo:
(...) O patriotismo é o último refúgio do canalha, definiu Samuel Johnson, escritor e pensador inglês do século XVII.
Eu me lembrei da frase ontem, ao ver a entrevista do técnico Dunga na convocação dos 23 jogadores que vão disputar a Copa do Mundo na África do Sul.
Não tenho nenhum motivo para considerar Dunga um canalha, coisa que tudo indica ele não é. Mas não digeri bem aquele discurso patrioteiro que ele e seu auxiliar Jorginho fizeram.
Fiquei com receio de que uma certa politicagem equivocada esteja tomando conta da seleção, e que os jogadores estejam levando ao pé da letra a máxima rodrigueana de que a seleção é a pátria de chuteiras.
Mas o que me chamou mais a atenção foi a exagerada dedicação de Dunga ao sofrido povo brasileiro e à exortação ao sacrifício no altar da pátria.
Ele chegou a se referir às lições de patriotismo que recebeu de sua mãe, professora de geografia e história.
Quando começou a falar de apartheid e da ditadura militar no Brasil, não sei exatamente por que, Dunga demonstrou que não é um indivíduo politizado e, portanto, ainda bem, seu apego ao patriotismo não é um escape político. É apenas um equívoco de quem mistura conceitos e tem uma visão deturpada da função de um jogador de futebol numa sociedade como a brasileira.
Achei Dunga rancoroso demais (...)
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quarta-feira, maio 12, 2010
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24 de março de 2010
Rembrandt e o lixeiro
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Tenho um trabalho delicado a fazer aqui. Preciso de muita calma e inspiração. E cuidado, pois receio que as musas, diante do tema a ser tratado, fugirão espavoridas. É um tema político, mas tenham paciência. É tão barra pesada que, para vos preparar o espírito, ornamentá-lo-ei com observações elegantes sobre uma das obras mais belas da arte ocidental. Refiro-me ao Autorretrato com corrente de ouro (reproduzido acima), de Rembrandt, um dos meus pintores prediletos. Hoje o blogueiro saiu de sua quitinete alugada, na Avenida Paulista, andou alguns metros e entrou no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP), que gentilmente não cobra ingresso às terças-feiras.
Além de uma grande exposição de Marc Chagall no primeiro andar, há uma outra no segundo ainda mais interessante, com obras-primas dos maiores nomes da arte moderna, e mesmo alguns renascentistas. Tem Van Gogh, Cézanne, Gauguin, Renoir, Degas, Manet, Monet, Toulouse-Lautrec, Delacroix, Picasso, Modigliani, Soutine, e outros grandes. Vários de cada um desses. O quadro que mais me emocionou, porém, foi o já citado autorretrato.
Fiquei quase dez minutos contemplando a obra, tentando imaginar o sentido daquela expressão facial. Nas pinturas mais modernas, que vi na mesma exposição, reparei que o humanismo não está mais no conteúdo, mas nas formas. Nas cores, nas linhas, nas tênues distorções. Em Rembrandt, porém, ainda encontramos o velho humanismo renascentista, com sua beleza narrativa, concentrada no personagem retratado, no olhar, na expressão do rosto do próprio artista. Ele olha para si mesmo com espanto, curiosidade, um deslumbramento contido, uma pitada de sarcasmo, outra de humor, e um tanto de compreensão amorosa. Na verdade, pensei, Rembrandt conseguiu reproduzir o sentimento humano perante a arte. E, o que é a mesma coisa, o sentimento do artista perante a vida.
Não fujam agora, ó Musas, quando souberem com que irei comparar os olhos tristes e inteligentes de Rembrandt! Não fujam e controlem seu riso nervoso, porque o assunto é sério, e tentarei explicar em seguida porque eu penso assim.
Comparo o olhar de Rembrandt com meu próprio olhar diante de algo de que somente hoje me inteirei: o artigo de Roberto Jefferson, publicado na Folha dias atrás, e a notícia de que se tratava de um plágio de... Olavo de Carvalho.
Durante intermináveis minutos, meus olhos pousaram imóveis e curiosos na tela do computador e meu rosto assumiu feições similares a do autorretrato de Rembrandt. O que pensar? O que sentir? Há coisas na vida que, definitivamente, fogem a qualquer compreensão, e que, inclusive, dificilmente serão jamais retratadas na ficção. Que novelista brasileiro poderia conceber algo tão incrivelmente grotesco como um artigo de Jefferson publicado na Folha - e plagiado de Olavo de Carvalho!
Uma palavrinha sobre Olavo de Carvalho. Qualquer um que participa minimamente das lides ideológicas nacionais sabe quem é a figura. Ele escreveu para a grande imprensa durante anos. Eu lia seus artigos - textos totalmente psicóticos. O cara possuía - e ainda possui, mas hoje está um pouco alquebrado pela desmoralização sistemática de suas próprias idéias - uma desenvoltura incrível, que somente o seu descompromisso com a realidade lhe permitia. Sempre o achei um idiota completo, mas me intrigava que lhe dessem tanta atenção. E li seus livros. Acreditem, ele é mais imbecil nos livros do que nos artigos. Sobre o que vocês acham que ele discorre em seus livros de filosofia? Pois é, podem acreditar, ele fala do PT... Em meio a um texto pseudo-filosófico, ele sempre dá um jeito de falar do PT, defender Collor, e demais profundidades...
Só ódio, preconceito, terrorismo ideológico.
E agora esse encontro perfeito. Jefferson e Olavo de Carvalho! Não deixa de ter um aspecto sumamente hilário! Pra ser franco, é só por esse aspecto que topei reproduzi-lo aqui juntamente com a desculpa esfarrapada de Jefferson. O criador do mensalão conseguiu se autodesmoralizar e desmoralizar o maior guru dos nazistinhas brasileiros.
*
Respirem um pouco. Podem tomar um cafezinho, porque tem mais.
*
Musas, permaneçam! Ah, fugiram. Eu entendo. Como alguém pode pretender a companhia das musas num texto sobre Roberto Jefferson e Olavão? Continuo mesmo assim.
*
Bem, agora falarei do famigerado artigo, que reproduzo abaixo, prefaciado por um pedido de desculpas pelo plágio feito, conforme está no blog do deputado. Leiam-no se puderem, ou pelo menos passem a vista. Comento em seguida.
Esclarecimento
No início deste ano, um colaborador petebista mandou-me um excelente e extenso texto para reflexão sobre o momento político pelo qual passava o Brasil. A princípio pensei em publicá-lo no site do partido, mas não o fiz, esperando uma melhor oportunidade. Acabei subscrevendo as idéias a mim enviadas - que me pareciam perfeitas -, já que se ajustavam ao meu pensamento. Mexi no texto, incluí parágrafos que julguei pertinentes, enfim, editei-o à minha maneira. Ainda me lembro que, quando mostrei as mudanças, o colaborador reclamou que eu havia mexido no seu texto. Mas acabou concordando com as alterações e com o envio do artigo por mim à "Folha de S.Paulo".
Só hoje, porém, alertado por internautas, vim a saber que o texto-base que deu origem ao artigo publicado na "Folha de S.Paulo" é de autoria do senhor Olavo de Carvalho. Peço desculpas ao autor e à "Folha", pois eu não tinha conhecimento disso.
Chancelo as idéias de Olavo de Carvalho no seu artigo, pois as minhas convivem harmonicamente com as suas. E acho, sinceramente, que o texto dele, na íntegra, ainda é melhor do que o meu, com todas as correções que fiz e aditei.
O artigo assinado por mim na "Folha":
São ideológicos, por isso corrompem
As oligarquias aliaram-se ao PT pensando que iriam dominá-lo, mas se deu o contrário, porque elas não têm projeto
Um dos traços constantes da vida brasileira é a coexistência de dois tipos heterogêneos e incomunicáveis de política: a "profissional", cuja única finalidade é o acesso a cargos públicos para a conquista de benefícios pessoais ou grupais, e a socialista (ou "capitalismo burocrático-corporativo", como define o sociólogo Fernando Henrique Cardoso), empenhada na conquista do poder total sobre a sociedade.
A segunda vale-se ocasionalmente dos instrumentos da primeira, mas, sobretudo, cria os seus próprios: os "movimentos sociais" (o adestramento de formidáveis massas militantes dispostas a tudo), a ocupação de espaços na administração federal e em áreas estrategicamente vitais e, por último, mas não menos importante, a conquista da hegemonia cultural.
As próximas eleições vão opor, numa disputa desigual, a política socialista à profissional. Esta emprega os meios usuais de propaganda, enquanto aquela utiliza todos os meios disponíveis (inclusive os heterodoxos).
O político profissional tem a seu favor somente os eleitores, que se manifestam a cada quatro anos e depois o esquecem, enquanto o socialista tem a vasta militância, pronta a matar e a morrer por quem personifica suas aspirações.
O voto, ainda que avassaladoramente majoritário, não afiança ninguém no poder. O que garante a supremacia é a massa organizada, disposta a apoiar o eleito todos os dias e por todos os meios. Vejam a situação da governadora do Rio Grande do Sul: quando a oposição se vangloriou de ter "varrido o PSDB do Estado gaúcho", não percebeu que tentara expulsá-lo apenas de um cargo público.
O maior erro que as débeis oposições cometem é não saber enfrentar o modelo político socialista.
É de acentuar que a quase totalidade do empresariado nacional já foi cooptada e aceita naturalmente o petismo, que se adonou e faz uso do histórico caráter patriarcal do Estado brasileiro -sedimentado pela ditadura militar- em seu benefício.
O estatismo foi reconfigurado. É mais fácil controlar mecanismos reguladores (em todos os níveis) e instâncias de fomento e financiamento, que tornam reféns de seus interesses os capitães da indústria privada.
Na discussão orçamentária, os políticos profissionais preocupam-se apenas com emendas que podem fortalecê-los em suas bases, proporcionando-lhes benefícios particulares. Nenhum deles confronta a tradição doutrinária de controle da máquina pública e do exercício do poder, delineada desde Maquiavel.
Seguidor de Lênin, Trótski, Stálin e Gramsci, o petismo, por meio de seu núcleo dominante, abriu mão da luta armada, mas não do objetivo revolucionário. E valem-se da União, a garantidora de empréstimos a municípios e Estados. É o clientelismo, dos quais são porta-vozes os políticos de todos os partidos, que, assim, jogam pelas regras estabelecidas por aqueles que detêm o poder decisório.
A eventual saída do PT da Presidência, porém, não mudará esse quadro. Porque os aparatos administrativo-arrecadadores (Receita Federal, INSS) e fiscalizadores senso estrito (policial e judicial), além da órbita cultural, foram aparelhados.
O PT detém controle também sobre os sindicatos, o funcionalismo público, o aparato repressivo (MPF e PF, usados para destruir seus inimigos, fazendo terrorismo e chantagem política), os estudantes, os camponeses, a igreja, a intelectualidade artística, universitária e jurídica.
Se eleito, portanto, José Serra vai comandar uma máquina estatal dominada por adversários, muitos deles indicados para atuar em tribunais superiores. Sem esquecer o MST, que mantém acampamentos ao longo das principais rodovias (e pode, a qualquer momento, paralisar o país).
No Brasil, hoje, não há mais escândalos. Ficam uma semana nos jornais e na TV, depois ninguém mais se lembra deles. Não produzem consequências judiciais, porque o sistema é pesado e dominado por uma processualística interminável, da qual decorre a impunidade. O caso do mensalão é emblemático.
O PT deu caráter rotineiro a tudo isso na vida brasileira. As oligarquias aliaram-se ao partido pensando que iriam dominá-lo, mas se deu o contrário, porque elas não têm projeto.
O PT, contudo, tem, e o põe em prática planejadamente, sistematicamente, em todos os níveis. Segue a lógica da revolução, quer construir o socialismo (quem sabe à maneira de Fidel, que Lula e sua turma tanto incensam?). Os petistas acreditam nisso. Não são apenas corruptos, são ideológicos e, por isso, corrompem. E, no processo de destruição, vale tudo.
Para combater a hidra, é preciso conhecê-la, armar-se e propor um projeto diferente de país. Não se enfrentam tanques com bodoques, mas com mísseis. E, se vierem mísseis em represália, joga-se a bomba atômica.
Quem vai fazer isso?
Entendem agora minha expressão rembrantiana? O que devo sentir? Pena? Raiva? Hilaridade? Receio? Tenho um menu completo de emoções para escolher. Acho que vou de hilaridade. É mais digno. Jefferson apóia fervorosamente José Serra, mas o governador não tem culpa disso. O patético é que o PTB em peso tende a apoiar Dilma. Ou seja, o apoio de Jefferson sequer tem utilidade para a oposição.
Voltando ao artigo, observo que li o original de Olavo de Carvalho, o que serviu de modelo. É a mesma coisa. Para dizer a verdade, o de Jefferson está inclusive mais bem escrito, por incrível que pareça. Jefferson aparou um pouco as arestas psicóticas do texto olaviano, embora tenha agregado coisas grotescas.
Vocês devem estar se perguntando: pô, Miguel, por que perder tempo com esse lixo? Daí entra o título do post. Justamente, alguém tem de ser lixeiro na blogosfera. Aliás, precisamos de muitos lixeiros, porque a coisa tá feia. Além disso, esse caso tem um aspecto suficientemente grotesco para merecer espaço nos anais deste blog. Jefferson e Olavo saltitam e fazem caretas quais personagens de Bosch (cuja obra As tentações de Santo Antão também está na exposição do MASP).
Reparem nesse trecho. Será o único que irei analisar, porque ele resume o espírito de todo o texto:
O PT detém controle também sobre os sindicatos, o funcionalismo público, o aparato repressivo (MPF e PF, usados para destruir seus inimigos, fazendo terrorismo e chantagem política), os estudantes, os camponeses, a igreja, a intelectualidade artística, universitária e jurídica.
Por Zeus! Faltou falar que o PT domina a ONU, a Casa Branca, o Mercosul, o governo da China e a União Européia!
Sabe o curioso desse tipo de raciocínio? Não dá para saber se o autor é ingênuo, louco ou imbecil. O que eu não entendo é como alguém pode achar Olavo de Carvalho inteligente (ok, o trecho é de Jefferson, mas Olavo diz coisa parecidas e até piores). Quer dizer, eu sei. Por medo. O cara é terrivelmente agressivo. E também por simplicidade. O pedantismo do Olavo assusta as pessoas. Ele chama todos de ignorantes. Só ele leu os livros. O papel aceita tudo. O papel é submisso. E Olavo se aproveita e chicoteia o papel sem pudor.
Bem, voltando ao trecho citado, tirante o evidente exagero, ele trata os grupos sociais e as instituições democráticas com um desrespeito inacreditável. É coisa de maluco mesmo. Sabe-se lá como alguém chegou a esse estado. Ele esquece, por exemplo, que os sindicatos compõem-se de seres humanos dotados de independência intelectual, e que ninguém seguirá cegamente nenhuma orientação partidária. Stálin teve que prender alguns milhões antes de conseguir algo próximo a obediência completa, e nem assim. Olavo Jefferson não vê pessoas. Seu antidemocratismo é tão acentuado, grotesco, pavoroso, que ele desumaniza as entidades sociais a que se refere.
Na verdade, o que assusta Olavo Jefferson é a militância cidadã, é a própria cidadania - e o fato desta cidadania não se comportar da forma como ele, Olavo Jefferson, pensa que ela deveria se comportar. Ou seja, ele é tão imbecil que acha que o trabalhador não deveria lutar por si mesmo, por melhores salários; que o pobre não deveria lutar para que o governo lhe oferecesse mais assistência.
Como alguém pode falar que o PT "detêm" o controle sobre os estudantes? Por acaso, o PT possui alguma fórmula mágica para dominar a mente de milhões de jovens? Bem, qualquer um percebe a estultícia e a loucura desse tipo de afirmação. Nem espanta que a Folha publique um lixo desse. Nem higiênica a Folha é mais.
Dedico este post, portanto, aos garis de todo Brasil. Afinal, após admirar a parceria literária de Jefferson e Olavo, com uma expressão facial que mescla perplexidade, bom humor e asco, é hora de botar as luvas grossas de lixeiro e fazer o que deve ser feito: lançar essas idéias doentias, antidemocráticas, pestilentas, na fossa profunda da história.
*
Abaixo o "original" de Olavo de Carvalho.
Pensem nisso
Olavo de Carvalho | 07 Janeiro 2010
Somente a política revolucionária entende o que é o poder na sua acepção substantiva. O velho tipo do político "profissional" entende apenas a disputa de cargos, confunde o mandato legal com a posse efetiva do poder.
Um dos traços constantes da vida brasileira é a coexistência de dois tipos de política heterogêneos e incomunicáveis: de um lado, a política "profissional" cuja única finalidade é o acesso a cargos públicos, compreendidos como posições privilegiadas para a conquista de benefícios pessoais ou grupais (acompanhados ou não de boas intenções de governo); de outro, a política revolucionária, empenhada na conquista do poder total sobre a sociedade e na introdução de mudanças estruturais irreversíveis. A segunda usa ocasionalmente os instrumentos da primeira, mas sobretudo cria os seus próprios, desconhecidos dela. Os "movimentos sociais", o adestramento de formidáveis massas militantes dispostas a tudo, a ocupação de espaços não só na administração federal mas em todas as áreas estrategicamente vitais e, last not least, a conquista da hegemonia cultural estão entre esses instrumentos, que para o político "profissional" são distantes e até incompreensíveis, tão obsessiva e autocastradora é a sua concentração na mera disputa de cargos eleitorais.
As próximas eleições presidenciais vão opor, numa disputa desigual, as armas da política revolucionária às da política "profissional". Estas últimas consistem apenas nos meios usuais de propaganda eleitoral, enquanto as daquela abrangem o domínio sistêmico de todos os meios disponíveis de ação sobre a sociedade: o político "profissional" tem a seu favor apenas os eleitores, que se manifestam uma vez a cada quatro anos e depois o esquecem ou passam a odiá-lo. O revolucionário tem a vasta militância organizada, devotada a uma luta diária e constante, pronta a matar e morrer por aquele que personifica as suas aspirações.
Nas últimas décadas a expansão maciça da política revolucionária colocou os políticos "profissionais" numa posição de impotência quase absoluta, que reduz a praticamente nada as vantagens de uma eventual vitória nas eleições.
Se eleito, o Sr. Jose Serra terá de comandar uma máquina estatal dominada de alto a baixo pelos seus adversários, a começar pelos oito juízes lulistas do Supremo Tribunal Federal. O PT e seus partidos aliados comandam, além disso, uma rede de organizações militantes com alguns milhões de membros devotos, prontos a ocupar as ruas gritando slogans contra o novo presidente ao primeiro chamado de seus líderes. Comandam também o operariado de todas as indústrias estratégicas e a rede de acampamentos do MST espalhados ao longo de todas as principais rodovias federais e estaduais: podem paralisar o país inteiro da noite para o dia. Reinam, ademais sobre um ambiente psicossocial inteiramente seduzido pelos seus estereótipos e palavras de ordem, a que nem mesmo seus mais enfezados inimigos ousam se opor frontalmente.
Somente a política revolucionária entende o que é o poder na sua acepção substantiva. O velho tipo do político "profissional" entende apenas a disputa de cargos, confunde o mandato legal com a posse efetiva do poder. Sem militância, sem ocupação de espaços, sem guerra cultural, não há domínio do poder. Fernando Collor de Mello pagou caro por ignorar essa distinção elementar: confiou na iniciativa espontânea de seus eleitores - massa espalhada e amorfa, incapaz de fazer face à força organizada da militância.
Não vejo no horizonte o menor sinal de que os adeptos do Sr. José Serra tenham aprendido a lição: hipnotizados pela esperança da vitória eleitoral, não vêem que tudo o que estão querendo é colocar na presidência um homem isolado, sem apoio militante, escorado tão somente na força difusa e simbólica da "opinião pública" - um homem que, à menor sombra de deslize, terá contra si o ódio da militância revolucionária explodindo nas ruas e será varrido do cenário político com a mesma facilidade com que o foi o ex-presidente Collor.
Há pelo menos vinte anos venho advertindo aos próceres antipetistas que o voto, ainda que avassaladoramente majoritário, não garante ninguém no poder: o que garante é militância, é massa organizada, disposta a apoiar o eleito não só no breve instante do voto mas todos os dias e por todos os meios. Vejam a situação da governadora do Rio Grande do Sul e entenderão o que estou dizendo: quando a oposição se vangloriou de ter "varrido o PT do Estado gaúcho", não percebeu que o expulsara somente de um cargo público.
Não desprezo as vitórias eleitorais, mas sei que, por si, elas nada decidem a longo prazo. E não vejo que, até agora, as forças de oposição tenham tomado consciência disso.
15 de março de 2010
Os acacianismos neoliberais de José Serra
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Não fosse o autor um perigoso aspirante à vaga de presidente da república do meu país, eu não daria a mínima atenção a esse artigo acaciano publicado hoje no Estado. Para começar, o título ("Prisioneiros da democracia") e a conclusão ("Sejamos todos cativos da democracia. É a única prisão que presta seu tributo à liberdade") são de um mau gosto terrível. Não somos prisioneiros nem cativos da democracia. A democracia não é nenhuma prisão. Muito sintomático, por outro lado, a escolha dessas imagens. Revela uma alma atormentada, autoritária e pervertida. O ghost-writer conseguiu interpretar bem o que se passa no intimo do chefe.
Democracia é o ar livre, a praça cheia de povo, a alegria das festas populares, o grito insano de uma criança recebendo um presente, a juventude se divertindo. Tem de ser uma pessoa muito doente para associar democracia e prisão.
Claro que se levarmos para o relativismo, tudo é prisão. O amor é uma doce prisão. A infância é uma prisão. A democracia é uma prisão. Eu entendo o que Serra quis dizer. Não foi maldade, naturalmente. Foi mau gosto, só isso.
Nem é disso que eu queria falar.
O que me impressionou mesmo foi o aspecto pomposo e vazio do texto. E partindo de quem se esperava tivesse algo de concreto a propor ao Brasil. Não, em vez disso, Serra nos empurra um discurso burocrático de Rottary Club! Desses que a gente finge ouvir enquanto entorna champagne num evento insuportavelmente chato, pensando que nem o néctar dos deuses compensaria o tédio mortal daqueles momentos. O discurso dura dez minutos, mas parece se prolongar por horas a fio. Você olha para os lados e vê somente mulheres feias e homens sisudos. Então você se levanta para ir ao banheiro, sonhando encontrar, escondida por trás de uma daquelas portas misteriosas, fumando um baseado com lábios carnudos, a filha subversiva e gostosa de alguma socialite. Será nossa vingança!
Serra conseguiu, enfim, realizar mais uma proeza. Publicou um enorme artigo em que não diz nada. Depois de declarar, certa feita, que é "contra chacina", agora afirma, no auge da democracia brasileira, que é favor da democracia. Parece alguém que adentre o maracanã lotado de flamenguistas, e queira chamar a atenção gritando para todo mundo ouvir:
- Ei! Eu sou flamengo também! Olhem para mim!
Nós já ficamos especialistas, todavia, em interpretar essas manifestações ultra pós-modernas. O certo seria que o Estadão publicasse, ao lado do artigo de Serra, um outro texto, explicativo, discorrendo sobre seu significado. É assim que se faz com algumas obras contemporâneas. A gente lê a explicação. Depois vê as obras.
Como o Estadão não o fez, façamo-lo agora. Os mais antigos manuais de redação nos dizem que todo texto deve ter um objetivo. Qual o objetivo, portanto, deste sonolento artigo de Serra, que tanto nos lembra os textos de seu correligionário, o doutor Fernando Henrique Cardoso? Com a diferença de que os textos de FHC são gordurosos. Os de Serra são magros (ou nem tanto). Qual o objetivo? Apenas comemorar os 25 anos da nova fase democrática? Ótimo. Objetivo nobre. Mas não seria uma oportunidade para Serra dizer ao povo brasileiro o que pensa fazer em seu governo? Mexeria no câmbio, conforme prometeu o presidente do seu partido? Faria alguma mudança nos programas sociais? Faria uma grande redução no contingente do funcionalismo público? Forçaria a adoção do sistema de cooperativas para a área médica e educacional?
O que me impressiona nesses artigos tucanos é sua retórica oca. O texto inicia assim: "O Brasil comemora hoje os 25 anos da Nova República. Isso quer dizer que celebra um quarto de século (...)" Reparem que Serra nos informa, brilhantemente, que 25 anos correspondem a um quarto de século... Realmente, trata-se de uma informação fundamental para se entender o significado de democracia.
Mas não é nada disso que eu quero falar.
Em 1964, a grande imprensa noticiava a vitória dos militares como um triunfo democrático. Os generais e os golpistas eram "os democratas que dominavam a nação".
Está claro, portanto, que a democracia, enquanto apenas uma palavra, pertence ao dono da palavra. Se os jornais diziam que o golpe de Estado que derrubou o presidente eleito João Goulart era um triunfo democrático, então era assim. Ponto final.
Ah, Deus! Não é isso ainda.
O que eu quero dizer é que esse artigo de Serra é uma xaropada. Uma empulhação reacionária. Qual o principal conceito que ele tenta nos vender? Esse trecho diz tudo:
Quem sugeriu isso? À parte as firulas irritantes, como dizer "simples sugestão" em vez de "sugestão", e enfiar a expressão "em certo sentido" onde não precisava, vícios tipicamente tucanóides de linguagem, trata-se de mais um desses ataques enigmáticos de difícil interpretação.
Difícil, mas não impossível. Às vezes é melhor nem fazê-lo, porque a interpretação causa arrepios e mal estar. Serra desvaloriza a luta pela justiça social enquanto luta democrática. Seu texto ambíguo, cinzento, insinua que os espíritos que lutam por justiça social são "totalitários". Por contraste, quem seriam os democratas? Os almofadinhas do Instituto Millenium?
De qualquer forma, é lamentável essa manifestação de arrogância conceitual, outro vício tucano. Democracia é conceito que remete à Antiguidade, e já passou pelas mais variadas formas de governo. Não é nenhuma prisão. É uma chave para abrir as portas que o egoismo e a brutalidade social estão sempre trancando. Democracia não é esse valetudo corporativo que a direita tenta há décadas nos impingir. Democracia é o regime onde o poder emana do povo, e se o povo, através de seus representantes, decidir que é preciso novos regulamentos para a mídia, então assim será, e será perfeitamente democrático.
Outra grande empulhação é tratar plebiscitos como antidemocráticos. A Constituição Brasileira prevê o uso de plebiscitos como um instrumento legítimo de consulta popular. Foi um crime hediondo contra a democracia o fato de Fernando Henrique Cardoso não ter submetido à consulta popular a mudança que pretendia (e fez) fazer na legislação eleitoral, instituindo a reeleição. É absolutamente hipócrita que a imprensa brasileira agora trate o uso de plebiscitos na América Latina como antidemocráticos.
Os subintelectuais da mídia não são proprietários do conceito de democracia, o que seria, aliás, uma ridícula contradição. A democracia é um conceito aberto, em evolução, complexo. Não é um estatuto do Millenium. Afinal, a moça subversiva que fuma um baseado atrás da porta, enquanto Serra discursa no Rottary Club, talvez tenha uma idéia de democracia mais rica, desenvolvida, criativa, mais humana enfim, do que a xaropada neoliberal e conservadora do governador de São Paulo.
(Pintura de Wesley Duke Lee)
Democracia é o ar livre, a praça cheia de povo, a alegria das festas populares, o grito insano de uma criança recebendo um presente, a juventude se divertindo. Tem de ser uma pessoa muito doente para associar democracia e prisão.
Claro que se levarmos para o relativismo, tudo é prisão. O amor é uma doce prisão. A infância é uma prisão. A democracia é uma prisão. Eu entendo o que Serra quis dizer. Não foi maldade, naturalmente. Foi mau gosto, só isso.
Nem é disso que eu queria falar.
O que me impressionou mesmo foi o aspecto pomposo e vazio do texto. E partindo de quem se esperava tivesse algo de concreto a propor ao Brasil. Não, em vez disso, Serra nos empurra um discurso burocrático de Rottary Club! Desses que a gente finge ouvir enquanto entorna champagne num evento insuportavelmente chato, pensando que nem o néctar dos deuses compensaria o tédio mortal daqueles momentos. O discurso dura dez minutos, mas parece se prolongar por horas a fio. Você olha para os lados e vê somente mulheres feias e homens sisudos. Então você se levanta para ir ao banheiro, sonhando encontrar, escondida por trás de uma daquelas portas misteriosas, fumando um baseado com lábios carnudos, a filha subversiva e gostosa de alguma socialite. Será nossa vingança!
Serra conseguiu, enfim, realizar mais uma proeza. Publicou um enorme artigo em que não diz nada. Depois de declarar, certa feita, que é "contra chacina", agora afirma, no auge da democracia brasileira, que é favor da democracia. Parece alguém que adentre o maracanã lotado de flamenguistas, e queira chamar a atenção gritando para todo mundo ouvir:
- Ei! Eu sou flamengo também! Olhem para mim!
Nós já ficamos especialistas, todavia, em interpretar essas manifestações ultra pós-modernas. O certo seria que o Estadão publicasse, ao lado do artigo de Serra, um outro texto, explicativo, discorrendo sobre seu significado. É assim que se faz com algumas obras contemporâneas. A gente lê a explicação. Depois vê as obras.
Como o Estadão não o fez, façamo-lo agora. Os mais antigos manuais de redação nos dizem que todo texto deve ter um objetivo. Qual o objetivo, portanto, deste sonolento artigo de Serra, que tanto nos lembra os textos de seu correligionário, o doutor Fernando Henrique Cardoso? Com a diferença de que os textos de FHC são gordurosos. Os de Serra são magros (ou nem tanto). Qual o objetivo? Apenas comemorar os 25 anos da nova fase democrática? Ótimo. Objetivo nobre. Mas não seria uma oportunidade para Serra dizer ao povo brasileiro o que pensa fazer em seu governo? Mexeria no câmbio, conforme prometeu o presidente do seu partido? Faria alguma mudança nos programas sociais? Faria uma grande redução no contingente do funcionalismo público? Forçaria a adoção do sistema de cooperativas para a área médica e educacional?
O que me impressiona nesses artigos tucanos é sua retórica oca. O texto inicia assim: "O Brasil comemora hoje os 25 anos da Nova República. Isso quer dizer que celebra um quarto de século (...)" Reparem que Serra nos informa, brilhantemente, que 25 anos correspondem a um quarto de século... Realmente, trata-se de uma informação fundamental para se entender o significado de democracia.
Mas não é nada disso que eu quero falar.
Em 1964, a grande imprensa noticiava a vitória dos militares como um triunfo democrático. Os generais e os golpistas eram "os democratas que dominavam a nação".
Está claro, portanto, que a democracia, enquanto apenas uma palavra, pertence ao dono da palavra. Se os jornais diziam que o golpe de Estado que derrubou o presidente eleito João Goulart era um triunfo democrático, então era assim. Ponto final.
Ah, Deus! Não é isso ainda.
O que eu quero dizer é que esse artigo de Serra é uma xaropada. Uma empulhação reacionária. Qual o principal conceito que ele tenta nos vender? Esse trecho diz tudo:
Assim, repudiemos a simples sugestão de que menos democracia pode, em certo sentido, implicar mais justiça social. Trata-se apenas de uma fantasia de espíritos totalitários.
Quem sugeriu isso? À parte as firulas irritantes, como dizer "simples sugestão" em vez de "sugestão", e enfiar a expressão "em certo sentido" onde não precisava, vícios tipicamente tucanóides de linguagem, trata-se de mais um desses ataques enigmáticos de difícil interpretação.
Difícil, mas não impossível. Às vezes é melhor nem fazê-lo, porque a interpretação causa arrepios e mal estar. Serra desvaloriza a luta pela justiça social enquanto luta democrática. Seu texto ambíguo, cinzento, insinua que os espíritos que lutam por justiça social são "totalitários". Por contraste, quem seriam os democratas? Os almofadinhas do Instituto Millenium?
De qualquer forma, é lamentável essa manifestação de arrogância conceitual, outro vício tucano. Democracia é conceito que remete à Antiguidade, e já passou pelas mais variadas formas de governo. Não é nenhuma prisão. É uma chave para abrir as portas que o egoismo e a brutalidade social estão sempre trancando. Democracia não é esse valetudo corporativo que a direita tenta há décadas nos impingir. Democracia é o regime onde o poder emana do povo, e se o povo, através de seus representantes, decidir que é preciso novos regulamentos para a mídia, então assim será, e será perfeitamente democrático.
Outra grande empulhação é tratar plebiscitos como antidemocráticos. A Constituição Brasileira prevê o uso de plebiscitos como um instrumento legítimo de consulta popular. Foi um crime hediondo contra a democracia o fato de Fernando Henrique Cardoso não ter submetido à consulta popular a mudança que pretendia (e fez) fazer na legislação eleitoral, instituindo a reeleição. É absolutamente hipócrita que a imprensa brasileira agora trate o uso de plebiscitos na América Latina como antidemocráticos.
Os subintelectuais da mídia não são proprietários do conceito de democracia, o que seria, aliás, uma ridícula contradição. A democracia é um conceito aberto, em evolução, complexo. Não é um estatuto do Millenium. Afinal, a moça subversiva que fuma um baseado atrás da porta, enquanto Serra discursa no Rottary Club, talvez tenha uma idéia de democracia mais rica, desenvolvida, criativa, mais humana enfim, do que a xaropada neoliberal e conservadora do governador de São Paulo.
(Pintura de Wesley Duke Lee)
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segunda-feira, março 15, 2010
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25 de fevereiro de 2010
Cuba em seu labirinto
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(Foto publicada na capa do Estadão desta quinta-feira 25)
Rui Castro, numa de suas crônicas, escreveu que a humanidade se divide em duas: aqueles que dividem a humanidade em duas e os que não o fazem. A máxima vale para Cuba. Há os que dividem homens (e muchachas) entre os que gostam de Cuba e os que a odeiam, e há os que preferem não fazê-lo. Neste caso, eu sou maniqueísta. Eu divido a humanidade e me coloco ao lado dos que gostam de Cuba. No entanto, como também sou moderninho, moderado e cult (nem todos trabalham na Folha), tenho imenso respeito a quem pensa diferente e estou sempre pronto a jurar, com as mãos postas sobre as obras completas de Voltaire, que sou um apaixonado e fiel seguidor dos ideais democráticos.
Sou tão democrático que permito, do alto de minha tolerância (ou seria arrogância?) ocidental, que outros povos se organizem de forma distinta. Outro dia, li num jornal estrangeiro que o governo inglês decidiu pagar um curso de economia à rainha. Segundo declarou um figurão da cúpula do governo, a medida seria muito salutar, porque permitiria à monarca ajudar a Grã-Bretanha a superar suas crises econômicas.
Os ingleses são um dos povos que mais admiro entre todos no mundo, por sua arte, disciplina, bravura, pelo respeito que aprendeu a ter com seus trabalhadores. Em Sicko, o filme de Michael Moore que denuncia a precariedade do sistema de saúde americano, o cineasta vai à Inglaterra e nos mostra o que é, de fato, o primeiro mundo. As pessoas não apenas não precisam pagar nada para serem atendidas imediatamente por equipes médicas excelentes, como ainda recebem, na caixa do hospital, uns trocados para pagar o transporte de volta à casa. E isso num país com uma renda per capita de 35 mil dólares (a do Brasil é de 10 mil)!
Mesmo assim, acho ridículo essa história de monarquia. Não considero nada democrático que um monarca não eleito possa dar palpite nos destinos da Inglaterra.
Mas falemos de Cuba. Os três grandes jornais estamparam fotos imensas de Lula com Fidel e seu irmão na primeira página. Todos trazem também, previsivelmente, críticas ao regime comunista cubano e, mais importante, à postura "cúmplice" do governo brasileiro. Segundo esses críticos, entre eles o ex-chanceler tupi Luiz Felipe Lampreia (que hoje assina artigo publicado no Globo e Estadão, além de entrevista à Folha), o Brasil deveria cobrar de Cuba maior respeito aos direitos humanos.
Clóvis Rossi assina uma decorosa, pastosa, fanhosa pensata no site da Folha, intitulada "Quando o silêncio é cumplicidade". Concordo com algumas colocações de Rossi, como essas:
Não há ditaduras de direita e de esquerda. Há ditaduras. Ponto. Não há direitos humanos de direita e de esquerda.
Ou melhor, nem concordo tanto. Há os que derrubam ditadores e há os que derrubam democracias. A guerrilha cubana visava derrubar uma ditadura.
Continuo, todavia, achando que o Brasil, que deixa milhares de crianças dormindo na rua, passando fome, expostas ao crack, a toda espécie de violência, não tem o mínimo moral para cobrar direitos humanos de outro país. Mesmo desejando que houvesse democracia em Cuba, não consigo aceitar tão facilmente que nos façam de idiotas. Os EUA e as forças de direita do continente americano, incluindo aí os grupos de mídia, derrubaram todas as democracias da América Latina, com ênfase particularmente brutal na própria Cuba e nações vizinhas. Derrubaram na década de 50, na Guatemala; na década de 60, no Brasil; e continuaram derrubando democracias até a década de 80. Em 2002, os EUA apoiaram um golpe de Estado contra Chávez. Em 2009, quando pensávamos, enfim, que o pesadelo havia terminado, os militares derrubam o presidente eleito de Honduras e o deportam, na calada da noite, para outro país. E a direita comemora! Vários próceres da direita brasileira, os mesmos que hoje cobram democracia em Cuba, defenderam o golpe contra Zelaya. E o golpe deu certo, pois o líder golpista permaneceu no poder até o fim de seu "mandato" e não foi preso. Acabou perdoado, depois de dar um prejuízo de bilhões de dólares ao pobre país centro-americano e mutilar as esperanças dos milhões de hondurenhos que apoiavam Zelaya.
Como cobrar democracia em Cuba se as forças retrógradas do continente continuam dispostas a patrocinar golpes de Estado sempre que o povo eleger lideranças menos comprometidas com as velhas oligarquias?
A discussão em torno de Cuba costuma ser viciada e desinformada. Não foram os guerrilheiros de Sierra Maestra que derrubaram a democracia cubana. Quem a derrubou foi Fulgêncio Baptista, com apoio norte-americano. Fidel Castro era um jovem advogado cubano de grande capacidade intelectual, um idealista generoso e sonhador, cujas ambições políticas foram podadas pelo golpe de Estado, que cancelou eleições e instituiu uma ditadura sanguinária e corrupta. A história dos povos não pode ser explicada em 140 caracteres. Fidel, Che, e tantos outros, lutaram pela liberdade do povo cubano, e a liberdade naquele momento era derrubar Fulgêncio. E as circunstâncias históricas impossibilitaram a democracia em Cuba. Que incentivo os EUA e a mídia latino-americana deram ao processo de democratização cubana? Golpes militares sucessivos no continente?
Quando todos pensam que os golpes acabaram, que não há mais desculpas para o regime cubano não democratizar o regime, eis que a hidra golpista exibe sua cabeçorra peçonhenta em Honduras. E com apoio entusiástico da poderosa extrema direita norte-americana e indiferença do próprio Obama.
O regime cubano é mais uma vítima dos golpes de Estado que massacraram o continente moreno. Quem derrubou a democracia cubana, repito mais uma vez, foi Fulgêncio Baptista, um ditador cruel que sempre mereceu apoio incondicional dos Estados Unidos.
Prezado Clovis Rossi, existem sim diferenças entre ditaduras. Sua pensata de 404 palavras, definitivamente, não dá conta da complexidade do tema. Ao contrário, amesquinha-o. Faz os leitores pensarem que basta alguém vir ao meio da praça e gritar: faça-se democracia! E a democracia surgirá automaticamente. Cuba partilha com todo Caribe a desgraça de ser vizinha de um país dominado por instintos imperialistas extremamente egoístas, e que, até o momento, nunca deixou que uma democracia estável, contínua, sólida, assentada em princípios verdadeiramente humanistas (como deve ser uma democracia genuína), florescesse na região.
*
Quanto aos prisioneiros políticos de Cuba, eu me posiciono contra qualquer violência contra a liberdade individual. Eu não queria ser cubano nem viver em Cuba. Prezo muito minhas excentricidades e aprecio, mais que tudo, a originalidade. Tenho a mesma admiração por escritores tido como "reacionários", como Céline e Knut Hansum, como pelos "revolucionários", como Sartre. Sem preconceito. Na minha opinião, o regime cubano comete um terrível erro político - mais que isso, comete uma imperdoável injustiça - quando condena pessoas por divergência ideológica. Se o caso é de espionagem, então que se esclareça tudo.
Diante da enorme visibilidade de Cuba no mundo, esses processos judiciais deveriam ser transparentes e o regime deveria se preocupar mais com sua imagem junto à opinião pública internacional. O mundo mudou. Mesmo com o golpe em Honduras, é possível afirmar que a consciência democrática está hoje consolidada em toda a América, e os países latinos vivem um processo de integração extremamente saudável, sempre norteados por princípios democráticos, republicanos e modernos. Todos estão dispostos a ajudar Cuba. Todos sempre defenderam o fim do embargo econômico.
Eu pensei em terminar o parágrafo anterior com a seguinte frase: "É hora de Cuba ajudar-se a si mesma". Aí pensei: pô, que arrogância! Aqui na Lapa, dezenas de bueiros estão vazando merda. Há lixo jogado em toda parte. Perto dos Arcos e na Glória, vagam tropas enormes de crianças famintas e drogadas. O nível de educação e instrução das pessoas parece cair dia a dia. E eu aqui pregando melhorias em Cuba! Mas é isso mesmo. A coisa tem a ver com princípios. O antidemocratismo cubano, assim como o norte-coreano, prejudica o socialismo, trazendo prejuízo às causas trabalhistas em todo o globo. Por isso é importante discutir Cuba. Por isso Cuba é um tema sempre polêmico. Os anseios generalizados por mais democracia em Cuba, portanto, não tem origem apenas em intenções malevolamente antisocialistas. E mesmo que seja assim. A filosofia nos ensina que, em muitos casos, nossos adversários são nossa maior garantia de evolução. Ao nos confrontarem, eles, sem disso ter a consciência, nos oferecem um espelho de nós mesmos, sem a maquiagem de nossa vaidade, de nossa ambição. Oferecem-nos a dialética. Cuba apenas evoluirá quando aprender a confrontar a sua própria sombra, seu autoritarismo, sua escassez de liberdade, sua pobreza.
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Miguel do Rosário
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quinta-feira, fevereiro 25, 2010
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9 de dezembro de 2009
Bolivarianismos
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(José Mujica, presidente recém eleito do Uruguai,
e Lula, em encontro recente. Fonte: blog do Planalto)
Acabo de ler o seguinte texto, num editorial da Folha de São Paulo:
A Constituição [a nova carta aprovada na Bolívia] prevê que as altas cortes da Justiça sejam eleitas por voto popular, o que pode viabilizar o controle, por parte do grupo de Morales, dos três poderes.
Cada vez me surpreendo mais com a concepção original do que seja democracia por parte de vastos segmentos da elite brasileira e latino-americana. O "grupo de Morales" controla os poderes através do voto popular, assim como as ditaduras que assolaram o continente por décadas controlaram-nos pela força bruta. Por que a imprensa brasileira defendeu o controle dos três poderes por militares despreparados, reacionários e truculentos e ataca um ponto sagrado da democracia, que é o povo exercer o poder através do voto?
Naturalmente, os juízes terão que ser aprovados por concurso e ser preparados para a função que deverão ocupar, mas a introdução do voto popular na escolha dos ministros da suprema corte permite à população participar mais ativamente da vida democrática nacional. Além disso, torna a sociedade mais autônoma em relação às decisões do presidente da república, pois, no Brasil, os juízes são apontados pelo mandatário máximo.
*
Observo sempre que há segmentos que esnobam solenemente qualquer tentativa de avanço nas constituições latino-americanas, ao mesmo tempo que permanecem bajulando colonialmente as instituições do primeiro mundo. Não vejo porque países onde vige a monarquia, e que vivenciaram, no século XX, os maiores genocídios da história do mundo, tenham que ser nossas referências. Aliás, há sim alguns pontos onde os países europeus podem ser modelos para a América Latina: a valorização do trabalhador, que ganha salários decentes; a existência de vastos programas de assistência social, todos extremamente respeitados pelas elites e pela classe média; um sistema de educação pública de primeira categoria.
Enfim, é muito triste notar que as elites reacionárias deste lado do Atlântico criaram uma ideologia esquizóide, doentia, irreal. Acreditaram numa utopia mercadológica que nenhum país rico jamais implementou. Nem os Estados Unidos, onde a presença do Estado, ao contrário do que se propaga, sempre foi determinante. Segundo Chomsky, a maioria esmagadora das descobertas científicas realizadas nos EUA nasceram em estatais ou da cabeça de funcionários formados no serviço público. Além disso, o Pentágono, a Nasa, além de dezenas de outras agências federais, possuem uma forte autonomia orçamentária, e constituem o orgulho dos americanos. Nunca se pensou em privatizá-los, apesar de que o neoliberalismo de Reagan, Bush pai e Bush Filho, e sua turma, de fato conseguiu transferir para segmentos privados enormes nacos da indústria bélica, permitindo o surgimento de um lobby de guerra que hoje parece fora do controle, comprando parlamentares, membros do governo e jornalistas, sistematicamente, para seguir desestabilizando a paz mundial e obrigando o presidente americano a assinar cheques cada vez mais polpudos.
Obviamente é preciso considerar que o Estado, em si, não cria nada. Para que tenhamos agências públicas que produzam indivíduos criativos, é preciso driblar a burocracia, respeitar a liberdade dos funcionários, incentivar a formação.
*
Ah, lembrei de uma coisa que queria escrever há tempos. As campanhas auto-desmoralizadoras dos jornalões, sobretudo do trio ditabranda (Folha, Estadão e Globo), tem algo de muito estranho e suicida. Tudo bem que a imprensa escrita vive uma crise nos Estados Unidos, mas eles experimentam por lá uma realidade social oposta a nossa. Enquanto lá existe uma situação de empobrecimento e concentração de renda, aqui temos vastos setores da população se integrando à classe média e adquirindo maior poder aquisitivo. Não seria comercialmente lógico, portanto, que os jornalões procurassem lucrar com esse movimento? Muitos empresários enxergaram a oportunidade e ganharam muito dinheiro. Por que a Folha não seguiu esse caminho, tão natural, tão saudável e capitalista?
O que parece, francamente, é que a esses jornais não interessa conquistar um vigor financeiro autônomo: diante das negociatas sem licitação que vemos ocorrer entre governadores e grupos midiáticos, a impressão que temos é de que há um neoliberalismo sem liberalismo algum, pois continua visando exclusivamente manter empréstimos e financiamentos a juros subsidiados (ou mesmo a fundo perdido), através da eleição de políticos aliados, que fazem assinaturas em massa para o Estado e realizam grandes aquisições editoriais.
Certa feita, fiz um trabalho sobre o mercado de livros no Brasil. Uma das coisas que mais me chamou a atenção foi o fato de o governo, principalmente através do Ministério da Educação, é de longe o maior comprador de livros do país.
Esse poder estatal, conferido a seus representantes pelo voto popular, confere ao Estado um papel muito importante na construção de um ideário político e cultural entre a população. O papinho de intervencionismo estatal, importado dos ianques, não cola por aqui, porque, lá nos EUA, eles tiveram uma democracia estável de mais de duzentos anos, o que permitiu a criação de um Estado poderosíssimo que, em função da instabilidade política do planeta, tornou-se exageradamente militarizado, policialesco, com forte presença igualmente no setor cultural. Eles pecaram talvez por excesso, assim como alguns países da Europa. Mas o resultado, afinal de contas, foi positivo: tornaram-se países ricos e desenvolvidos. Por que o Brasil quer ser tão diferente? Por que o Estado aqui tem que ser sempre negativo?
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quarta-feira, dezembro 09, 2009
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24 de novembro de 2009
Qual o mistério de Serra?
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Está cada vez mais difícil saber qual o sentido eleitoral dessa guinada ideológica de Serra à extrema direita. O artigo furibundo contra Ahmadinejah não repercutiu bem nem mesmo entre seus simpatizantes. Na Folha, houve nítido constrangimento. Eliane Catanhede e Janio de Freitas afastaram-se, educadamente, das posições semiticas radicais do governador. Clóvis Rossi fez um gesto ainda mais delicado: disse que a opinião de Serra sobre o Irã tinha uma "ética e moral" impecável, mas não o acompanhou.
Pelo visto, o único "formador de opinião" a aprovar entusiasticamente o artigo de Serra foi Reinaldo Azevedo, para cujas opiniões o serrismo converge cada dia mais. Com essa radicalização ideológica, no entanto, Serra perde todo o centro. E perde a direita liberal, a la Clint Eastwood, que tem ojeriza ao conservadorismo tacanho invadindo as liberdades individuais (como a Lei do Fumo). Perde a direita e a esquerda ambientalistas, que agora já tem sua candidata dos sonhos: Marina. E torna-se uma espécie de vilão de histórias em quadrinhos para a esquerda brasileira, que voltou a exalar um pouco de auto-estima, depois de ser humilhada e caluniada durante o escândalo do mensalão. Vale acrescentar que essa esquerda cresceu nos últimos anos justamente em virtude da radicalização conservadora de setores midiáticos e partidários. Gente como Nassif, PHA, diversos ex-jornalistas da Globo, foram praticamente expulsos da pacata residência centrista que ocuparam por tantos anos. Forçando um pouco a barra, lembrou-me os movimentos migratórios que transformaram a Europa pós-romana, quando tribos do oriente deslocam-se para o ocidente, criando um empurra-empurra de diversos povos cada vez mais para o ocidente, até que algumas tribos decidissem invadir e destruir o império romano.
Uma explicação que me parece plausível, embora espantosa, é que esse enorme deslocamento de setores da opinião pública para a direita foi influenciado fortemente pela presença de Reinaldo Azevedo, o blogueiro da Veja. Espantosa porque é incrível que um indivíduo tenha tanta responsabilidade num processo. É preciso, contudo, enxergar o indivíduo dentro do contexto sociológico. Azevedo recebeu, notoriamente, uma missão no Brasil. É o blogueiro ou mesmo o formador de opinião que mais liberdade goza dentro da grande mídia. É o único que recebeu carta branca para dizer o que quiser. Suas opiniões mais escabrosas são toleradas. Difere, inclusive, da condescendência meio paternalista que se dá à Diogo Mainardi, porque este último não desempenha o papel de "sério" ou "politizado" que Azevedo procura transmitir. A liberdade de RA para assumir defesas partidárias explícitas lhe dá um diferencial importante. Colunistas tradicionais do Globo, Estadão e Folha não tem essa liberdade, nem essa desenvoltura. Usam estratégias muito capciosas, mas raramente demonstram a parcialidade orgulhosa e direta de RA.
Diversas personalidades da cultura aderiram ao conservadorismo incendiário de RA. É no mínimo curioso, por exemplo, que um Nelson Mota, boêmio veterano, que já entrevistou Raul Seixas, que biografou Tim Maia, um homem, portanto, que conhece (e gosta delas, ao que parece) as loucuras da vida, tenha se deixado seduzir de forma tão completa por um neocon radical, racista, careta e preconceituoso como o Esgoto. Isso também é um mistério para mim.
Mesmo sem entender, arrisco algumas conjecturas. Voltei a pensar no blogueiro da Veja porque ele deu entrevista ontem ao Jô Soares. Não assisti porque evito enervar-me desnecessariamente. Eu considero RA um desequilibrado mental, um golpista, e aborreço-me com o deslumbramento que sua erudição emporcalhada provoca no brasileiro médio. As pessoas precisam entender que a intelectualidade produz monstros ideológicos do tipo de RA com uma frequência impressionante. A defesa que ele faz de um golpe de Estado no Brasil e na América Latina, para mim, deveria ser razão para prenderem-no. Recordo dos músicos do Planet Hemp, presos algumas vezes, por cantarem músicas sobre maconha, e não entendo porque a pregação de um golpe de Estado, que é notoriamente uma incitação criminosa ao desrespeito à ordem pública, feita por alguém com amplo espaço na midia, não é motivo de condenação por parte do Ministério Público. Ele, RA, que está sempre incitando as autoridades a prenderem os outros por suas declarações, ele é que deveria ser preso, por pregar o maior de todos os crimes: o golpe de Estado. Imagino o que fariam autoridades e opinião pública na Inglaterra, se alguém ofendesse dessa forma a Rainha. Ou na Espanha, se ofendesse o rei, ou nos EUA, se atacassem o Obama e pregassem a sua derrubada por um golpe de Estado.
Muito mais interessante, por outro lado, tem sido a rearticulação das forças jornalísticas, reagindo à direitização acelerada e brutal de redações e tvs. Criou-se uma ala independente que nunca existiu, de jornalistas blogueiros. E, claro, surgiram os blogueiros puros, essa legião de irreverentes incorrigíveis, que não perde uma pauta, um assunto, digerindo tudo com suas milhões de bocas.
A história se acomoda, aos encontrões. Tribos empurram outras tribos. O império romano desaba. Mas não esqueçamos que Roma também já foi uma pequena e simplória vila rural. E que cresceu em função de sua agressividade sem limites. Não é aconselhável subestimarmos nossos adversários. Eu acho Serra um imbecil e RA um louco, mas a humanidade já cansou de ser dominada por imbecis e loucos. Onde eles querem chegar? O que eles desejam? Terminar de privatizar o Brasil? Realizar uma demissão em massa do funcionalismo? Converter o país numa imensa praça de pedágios? Brutalizar os milhões de pobres que ainda vivem em áreas contestadas pela justiça?
A única bandeira realmente popular dos partidos conservadores, a redução dos impostos, é posta em ridículo pela ação concreta desses mesmos partidos quando ocupam o poder. Dentre todos os presidentes do Brasil, FHC foi o campeão em aumento de impostos. A carga tributária brasileira subiu fortemente em sua gestão. Cresceu um pouquinho nos primeiros anos de Lula, mas deve cair substancialmente este ano. E agora, Serra e Kassab promovem, sucessivamente, aumentos tributários. O prefeito de Sâo Paulo está elevando o IPTU em até 300% em vários bairros da cidade. É apavorante. Com base em quê? Nos altos e baixos da especulação imobiliária! Enquanto viadutos, metrô, shopping center, casas de show, desabam, matando pessoas e causando prejuízos bilionários ao contribuinte paulista (e, de forma indireta, ao Brasil todo), por culpa de uma fiscalização falha, terceirizada, as autoridades paulistas, perante um mundo ainda convalescente daquela que foi chamada de pior crise financeira desde o crash da bolsa em 1929, aumentam os impostos e criam novos pedágios nas rodovias do estado!
Pelo visto, o único "formador de opinião" a aprovar entusiasticamente o artigo de Serra foi Reinaldo Azevedo, para cujas opiniões o serrismo converge cada dia mais. Com essa radicalização ideológica, no entanto, Serra perde todo o centro. E perde a direita liberal, a la Clint Eastwood, que tem ojeriza ao conservadorismo tacanho invadindo as liberdades individuais (como a Lei do Fumo). Perde a direita e a esquerda ambientalistas, que agora já tem sua candidata dos sonhos: Marina. E torna-se uma espécie de vilão de histórias em quadrinhos para a esquerda brasileira, que voltou a exalar um pouco de auto-estima, depois de ser humilhada e caluniada durante o escândalo do mensalão. Vale acrescentar que essa esquerda cresceu nos últimos anos justamente em virtude da radicalização conservadora de setores midiáticos e partidários. Gente como Nassif, PHA, diversos ex-jornalistas da Globo, foram praticamente expulsos da pacata residência centrista que ocuparam por tantos anos. Forçando um pouco a barra, lembrou-me os movimentos migratórios que transformaram a Europa pós-romana, quando tribos do oriente deslocam-se para o ocidente, criando um empurra-empurra de diversos povos cada vez mais para o ocidente, até que algumas tribos decidissem invadir e destruir o império romano.
Uma explicação que me parece plausível, embora espantosa, é que esse enorme deslocamento de setores da opinião pública para a direita foi influenciado fortemente pela presença de Reinaldo Azevedo, o blogueiro da Veja. Espantosa porque é incrível que um indivíduo tenha tanta responsabilidade num processo. É preciso, contudo, enxergar o indivíduo dentro do contexto sociológico. Azevedo recebeu, notoriamente, uma missão no Brasil. É o blogueiro ou mesmo o formador de opinião que mais liberdade goza dentro da grande mídia. É o único que recebeu carta branca para dizer o que quiser. Suas opiniões mais escabrosas são toleradas. Difere, inclusive, da condescendência meio paternalista que se dá à Diogo Mainardi, porque este último não desempenha o papel de "sério" ou "politizado" que Azevedo procura transmitir. A liberdade de RA para assumir defesas partidárias explícitas lhe dá um diferencial importante. Colunistas tradicionais do Globo, Estadão e Folha não tem essa liberdade, nem essa desenvoltura. Usam estratégias muito capciosas, mas raramente demonstram a parcialidade orgulhosa e direta de RA.
Diversas personalidades da cultura aderiram ao conservadorismo incendiário de RA. É no mínimo curioso, por exemplo, que um Nelson Mota, boêmio veterano, que já entrevistou Raul Seixas, que biografou Tim Maia, um homem, portanto, que conhece (e gosta delas, ao que parece) as loucuras da vida, tenha se deixado seduzir de forma tão completa por um neocon radical, racista, careta e preconceituoso como o Esgoto. Isso também é um mistério para mim.
Mesmo sem entender, arrisco algumas conjecturas. Voltei a pensar no blogueiro da Veja porque ele deu entrevista ontem ao Jô Soares. Não assisti porque evito enervar-me desnecessariamente. Eu considero RA um desequilibrado mental, um golpista, e aborreço-me com o deslumbramento que sua erudição emporcalhada provoca no brasileiro médio. As pessoas precisam entender que a intelectualidade produz monstros ideológicos do tipo de RA com uma frequência impressionante. A defesa que ele faz de um golpe de Estado no Brasil e na América Latina, para mim, deveria ser razão para prenderem-no. Recordo dos músicos do Planet Hemp, presos algumas vezes, por cantarem músicas sobre maconha, e não entendo porque a pregação de um golpe de Estado, que é notoriamente uma incitação criminosa ao desrespeito à ordem pública, feita por alguém com amplo espaço na midia, não é motivo de condenação por parte do Ministério Público. Ele, RA, que está sempre incitando as autoridades a prenderem os outros por suas declarações, ele é que deveria ser preso, por pregar o maior de todos os crimes: o golpe de Estado. Imagino o que fariam autoridades e opinião pública na Inglaterra, se alguém ofendesse dessa forma a Rainha. Ou na Espanha, se ofendesse o rei, ou nos EUA, se atacassem o Obama e pregassem a sua derrubada por um golpe de Estado.
Muito mais interessante, por outro lado, tem sido a rearticulação das forças jornalísticas, reagindo à direitização acelerada e brutal de redações e tvs. Criou-se uma ala independente que nunca existiu, de jornalistas blogueiros. E, claro, surgiram os blogueiros puros, essa legião de irreverentes incorrigíveis, que não perde uma pauta, um assunto, digerindo tudo com suas milhões de bocas.
A história se acomoda, aos encontrões. Tribos empurram outras tribos. O império romano desaba. Mas não esqueçamos que Roma também já foi uma pequena e simplória vila rural. E que cresceu em função de sua agressividade sem limites. Não é aconselhável subestimarmos nossos adversários. Eu acho Serra um imbecil e RA um louco, mas a humanidade já cansou de ser dominada por imbecis e loucos. Onde eles querem chegar? O que eles desejam? Terminar de privatizar o Brasil? Realizar uma demissão em massa do funcionalismo? Converter o país numa imensa praça de pedágios? Brutalizar os milhões de pobres que ainda vivem em áreas contestadas pela justiça?
A única bandeira realmente popular dos partidos conservadores, a redução dos impostos, é posta em ridículo pela ação concreta desses mesmos partidos quando ocupam o poder. Dentre todos os presidentes do Brasil, FHC foi o campeão em aumento de impostos. A carga tributária brasileira subiu fortemente em sua gestão. Cresceu um pouquinho nos primeiros anos de Lula, mas deve cair substancialmente este ano. E agora, Serra e Kassab promovem, sucessivamente, aumentos tributários. O prefeito de Sâo Paulo está elevando o IPTU em até 300% em vários bairros da cidade. É apavorante. Com base em quê? Nos altos e baixos da especulação imobiliária! Enquanto viadutos, metrô, shopping center, casas de show, desabam, matando pessoas e causando prejuízos bilionários ao contribuinte paulista (e, de forma indireta, ao Brasil todo), por culpa de uma fiscalização falha, terceirizada, as autoridades paulistas, perante um mundo ainda convalescente daquela que foi chamada de pior crise financeira desde o crash da bolsa em 1929, aumentam os impostos e criam novos pedágios nas rodovias do estado!
# Escrito por
Miguel do Rosário
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terça-feira, novembro 24, 2009
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Ideologia,
Política
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