8 de fevereiro de 2007
França assiste embate clássico entre direita e esquerda
Em 2007, duas visões de mundo, cada uma delas amadurecida por dois séculos de história, voltam a se enfrentam no lugar onde tiveram origem. Nas eleições presidenciais francesas, cujo primeiro turno acontece no dia 22 abril e o segundo no dia 6 de maio, dois candidatos têm chances reais de vitória. Segolene Royal e Nicolas Sarkozy. Ambos empatados tecnicamente nas sondagens de intenção de voto. Será a partida do século. Esquerda X Direita. Façam suas apostas.
Foi lá que tudo começou. Na França revolucionária do final do século XVIII, nasceram os conceitos de esquerda e direita. Desde as primeiras assembléias políticas, os deputados conservadores alinhavam-se à direita, enquanto os outros, interessados em aprofundar as reformas populares, reuniam-se à esquerda no grande salão do Hotel de Ville.
Sarko, como é chamado, à diferença de seus comparsas brasileiros, tem orgulho de ser direita. Nos debates em que participa, reitera o termo sem complexos. Da mesma forma, Segolene orgulha-se da alta linhagem que representa: Leon Blun, Sartre, Mitterrand. Sem falar nos antigos, Danton, Robespierre, Marat...
A sociedade está dividida. Em linhas gerais, pode-se dizer que Sarkozy tem o apoio dos grandes empresários e do voto conservador. Segolene é a candidata dos intelectuais, dos estudantes, dos moradores do subúrbio, dos imigrantes naturalizados e seus filhos.
O grande momento de Segolene começa no domingo, 11 de fevereiro, quando apresentará sua plataforma de governo. Até então, vinha sendo fortemente criticada por todos os lados por não ter propostas. Seu Partido decidiu realizar, nos últimos meses, milhares de reuniões participativas em todo país, das quais saíram as idéias que a candidata divugará.
A campanha socialista conta com essa nova etapa para recuperar as intenções de voto que perdeu nas últimas semanas. Os institutos dão seis pontos percentuais de vantagem para Sarkosy no segundo turno. Mas como a margem de erro é de três pontos para baixo ou para cima, pode-se dizer que há empate técnico.
A imprensa francesa participa comedidamente do processo eleitoral, sem posições ideológicas ou eleitorais explícitas. Publicações conhecidas mundialmente como de esquerda, como Le Monde ou Liberación, flertam com um criticismo tão forte sobre o próprio socialismo que mais confundem do que ajudam eleitores a optar por um ou outro candidato. No caso do Liberación, talvez o fato de ter sido comprado por um Rockfeller tenha provocado mudanças nas orientações editoriais.
Ironicamente, é a direita francesa que promete uma ruptura, a saber, reduzir brutalmente o peso do Estado, ampliar o limite máximo do tempo de trabalho por semana, hoje de 35 horas, entre outras medidas liberalizantes, que teoricamente ajudariam a combater o desemprego e a miséria.
A esquerda, por outro lado, defende o status quo do Estado francês, muito forte em direitos trabalhistas e proteção social. Mas admite que é preciso realizar reformas substantivas na economia, visando dar mais competitividade às indústrias francesas e reduzir o desemprego.
As diferenças entre os dois, contudo, são profundas. Basta analisar as entrelinhas dos respectivos programas de governo. O diabo, como se sabe, costuma aparecer nesses lugares. O Estado francês possui políticas sociais extremamente complexas, que afetam diretamente a vida de milhões de pessoas, sobretudo dos segmentos mais frágeis da sociedade. Uma mudança brusca poderia acarretar um desastre social, com reflexos negativos em toda Europa.
Entretanto, é principalmente no campo cultural e político que o resultado do pleito presidencial francês irá reverberar em todo planeta. A França faz parte dos grupo dos países mais ricos do mundo, recebeu 78 milhões de turistas em 2006, possui a bomba atômica e tem o Ministério da Cultura mais poderoso do mundo ocidental.
Ganhando Segolene, analistas políticos terão que admitir o fato de que o socialismo não é apenas uma nova epidemia terceiro-mundista. Na Europa, as massas populares também estão usando a democracia para protegerem seus interesses.
Sarkozy é o atual ministro do Interior, e muitos franceses o acusam de montar um Estado policial. De fato, diante das crescentes turbulências que vêm agitando a vida política francesa, principalmente a rebelião aparentemente sem sentido dos jovens das periferias, Sarko não tem reagido com muita sagacidade, optando sempre por endurecer a repressão, revelando a tradição truculenta do direitismo. Sua política anti-drogas é ingênua e assustadora.
Outros dois candidatos detêm posições importantes no cenário eleitoral francês: François Bayrou, centrista, e Le Pen, extrema-direita. Juntos, os dois têm cerca de 20% dos votos válidos. O famoso José Bové decidiu, após muita hesitação, ser candidato. Nicolas Hulot, ecologista conhecido mundialmente, também concorre ao cargo.
Enfim, a França oferece ao mundo um belo espetáculo democrático, um magnífico duelo entre forças históricas, o que se pode chamar de nova etapa da luta de classes, onde novas classes, novos valores e novas soluções buscam, desesperadamente, um espaço ensolarado à beira do rio Sena.
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Já leu algum livro de José Bové, como "O mundo não é uma mercadoria"? Alguma opinião a respeito?
nao patrick, nao li, voce leu? é bom?
Li, mas já faz tempo (acho que foi em 2001 ou 2002). Lembro que ajudou a quebrar diversos clichês sobre ele, inclusive o clássico, de que é mais um desses agricultores chatos de primeiro mundo doido para manter seus gordos subsídios agrícolas (ele é contra).
Gostei do texto, assim como sua multiplicidade literária e jornalistica. É bom saber que você trata as iniquidades de nossa época sob o nome de Diabo ou Lúcifer. Segundo Helena Blevatsky, a denominação"satanás" ocorreu em virtude da perseguição de um rei chamado Satan ao povo Hebreu, daí a denominação. Deixa pra lá Miguel, acho que tou fumando demais.Um abraço!
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