28 de fevereiro de 2007

Dines e o mainardismo enlouquecido

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Você nunca mais vai ler Dines do mesmo jeito. Esse seria o slogan. O título poderia ser Observando o Observatório, de um site, blog ou orkut, que alguém poderia criar, contendo artigos e ensaios relacionados aos textos do editor do Observatório da Imprensa. Se não existe, logo logo vai existir. Afinal, Dines vem conseguindo superar o príncipe do tucanismo desvairado, Diogo Mainardi, em matéria de sanha oposicionista. O grande trunfo de Dines é que ele não assumiu sua parcialidade, enquanto o colunista da Veja já cansou de repetir que seu objetivo é derrubar Lula. Essa franqueza de Mainardi, embora louvável, revelou-se uma tática equivocada, pois levou as pessoas a lerem sua coluna como quem lê uma história em quadrinhos: divertimento inconsequente. Assim como ver Jogos Sangrentos: revolta, provoca engulhos no estômago, mas resistimos pensando "é só um filme, é só um filme, é só um filme". Quer dizer, eu não, porque há muito tempo que parei de ler a coluna do Mainardi. Prefiro Jogos Sangrentos.

Enfim, Dines é mais esperto.

Entretanto, Dines tem um ponto fraco: seus leitores. Como raça inextinguível, eles continuam lendo seus artigos com atenção milimétrica e, o que é pior, comentando! Dines já tentou se livrar de seus leitores várias vezes, mas não consegue. Uma vez convidou (ou aceitou uma oferta, dá no mesmo) uma jornalista que publicou artigo tentando desclassificar, ou rotular por baixo, os leitores de Dines. Quando ela insinuou, um tanto levianamente como depois se viu, que "estava em curso uma pesquisa abrangente sobre os leitores deste OI", para saber porque pensam assim ou assado, porque criticam tanto Dines, aquilo soou quase como uma ameaça. Mas falhou. Os comentaristas do OI são uma nova força na internet. Por alguma razão, ali encontramos vida inteligente. Vá olhar os que comentam no Globo ou no Noblat: a boçalidade reina.

Em seu último artigo, Falta um Borat para gozar nossas hipocrisias, Dines supera a si mesmo. Não se trata mais de um mainardismo. Um mainardismo enlouquecido, poderíamos dizer, não fosse uma tremenda redundância. O ministro Mantega, sua esposa e filhos são assaltados. Os repórteres de nossa valorosa e imparcialíssima imprensa acorrem para entrevistar a senhora Mantega, que se dispõe, muito educada e ingenuamente, ainda sob o efeito do susto, a responder aos ansiosos e súbitos filósofos da segurança pública nacional. Algumas declarações depois, eles partem para suas redações felizes. Entregarão a seus editores, alguns valiosos petardos anti-governistas. O lema dos anarquistas italianos - "hay gobierno, soy contra" - agora pertence à mídia tupi, com algumas pequenas, imperceptíveis alterações, como "hay gobierno petista, soy contra".

Enfim, o jornal pertence a seu dono, certo? Então pronto. Dines pode escrever o que quiser, certo? Então pronto. A gente escreve também o que quiser, certo? Errado. Dines está sendo anti-ético, logo ele, que anda se arvorando paladino da nova MORAL BRASILEIRA. Porque, no artigo citado, ele reverbera e distorce, acintosamente, o que disse a senhora Mantega, dando à frases descontextualizadas, ditas sob forte impacto emocional, um sentido totalmente invertido. Pior, está usando a dor de uma senhora, mãe de família, que acabou de ver seus filhos sob ameaça de armas de fogo, para desenterrar a história de Dossiegate! Falta de cavalheirismo aguda, senhor Dines! Coisa feia! Dom Quixote deve estar se revirando na tumba contra o senhor. Não há partidarismo que justifique uma deselegância desse nível. Nem os piores pefelentos fariam tal.

Dines está com umas obessões estranhas. Ele quer porque quer acreditar que o governo Lula alimenta uma negra conspiração para acabar com a mídia brasileira, essa pobre coitadinha que agora está galhardamente defendida pelo valente editor do OI. Vejam Chávez, aponta Dines, ele é amigo de Lula, e não renovou a concessão da Radio Nacional Venezuela. Ã? A RNTV participou do golpe contra a democracia venezuelana? Que tem isso? Nas republicas de banana, tvs e jornais podem tudo. Liberdade de imprensa é isso. O diretor de redação do Estadão matou sua namorada friamente? Liberdade,ora bolas! O cara está solto, e Dines está preocupado com os pobres diabos com menos de dezoito anos. A polícia paulista, reagindo bravamente ao PCC, matou mais de 600 pessoas no ano passado? Que tem isso? Liberdade! No Rio são mortas dezenas de pessoas por mês? Ora, ora... Liberdade! O negócio é a morte do menino João, esse sim, um caso que merece a atenção do governo, da mídia, do Congresso Nacional, para apertarmos as leis. O diretor do Estadão mata uma jovem jornalista (jornalista, héin!) friamente, calculadamente, e as leis estão certas em deixa-lo solto. Um bando de pé-rapados rouba um carro e matam barbara, mas involuntariamente, uma criança, e mudam-se as leis. Tudo bem, os caras são monstros, mas não percam de vista que eles nunca planejaram matar o garoto, enquanto o cara do Estadão sim. Esses são os valores da classe dominante brasileira e, visto que o senhor Dines agora está atacando o que, na opinião dele, seria a mania do "politicamente correto" dos jornais, ao não malharem, como deveriam - segundo Dines -, a senhora Mantega em editoriais e colunas políticas, permita-me ele então ser absolutamente politicamente incorreto e chamá-lo de "reacionario de mierda".

Última coisa: eu assisti a Borat, e realmente não entendi o que Dines quis dizer. Precisamos realmente de um sujeito anti-semita, ignorante, centrado no seu pequeno país de origem? Aliás, acho que Dines sabe muito bem que Borat é inglês, e que seu filme causou enorme constrangimento no Cazaquistão. O filme é bom, engraçado à pampa, mas não creio que o Brasil precisa de um Borat. Já temos bastante comediantes por aqui, da melhor estirpe, dos vulgares ao elegantes. Precisamos, isso sim, de um bom Observatório da Imprensa, quase como esse que está aí, mas com um editor menos obcecado pelo Lula.

27 de fevereiro de 2007

Os dilemas do eleitor francês

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José é dono de um bar em Clermont-Ferrand, interior da França. Português, chegou por aqui ainda criança e hoje sente-se muito mais ligado ao país de adoção que ao de nascença. Tem inclusive um pouco de dificuldade de falar o português, mas entende bem e, junto com meu francês mais ou menos, podemos conversar bastante sobre a política francesa.

Conversador, José troca idéias sobre as eleições com muitos de seus clientes. Ele diz que ainda está indeciso e encontra defeitos e qualidades nos dois principais candidatos, Segolene (foto), à esquerda, e Sarkozy, à direita. É muito interessante conversar com José por causa disso, por sua mente aberta e sua disposição para aceitar argumentos de todo tipo. Ele também tem seus argumentos e creio eu que, no fundo, a sua indecisão é uma estratégia de relações públicas com seus clientes, o que é, aliás, comum aos barmans do mundo inteiro. Em geral, não tem time de futebol, nem ideologia, nem partido, nem candidatos, e assim ficam em paz com todos seus clientes.

De qualquer forma, José gosta de falar de política e o seu bar, que tem wifi, é o lugar onde tenho passado muitas horas por dia, todos os dias, e onde acompanho, involuntariamente mas com prazer, discussões e piadas intermináveis sobre política.

Vamos às novidades. A Segolene, que estava dez pontos percentuais atrás de Sarkozy, cresceu nas últimas pesquisas e está agora empatada com seu rival. Contou muito, ao que parece, o debate com o público do qual participou na semana passada, e também a apresentação preliminar de seu programa de governo. E, segundo me informou José (os jornais aqui não são muito obcecados pela questão eleitoral), ela ainda vai lançar oficialmente o seu programa. A esperar.

Outro dia, José veio com um discurso absolutamente negativo sobre a esquerda francesa, explicando que a nação está sobrecarregada de assistencialismos e a esquerda aqui não enxerga o problema que eles vem provocando na moral da juventude, cada vez mais desanimada e parasitária das ajudas estatais.

Na semana seguinte, José explicou que Sarkozy é temido na França porque suas promessas de campanha, se implementadas, podem provocar o caos no país. Os sindicatos franceses são poderosíssimos, e as tentativas de desmontar a educação pública francesa e, de forma geral, o peso do Estado na economia, vão encontrar pesada resistência, na forma de greves terríveis e manifestações que infernizarão a pacata vida do país. Outro grande temor é que Sarcozy, com sua política pró-americana e um tanto virulenta em relação ao imigrantes e seus descendentes, pode catalizar o surgimento de grupos terroristas dentro do território francês, tendo como alvo o Estado e a população civil. Existem milhões de imigrantes e descendentes de imigrantes na França, e a direita, que está no poder há oito anos, não tem encontrado soluções inteligentes ou, ao menos, eficazes, no sentido de reduzir a sensação de isolamento, discriminação e, portanto, revolta, que vivem esses segmentos da sociedade francesa.

Por outro lado, Sarkozy tem sabido tocar na questão da moral do trabalho, dizendo-se o candidato da França "que trabalha", e a direita, de forma geral, tem conseguido lançar nos ombros da esquerda toda a culpa por este relativo desalento e parasitismo estatal de importantes segmentos sociais.

Estes são os dilemas principais do eleitor francês: uma direita dura, atrelada a uma política policialesca e pró-americana e uma esquerda associada ao desalento do jovem e ao estatismo.

Se eu fosse francês, preferiria o risco de manter o desalento e evitar o terrorismo, votando na Segolene. Vamos ver no que vai dar.

24 de fevereiro de 2007

O esfomeado louco de Paris

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O Esfomeado Louco Maldito de Paris, ou Anti-Jabor Revisitado, ou A Dialética da Inveja Descontruída

Querida, tenho tentado extrair, como de um fruto seco, alguma utilidade da minha amargura. Na verdade, sempre foi assim. Sobrevoando as ruas de Paris, sob o olhar sarcástico das quimeras da Notre-Dame, percebo que sempre foi assim. Carrego uma maldição um tanto ridícula e com nove anos eu me ajoelhava, sozinho no quarto, rezando à Cristo, ou que é pior, imaginando-me a propria reencarnação de Cristo. De forma que sempre fui louco, mesmo após admitir, ainda na primeira infância, que não poderia realizar mágicas e transformar o mundo conforme o meu desejo. Foi como louco que me aproximei Dela, da Maldita Musa, que me lancei em seus braços, atraído pelo perfume de seu Cio. Meus amigos todos foram ou são loucos. Alguns mesmo foram internados. Afora isso, uma solidão desgraçada, e a consciência pesada por uma maldade tão sólida como a Torre Eiffel. Uma espécie de consciência histérica do mal. Tem sido isso, entre muitas outras coisas, minha desgraça e minha decadência. Claro que invento, que minto, que trapaceio, e talvez tudo não passe de uma longa crise (e o que é pior, fingida), mas enfim a vida, para os infelizes e solitários, não seria isso - uma longa e desesperada (fingida) crise?

A ficção, para mim, é o malte do sofrimento, o fel amargo de um riso falso. Mas não cobro isso dos outros, não sou o psicopata que aponta o dedo para a vulgaridade (ou inteligência) alheia. A fé que ponho na beleza deste sofrimento é algo de inominavelmente egocêntrico. No entanto, o que fazer se a vida se me revela somente através deste pobre recurso? Contemplei com atenção os detalhes curvos dos prédios, os rostos em pedra talhados sob as janelas, as esculturas impressionantes presas aos grandes Arcos - que são três ou quatro, incluindo o mais famoso, o do Triunfo, ao final do Champs-Elisée. Escutei também o sussurro dos fantasmas que assombram as velhas catedrais e topei, nos arredores de Saint-Germain de Prés, com um dos monges que trabalhou no filme O Nome da Rosa.

O aspecto terrível dessas experiências é o sentimento de vazio que delas derivam, sabe? Eu também observei a oculta histeria das parisienses, sempre prontas a um grito que causaria a destruição da cidade que Hitler desejou eliminar do mapa, invejei a elegância dos sobretudos, os cabelos bem penteados, e muitas vezes, ao entrar nos cafés, imaginei-me como um SDF a incomodar a paz aconchegante dos burgueses. Isso porque, em Paris, os SDF se vestem bem, e você só pode percebê-los por um detalhe: barba mau feita, odor característico, furo no casaco e, principalmente, uma grande vergonha estampada no rosto. O meu sobretudo já estava todo furado e, apesar de eu cheirar bem, porque tomava banho (quase) diariamente, eu gaguejava na hora da falar um francês horrível, e por fim, temendo aparentar vergonha, acabava sentindo-a ainda mais intensamente e exibindo o que se chama, conforme o vulgo, cara-de-bunda.

De resto, não resta nada. O que não sei, eu desisti de saber, pois perco todo tempo me absorvendo em sofrimentos pueris, urbanóides, os quais, tivesse eu nascido no sertão da Paraíba, me serviriam de alimento (como diria o Ivan Lessa) e a fome que passei em Paris foi mais elegante que uma fome na Baixada Fluminense, com certeza.

Pra dizer a verdade, se é que ainda é possivel dizer a verdade, impressionou-me o Louvre, que me lembrou um elefante vinte vezes maior que o natural, fumando um baseado gigante e, olhos nos meus olhos, recitando um poema do Dylan Thomas. O rio Sena evocou-me mil metáforas sanitárias, por me lembrar um magnífico e poético esgoto a céu aberto, onde Voltaire cuspiu seu desprezo pelo Antigo Regime, Henry Miller o seu pelos United States, e Rimbaud vomitou todo o absinto ingerido antes de comer o cu de Verlaine na Pont-Neuf.

O fato é que estou puto - de inveja, naturalmente, apesar do privilégio de conhecer Paris - por Eles, Eles e Eles, etc, o caralho bêbado fazendo quatro pra polícia, não terem me contratado para escrever crônicas, ou atualizar um blog, como fizeram com outros. Eles merecem, deixa eles vencerem na vida, coitados! Eu sei, estou manchado com uma pecha sinistra (tendências políticas equivocadas, falta de talento, ou o fato de ainda não ter lançado o meu romance lírico e pós-moderno, tudo junto, sei lá), num país cheio de censura branca, velada, em que todo mundo sabe muito bem o que pode e não pode escrever e fica bem quietinho - estão mais é certos, eu é que estou errado, sempre estive errado, afinal eu sou Cristo, não sou?, e Cristo foi um otário, e sou Napoleão também, e o baixinho foi besta de invadir a Rússia em pleno inverno. Enfim, sou louco e nem um pouco feliz, mas, pensando bem, não quero ser feliz, quero apenas ser rico, para poder ser independente desses porras todas, beber meu uísque importado, escutar meu blues e falar mal da mídia, do mundo pop, dos governos merdas, de mim mesmo... Uma espécie de Jabor amulatado, anti-Global, que ainda acredita no Brasil, quem sabe? Com amor, Miguel.

23 de fevereiro de 2007

Carnaval de literatura

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Enquanto vocês aí estavam se esbaldando no Carnaval, ou então curtindo o feriado e tomando todas, eu aqui, na terra do croissant (louco de saudades...), escrevi um tanto no período. A oferta é bem variada: dois poemas, dois contos, um ensaio, uma crônica de memórias, uma crítica de cinema e um desabafo psicótico-familiar.

Podia ir publicando a conta-gotas, mas estou ansioso para colocar tudo no ar. Hoje em dia, só consigo sentir o texto "vivo" depois que o vejo publicado na internet, acessível a todos. Por isso, talvez, publico algumas besteiras de vez em quando. O desabafo psicótico-familiar, por exemplo, suscitou um pouco de incompreensão, por sua falta de clareza e pelo fato da minha mãe tê-lo enviado, à minha revelia, a "toda família". Mas, enfim, como fizeram muitos comentários, creio que seria desonesto mantê-lo fora do ar e escrevi um adendo, um PS, fazendo os devidos esclarecimentos.

Segue abaixo a lista dos textos, linkados . Vocês podem ler e depois voltar para comentar aqui nesse post mesmo.

Abraço em todos.

- Falando sério sobre a segurança pública no Rio (ensaio)
- Raízes (memórias)
- Sperata (conto)
- Baixio das Bestas, não vi e gostei (crítica)
- Sônia veio me contar as novidades (conto)
- carnavais (poema)
- Os fins dessa tristeza exilada (poema)
- Reflexões Barbosianas (desabafo psicótico-familiar)

Falando sério sobre a segurança pública no Rio

Passada a euforia do carnaval – que aliás eu não vivi porque eu estou fora do país -, gostaria de voltar a um assunto nada agradável. Na verdade, um assunto horrível, pois que evoca o recente assassinato do menino João, mas que, por isso mesmo, merece a nossa atenção. O tempo escorrido desde o crime até agora já nos permite contemplar com mais acuidade a situação e as circunstâncias.

A análise dos fatos convergem, entre todos os segmentos sociais, para uma perplexidade enorme em relação aos motivos que levaram os assassinos a cometerem um ato tão bestial, tão satanicamente fútil e idiota. O terrorismo, se também é bestial, não é fútil. Seus perpretadores, mesmo se o considerarmos igualmente diabólicos, tem um objetivo político e, na maior parte das vezes, reagem sobre situações opressivas de guerra e colonialismo.

Aqui temos outro tipo de violência. A maldade humana pode ser a mesma, mas as formas e os motivos que a levam a se manifestar são diversos. No caso do Rio de Janeiro, gostaria de analisar em profundidade e colaborar no encontro de propostas. O Rio é a minha cidade, onde nasci, onde estudei, onde moro e onde quero ser enterrado. Amo o Rio imensamente, com todas as suas doenças e perversões. Mas não amo, é claro, isso que aconteceu. Esse crime também mexeu comigo, especialmente, porque apontou a proliferação de uma mentalidade totalmente brutalizada, um tipo de ignorância e crueldade que não encontra explicação em parte alguma.

Os debates que sucederam o crime também me decepcionaram e horrorizaram. Apenas lançaram mais trevas sobre o tema, mostrando como o mal também encontra guarida no momento de confusão ideológica em que nos encontramos. Existe, no Brasil, um conservadorismo que não pensa, que não aponta soluções, que se limita apenas a acusar, a acusar, a acusar, apontando o dedo para toda parte. Acusa a esquerda, acusa o governo, acusa a sociedade, acusa a favela, acusa as ideologias.

No entanto, é evidente que o momento não é de apontar culpados, mas pensar soluções para estancar essa onda de barbarismo que prolifera no Rio – poderia falar do Brasil, que tem problemas parecidos, mas vamos nos concentrar, por questão de ordem, no Rio de Janeiro. Todos somos culpados, vamos começar por aí. A mídia, os governos, as elites, a polícia, tudo. Vamos entrar em detalhes.

A mídia é grande culpada. Esses bandidos – que, para mim, nem merecem o nome de bandidos, mas de bestas boçais diabólicos – eram ignorantes e burros. Isso é lógico, pois o crime que cometeram foi a coisa mais banal e estúpida, do ponto-de-vista da criminalidade em si, que vi em toda a história fluminense. Entretanto, eles assistiam televisão. Porque todo mundo no Rio assiste televisão, principalmente nas camadas mais humildes, principalmente na favela. Alberto Dines, nosso observador da imprensa que hoje virou defensor da imprensa, esqueceu disso. O fato da mídia brasileira imitar a mídia americana não a desculpa. A mídia tem culpa, porque ela tem sido, desde que a educação pública foi desmontada pelos governos militares e depois pelos governos liberais, o único meio de informação e cultura, portanto de educação, de que dispõem as classes humildes. Desta forma, senhor Ferreira Gullar, se não queres culpabilizar a pobreza, visto, como você observou, muito mediocremente, que os 50 milhões de pobres brasileiros não correspondem a 50 milhões de bandidos, então culpe, ao menos em parte, a nossa mídia televisiva, monopolizadora da informação, que não transmite mais valores cívicos, morais, sociais, e humanos.

Os desenhos matutinos das tvs abertas transmitem apenas violência. Não educam. As novelas e os programas nacionais não oferecem nenhuma cultura de qualidade que permita, de verdade, aos pobres adquirirem valores maiores. A chegada da filosofia da cultura pop, em que o valor de um programa é valorado pela audiência, e onde as tentativas de propor qualidade são taxadas – e isso nas universidades! - de elitismo, apenas agravou esse quadro. Acrescente-se a isso o fato de que o Rio de Janeiro era, e é, a cidade das crianças de rua, abandonadas pelo Estado e pela sociedade. Quantas crianças drogadas, violentadas, assassinadas, nas ruas do Rio! Que outra cidade, tirando as que vivem estados de guerra, viveram uma chacina como a da Candelária? Todas essas crianças sofrendo nas ruas, que pensaram as elites cariocas que se tornariam?

Bem, umas se tornaram artistas, como o Seu Jorge. Outras se tranformaram em monstros, como os jovens que mataram o menino João. Quantos outros monstros existem na cidade?

Apontemos o dedo, então, para a mídia sim, dr.Alberto Dines! E o senhor, que devia estar fazendo isso, também é culpado por não estar fazendo direito! Faça direito! O senhor é diretor do Observatório da Imprensa e poucos países no mundo têm uma instituição similar. Portanto, faça o seu trabalho direito!

Os governos também têm culpa. A nível federal, o estado do Rio foi um dos mais prejudicados pela sucessão de planos econômicos fracassados, pela inflação galopante, pelos salários mínimos de fome e pelo sucateamento das escolas e hospitais. Quer dizer, neste caso, todos os estados foram prejudicados, mas o Rio de Janeiro o foi particularmente, pelo fato de concentrar uma população urbana muito grande – a segunda maior do país -, associado a um assustador vácuo econômico: até poucos anos atrás, o Rio não tinha indústrias, nem agricultura e o turismo era medíocre.

Há um agravante cultural que sempre lembro para os que não conhecem a história fluminense. O Rio foi o maior mercado de escravos da América Latina, e isso no mesmo momento histórico em que era a capital política e financeira do Brasil. Diferentemente de São Paulo e mais que em qualquer outra região do país, a riqueza original do Rio veio desse crime histórico, a escravidão. E ao contrário dos Estados Unidos, onde o sul escravocrata foi punido por uma retumbante e sangrenta derrota militar, as elites cariocas não perderam nenhuma guerra. E importante, a historiografia moderna sabe que os tráficantes de escravos constituíam o grupo social mais poderoso, financeiramente, daqueles tempos.

Os cariocas não trabalhavam na época da escravidão. Os escravos faziam todos os serviços. A chegada da corte portuguesa, em 1808, agravou o quadro. Todo mundo sabe que aristocratas, de qualquer nacionalidade, tem ojeriza a qualquer tipo de trabalho. Essa moral contaminou todas as classes sociais e daí a fama do carioca de não gostar de trabalho. Daí a moral da malandragem.

A polícia e, portanto, os políticos, têm culpa direta nesta degeneração moral que vemos se alastrar no Rio. Eu testemunhei, quase todo mundo no Rio testemunhou, cenas bárbaras de violência policial contra trabalhadores autônomos, os famosos camelôs. Vimos policiais perseguirem, brutalmente, trabalhadores idosos que vendiam vasilhas de plástico, bibelôs ou artesanato. Vi isso em Copacabana e no centro da cidade. Em Madureira, uma ambulante jogou alcool no próprio corpo e tocou fogo, após uma batida em que policiais recolheram ou destruiram todo o seu material de trabalho. Foi hospitalizada e morreu dias depois.

No Rio, é onde aconteceu a maior chacina do Brasil, há três anos, em que policiais mascarados mataram mais de trinta pessoas, à esmo, na periferada de metrópole.

Não me espanta, portanto, que existam monstros na cidade. Claro que nunca imaginaríamos nada como o assassinato do menino. Mas não esqueçamos que (para não perdemos a visão crítica), mesmo que eles tenham visto o garoto preso, não era a intenção inicial deles fazer esta barbaridade.

De maneira que, se a perplexidade e a confusão diante de um crime tão horroroso parece nos paralisar, ou restringir nossa reação a um ódio irracional contra os culpados, não esqueçamos que todo problema tem suas raízes, mesmo os morais. E que, se identificarmos os problemas, ficará mais fácil encontrarmos respostas efetivas para combatê-los.

Outra observação pertinente é sobre as drogas. Particularmente, acho que é simplificar o problema culpar as drogas pelo aumento da criminalidade. A prova disso é que, há pouco tempo, a polícia identificou crescimento do crime em função da queda nas vendas; outra é que os assassinos do menino não eram traficantes. Ou seja, bandidos haverão com drogas ou não. Assim como consumidores de drogas existirão de uma forma ou de outra, não somente por culpa de uma susposta angústia, ou opressão, da sociedade moderna, mas simplesmente porque os homens se drogam há dez mil anos e não vejo razão porque parariam justo agora. O que vem ao caso, é que cabe aos educadores informarem as pessoas sobre os riscos que a droga acarreta, prejudicando o funciomento da mente e catalizando o surgimento de doenças mentais.

Quando se fala em criminalidade, a questão central não é eliminá-la, e sim reduzi-la. Esquecendo essa verdade quase cínica, os que criticam uma abordagem mais "social" do problema da segurança pública ficam cegos para o fato de que, se a origem do crime não é apenas social, a própria perpetuação da pobreza também não é um fator exclusivamente social. Quer dizer, existe um fator moral, uma desagregação moral e psicológica que está permanentemente travando a evolução das famílias pobres. Exemplo, a pobreza incentiva o alcoolismo, o alcoolismo degrada moralmente o homem, que abusa da afilhada, ou da própria filha, e não dá exemplo moral ao filho, e por aí vai. Por isso, dr.Ferreira Gullar – quem diria, héin? logo você virar um reacionarizinho burro – não temos 50 milhões de pobres-bandidos. A pobreza não é uma categoria social única, estanque. Se existem 50 milhões de pobres no Brasil, existem 50 milhões de indivíduos com problemas tão diferentes entre si como podem ser diferentes seres humanos com caras, rostos, mãos, bundas, pintos, olhos, cores, origens, criação, totalmente distintas. Cada um tem seus problemas, e seguramente a pobreza não é o único fator que leva ao crime. Não é, talvez, nem o principal. Se você ainda gosta de literatura, senhor poeta Ferreira Gullar, releia Faulkner, Luz em Agosto, e veja como a humilhação é que constitui o principal fator de desestruturação moral e desvio da personalidade. A humilhação não perdoa pobres ou ricos, mas como diria o mestre Mino Carta, até o mundo mineral está ciente de que enfrentar uma humilhação "a seco", ou seja, sem um puto no bolso, é infinitamente pior do que enfrentá-la com algum para afogar as mágoas.

Conclusão, o governo, a mídia e as elites fluminenses devem investir sim em educação nas áreas sensíveis do estado. Deve-se investir sim em lazer. Lazer! Eis uma palavra chave. O Rio, hoje, tem dinheiro, tem petróleo, e deve usar os recursos para investir em muito lazer nas regiões pobres do estado. Outra coisa, essas chacinas feitas por policias desmoralizam o poder público e o próprio Estado de Direito. A sociedade deve se horrorizar e punir exemplarmente os envolvidos com esses crimes, que não se restringem a uma chacina em 2004, mas a assassinatos sistemáticos, diários, nas periferias. Aí está a origem do mal. Construam-se grandes orfanatos, abertos e democráticos, para as crianças abandonadas. Nada de Febems a la PSDB. Orfanatos abertos, voltados para o lazer e para a educação. Reforme-se o ensino público, melhorando a qualidade, flexibilizando o currículo e aumentando as atividades culturais extra-curriculares. Isso é importante sim para combater o crime.

(na foto, os assassinos do menino)

Raízes (memórias)

Sempre quis conhecer melhor a vida do meu pai no interior de Minas, antes dele emigrar para o Rio de Janeiro, aos vinte anos, com dinheiro na cueca e a determinação de nunca mais voltar. Meu pai, quando vivo, falava muito pouco sobre o assunto - depois menos ainda, naturalmente.

Ele quase não falava, pra dizer a verdade. Muito de vez em quando, soltava alguma coisa. Eu obtinha, por outro lado, alguma informação através de seus irmãos ou através de vovó Zilda. A maior parte das raras histórias relatadas por meu pai ligavam-se ao que ele não podia ocultar, as marcas indelevéis que carregava no próprio corpo. Ele tinha uma grande cicatriz na parte inferior da perna direita. Uma pele fina, quebradiça e transparente cobria toda a batata da perna e havia respingos da mesma cicatriz mais acima. Um caldeirão de melado fervente entornara a seu lado, queimando-o terrivelmente. Não havia médicos nas redondezas – a fazenda distava dezenas de quilômetros da cidade mais próxima, Araguari -, e alguns empregados levaram o menino de oito anos, urrando de dor, para perto de uma cachoeira, para que ele aliviasse a dor com a água fria corrente. O velho Chico, meu avô, acorreu assim que soube do acidente, e ordenou que não jogassem água fria e sim água quente. Não sei muito mais sobre a história, apenas que meu pai lembrava do fato com certa amargura, porque a decisão de trocar água fria por quente custou-lhe horas e horas de sofrimento bestial.

Outra cicatriz, uma pele pendurada junto da axila esquerda, resultara da chifrada de um touro. O ferimento fora profundo e por pouco não atinge o coração. Meu pai perdeu muito sangue e... pronto, a história acaba aí. Meu pai contava a história mais com gestos do que com palavras. Com um braço imitava o chifre do touro, pegando-o por baixo. Nada de detalhes, como idade exata, antecedentes do acidente, como fora o tratamento, o que sentiu. Nada. Disse que perdeu muito sangue e que um empregado, carregando-o em suas costas, o levou para casa. Sem médicos, sem remédios a não ser os unguentos e ervas locais.

Por fim, havia a cicatriz no polegar da mão esquerda, que ele cortara jogando futebol. Como aconteceu, não faço idéia, nem ele contou. Apenas disse que cortou a mão jogando bola na roça. Uma criança mais fantasiosa poderia imaginar que, na época, o futebol era jogado com uso de facas.

Eu conhecia uma série de outras histórias, mas todas isoladas, dispersas, sem conexão entre si, sem detalhes esclarecedores, sem descrição das circunstâncias, do seu estado psicológico, do que que aconteceu depois, ou do contexto dentro da biografia como um todo.

Uma pena que ele tenha morrido tão cedo. Nossa amizade construía-se lentamente, mas de maneira firme, duradoura. Eu gostava dele e, passada a fase, na adolescência, em que eu fiquei um tanto amargo com a constatação de que ele possuía terríveis defeitos – e que os mesmos defeitos existiam em mim – a convivência com meu pai era tranquila e proveitosa para ambos.

Já que citei seus defeitos, devo especificar, para evitar confusão. Eles eram todos de ordem psicológica e comportamental. Moralmente, meu pai era impecável, uma fortaleza ética, uma pessoa comprometida com os mais altos valores humanos, pátrios, republicanos, sociais, tudo isso. Tipo da pessoa que tratava todos a seu redor com profundo respeito, principalmente os mais humildes. No entanto, no campo da personalidade, era uma pessoa atormentada, quase um aleijado social, incapaz de entabular uma conversação descontraída, contar uma piada, cantarolar uma música, dançar, narrar uma história. No entanto, era uma pessoa muito amada e respeitada por seus amigos, por causa de sua generosidade e seu talento como jornalista.

Seus amigos, no entanto, eram amigos distantes. Ninguém frequentava nossa casa. Meu pai vivia recluso, bebendo uísque sozinho. Depois que minha mãe passou a atormentá-lo por causa da bebida, ele passou a beber escondido, usando um artifício um tanto ridículo: bebia uísque numa xícara de café e guardava a garrafa num armário insuspeito. Depois de um tempo, todo mundo sabia de sua artimanha, mas ele continuou agindo assim, da mesma forma, por um bom tempo...

Baixio das Bestas, não vi e gostei

Bem provocativo, e meio idiota, esse título, eu sei, mas entenda - é uma paródia àquelas críticas do tipo "não vi e não gostei". No meu caso, é a justa verdade. Afinal, o filme ganhou seis prêmios no Festival de Brasília, ganhou prêmio no Festival de Roterdã e, depois de ler alguns artigos interessantes sobre o filme, em inglês e português, posso dizer, no limiar da certeza completa: eu não me chamo Miguel do Rosário (ah ah, como se o nome dissesse a você grande coisa, mas pra mim diz, pra mim diz) se não me apaixonar perdidamente por esse filme.

Outros fatores que me levam a ter certeza: Amarelo Manga, do mesmo diretor, é um dos meus filmes preferidos. A Dira Paes, protagonista do Baixo das Bestas, é uma das minhas atrizes preferidas. Depois de "Céu de Suely", Hermila Guedes também. Culminando o raciocínio, o diretor de fotografia é Walter Carvalho, o mesmo de Lavoura Arcaica, Central do Brasil, e uma pá de outras filmes que, goste-se ou não, tem fotografias lindas, impecáveis.

O fato da premiação ter sido pouco divulgada no Brasil – segundo minha mulher, pesquisadora de cinema, quase nenhum grande jornal divulgou – apenas reforça minha simpatia por esse cabra da peste, Claudão, como os amigos o chamam, o qual, definitivamente, não é um convidado para "essa festa que os homens armaram pra nos convencer", de que fala Cazuza.

carnavais

me lembram latinhas de cerveja
homens vestidos de mulher
eu mesmo comprei um bustiê
virei piranha

me lembram doses de conhaque
vômitos no mato à beira da piscina
mulheres de que não me lembro

transas rápidas em barcos abandonados
(na ilha grande, em 1999)

claro, os shows na lapa
os grandes mestres
milhões de camelôs
império das latinhas
skol gelada a dois reais
todos os sabores de caipirinhas

me lembram baseados
na joaquim silva
entre amigos do peito
momentos em que parecíamos
realmente irmãos
para sempre

no rio, porém, é preciso estar sempre atento
testemunhei na lapa um assalto internacional
dois caras, um gigante negro e outro magro com cara de mau:
give me the money, give me the money!
para duas turistas de saias coloridas, chinelos de dedo
e bolsinhas de cordão, leves como seus espíritos
aquilo me doeu, cara, me fez sentir covarde

me lembram chances perdidas
como a paulista fantasiada de mendiga
linda linda, que dançou comigo
dançou para mim
às seis hora da manhã
em frentes aos Arcos
e tirou os panos que cobriam suas pernas
de shortinho, era mais que uma deusa
era minha, minha, minha, até aparecer uma outra conhecida
que desviou-me a atenção
levou-me para outra rua, entrou em seu carro
e partiu sozinha
na verdade, com outra garota.
era sapata, a danada
deixando-me sozinho, sem paulista

sem nada


o carnaval me lembram bailes em cidades
pequenas no interior do estado
amor efêmero com provincianas
carinhosas e imorais

em salvador, o carnaval comercial
me deu náuseas
assim como sempre achei idiota
os desfiles na sapucaí

o carnaval é uma espécie
de festa desesperada
que bom beber uma cerveja
numa tarde quente de carnaval
sentindo o calor que emana
das multidões que passam
contemplando aquela garota
vestida de índia
ou melindrosa

já me fantasiei de árabe, presidiário,
sempre tive queda pela estética marginal
tradição aliás da poesia carioca
antes mesmo que torquato neto
trouxesse seu casaco de general
e oiticica posasse
de herói-bandido-parangolé

quantas vidas seriam necessárias
para viver tantos carnavais e suas paixões?
se uma vida parece insuficiente
para viver a loucura de um só amor?

quantos carnavais seriam necessários
para que esqueçamos a vida,
a morte, as tribulações,
a mesma cara no espelho, todas as manhãs?

ah, outros carnavais...
lembro-me daquele com a amiga de brasília e seu namorado,
que tinha o hábito curioso de andar com os baseados
já apertados – devia ser a primeira coisa que fazia pela manhã

passeamos pelas ruas festivas, fumando no meio
das festas, e não pensem que o samba tem monopólio:
o carnaval da lapa tem rock, hip hop, reagge...

mas é certo que às vezes,
a lapa tem um ar decadente
que deprime, angustia
e não deixa lembranças boas no dia seguinte

e hoje acordei,
no exílio,
merda,
sem sequer me lembrar
que era dia de festa

que tristes são
os países
que não conhecem o carnaval!

Sperata

Nada fazia Alberto abrir a porta do quarto. O colega com quem ele dividia o apartamento argumentava:

Cara, você não é o primeiro a receber um fora. Acontece. É a vida, mêu.

Ele não respondia, e o amigo desistiu. Se ele quer passar a vida neste quarto, foda-se, pensou, contanto que pague sua parte no aluguel... Abriu a porta e ganhou a rua. Mas essa aparente displicência não refletia a sincera preocupação do amigo em relação à Alberto.

Alberto estava trancado no quarto há três dias. O amigo sabia que ele vivia porque Alberto, de vez em quando, saía do quarto para ir ao banheiro ou à cozinha. Mas voltava num instante e se trancava novamente.

O amigo, cujo nome era Augusto, ligou para a moça em questão e explicou o que estava acontecendo. Ela não deu a mínima. Disse que Alberto era um mimado e que merecia sofrer um pouco.

Era sexta-feira, dez horas da noite e Augusto, após insistir por duas horas, foi se encontrar com a turma. Ninguém sabia o que estava acontecendo e Augusto decidira pedir ajuda. Depois de tomarem umas cervejas, ele iria trazer a turma ao apartamento e todos juntos fariam coro solicitando a presença de Alberto.

Enquanto isso, Alberto, trancado em seu quarto, observava uma pintura na parede, que ele ganhara de Helena, o motivo de seu desespero. Era uma reprodução de um trabalho de Basquiat, e representava uma forma humana, com tintas pretas, vermelhas e amarelas. Esse troço é um tanto sombrio, pensou Alberto, enquanto esticava o braço para alcançar um potinho sobre a escrivaninha.

Sentado na cama, Alberto abriu o potinho e o aproximou do nariz, aspirando profundamente o aroma gostoso da marijuana. Com os dedos, colheu uma porção e jogou sobre um livro fechado que tinha diante de si. O livro era Sexus, do Henry Miller, que Alberto já lera duas vezes. Despelotou a maconha lentamente, olhando de vez em quando para a pintura na parede. De repente parou e olhou ao redor, como quem dá falta de alguma coisa. Saltou da cama e foi até o outro lado do quarto, percurso que não lhe tomou mais que dois passos. Ali estava o som e a coleção de cds. Escolheu um e inseriu no aparelho. Voltou ao lugar original com uma expressão curiosa, como quem aguarda ansioso o início do jogo final de um campeonato de futebol.

Enquanto Erasmo Carlos mandava seus rocks antigos, Alberto prosseguia a operação de enrolar um baseado. Depois de três dias de isolamento, estava bem mais calmo. Augusto era um bom amigo mas lhe enchia muito o saco. Será que não podia compreender a sua necessidade de ficar sozinho? Tinha decidido: depois de abril, quando expirar o contrato, vou cair fora desse apartamento e alugar um só para mim. Morar sozinho, sem ninguém para me amolar.

Terminou de apertar e colocou o back na boca. Numa das paredes, o espelho devolveu-lhe a imagem de um brasileiro de trinta anos, um pouco acima do peso, mas conservando ainda alguns requisitos necessários para conquistar uma garota. Pegou no pênis e fez cara de macho. Yeah!! Suas putas!! Eu vou comer todas vocês!!

Depois desse breve ritual chauvinista, que o fez rir de si mesmo, pegou um isqueiro na estante colada à cama e acendeu o back.

Os fins dessa tristeza exilada


Se foi aos poucos ou de repente, não importa. A consciência dessa tristeza pousou-me nos ombros como um corvo gigante, cego e rouco, o qual, ao invés de gritar "nunca mais", cantarolava uma melodia infantil, uma melodia louca, como quem faz as unhas antes de se jogar do trigésimo-sétimo andar.

Tentei de tudo, todos os tipos de álcool, todas as drogas enveneneram-me o sorriso bastardo que eu cultivava, até pouco tempo, como derradeiro resquício de humanidade. O desespero, único recurso estético permitido aos doentes, também não me serve mais. Nem desesperado, nem triste, nem alegre. Nem louco, caralho. Nem ser louco me é permitido. Resta-me essa frieza amarga, lisérgica, cheia de ferimentos infeccionados em sua superfície de sonhos destruídos. E a vaidade, claro, a tortura eterna, a glória anti-infinita e negra do fracasso.

Ah, as guerras que lutei para ser um outro. Terminei sendo odiosamente eu mesmo, meus fantasmas, absorvendo os defeitos mais temidos que testemunhei na família. Por fim, exilei-me em atitudes discretas, em porres histéricos, cortei os braços para ver jorrar meu sangue contaminado.

Não quero filhos, nunca! Quero exterminar minha raça, presa em equívocos bolorentos, preconceitos morais e imbecilidades metafísicas. Sim, como se houvesse uma aids metafísica que me consumisse, que destruísse, gradativa e inexoravelmente, minhas defesas morais, deixando-me em face do meu reflexo mórbido, pálido e constrangido.


Impossível deletar a alma, merda. Reescrever minha personalidade desde o início, como quem renega um conto e muda de assunto. Mas eu já fui feliz. Cervejas geladas e mulheres carinhosas me consolaram em tardes quentes. Já chorei escutando Bob Dylan e li quatro vezes Grande Sertão Veredas. Dei risadas lendo o velho Buk e comi putas em homenagem ao grande Miller. Que me adiantou? Não fiquei mais inteligente, nem mais forte. Pelo contrário. Arrasto uma carcaça pesada, ultra-consciente e, horror dos horrores, nem triste mais eu posso ser!

Enfim, não posso ser nada. Olho a folha em branco tomado de um vago terror. Escrevo, desde sempre, como forma de terapia, e me irrito ainda mais. Estou só com meus fantasmas. Minhas guerras fúteis. Minha miséria.

21 de fevereiro de 2007

Bom filme de aventuras & variedades

2 comentarios

(desculpem a falta de acentos, corrigirei assim que puder)


Blood Diamond, com Leonardo Dicaprio, Djimon Housou e Jennifer Connelly, é um puta bom filme de aventura. Dicaprio representa muito bem um sul-africano, membro de uma mafia de contrabandistas de diamantes liderada por um general também sul-africano. O papel é a cara dele, alias. Housou, nova estrela negra de Hooliwood, também esta perfeito como pescador bonzinho cuja familia foi dispersa pela guerra civil de Serra Leoa. Preso e escravizado, Housou vai trabalhar na exploraçao de diamante, sob a mira de fuzis, até que, um dia, descobre uma pedra do tamanho de um punho. A historia, a seguir, se desenvolve em torno da dupla Dicaprio e Housou, que procuram juntos a familia do ultimo e o diamante gigante.

O roteiro me pareceu muito bem escrito. Somente as cenas de guerra civil me pareceram meio exageradas. Mas infelizmente pelos jornais sabemos o quanto existe de verdade nelas, inclusive a violência inflingida às crianças, obrigadas a trabalharem como mercenarias-assassinas numa guerra sem sentido, um circulo bestial de armas, diamantes e genocidios.

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Aproveito para indicar uma excelente revista de literatura, Muro, da qual participa minha amiga Camilla Lopes.

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Da série aulas gratis de francês:

As duas frases mais importantes do francês sao:
1) ça va (pronuncia igual à escrita)
2) voilà (pronuncia-se voalà)

"ça va" significa tudo bem, oi, como vai? Vale como pergunta e como resposta.

"voilà" nao significa nada especifico, mas é muito usado para finalizar frases ou pontuar situaçoes. Tipo assim: você pede uma cerveja (une biére, si vous plait), o garçom enche o copo para você, poe em cima do balcao e diz: voilà. Neste caso, significa Pronto, Eis ai.

Voilà também significa "Isso mesmo", como quando alguém repete o que você disse e você rebate "Isso ai, isso mesmo".


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Curiosidade importante

O português é a sétima lingua mais falada no mundo, com 176 milhoes de falantes nativos, segundo a Encarta (com dados atrasados, creio eu, mas vale porque, neste caso, as outras linguas também tem dados atrasados), à frente do russo (167 milhoes), do alemao (100.1 milhoes), do japonês (125 milhoes), do francês (78 milhoes) e do italiano (62 milhoes). O português é uma das grandes linguas de raiz Indo-Européia, que originou a maior parte das linguas ocidentais, inclusive o alemao, o ingles e as linguas latinas.

O problema do português é de ordem econômica e social, visto que os paises que o falam tem graves problemas de analfabetismo, completo ou funcional. Os paises que falam portugues, alem do Brasil e Portugal, sao paises africanos muito pobres.

No entanto, o volume de falantes de português permite situa-lo como uma das poucas linguas que deverao sobreviver nos proximos cem anos. Para um escritor em linga portuguesa e amantes da literatura de lingua portuguesa, nao ha noticia melhor. Mas sera fundamental, claro, para a consolidaçao e difusao maior do português, que tenhamos um bom volume de obras no idioma de Camoes. As cançoes, naturalmente, têm um papel crucial nesse sentido.

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A disputa presidencial na França esta dando vantagem para a direita, com Sarkozy liderando as intençoes de voto no segundo turno com 55%, contra 45% da Segolene Royal. As esperanças da esquerda estao nesta nova etapa da campanha de Segolene, na qual o programa de governo foi apresentado (finalmente) e depois de uma excelente participaçao da candidata num programa popular de entrevistas no TF1, principal canal aberto de TV do pais.

O problema da esquerda francesa, no entanto, é grave, pois existe, de fato, uma cultura do assistencialismo que vem sendo muito criticada, com jovens se aproveitando dos recursos publicos para nao trabalharem. Para vocês terem uma idéia, um casal que conhecemos aqui vive uma situaçao curiosa: ele, desempregado ha dois anos, ganha mil euros do governo, enquanto ela, que trabalha 6 dias por semana, ganha um salario de 800 euros.

Eh curioso observar ainda alguns jovens saudaveis, com melhores roupas que eu, altos, brancos e bonitos, parados nas esquinas, pedindo esmolas sem a minima vergonha na cara. Existe, de fato, um problema moral, ou cultural, na França, e a direita vem sabendo dialogar bem com esses problemas. A França trabalhadora, da qual enfim faz parte a maioria da populaçao, sente-se explorada por impostos excessivos, destinados a alimentar a França que nao trabalha, "vagabunda". O voto na direita soa como o velho grito conservador: "vai trabalhar vagabundo!"

A extrema-esquerda francesa, por outro lado, é absolutamente caricatural, com seu discurso um tanto repetitivo e vencido sobre os males do capitalismo. Segolene Royal, porém, representa uma esquerda moderna, que pretende realizar as reformas necessarias para dar mais competitividade às empresas francesas sem prejudicar os trabalhadores. Seu discurso geopolitico é muito bonito, e creio que, com ela no poder, a França estara muito mais engajada em ajudar a Africa, principalmente, a sair do atoleiro em que esta chafurda atualmente.

Exista ainda uma grande França sofredora, composta de descendentes de imigrantes; pessoas realmente muito pobres; deficientes fisicos; enfim, uma parcela importante da populaçao que depende do Estado para garantir uma existência mais digna: esses votam em Segolene.

Assisto aqui a disputa sem me meter, como observador imparcial, sempre tentando encontrar um paralelo com o Brasil. Nao tenho encontrado muita coisa, exceto uma discussao crescente sobre o desprestigio da imprensa tradicional, acusada de tendenciosa e presa a interesses economicos que lhe obstam a objetividade e a imparcialidade. Tanto é assim que os candidatos estao sendo entrevistados por pessoas do povo, nao mais por jornalistas.

Coitados, aqui eles nao tem um Alberto Dines, para defender a grande midia... Alias, por falar no homem, eis que o bicho anda atacado nos ultimos dias. Tem sido uma grande diversao minha ler seus artigos no OI e acompanhar os comentarios.

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ei, vocês tem que ler as colunas da Marcia Denser no Congresso em Foco.

17 de fevereiro de 2007

Sobre erros & Forest Whitaker

2 comentarios

Passei minha vida falando que a Agatha Christie começou a escrever com mais de 60 anos, e outro dia verifiquei que ela escreveu, na verdade, seu primeiro romance aos 30.

Alias, descobri que existe um fime de 1979, estrelado por Vanessa Redgrave, sobre a historia da mais famosa das escritoras policiais.

Agatha casou-se pela primeira vez aos 24 anos, divorciou-se aos 38, e casou-se novamente aos 40, com um homem 14 mais jovem, um arqueologista que a levou para paises exoticos.

*

Outra: andei falando, muito arrogantemente, que o unico livro do Faulkner que prestava era o Santuario. Hum... Perdoem-me mais essa. Estou lendo Ligh in August e... Faulkner é o cara. E agora estarei mais preparado para ler The Sound and Fury. Li um artigo sobre o romance e compreendi que as primeiras paginas são estranhas porque o narrador é um retardado de 33 anos.

*

De vez em quando, publico uns textos com erros no blog, mas estou sempre relendo e corrigindo, ok?

*

Fui assistir ontem O Ultimo Rei da Escocia, com o Forest Whitaker. Melhor filme que vi nos ultimos tempos. Muito bom! Tipo do filme que nem sinto vontade de escrever sobre. Filme para curtir, sem deixar de ser cinema de primeira grandeza. Falaram sobre a Africa sem compaixao, sem pieguice, mostrando o continente negro e os africanos em toda a sua crueldade, alegria, voluptuosidade, brutalidade, etc, etc.

*

Curiosidade e errata: Na II Guerra morreram 60 milhoes de pessoas, nao 20 milhoes como aventei num post abaixo sobre o caso do menino. Detalhe importante: foram 20 milhoes de russos mortos, contra 400 mil franceses, 600 mil ingleses e 400 mil americanos. Ou seja, como sempre pensei, o papel e o sofrimento da Russia na II Guerra foi grandemente diminuido na historiografia americanizada que aprendemos no colegio.

16 de fevereiro de 2007

Reflexões Barbosianas

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(Rio Araguari, que dá nome a cidade natal da minha família paterna)


Dedico esse texto, in memorian, à minha vozinha querida, Zilda Barbosa, falecida esta semana com mais de 90 anos, e a todos os Barbosa que pelejam Brasil afora

Por Miguel Barbosa do Rosário


Por ocasião da morte do meu pai, houve um momento, uma reunião de família na casa da tia Nair, em que o tio Zé Luiz pediu para eu tomar a palavra. Nesse momento, eu podia ter dito algo. Eu queria. Mas seguindo a antiquíssima tradição da família Barbosa, preferi o silêncio. Durante muito tempo, matutei com meus botões o que eu poderia ter dito. Quando a saúde da vovó começou a se deteriorar, pensei que, desta vez, eu deveria fazer um discurso. Sobre ela e sobre meu pai. Não sei bem porque tive essa vontade. Acho que o fato de ser filho do meu pai, o primogênito, tem a ver com isso. O fato de ter a pretensão de ser escritor também.

Entretanto, eis-me aqui no exterior, sem poder estar presente às cerimônias de despedida da nossa querida dona Zilda e a introversão barbosiana me empurra novamente ao costumeiro silêncio. Mas desta vez eu quero falar. Impedido pela distância, eu escrevo; o que, admito, vem bem a calhar, pois era provável que meu projeto de discurso desaparecesse, como ocorreu milhares de outras vezes, numa névoa de timidez e covardia.

A morte da vovó me lembrou, mais do que qualquer outra morte, o encantamento de que fala Guimarães Rosa. A gente não morre, se encanta, disse Rosa, em seu discurso inaugural na Academia Brasileira de Letras, poucos dias antes dele mesmo encantar-se.

Poderia dizer que a morte da vovó foi a que todos desejamos para nós mesmos, se é que isso é possível – desejar a morte. Não, não é possível. Por mais natural que seja, a morte é sempre a morte, esse vácuo assustador que só conseguimos contemplar, sem terror, pelo filtro da religião.

Entretanto, a inteligência humana só funciona por comparação. Comparando a morte da vovó, e a do meu pai, com a de milhões de outros seres humanos no mundo, vemos que eles foram abençoados por uma vida longa – no caso da vovó, longuíssima. Meu pai, colhido aos sessenta um, ainda tinha um caminho à sua frente, mas a vida lhe permitiu realizar seus sonhos mais bonitos, encontrar o amor – na pessoa da minha mãe, viajar o mundo, ser um profissional reconhecido e ter filhos saudáveis. Isso é o mais importante. Pensando dessa forma, podemos nos consolar com a morte desses dois entes queridos, agora reunidos no infinito.

Minha avó e meu pai eram pessoas muito parecidas. Aliás, é curioso como, agora que eles se foram, as semelhanças me parecem ainda mais evidentes. Por aí vemos como a cultura, a educação, é apenas um exercício espiritual que fazemos para nos tornamos mais iguais a nós mesmos. Meu pai, com toda a cultura e experiência de sua vida, legou ao mundo a mesma imagem de doçura e bondade que minha avó.

Tenho trinta e um anos, idade em que somos obrigados a cortar as asas de alguns sonhos, ou seja, definir melhor nossos objetivos e aceitar, de uma vez por todas, certas características incômodas de nossa personalidade.

Cheguei onde queria chegar: personalidade. Não tem como falar dos Barbosa sem pensar nisso. A personalidade dura, matemática, do velho Chico, adoçada e enriquecida pelo espírito inventivo, intuitivo e artístico de dona Zilda, produziu resultados interessantes. Pessoas inquietas, curiosas, problemáticas. Essa é chave para se entender os Barbosa – como perceberam as mulheres, e homens, que deles se aproximaram e aprenderam a amá-los: uma personalidade complexa, mesmo um tanto angustiada, presa a um silêncio duro, triste, trágico. Um silêncio a contragosto, que explode, paradoxalmente, num sorriso de magnífica pureza, como que filtrado por camadas e camadas de sofrimento.

Tentei fugir. Por anos e anos, eu tentei fugir, admito. Em várias ocasiões, pensei ter conseguido escapar dessa personalidade barbosiana, desajeitada e sertaneja. Assim como meu pai, refugiei-me na bebida. Mas meu pai, mesmo com a bebida, nunca conseguiu se afastar de si mesmo. Eu conseguia, por alguns minutos mágicos. Minha criação cosmopolita, claro, foi a diferença. Não passei a infância colhendo feijão e tangendo boi, como meu pai. No entanto, o tempo, que eu supunha estar a meu lado, traiu-me. Eis que sinto em mim, voltando com força inaudita, como se estivesse sob pressão, todo o peso da personalidade barbosiana, que tanto havia me feito sofrer na adolescência, quando tentei, pela primeira vez, ser diferente disso, e que novamente causou-me dor ao retornar, de maneira tão brusca. Quer dizer, a personalidade barbosiana nunca me abandonou, mas houve um tempo em que ela pareceu recuar e deixou-me brincar de ser diferente.

Quando eu conversava com minha mãe sobre meu pai, ela costumava dizer que a principal herança dele era a lição de vida, de integridade, de ética, essas coisas. Nossos olhos enchiam-se de lágrimas. Hoje desconfio que essa forma de pensar é típico do lacerdismo da minha mãe, que vê tudo sob uma ótica moralista, e que inclusive exerceu grande influência sobre meu pai.

Besteira, desculpe mãe. Se meu pai foi honesto, isso não era mais que uma obrigação dele e não há mérito nenhum nisso. Muito menos é motivo para lágrimas. Esse é outro vício tipicamente brasileiro, e que gerou essa doença chamada lacerdismo, especialmente forte no Rio de Janeiro, que liga a honestidade a uma espécie de heroísmo. Isso em detrimento do conceito de cidadão, de profissional, e da... personalidade. Sem falar que é um conceito tremendamente conservador, que nos isenta de responsabilidade perante o mundo; ou seja, aquele pensamento tipo: o Brasil é uma merda, mas eu sou honesto! A honestidade é a mais vulgar das vaidades...

Essa herança para mim não vale nada. Sou honesto hoje porque sou um cidadão consciente, educado. Porque existem leis, porque acredito em Deus; não por causa do meu pai. A herança do meu pai também não foi o valor pelo trabalho. Esse é outro conceito lacerdista. Eu trabalho porque preciso de dinheiro, assim como ele, e não por nenhum valor mais alto.

Na verdade, a única verdadeira herança que meu pai me legou foi essa terrível personalidade Barbosiana, essa tendência a fugir de tudo, essa covardia social, essa náusea do mundo, esse apego à paz e ao mundo interior, e ao mesmo tempo essa grande vontade de festejar a vida, de dançar, de amar, que meu pai tentava satisfazer através do uísque e, claro, através do amor, pela mulher e pelos filhos. Herdei ainda uma tremenda insegurança e o medo da loucura, esse fantasma que tanto assombrou, e feriu, a família Barbosa.

Ou seja, herdei uma série de defeitos, congênitos e psicológicos, e hoje, diante da notícia de que minha amada e idolatrada vozinha faleceu, não sei o que fazer deles. Não serei hipócrita e dizer que estou satisfeito com eles. Não, eu os odeios, eles me fazem sofrer muito e impediram muitas alegrias na minha vida. No entanto, sei que, se existe algum valor em mim, se um dia, dessa minha cachola problemática, barbosiana, sair uma frase bonita, um parágrafo inteligente, um capítulo interessante, sei que deverei isso aos mesmos defeitos, pois foram eles que me proporcionaram o isolamento, a contragosto ou não, que me permitiram devorar livros com tanto desejo e determinação.

Meus defeitos, portanto, ou pelo menos alguns deles, se converterão em qualidades. Espero muito que isso aconteça, para que, no dia em que eu me juntar a eles, a meu pai e avó, no infinito, eu possa levar uma mensagem de liberdade. A personalidade barbosiana, enfim, após tantas décadas e gerações de sofrimento, silêncios, crises, estará redimida, livre, orgulhosa, encantada!

PS: Desculpe insistir sobre temas que estão longe de ser divertidos. Mas visto que o texto foi amplamente divulgado, à minha revelia, pelos círculos familiares, vejo-me obrigado a alguns esclarecimentos.

Em respeito aos comentários que recebi, precisei repensar alguns pontos mais polêmicos desse texto. Agredeço, portanto, imensamente aos que comentaram. Num dos pontos, o mais polêmico, nego o fator hereditário, ou familiar, para a (minha) formação moral. Refleti bem e estou agora mais convicto ainda. Claro que existe o risco de eu estar, como bom sofista que talvez eu seja, enganando-me a mim mesmo com argumentos supostamente astuciosos; por isso, só mesmo o convencimento do interlocutor (leitor), conforme a fórmula socrática, nosso primeiro moralista, é que vai dizer se estou certo ou não. Se ele também se deixar enganar, não posso fazer nada. Pereceremos todos um dia, de qualquer forma, na mesma teia de contradições.

Penso que a família, ao contrário de nos ensinar honestidade, é a instituição que mais nos incentiva à mentira, à desonestidade, à falsidade. Os pais, mesmo os melhores, mentem aos filhos, com as melhores intenções, e vice-versa. Mentir aos pais se tornou uma velha tradição humana, quase uma instituição. Nem se trata de culpar um ou outro. Essa mentira tem uma razão de existir, ela corresponde a um antigo e eterno conflito de gerações, em que novas formas de pensar, ainda não suficientemente seguras e fortes para enfrentar as antigas, não podem se mostrar abertamente, então se disfarçam com a máscara da moral antiga, o que nada mais é do que usar a mentira. Até o dia em que, maduras, elas sentem-se confiantes para se revelarem por inteiro: eis os momentos de crise, muitas vezes ruptura, entre pais e filhos. Pelo lado dos pais, é uma maneira de proteger os filhos de uma moral que, se revelada precocemente, poderia ferir ou gerar incompreensão. Essa é a razão pela qual as famílias mais moralistas são, em geral, aquelas onde prolifera mais mentira.

O que eu quis dizer, portanto, quando afirmo que a principal herança do meu pai não foi o seu honesto exemplo de vida, é que a moral é um valor social, não individual, não transmissível hereditariamente, nem familiarmente (pelas razões apontadas). Apreendemos a moral fora do âmbito familiar, quando observamos as relações sociais e os códigos de comportamento à nossa volta. Além disso, a honestidade pura é um conceito abstrato vazio. Existe apenas uma honestidade concreta: o respeito às leis, e isso aprendemos com a assimilação de valores cívicos e morais, não sendo nenhuma "herança". Embora o exemplo dos pais seja importantíssimo, nada comprova que seja fundamental, vide tantos casos de bandidos com pais maravilhosos ou pessoas boas com pais corrompidos. Essa assimilação é um processo absolutamente individual, muito mais influenciado pelo ambiente social e pelas reações psicológicas que o ambiente produz na pessoa do que pela esfera estritamente familiar.

Por outro lado, creio que ser honesto não denota, necessariamente, coragem. Para viver sim, carece coragem, muita coragem, como dizia Diadorim. Mas essa coragem vale tanto para ser mau como para ser bom e, talvez, seja mais fácil ser honesto do que mau – pois, mau ou bem, estamos respeitando a lei e evitando problemas. Isso é ótimo e se chama Estado de Direito. No entanto, claro que há momentos em que a honestidade requer um tanto de coragem, mas a bandidagem também tem esses momentos; por isso acredito que a honestidade é mais um valor cívico, uma consciência cidadã, do que uma postura heróica. Em outras palavras, ser honesto é uma obrigação e um dever republicanos, humanos, sociais, e ninguém deve se gabar de ser honesto, nem de ter herdado isso de pai ou mãe. Nem gabar outros. A honestidade é uma virtude importante, porém, mais do que qualquer outra, precisa ser uma virtude reservada, discreta e absolutamente pessoal. Ninguém é honesto porque seu pai foi honesto, e por isso eu nego uma suposta herança de honestidade que meu pai tenha me legado. E nego veementemente porque vejo, nesse discurso, a influência deste marketing sujo e hipócrita de valores morais, conhecido historicamente por "lacerdismo".

Sobre a personalidade barbosiana, esclareço que refiro-me sobretudo a meu pai, José Barbosa do Rosário, e não a seus irmãos, meus tios, que embora também carreguem esse forte gene, são pessoas totalmente diferentes e que, inclusive, eu não conheço tão bem como conheci meu pai, com quem convivi por mais de vinte anos e que era um amigo. Ele sim tinha, mais que todos, essa personalidade barbosiana difícil e reservada de que falo, personalidade que apenas se acentuou, se agravou, em seus últimos anos de vida. Eu generalizo a personalidade barbosiana para abrir o tema à uma reflexão mais universal, como se todo mundo carregasse, em si, um pouco dessa mesma personalidade. Como se todo brasileiro, ou mesmo não brasileiro, tivesse um pouco dos Barbosa. Por fim, a personalidade barbosiana é, em última instância, o que eu sou, e o que eu sou também está em tudo que vejo e sinto, em todo mundo.

E quando digo que, ao fim de tudo, eu trarei uma mensagem de liberdade, não quero dizer que minha avó ou meu pai, ou meu tio, tenham alguma necessidade disso lá no infinito onde repousam. Claro que não. Eles já estão livres, redimidos, encantados. A liberdade será minha, e as décadas e gerações que serão redimidas serão as minhas décadas de vida e as gerações que vieram antes de mim. Entender de outra forma daria margem a achar o texto um tanto presunçoso.

Quanto a alguma suposta culpa ou sofrimento que eu arraste pela minha existência, bem, isso é verdade, mas entendam também que, como poeta, eu exagero um pouco as coisas, assim como um cientista amplia o tamanho de um vírus, para enxergá-lo melhor. Portanto, não se assustem muito. Por favor, não levem nunca um escritor ao pé da letra.

Demais, felicidade para todos e desculpe se toquei em algum ponto sensível, ainda mais nesse momento doloroso para a família. Abraço em todos.

Abstratismo e suspense de Inland Empire

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David Lynch é um cara surpreendente. E corajoso. Quem assistiu Cidade dos Sonhos (Muholland Drive), um filme que, apesar do vai-e-vêm perturbador entre realidade e loucura, tem uma linha narrativa identificável e razoalmentente sólida, portanto comercial, nunca pensaria que ele desta vez dispensaria os escrúpulos de mercado e faria um filme quase que abstrato, com narrativa totalmente fragmentada, tanto quanto hermética. Resumindo, filme destinado a um público seleto, sem pretenções de atingir a massa e faturar milhões. Filme-arte, como poucos hoje têm coragem de fazer.

Pois foi exatamente isso que Lynch fez com Inland Empire, longa metragem de duas horas e quarenta minutos, que faz os cinéfilos babarem de emoção e os membros do fã-clube de Lynch darem gritinhos de histeria.

Sarcasmos à parte, é um filme autêntico, e louco, pra dizer o mínimo. Um filme que termina com você de boca aberta, olhos vazios, sentindo-se como alguém desconfiado que botaram LSD no seu inocente chop da brahma.

Lynch faz o espectador entrar e sair da realidade tantas vezes que nos faz baixar a guarda de nossa lucidez cotidiana, nos deixando vulneráveis para um verdadeiro bombardeio de símbolos e arquétipos sinistros.

Pra ser franco, é um filme que merece a etiqueta de filme-cabeça, porque é cansativo intelectualmente e passa longe de ser um entretenimento familiar. Acho mesmo que o autor poderia ter cortado uma cena ou duas, mas quem sou eu, pobre mortal, para opinar sobre o trabalho de um gênio?

Explico minhas pinceladas de sarcarsmo. Inland Empire é capa da edição de fevereiro da Cahiers du Cinema, e o filme é tão absolutamente louvado pelos diversos articulistas que me irritou. Na entrevista com Lynch, então, chega a ser ridículo o tratamento sobre-humano que dão ao cineasta, atribuindo a cada palavra sua um sentido místico e genial.

É inegável, todavia, que o filme de Lynch constitui um marco importante do cinema contemporâneo, reinaugurando uma nova era do cinema-arte. A riqueza plástica do filme e as possibilidades de suspense oferecidas pela narrativa são imensas. Inevitavelmente, porém, é um filme que muitos vão achar chato, por causa de seu abstratismo, sua fragmentação, da extensão exagerada de algumas cenas e do recurso constante da repetição. Os que acharem isso, também terão sua razão, e creio que sua opinião merece o devido respeito, ainda mais que, dentre estes, seguramente se encaixa um público igualmente apaixonado por cinema. Lynch poderia ter estendido um pouco mais o leque de amantes de seu filme se tivesse cuidado um pouco mais da narrativa.

Entretanto, à exceção de Cidade dos Sonhos, Lynch não é cineasta de narrativa. Seu forte é o impacto plástico, a atmosfera de suspense, as cenas insólitas carregadas de simbolismo e tensão. Como se a narrativa, em Lynch, fosse um pano de fundo, como em Blue Velvet, em o Homem Elefante, e mesmo em seu primeiro longa-metragem, Erasehead. É preciso ter isso em mente para fazer a devida apreciação deste novo filme de Lynch. A narrativa não é o recurso estético dominante no filme. Ela é usada para confundir e abrir possibilidades, tanto para o cineasta quanto para o espectador. O fato é que estamos um tanto acostumados com narrativas lineares, e este filme de Lynch, definitivamente, é tudo menos linear.

15 de fevereiro de 2007

O sorriso de Lucifer

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(William Blake, o Dragão Vermelho)




A morte de uma criança de maneira indescritivelmente bárbara confundiu a cabeça de todo mundo.

O fato de um dos assassinos ser menor trouxe à tôna a questão da maioridade penal. Jornais e colunistas politicos, que vinham agonizando há tempos a ausência de escândalos políticos na esquerda, aproveitaram a deixa para entoar mais esse canto de guerra conservador. Li alhures que, hoje em dia, os grandes jornais, ao optarem por linhas editoriais fechadas e tendenciosas, escolhem seus leitores. Para ser justo, creio que isso também vale para algumas publicações dita de esquerda, como Caros Amigos, que notoriamente destinam-se a um público específico. Para ser mais justo ainda, admitamos que é assim no mundo inteiro, e que agora, com a internet, isso não tem mais tanta importância, por isso não fiquemos mais tão nervosos.

Enfim, pipocaram editoriais, artigos e posts sobre a necessidade de leis mais duras para o crime, e redução da maioridade penal. O Noblat, durante semanas, e até o momento, inseriu uma tarja preta, em todos seus posts, lembrando a morte de João Hélio Fernandes. Foi mais longe e defendeu o cancelamento do carnaval este ano no Brasil. Creio que, segundo ele, caberia ao Lula baixar algum decreto neste sentido.

Longe de mim ser leviano e creditar a sanha anti-criminalidade de Noblat a algum interesse menor. Pecuniário, por exemplo; aproveitando o trauma nacional para explorar a conhecida sanha de ódio, rancor e sede de vingança que os coletivos abrigam em si, e ganhar volume de acessos.

O Alon Feuerwerker, outro blogueiro de prestígio, e sem a mancha golpista do Noblat (pelo contrário, com status de moderado e amante do bom senso político), entrou na mesma onda. Escreveu um artigo um tanto quanto sofista para justificar a aprovação de leis mais duras a toque de caixa. Se o presidente americano, diz Alon, ouvisse os argumentos anti-emoção que proliferam na classe política e na intelectualidade, a crise resultante do crash da bolsa de Nova York seria analisada com enervante calma, e o país afundaria. Quando os japoneses bombardearam Pearl Harbour, se Roosevelt analisasse a situação sem emoção, sem pressa, o Eixo triunfaria.

Prezado Alon, isso se chama filosofia de botequim. Do pior tipo. O raciocínio é perfeito para ir de encontro à mediocridade reinante - desculpe o termo, mas é a triste verdade - entre os leitores do Noblat, onde seu artigo foi reproduzido. Parece que o seu bom senso está sendo, aos poucos, tragado pela lógica noblatiana.

É um raciocínio absolutamente equivocado.

Você não pode comparar uma situação de guerra com um assassinato, por mais horrível, bárbaro e desumano que seja. Na II Guerra, morreram 60 milhoes de pessoas (confirmei os dados num livro). Isso é guerra. E mesmo assim, numa guerra, as decisões não podem ser tomadas com base em emoção. Tem que ser rápidas, isso sim, mas pensadas de forma fria e objetiva.

Nos EUA, que é o exemplo citado exaustivamente em toda crise nacional, eles não mudam as leis a cada vez que descobrem que um psicopata comeu viva uma garota de onze anos.

Como cidadão, eu defendo que a segurança publica brasileira deva ser reformada. Alguns crimes devem ter penas atenuadas, outros penas endurecidas. A reforma do Judiciario deve se aprofundar, de maneira a agilizar as decisões. O Brasil é um dos países que menos adota penas alternativas e isso é um absurdo que ajuda a superlotar as cadeias. As escolas devem incluir algum tipo de pedagogia específica para combater a violência inaudita que jorra da TV, do cinema, dos videogames e da sociedade contemporânea de forma geral.

Para crimes hediondos, pode haver cláusulas específicas, que prevejam penas mais duras, mesmo para menores de idade.

Mas as leis não devem ser aprovadas a toque de caixa. O Rio vive chacinas quase diárias há décadas. A polícia mata dezenas de pessoas por mês na periferia da capital. Isso não estaria influenciando negativamente a moral da população? Vamos reduzir a violência policial também.

O mal existe em todos nós. Claro que não seriamos capazes de fazer nada parecido com o que fizeram os assassinos do menino, mas, em alguma medida, tambem abrigamos uma parcela do mesmo mal. Uns o controlam, outros não.

Importante ter em mente que filosofar sobre a questão da segurança não é banal. Um raciocínio sólido e ponderado ainda é a melhor arma para combater o mal. Desde a época em que lançávamos cristãos aos leões, ou traziamos negros amontoados em porões fétidos da África, melhoramos um pouco. No aspecto jurídico, melhoramos muito, isso é inegável. Mas não foi com penas mais duras que a humanidade amadureceu. Ha cinco mil anos, a lei de Talião imperava, olho por olho, dente por dente, e os trabalhadores não recebiam fundo de garantia.

Outra coisa, senhor Alon. São os pobres sim que vão pagar pelo endurecimento das leis. Porque não tem advogados e são eles o segmento social mais frágil, psicologica e fisicamente, às atrações do crime. É claro, como você disse, que a moça pobre obrigada a andar a pé por bairros escuros é mais vulnerável que a moça rica dentro de seu condomínio fechado. Mas existem leis, Alon. As leis já são duras para estupros. Mais que isso, os estupradores são mortos nas cadeias. Agora, você esqueceu de uma coisa. Menos de 1% dos assassinatos são desvendados no Rio de Janeiro. Ou seja, a polícia é incompetente. Investe-se apenas na truculência, e não na inteligência, na capacidade de investigação. Em tecnologia. Em cursos no exterior, onde a polícia possui excelência no solucionamento de crimes. Aliás, quando alguém lembrar da politica de tolerância zero adotada, com sucesso, em NY, não se esqueçam desse detalhe...

O crime do menino nos faz pensar mais rápido, isso sim. Pensemos mais rápido, ótimo. Agora, não nos deixemos vencer por esse deprezo pelo pensamento, pelo debate exaustivo, como se a análise ponderada, desapaixonada e fria, valesse menos que o ódio e as decisões que dele derivam. O Congresso Nacional pode sim tomar decisões que apressem e fomentem esse debate. As universidades devem se engajar. Por isso, fico realmente chocado em ver caras como o Roberto da Matta se renderem à lógica mesquinha da vingança. Ou melhor, nem me surpreende tanto, já que nunca li nada inteligente vindo do Da Matta mesmo, que para mim é mais um desses intelectuais com diplomas demais e tutano de menos.

Afinal, o que importa é o resultado, e não há absolutamente nada que indique que leis mais severas possam contribuir para a redução da criminalidade no país.

O que não podemos é deixar o Diabo, incarnação metafórica do mal, rindo às nossas custas, sendo manipulados por ele, ou seja, deixarmos que quatro ou cinco pobre-coitados que cometem um crime bárbaro, mas que (convenhamos) denota total falta de inteligência, ditem as leis de um país com 190 milhões de habitantes e terríveis problemas em seu sistema carcerário.

12 de fevereiro de 2007

O pacto

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(Degas)

Há tempos que esperavam o telefonema.

Quando o policial ligou, dando a má notícia, não receberam com o desespero com que haviam imaginado recebê-la. Talvez porque, de alguma forma, tinham preparado o espírito para a fatalidade. Talvez porque já tivessem tomado a decisão, e ela os acalmava.

Ele comprara os remédios há algumas semanas. Entrara uma tarde em casa, o sobretudo molhado da chuva triste que caía em São Paulo, trazendo o pacote com a caixa do produto tarja preta, o qual colocara sobre a mesa da cozinha, para que ela visse e entendesse. Não falaram nada, mas eles se entendiam em silêncio. Um pacto havia sido discutido, em seus detalhes, e fechado, sem que fosse necessária nenhuma conversa constrangedora.

Wlad tinha cinquenta anos, ela, sessenta cinco. Estavam casados ha cinco anos. Angela, aos sessenta, era uma coroa incrivelmente conservada – é claro que com ajuda da última tecnologia em plásticas, silicone e hormônios. Tivera uma carreira de sucesso como advogada de famílias da alta sociedade – ela mesma filha de um velho cacique político que fizera fortuna durante a ditadura e, aos oitenta, morrera de enfarte nos braços de uma garota de programa de vinte e dois anos, num motel em Pinheiros.

O policial informou a morte do filho dela, o jovem deputado estadual Antonio Carlos Maia. Overdose de cocaína. Eles sabiam que ele usava drogas em quantidade atacadista, principalmente nos últimos dois anos, período em que se divorciara, seu partido perdera as eleições locais e estourara o escândalo do aeroporto de Congonhas, no qual ele era um dos principais acusados.

Angela era doentiamente ligada ao filho. Havia mesmo uma história escabrosa, há muito soterrada por toneladas de vergonha e conveniência, sobre uma relação incestuosa, quando ele tinha dezesseis – já um inveterado e corrupto toxicômano - e ela era uma atraente e voluptuosa mulher de trinta e sete anos, que, após a morte do primeiro marido, tomava diariamente porres domésticos, sem coragem de conhecer outros homens.

Ele ficara sabendo da história antes de conhecê-la, pelos empregados. Na época, ele tinha um caso com uma das cozinheiras e ficou extremamente excitado com o que ouvira.

Sua carreira como gigolô – afinal era isso que ele era, embora nunca o tivesse admitido – estava no fim. A cozinheira o alimentava roubando comida da patroa. Só do bom e do melhor, claro - inclusive champagne e uísque. Enfim, ele aproveitou bem uma ou outra oportunidade e seduziu a carente viúva.

Passaram-se alguns meses e casaram-se. Ele envolveu-se de verdade desta vez. Angela era uma pessoa maravilhosa e, sexualmente, não ficava atrás de nenhuma ninfeta. Também não era possessiva – Wlad às vezes saía sozinho com seus amigos e tinha duas namoradinhas com quem se encontrava ocasionalmente. O casal viajou ao exterior diversas vezes e tinha uma vida social intensa nas altas rodas da sociedade paulistana.

No último ano, todavia, as coisas haviam mudado. Ela envelhecera subitamente. Apareceram rugas em lugares novos, ganhara uns quilos a mais, cansava-se ao menor esforço e tinha crises profundas de depressão. Ele dizia também estar deprimido. Ela falava que não queria mais viver. Ele concordava e havia, então, uma espécie de consolo, a paz espiritual que costuma ocorrer aos sofredores quando encontram seus iguais.

Quando ele entrou com o remédio, colocou-o sobre a mesa e lhe dirigiu um olhar significativo e melancólico, ela baixou a cabeça, o rosto tomado por um terror enorme, que durou porém apenas um instante. Logo ergueu o rosto e exibiu um sorriso confuso, mistura de alívio, medo e excitação.


Enfim, deitaram-se na cama, após ingerirem a dose suficiente. Fazia frio e cobriram-se com o edredon gigantesco que cobria a cama gigantesca onde dormiam e, em outros tempos, faziam amor.

Ela virou-se para ele e havia em seus olhos um brilho distante, como se já estivesse morta e, por um momento, voltasse à vida apenas para contemplar seu amado por um breve e intenso segundo.

- Eu te amo, disse Angela, com voz tranquila, como se desse boa noite, e como se, no dia seguinte, fossem comer salada de frutas pela manhã, almoçar fora e ir ao cinema à noite.

- Eu sempre vou te amar, ele respondeu, no mesmo tom. Mas nele não havia tranquilidade, e sim uma espécie de nervosismo ambíguo, alegre e angustiado. Ela, que o encarava intensamente, os olhos agora se fechando com o sono letal que logo iria adormecê-la pra sempre, pareceu perceber algo estranho nas maneiras de Wlad. Como se, nesse derradeiro instante, ela desconfiasse da sinceridade dos sentimentos daquele homem robusto, sorriso largo e voz de trovão, que lhe havia dado tantos momentos de alegria e plenitude.

Ela fechou os olhos, inconsciente. Os olhos dele continuavam abertos, muito abertos. Por fim, fechou-os também, e assim permaneceu por um longo tempo, embora se percebesse, pelo movimento interior das pupilas, que ainda estava acordado. Abriu-os novamente, olhou o teto, ergueu-se e sentou-se na cama. Havia lágrimas em seus olhos.

Cuspiu o remédio, levantou-se e foi ao banheiro.

8 de fevereiro de 2007

França assiste embate clássico entre direita e esquerda

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Em 2007, duas visões de mundo, cada uma delas amadurecida por dois séculos de história, voltam a se enfrentam no lugar onde tiveram origem. Nas eleições presidenciais francesas, cujo primeiro turno acontece no dia 22 abril e o segundo no dia 6 de maio, dois candidatos têm chances reais de vitória. Segolene Royal e Nicolas Sarkozy. Ambos empatados tecnicamente nas sondagens de intenção de voto. Será a partida do século. Esquerda X Direita. Façam suas apostas.

Foi lá que tudo começou. Na França revolucionária do final do século XVIII, nasceram os conceitos de esquerda e direita. Desde as primeiras assembléias políticas, os deputados conservadores alinhavam-se à direita, enquanto os outros, interessados em aprofundar as reformas populares, reuniam-se à esquerda no grande salão do Hotel de Ville.

Sarko, como é chamado, à diferença de seus comparsas brasileiros, tem orgulho de ser direita. Nos debates em que participa, reitera o termo sem complexos. Da mesma forma, Segolene orgulha-se da alta linhagem que representa: Leon Blun, Sartre, Mitterrand. Sem falar nos antigos, Danton, Robespierre, Marat...

A sociedade está dividida. Em linhas gerais, pode-se dizer que Sarkozy tem o apoio dos grandes empresários e do voto conservador. Segolene é a candidata dos intelectuais, dos estudantes, dos moradores do subúrbio, dos imigrantes naturalizados e seus filhos.

O grande momento de Segolene começa no domingo, 11 de fevereiro, quando apresentará sua plataforma de governo. Até então, vinha sendo fortemente criticada por todos os lados por não ter propostas. Seu Partido decidiu realizar, nos últimos meses, milhares de reuniões participativas em todo país, das quais saíram as idéias que a candidata divugará.

A campanha socialista conta com essa nova etapa para recuperar as intenções de voto que perdeu nas últimas semanas. Os institutos dão seis pontos percentuais de vantagem para Sarkosy no segundo turno. Mas como a margem de erro é de três pontos para baixo ou para cima, pode-se dizer que há empate técnico.

A imprensa francesa participa comedidamente do processo eleitoral, sem posições ideológicas ou eleitorais explícitas. Publicações conhecidas mundialmente como de esquerda, como Le Monde ou Liberación, flertam com um criticismo tão forte sobre o próprio socialismo que mais confundem do que ajudam eleitores a optar por um ou outro candidato. No caso do Liberación, talvez o fato de ter sido comprado por um Rockfeller tenha provocado mudanças nas orientações editoriais.

Ironicamente, é a direita francesa que promete uma ruptura, a saber, reduzir brutalmente o peso do Estado, ampliar o limite máximo do tempo de trabalho por semana, hoje de 35 horas, entre outras medidas liberalizantes, que teoricamente ajudariam a combater o desemprego e a miséria.

A esquerda, por outro lado, defende o status quo do Estado francês, muito forte em direitos trabalhistas e proteção social. Mas admite que é preciso realizar reformas substantivas na economia, visando dar mais competitividade às indústrias francesas e reduzir o desemprego.

As diferenças entre os dois, contudo, são profundas. Basta analisar as entrelinhas dos respectivos programas de governo. O diabo, como se sabe, costuma aparecer nesses lugares. O Estado francês possui políticas sociais extremamente complexas, que afetam diretamente a vida de milhões de pessoas, sobretudo dos segmentos mais frágeis da sociedade. Uma mudança brusca poderia acarretar um desastre social, com reflexos negativos em toda Europa.

Entretanto, é principalmente no campo cultural e político que o resultado do pleito presidencial francês irá reverberar em todo planeta. A França faz parte dos grupo dos países mais ricos do mundo, recebeu 78 milhões de turistas em 2006, possui a bomba atômica e tem o Ministério da Cultura mais poderoso do mundo ocidental.

Ganhando Segolene, analistas políticos terão que admitir o fato de que o socialismo não é apenas uma nova epidemia terceiro-mundista. Na Europa, as massas populares também estão usando a democracia para protegerem seus interesses.

Sarkozy é o atual ministro do Interior, e muitos franceses o acusam de montar um Estado policial. De fato, diante das crescentes turbulências que vêm agitando a vida política francesa, principalmente a rebelião aparentemente sem sentido dos jovens das periferias, Sarko não tem reagido com muita sagacidade, optando sempre por endurecer a repressão, revelando a tradição truculenta do direitismo. Sua política anti-drogas é ingênua e assustadora.

Outros dois candidatos detêm posições importantes no cenário eleitoral francês: François Bayrou, centrista, e Le Pen, extrema-direita. Juntos, os dois têm cerca de 20% dos votos válidos. O famoso José Bové decidiu, após muita hesitação, ser candidato. Nicolas Hulot, ecologista conhecido mundialmente, também concorre ao cargo.

Enfim, a França oferece ao mundo um belo espetáculo democrático, um magnífico duelo entre forças históricas, o que se pode chamar de nova etapa da luta de classes, onde novas classes, novos valores e novas soluções buscam, desesperadamente, um espaço ensolarado à beira do rio Sena.

6 de fevereiro de 2007

A caravana passa

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Os romanos tinham essa frase, Si vis pacem, para bellum. Se queres a paz, faça a guerra. É uma dessas frases que servem tanto para Deus quanto para o Diabo, eu sei, mas vem ao caso presente. Passei a manhã lendo jornais, blogs e sites e, mesmo estando acostumado, não pude deixar de me espantar com o clima de conflito ideológico dominante nas redações brasileiras. E observei que, na grande maioria dos casos, a beligerância vem partindo do lado conservador, hoje muito bem identificado por Mino Carta, editor de Carta Capital e agora blogueiro de sucesso, como "jornalismo tucanizado".

A avalanche de agressividade é tão grande que o campo popular, restrito à rede virtual (com raras exceções), tem ficado na defensiva, embora seja uma defensiva realizada com muita competência e mesmo com excelentes lances de contra-ataque. Mas não deixa de ser defensiva, o que não significa que seja uma estratégia menor ou com chances de fracasso. Pelo contrário, muitas guerras foram ganhas através de táticas defensivas bem conduzidas. Pode-se fazer um paralelo bastante interessante com táticas de guerrilha, muito populares no meio virtual, onde os pequenos possuem ferramentas que lhes permitem vencer os grandes.

Antes que eu me perca, todavia, em digressões militares, vamos ao que interessa. Me dei ao trabalho de concatenar alguns fatos que ilustram uma estratégia quase que osquestrada da mídia corporativa para valorizar os representantes com os quais mantém afinidade ideológica.

Ficou patente, por exemplo, o esforço, comum a todos os órgãos corporativos de imprensa, para distanciar os referidos representantes de qualquer responsabilidade em relação à tragédia com o metrô de São Paulo. Tragédia sobretudo humana (também política, urbana e financeira), devido à morte de seis cidadãos, vítimas de uma visão de mundo arrogante, egoísta, privatista e, a meu ver, anti-democrática, pois insiste em denegrir o papel do Estado – instituição cujos líderes são eleitos – em prol da iniciativa privada, contra a qual não tenho nada contra, mas que, de forma nenhuma, pode assumir prerrogativas e responsabilidades fundamentais, como é o caso da fiscalização de obras de proporções continentais. O jornalista Paulo Amorim, um dos combatentes mais valorosos nesta luta de vida ou morte da cidadania brasileira contra a poderosa e reacionária oligarquia tupi, lembrou que, por muito menos – o entupimento de um túnel – a prefeita Marta Suplicy foi impiedosamente atacada pelos meios de comunicação de São Paulo.

Outro ponto foi a cobertura tendenciosa das eleições legislativas federais, onde a imprensa, mais uma vez, não conseguiu ocultar sua preferência pelo candidato da oposição, tanto no Congresso quando no Senado. Mais um vez quebrou a cara. Na volta pra casa, a imprensa ainda tentou colar a imagem ridícula de que Lula sairia perdendo com a vitória de Arlindo Chinaglia, ou que o campo governista agora estaria dividido. Qualquer um que pode distinguir a Monica Bellucci de um sushi estragado sabe que um petista à frente do Congresso é uma grande vitória de Lula e ponto final.

Vou saltar o assunto do PAC. Lembro somente que acusavam o governo de não ter metas, de não ter planos, e agora o atacam por tê-lo, mas isso até compreendo. Inveja. Passo para alguns casos bem escabrosos que passaram despercebidos, sem merecerem as reflexões éticas que tanto apaixonaram colunistas durante a chamada "crise do mensalão". FHC recebeu 500 mil do governo paulista, durante a gestão de Alckmin. Não é o caso de acusar FHC de roubar, pois acredito que um instituto privado, fechado ao público, reunindo cadernos de anotações e fotos antigas de FHC, tem uma importância crucial para a sociologia nacional. Para lembrarmos como somos otários, por exemplo. Mas um desses colunistas, para salvaguardar algum resquício de credibilidade, bem que poderia citar esse caso e dar sua opinião. Essa passada de mão nas doutorandas caspas de FHC - que por sua vez andou arrotando ética por todos os poros - pegou mal. É incrível, se acontecesse algo parecido com alguém do PT, arranjavam logo um porteiro para testumunhar que viu malas de dinheiro saindo do Instituto FHC, na calada da noite, além, é claro, das prostitutas que frequentavam, periodicamente, as salas da instituição.

Enfim, deixa para lá, agora sou eu que estou ficando paranóico. Sinceramente, não dou a mínima para esse caso, pois os paulistas que se entendam. Se eles continuam votando no PSDB é porque gostam do partido, portanto nada de mais em soltar uma graninha pro velho cacique tucano. Juro que não estou sendo irônico.

Entretanto, tem mais, muito mais. Tem o artigo do Merval Pereira, de domingo, intitulado Bolsa Eleitoreira, distorcendo uma pesquisa feita pela Iuperj sobre o Bolsa Família. Merval tem idéia fixa numas coisas. Ele é um dos principais defensores da teoria de que só pobre e quem recebe a Bolsa Família votou no Lula. E persiste chamando o Bolsa Família, pejorativamente, de assistencialismo, omitindo que todos os países desenvolvidos onde ele passa férias têm programas sociais muito mais abrangentes e ousados que a BF do Lula. Pereira é mestre em delírios retóricos como "o Fome Zero fracassou e foi substituído pelo Bolsa Família", como se o objetivo traçado no primeiro não estivesse sendo alcançado pelo segundo, ou seja, invertendo o que seria um sucesso, reconhecido em todo mundo, por um fracasso. Outra coisa, "eleitoreiro" é um pejorativo que se usava para designar "promessas eleitoreiras", geralmente indicando aquelas demogógicas, que nunca eram cumpridas. Se um político faz ações que se traduzem em votos, mas que são estruturais e melhoram a vida das pessoas, nada mais idiota do que taxá-las de eleitoreiras.

Outro escândalo, a meu ver, é a falta de destaque à acusação, pelo Ministério Público do Rio, de diversos ex-diretores do BNDES de terem causado prejuízos bilionários à entidade. Mais uma vez, o Amorim teve que ensinar o dever de casa às corporações e lembrar que os diretores foram nomeados por FHC, detalhe que passou despercebido nas matérias sobre o tema publicadas nos jornais.

Pensa que acabou? Tem mais. Respira um pouco, toma um café, se espreguiça e vamos lá. Aécio Neves recebeu poderes especiais para governar, por 60 dias, sem intermédio do parlamento. Parece que o garotão já editou dezenas de decretos de lei. Agora, para mídia isso é normal, claro, porque é um tucano batendo asas. Se fosse qualquer outro, principalmente se pertencesse à raça maldita (por pouco não extinta por 30 anos, conforme o desejo do Borhaunsen), pode imaginar a reação? Acusação de chavismo seria pinto. Seria Hitler pra baixo.

E na entrevista das páginas amarelas da Veja, temos mais um caso para ser estudado nas escolas de jornalismo. Como uma interessante entrevista com ex-embaixador é transformada, através de subterfúgios do tipo jornalismo cor-de-burro-quando-foge, numa mordida banguela contra a política externa do governo, reconhecidamente superior a dos governos anteriores, por ser pragmática, altiva e por estar obtendo grandes sucessos políticos e comerciais – como aliás ressalta o próprio entrevistado, embora esses trechos, naturalmente, não tenham merecido nenhum destaque.

O xodó da Veja agora é o Reinaldo Azevedo, ex-editor da Primeira Leitura, aquela mesma fundada por Luiz Mendonça de Barros, alto tucano, um dos principais acusados pelo MP fluminense de mau gestão do BNDES; a mesma que recebeu dinheiro do estado de São Paulo, através de tráfico de influência. Azevedo é um verdadeiro fascista. Não tem o mínimo respeito pelo presidente da República ou por qualquer um que discorde de sua opinião. Justifica sua falta de respeito sob o pretexto de estar escrevendo em seu blog, como se o mesmo não fosse, na prática, uma página editoral da Revista Veja, publicação que, devido a seu porte, deveria se sujeitar às regras mínimas de educação do debate democrático. A caixa de comentários de seu blog é a coisa mais ridícula do mundo: um bando de puxa-sacos, incapazes de elaborar o mais básico raciocício político. Ás vezes, tentam simular alguma inteligência citando Chesterton, que se reviraria no túmulo se soubesse estar na boca dessa laia boçal e retrógrada.

Deixei as boas notícias pro final, coisa rápida, que vocês já devem estar sabendo. O PFL está minguando, perdendo deputados e querendo mudar de nome. O PSDB idem. O governo Lula conseguiu montar uma maioria no Congresso Nacional bem acima do que possuía na mesma época da gestão anterior, prova de uma competente articulação política e vigorosa representatividade popular, coisa que, claro, nenhum colunista político da imprensa tradicional vai admitir.

Por fim, o blog do Eduardo Guimarães, outro combatente que merece uma medalha de honra por nesta guerra pelo respeito à democracia brasileira, continua batendo recordes de visitação e comentários. O Mino Carta assumiu, corajosamente, sua posição anti-tucana. A população se volta cada vez mais para blogs e sites independentes para participar do debate político. As pessoas não querem mais assistir caladas. Querem participar, querem ser cidadãs. Melhor, estão gostando disso. É uma guerra que estimula, que diverte, principalmente quando vemos os inimigos quebrarem a cara.

Em outras palavras, os cães continuam ladrando, e a caravana... você sabe.

5 de fevereiro de 2007

Acabou a festa

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Aí a turma de cineastas e figuras que eu conheci no Festival de Curtas de Clermont-Ferrand. Da esquerda para direita, temos: Guilherme Marcondes, diretor de Tiger, curta que ganhou 2 prêmios no Festival; o espanhol diretor do curta A Máquina, também ganhador de prêmio; o diretor-cinematografico do Tiger (de cachecol vermelho, atras); a produtora de A Maquina (morena, mexicana); a esposa de Marcondes (e roteirista de Tiger); Louis, um amigo francês que é quase brasileiro, porque morou no Rio e fala português fluente (la tras); Ale Machado, diretor do curta Super-heróis fora-de-série (resenhado abaixo); Priscila Miranda (minha chefe) e Eduardo Nogueira, diretor do Yansan, curta que conta a história do mito africano com animação no estilo japonês.

O Festival de Clermont-Ferrand distribui muitos prêmios, uns em dinheiro - os mais cobiçados, naturalmente -, outros apenas honorários. Os principais ganhadores dos prêmios mais importantes do Festival, nas categorias nacional (francês) e internacional, foram O Mozart dos Batedores de Carteira (tradução minha) e O Último Cão de Ruanda.

Sobre o primeiro, é a história de uma dupla de marginais de meia idade que topam com um garotinho que se revela um precoce talento como batedor de carteira. Não vi muita graça, mas foi esse que levou quase todos os prêmios importantes da categoria nacional de Clermont-Ferrand.

O Cão de Ruanda é um filme alemão interessante, sobre um rapaz que, desde a infância, interessou-se por guerras. Por fim, acaba em Ruanda, fotografando cadávares.

Cinematograficamente, é um filme bastante convencional. A força do filme é mesmo o tema, e a maneira profissional como foi montado, com extrema verossimilhança. Os franceses adoram temas africanos, por causa da enorme consciência pesada deles. Quase metade da Africa foi colonizada pela França. Pelo menos todo o leste do continente negro.

Devo permancer na Europa por mais alguns meses, mas continuo de olho no que acontece no Brasil. A internet, de fato, sumiu com as fronteiras. Não tenho intenção de morar fora do país, todavia. Minha estadia no estrangeiro está me convencendo de que o Brasil é o melhor lugar do mundo para se viver.

Ah, estava esquecendo do mais importante. A Priscila foi chamada para fazer parte do seleto grupo (apenas 3 jornalistas) do júri de imprensa internacional. E foi ela que escolheu o ganhador deste prêmio, honorário mas muito importante, um curta palestino muito interessante, contando a história de uma garota que faz de tudo para conseguir dinheiro para comprar um bolo para a festa de aniversário do falecido pai.




Olha a foto dela aí no palco, anunciando o vencedor do prêmio.