23 de fevereiro de 2007

Sperata

Nada fazia Alberto abrir a porta do quarto. O colega com quem ele dividia o apartamento argumentava:

Cara, você não é o primeiro a receber um fora. Acontece. É a vida, mêu.

Ele não respondia, e o amigo desistiu. Se ele quer passar a vida neste quarto, foda-se, pensou, contanto que pague sua parte no aluguel... Abriu a porta e ganhou a rua. Mas essa aparente displicência não refletia a sincera preocupação do amigo em relação à Alberto.

Alberto estava trancado no quarto há três dias. O amigo sabia que ele vivia porque Alberto, de vez em quando, saía do quarto para ir ao banheiro ou à cozinha. Mas voltava num instante e se trancava novamente.

O amigo, cujo nome era Augusto, ligou para a moça em questão e explicou o que estava acontecendo. Ela não deu a mínima. Disse que Alberto era um mimado e que merecia sofrer um pouco.

Era sexta-feira, dez horas da noite e Augusto, após insistir por duas horas, foi se encontrar com a turma. Ninguém sabia o que estava acontecendo e Augusto decidira pedir ajuda. Depois de tomarem umas cervejas, ele iria trazer a turma ao apartamento e todos juntos fariam coro solicitando a presença de Alberto.

Enquanto isso, Alberto, trancado em seu quarto, observava uma pintura na parede, que ele ganhara de Helena, o motivo de seu desespero. Era uma reprodução de um trabalho de Basquiat, e representava uma forma humana, com tintas pretas, vermelhas e amarelas. Esse troço é um tanto sombrio, pensou Alberto, enquanto esticava o braço para alcançar um potinho sobre a escrivaninha.

Sentado na cama, Alberto abriu o potinho e o aproximou do nariz, aspirando profundamente o aroma gostoso da marijuana. Com os dedos, colheu uma porção e jogou sobre um livro fechado que tinha diante de si. O livro era Sexus, do Henry Miller, que Alberto já lera duas vezes. Despelotou a maconha lentamente, olhando de vez em quando para a pintura na parede. De repente parou e olhou ao redor, como quem dá falta de alguma coisa. Saltou da cama e foi até o outro lado do quarto, percurso que não lhe tomou mais que dois passos. Ali estava o som e a coleção de cds. Escolheu um e inseriu no aparelho. Voltou ao lugar original com uma expressão curiosa, como quem aguarda ansioso o início do jogo final de um campeonato de futebol.

Enquanto Erasmo Carlos mandava seus rocks antigos, Alberto prosseguia a operação de enrolar um baseado. Depois de três dias de isolamento, estava bem mais calmo. Augusto era um bom amigo mas lhe enchia muito o saco. Será que não podia compreender a sua necessidade de ficar sozinho? Tinha decidido: depois de abril, quando expirar o contrato, vou cair fora desse apartamento e alugar um só para mim. Morar sozinho, sem ninguém para me amolar.

Terminou de apertar e colocou o back na boca. Numa das paredes, o espelho devolveu-lhe a imagem de um brasileiro de trinta anos, um pouco acima do peso, mas conservando ainda alguns requisitos necessários para conquistar uma garota. Pegou no pênis e fez cara de macho. Yeah!! Suas putas!! Eu vou comer todas vocês!!

Depois desse breve ritual chauvinista, que o fez rir de si mesmo, pegou um isqueiro na estante colada à cama e acendeu o back.