23 de fevereiro de 2007
Os fins dessa tristeza exilada
Se foi aos poucos ou de repente, não importa. A consciência dessa tristeza pousou-me nos ombros como um corvo gigante, cego e rouco, o qual, ao invés de gritar "nunca mais", cantarolava uma melodia infantil, uma melodia louca, como quem faz as unhas antes de se jogar do trigésimo-sétimo andar.
Tentei de tudo, todos os tipos de álcool, todas as drogas enveneneram-me o sorriso bastardo que eu cultivava, até pouco tempo, como derradeiro resquício de humanidade. O desespero, único recurso estético permitido aos doentes, também não me serve mais. Nem desesperado, nem triste, nem alegre. Nem louco, caralho. Nem ser louco me é permitido. Resta-me essa frieza amarga, lisérgica, cheia de ferimentos infeccionados em sua superfície de sonhos destruídos. E a vaidade, claro, a tortura eterna, a glória anti-infinita e negra do fracasso.
Ah, as guerras que lutei para ser um outro. Terminei sendo odiosamente eu mesmo, meus fantasmas, absorvendo os defeitos mais temidos que testemunhei na família. Por fim, exilei-me em atitudes discretas, em porres histéricos, cortei os braços para ver jorrar meu sangue contaminado.
Não quero filhos, nunca! Quero exterminar minha raça, presa em equívocos bolorentos, preconceitos morais e imbecilidades metafísicas. Sim, como se houvesse uma aids metafísica que me consumisse, que destruísse, gradativa e inexoravelmente, minhas defesas morais, deixando-me em face do meu reflexo mórbido, pálido e constrangido.
Impossível deletar a alma, merda. Reescrever minha personalidade desde o início, como quem renega um conto e muda de assunto. Mas eu já fui feliz. Cervejas geladas e mulheres carinhosas me consolaram em tardes quentes. Já chorei escutando Bob Dylan e li quatro vezes Grande Sertão Veredas. Dei risadas lendo o velho Buk e comi putas em homenagem ao grande Miller. Que me adiantou? Não fiquei mais inteligente, nem mais forte. Pelo contrário. Arrasto uma carcaça pesada, ultra-consciente e, horror dos horrores, nem triste mais eu posso ser!
Enfim, não posso ser nada. Olho a folha em branco tomado de um vago terror. Escrevo, desde sempre, como forma de terapia, e me irrito ainda mais. Estou só com meus fantasmas. Minhas guerras fúteis. Minha miséria.