16 de fevereiro de 2007
Abstratismo e suspense de Inland Empire
David Lynch é um cara surpreendente. E corajoso. Quem assistiu Cidade dos Sonhos (Muholland Drive), um filme que, apesar do vai-e-vêm perturbador entre realidade e loucura, tem uma linha narrativa identificável e razoalmentente sólida, portanto comercial, nunca pensaria que ele desta vez dispensaria os escrúpulos de mercado e faria um filme quase que abstrato, com narrativa totalmente fragmentada, tanto quanto hermética. Resumindo, filme destinado a um público seleto, sem pretenções de atingir a massa e faturar milhões. Filme-arte, como poucos hoje têm coragem de fazer.
Pois foi exatamente isso que Lynch fez com Inland Empire, longa metragem de duas horas e quarenta minutos, que faz os cinéfilos babarem de emoção e os membros do fã-clube de Lynch darem gritinhos de histeria.
Sarcasmos à parte, é um filme autêntico, e louco, pra dizer o mínimo. Um filme que termina com você de boca aberta, olhos vazios, sentindo-se como alguém desconfiado que botaram LSD no seu inocente chop da brahma.
Lynch faz o espectador entrar e sair da realidade tantas vezes que nos faz baixar a guarda de nossa lucidez cotidiana, nos deixando vulneráveis para um verdadeiro bombardeio de símbolos e arquétipos sinistros.
Pra ser franco, é um filme que merece a etiqueta de filme-cabeça, porque é cansativo intelectualmente e passa longe de ser um entretenimento familiar. Acho mesmo que o autor poderia ter cortado uma cena ou duas, mas quem sou eu, pobre mortal, para opinar sobre o trabalho de um gênio?
Explico minhas pinceladas de sarcarsmo. Inland Empire é capa da edição de fevereiro da Cahiers du Cinema, e o filme é tão absolutamente louvado pelos diversos articulistas que me irritou. Na entrevista com Lynch, então, chega a ser ridículo o tratamento sobre-humano que dão ao cineasta, atribuindo a cada palavra sua um sentido místico e genial.
É inegável, todavia, que o filme de Lynch constitui um marco importante do cinema contemporâneo, reinaugurando uma nova era do cinema-arte. A riqueza plástica do filme e as possibilidades de suspense oferecidas pela narrativa são imensas. Inevitavelmente, porém, é um filme que muitos vão achar chato, por causa de seu abstratismo, sua fragmentação, da extensão exagerada de algumas cenas e do recurso constante da repetição. Os que acharem isso, também terão sua razão, e creio que sua opinião merece o devido respeito, ainda mais que, dentre estes, seguramente se encaixa um público igualmente apaixonado por cinema. Lynch poderia ter estendido um pouco mais o leque de amantes de seu filme se tivesse cuidado um pouco mais da narrativa.
Entretanto, à exceção de Cidade dos Sonhos, Lynch não é cineasta de narrativa. Seu forte é o impacto plástico, a atmosfera de suspense, as cenas insólitas carregadas de simbolismo e tensão. Como se a narrativa, em Lynch, fosse um pano de fundo, como em Blue Velvet, em o Homem Elefante, e mesmo em seu primeiro longa-metragem, Erasehead. É preciso ter isso em mente para fazer a devida apreciação deste novo filme de Lynch. A narrativa não é o recurso estético dominante no filme. Ela é usada para confundir e abrir possibilidades, tanto para o cineasta quanto para o espectador. O fato é que estamos um tanto acostumados com narrativas lineares, e este filme de Lynch, definitivamente, é tudo menos linear.
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Miguel, detesto estragar o seu prazer, mas aqui vai: o filme CIDADE DOS SONHOS, do Lynch, é um embuste. Na verdade, o diretor rodou um piloto para uma mini-série, no teria o mesmo estilo de Twin Peaks, só que ela foi recusada.
O que ele fez? Acrescentou meia-hora de imagens sem sentido, porém com alta carga de pseudo-simbolismo, e vendeu o negócio como se fosse um longa metragem.
Picaretagem pura e simples que, incrivelmente, muita gente engoliu e ainda enalteceu (o cara chegou a concorrer ao Oscar de melhor diretor e até ganhou prêmios em Cannes, se não me engano).
Se você não acredita em mim, procure ler a crítica do Rubens Ewald Filho sobre o filme (às vezes ele acerta) e também vejas as entrevistas com o elenco no DVD, onde todos deixam claro que estão participando de um projeto para mini-série...
Desculpe, mais uma vez.
qual é, andré, precisa pedir desculpas não. interessante o que voce disse. de qq forma, a resenha nao é sobre cidade dos sonhos. alem disso, o fato de ter sido concebida originalmente para mini-série tb nao é uma coisa necessariamente pejorativa. dostoiesvki escreveu crime e castigo como capitulos de um folhetim, publicado mensalmente. enfim, a resenha, nao sei se voce percebeu, esta recheada de observacoes ironicas sobre lynch...
ah, andre, entre no seu blog e fiquei viajando por la um tempo. tem umas coisas muito interessantes. me diverti muito com um texto sobre como voce se tornou critico-spam.
Miguel, valeu pela visita! Volte sempre! Essa história do crítico-spam é mesmo hilariante... na época até fiquei meio mal, afinal é sempre ruim ser atacado pelas costas, mas agora morro de rir quando lembro de tudo.
Sobre o Cidade dos Sonhos, fiquei traumatizado depois que conheci um cara que havia escrito uma tese de mestrado em cima da "genialidade" do filme. Quando eu contei pra ele o lance de aquilo ser apenas o piloto para uma mini-série rejeitada que o Lynch inflou com imagens sem sentido para poder vender como longa e ganhar uns trocados em cima, o cara ficou arrasado e nunca mais falou comigo (por vergonha, será?) Por isso, agora tomo bastante cuidado para tocar nesse assunto terrível... ;-)
André Lux, o senhor pode me passar seu e-mail?
Thanx.
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