É engraçado eu ter resolvido agora dar pitaco sobre a política tributária brasileira ou mesmo mundial, mas o grande tesão de escrever num blog é justamente essa liberdade total. De vez em quando, um dos jornalões vem com um colunista novo e os assuntos que eles abordam são sempre leves e bobinhos e engraçadinhos, e sinceramente, não tenho mais saco ou tempo para isso. Se é para ler literatura, tenho bastante pra ler na minha estante e nas bibliotecas que frequento. O que tenho pensado, todavia, é que assim como a guerra é importante demais para ser deixada para os militares e a política é importante demais para ser deixada aos políticos - a questão dos impostos é igualmente importante para ser restrita aos tributaristas. Uma das razões do mundo ter ficado tão injusto talvez seja essa fragmentação, que alija o ser humano do debate de sua própria vida e destino. Vejo os jovens debatendo animadamente sobre a importância do playmobil ou lembrando desenhos animados ou joguinhos de videogames. Há anos que me irrito com essa glamourização da estupidez e a infantilização cada vez maior do jovem.
Então, voltemos aos impostos. Um comentarista anônimo pinçou uma frase minha e disse que qualquer mal-amada de shopping poderia tê-la dito. Ora, eu podia do mesmo jeito pinçar uma frase ou expressão do comentarista, por exemplo, “mal-amada”, e dizer que Hitler poderia tê-la dito. Claro, porque qualquer um poderia ter dito qualquer coisa, já que não é uma frase ou expressão que dão sentido a um discurso, e sim o contexto em que a frase ou expressão foi usada e a visão geral do discurso, e a intenção final do autor.
Pois bem, acho o imposto de renda um imposto atrasado, burocrático, ineficiente, e injusto, que oprime os assalariados e beneficia financistas, banqueiros, corruptos e demais agentes econômicos que movimentam grande quantia de dinheiro. Penso que poderia haver muito mais justiça social se o imposto de renda fosse abolido, se todos os impostos fossem abolidos, e houvesse apenas um imposto, ou dois impostos, um sobre a pessoa física e jurídica, outra sobre as mercadorias, sobre o consumo. É simplista dizer que, se uma pessoa ganha salário mínimo e paga 30% de imposto sobre a mercadoria, será prejudicada porque um rico pagará apenas 15% de imposto sobre seu consumo. Em primeiro lugar, esquece-se que o meu plano inclui o imposto sobre a movimentação financeira, segundo o qual poderia haver uma faixa salarial isenta (digamos, que ganha menos de R$ 3.000 ao mês). Fala-se que a elisão seria grande. Ora, a elisão já é grande do jeito que está. E sabe-se que um imposto compulsório sobre a movimentação financeira é o mais difícil de burlar. Se a pessoa burlar, por exemplo, se a Receita descobrir que ela movimentou dinheiro pela conta de terceiros, então que se tomem as providências necessárias. Não estou dizendo que os crimes fiscais desaparecerão, e sim que o sistema tributário pode ser simplicado, tornando a vida das pessoas e das empresas mais agradável, mais tranquila, sem aquela espada de Dâmocles pendendo eternamente sobre nossas cabeças.
De qualquer forma, minha intenção aqui é debater. Que entendo eu de política tributária? Nada. No entanto, trata-se de um assunto que nos toca. Também não entendo nada de futebol, e todavia gosto também de dar meus pitacos sobre o Flamengo e a seleção brasileira. Só sei que nada sei. Os “entendidos” em algum assunto geralmente adquirem vícios de pensamento e ficam enredados em tantos tecnicismos que não conseguem desenvolver uma visão mais livre dos problemas com que convivem.
A política tributária brasileira é ridiculamente nebulosa e complicada, com diferenças entre estados e municípios, com a incidência em cascata de vários impostos ou do mesmo tributo. O resultado é a criação de um grande universo de empresas endividadas. O empresário brasileiro é historicamente devedor ao Fisco, e uma boa parte da razão está na maneira ineficiente com que o imposto é cobrado, como, por exemplo, cobrar quase um ano depois que o dinheiro circulou pela conta da pessoa, seja física ou jurídica. Se eu fizer uma reportagem hoje e ganhar R$ 10.000, como o Estado quer que me cobrar daqui a um ano, quando eu não tiver mais nada e estiver, como acontece tantas vezes, passando por duras privações?
As pessoas que têm vidas e empregos totalmente estáveis talvez tenham dificuldade de compreender o problema. Mas a totalidade dos micro-empresários, autônomos, informais, e biscateiros, que formam um contingente talvez majoritário na população brasileira, sabe do que estou falando. Se eu tenho dinheiro hoje, agora, pago meu imposto tranquilamente, quer dizer, talvez nem tão tranquilamente, já que ninguém gosta de perder dinheiro, mas pago com orgulho. O que não pode é o Estado vir me cobrar, como agora está fazendo, por uma renda que tive em 2006, algum dinheiro cuja própria lembrança me é tão vaga quanto a bruma que cobre o Redentor todas as manhãs, um dinheiro que entrou e saiu, provavelmente alguma quantia mais ou menos insignificante, que não existe mais, e transformar-me num criminoso, vetando-me qualquer crédito na praça e impedindo minha empresa de fazer negócios com qualquer ente público – o que ironicamente acaba atrapalhando o próprio pagamento do misterioso e esquecido débito em questão...
Os grandes prejudicados por essa política tributária ineficaz são os pequenos e médios empresários, porque os grandes podem contratar serviços especializados que os permitem encontrar brechas na lei para pagar menos impostos. E não me venham com a ladainha tola de que esse é um discurso direitista. Então a esquerda se recusa a debater uma política tributária mais simples e mais justa? Por que? Acho curioso que há sempre pessoas batendo no peito e afirmando: “a esquerda sou eu e o que eu penso”, como Luis XIV dizia “O Estado sou eu”. Quem lhes deu esse título? Esse é o famoso esquerdismo infantil denunciado por Lênin. Os pensadores primordiais do socialismo acreditavam no poder criativo dos trabalhadores para criarem um mundo mais justo. Pois bem, sou um trabalhador e tenho criatividade. Não pretendo trazer a solução final, mas quero contribuir para o debate, em todos os campos que me derem na telha: cultura, política, economia, tributos. A discussão sobre o imposto único já está bastante avançada e possivelmente ele será implantado em breve. O fim do imposto de renda será importante para libertar os indivíduos de prestarem esclarecimentos invasivos de sua vida particular ao Estado. Que importa como eu ganhei dinheiro para a Receita? Pode importar para a polícia, mas não para a Receita. Posso vender sanduíches na praia, vender assinatura de revista, apostar em cavalos, comprar e vender carros usados, tocar violão em bares, planejar websites, escrever reportagens, vender livros, que importa? Tenho que anotar tudo no formulário da Receita e transmitir os dados via internet? Para quê? Para pagar três ou cinco mil reais daqui a um ano, quando quiçá eu estiver passando por um período totalmente sem dinheiro? E aí? Além das dificuldades financeiras, viro um criminoso fiscal? O mesmo raciocínio vale para empresas. Há situação quase ridículas, de pequenas ou médias empresas deverem milhões de reais ao Fisco. O passivo fiscal no Brasil já totaliza centenas de bilhões de reais. Não é a tôa que o Brasil é um dos países onde se demora mais para abrir uma empresa.
A esquerda tem que debater esses assuntos também. A esquerda tem que defender o pequeno e o médio empresários, porque eles representam, no atual estágio do capitalismo brasileiro, um segmento econômico progressista. E também a classe média. Os interesses da classe média serão cada vez mais importantes no debate político nacional e se a esquerda não modernizar seu vocabulário e suas propostas poderá perder, no médio e longo prazo, seu capital político para os conservadores de direita, conforme ocorreu por tantas décadas nos EUA e voltou a ocorrer agora na Europa.
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Crise do capitalismo? Sinceramente, nesses tempos lembro das minhas leituras do Capital, de Marx. Acredito que banqueiros, traders e especuladores deveriam consultar as palavras do velho alemão. Nunca endeusei Marx, nem ao menos me considero um marxista, mas foi com ele que aprendi alguma coisa de economia clássica. Marx não inventou suas teorias. Ele foi acima de tudo um estudioso que deu continuidade à filosofia econômica e política européia. Uma das grandes questões pensadas por Marx, por exemplo, foi a origem do dinheiro. Nesses tempos de crise, onde lemos sobre perdas de trilhões de dólares, pensamos, de onde veio e para onde vai esse dinheiro? Ora, em primeiro lugar, lembremos de uma teoria básica do capitalismo: o dinheiro não desaparece, apenas muda de mãos. Se as bolsas registraram perdas de trilhões de dólares, é porque esse dinheiro foi parar em outro lugar. Resta saber para onde: para o meu bolso é que, infelizmente, não foi.
E de onde vem o dinheiro: segundo Marx, o dinheiro é o trabalho cristalizado. Por trás, portanto, de cada um desses trilhões de dólares rodando para cá e para lá nas bolsas, existe o suor e o sangue de trabalhadores de todo mundo.
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Bem, até agora não escrevi quase nada sobre as eleições. Ainda não analisei detidamente os números. Muitas cidades ainda dependem do segundo turno. Mas já podemos inferir alguns fatos. A base aliada do governo Lula registrou um forte crescimento, e a oposição perdeu espaço. O que aconteceu em Salvador foi exemplar: ACM Neto, o principal herdeiro político do carlismo, aposta número 1 do DEM na Bahia, não conseguiu chegar sequer ao segundo turno das eleições municipais da cidade. O que houve? Ora, é simples. O DEM é um partido decadente, com características ridiculamente hereditárias: o presidente é Rodrigo Maia, filho de César Maia, e o principal nome no Nordeste, onde o DEM sempre teve muita força, era neto de ACM, o inesquecível Antonio Carlos Magalhães, que mandava matar os namorados da filha e chegou a dominar mais de 80% das prefeituras da Bahia.
Então, o que há é o seguinte: um forte recuo da direita, representada por DEM e PSDB e um crescimento impressionante, em votos e número de prefeituras, dos partidos da base aliada, PMDB, PT, PcdoB, PDT, entre outros.
As conclusões ventiladas pela imprensa sobre ganhadores e perdedores das eleições me pareceram quase todas equivocadas e tendenciosas. De modo geral, insistiu-se sobre vitória de José Serra, pelo fato de seu candidato, Gilberto Kassab, ter chegado ao segundo turno em primeiro lugar. Ora, que maluquice é essa? José Serra apoiou explicitamente Geraldo Alckmin. Gravou programas de tv em que aparece pedindo votos para Alckmin. Foi à convenção do PSDB e defendeu a candidatura própria de Alckmin. Tudo bem, a imprensa continuou dizendo que, apesar de todas essas manifestações, no fundo no fundo Serra apoiaria Kassab. Ora, mas o PSDB expôs uma profunda fratura nessas eleições. Serra fracassou em unir o PSDB paulista, essa é a grande verdade. O líder maior do tucanato paulista não conseguiu resolver esse impasse político, que levou a maioria dos vereadores tucanos a apoiarem Kassab, em detrimento da resolução partidária do PSDB de que todos deveriam apoiar Alckmin. Se isso não é falta de liderança, mudo meu nome para Crivella. Cogitou-se inclusive de punir ou mesmo expulsar do partido os tucanos infiéis. Não o fizeram por receio de enfraquecer ainda mais a legenda. Uma coisa ficou clara, todavia. Serra não conseguiu unir o seu próprio partido. E outra. O partido de Serra perdeu importantes prefeituras em São Paulo, estado onde o PT ficou em primeiro lugar em número de votos. Se o partido de Serra perdeu prefeituras importantes, como se pode falar que Serra é o grande vencedor? Se o partido do presidente Lula quase dobrou o número de prefeituras e, o que mais importante, conquistou mais espaço nas grandes capitais, como se pode falar em derrota política de Lula, conforme comentou-se em colunas de jornal.
Em Belo Horizonte, o candidato do Aécio Neves, que nem tucano era – e sim membro do PSB, da base do governo, com vice petista – chegou empatado com Leonardo Quintão, do PMDB. Os dois partidos representam forças da situação Mesma coisa em Porto Alegre e tantas outras capitais, de maneira que, quando os resultados do segundo turno forem conhecidos, é bem provável que a base aliada do governo adquira uma hegemonia política poucas vezes vista na história da república brasileira. O país já está se articulando para 2010. PT e PMDB, agora mais que nunca, caminharão juntos nas próximas eleições presidenciais. E o PSDB se isola, tendo o apoio de partidos em declínio, como o DEM e o PPS, cuja direitização sectária, submissão humilhante aos ditames de PSDB e DEM e inexplicável ódio às forças populares que apóiam o presidente Lula, transformaram-no num melancólico e dependente satélite dos conservadores.
No Rio, a situação é bastante delicada. Fernando Gabeira conseguiu canalizar, para si, a maior parte dos votos da esquerda – que não é, no Rio, uma esquerda muito intelectualizada ou partidária. Ao contrário, o Rio tem uma esquerda anárquica, no mau sentido, de ser fragmentada, independente, imprevisível, apartidária, e um tanto pop. A fama de liberal nos costumes do Gabeira trouxe-lhe os votos da classe artística e o discurso de apelo moralista permitiu-lhe conquistar o eleitorado lacerdista, ainda muito forte numa das cidades com maior número de aposentados do país.
Por outro lado, Eduardo Paes representa a ala mais conservadora do PMDB. É quase um agente tucano. O seu passado de verdugo do PT lhe trará dificuldades para ter apoio explícito de Lula e das forças partidárias da esquerda fluminense, mas Paes tem se esforçado para passar uma borracha sobre isso e fazer alianças com partidos e quadros que compõem a base governista. Paes é um governista assumido e resolvido. Seu lema é fazer um governo de parceria com o Estado e a União.
Acho que os dois candidatos representarão um avanço extraordinário em relação à Cesar Maia. Grande parte dos meus conhecidos artistas votarão no Gabeira, por sua posição liberal e suas promessas éticas. Eu não me sinto à vontade para votar nele, contudo, porque entendo que ele é, no momento, um representante da direita, e representará um sustentáculo das forças conservadoras no país.
Abstraindo dessa questão nacional, todavia, penso que Gabeira tem um gabarito intelectual superior à Paes para presidir um município com problemas tão graves como o Rio, e a necessidade o obrigará a fazer política com mais humildade e espírito de alianças. Mas o seu lacerdismo impressiona-me muito. Assisti um de seus programas de tv em que ele diz o seguinte: "a julgar pelo que dizem os jornais, a câmara dos vereadores é composta por assassinos e ladrões". Achei um tremendo e imperdoável desrespeito com a câmara. Pode até ser verdade que a maioria é corrupta, mas generalizar do jeito que ele fez é temerário, arrogante e anti-democrático, ainda por cima afirmando que as informações de que dispõe vêm da imprensa. Se for eleito, Gabeira terá que lidar com esses vereadores. Como pretende fazê-lo depois dessas acusações levianas, irresponsáveis?
Também receio que Gabeira tenha, efetivamente, uma gestão retrógrada, aos moldes de César Maia, e seja um agente politico a serviço da direita, em campo nacional e, para agradar seus eleitores da zona sul, torne-se carrasco dos ambulantes e dos motoristas de van, entre outras medidas "higienizadoras" que as elites cariocas defendem, em cartinhas pro Globo. Por isso, mesmo sentindo forte repulsa por Eduardo Paes e por sua trajetória dúbia e oportunista, talvez a melhor opção para a esquerda carioca seja um candidato da base aliada, que poderá eventualmente até fazer uma boa administração, caso resolva gerir honestamente. Creio que depois de tantas operações da PF, com prisão de prefeitos e políticos em todo país, a tentação por roubar ceda ao medo da lei. Paes é o grande favorito, já que analistas políticos afirmam ser extremamente difícil que os eleitores de Crivella, evangélicos e conservadores, optem por Gabeira, que tem fama de maconheiro, viado e maluco – sem preconceito contra esses qualificativos, apenas estou constatando um fato.
Mas... sei lá. A empolgação da classe artística com Gabeira tem sido tão intensa, tão consensual, há um apoio tão claro da juventude, que minha intuição política vacila. Afinal, fica difícil classificar Gabeira como "direita". O cara defende a liberação das drogas, aborto e gays, bandeiras que também defendo, e que se contrapõem frontalmente às idéias conservadoras. Pode ser o caso, portanto, de pôr de lado a questão partidária e nacional e dar uma chance para uma figura com histórico de luta pelas liberdades civis. Lembro que, quando a polícia prendeu Joe Romano, o nosso louco de pedra mais querido e mais inofensivo, Gabeira foi um dos primeiros a visitá-lo e a fazer lobby para sua libertação. Enfim, quiçá o Rio, com sua vocação fortemente artística e boêmia precise mesmo de um Gabeira, mesmo que não seja o Gabeira dos sonhos, mesmo que seja um Gabeira atucanado e alinhado com o neo-lacerdismo. É um símbolo, e quem sabe o Gabeira símbolo não ultrapasse o Gabeira real, e seja o prefeito do qual a gente precisa?
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7 de outubro de 2008
Tributos, crise e eleições
9 comentarios
# Escrito por
Miguel do Rosário
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terça-feira, outubro 07, 2008
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6 de outubro de 2008
Opiniões heterodoxas sobre carga tributária
7 comentarios
No artigo anterior, teci alguns comentários sobre a carga tributária e um leitor acusou-me de emitir uma opinião sobre o assunto mais direitista do que um político do DEM teria coragem de fazê-lo. Eu defendi o fim do imposto de renda, assim como do imposto sobre os salários e sobre o faturamentos das empresas (sem considerar sua lucratividade).
Bem, são opiniões polêmicas, diria até extravagantes. Mas não vejo graça em vir aqui incomodar vocês com lugares-comuns. Discordo todavia frontalmente do leitor que vê nelas uma visão direitista. Acho até engraçado que ele pense assim. Esclareço que sou completamente leigo em questões tributárias, mas sou um cidadão, pago impostos e, portanto, acho-me no direito de ter uma opinião sobre o tema.
O Brasil já é um país de classe média, segundo o IBGE. Ou seja, ela é maioriano país e, se tudo der certo, será ainda mais representativa ao longo das próximas décadas. Já li estudos indicando que, em vinte anos, o Brasil possuirá uma das classes médias mais numerosas do mundo. Conforme o próprio Lula já argumentou em entrevista recente, as bandeiras da classe média são bastante diferentes daquelas dos pobres. Problemas diferentes, soluções distintas.
Sou contra o imposto de renda por várias razões. A necessidade de preencher longos formulários, especificando tudo que possuo, faço, trabalho, ganho, parece-me invasiva e fomentadora de mentiras. A renda do trabalhador contemporâneo vem se tornando cada vez mais complexa. Eu sou um exemplo. Ganho dinheiro de mil formas diferentes. Todas são honestas, mas a grande maioria são informais e sinto-me extremamente receioso de inserir tudo num formulário da Receita Federal. Este ano, preenchi um formulário que baixei na internet e botei tudo lá, o resultado apresentava um imposto tal que seria totalmente inviável. Ganho meu dinheirinho, sou feliz, mas, confesso a vocês, sou incrivelmente pobre. Apenas a cogitação de pagar alguns milhares de reais por ano em imposto de renda me fez rir, de nervoso e incredulidade. Simplesmente, não tenho condições. Não tenho emprego formal. Não pago INSS. Não pago plano de saúde, nem para mim nem para minha esposa. Nem penso em ter filhos, porque não quero e também porque não tenho pretensão de ganhar dinheiro suficiente para sustentar uma outra pessoa por mais de vinte anos. Com o dinheiro que ganharei agora com três matérias para uma revista, comprarei uma máquina da lavar, pagarei alguns condomínios, a conta atrasada de telefone, renovarei o estoque de café por alguns meses, e pronto. De volta à estaca zero.
O que vejo é a classe alta com mil subterfúgios para não pagar imposto de renda, enquanto minha mãe, funcionária pública aposentada das mais humildes do município do Rio de Janeiro, foi obrigada a pagar quase dez mil reais em impostos atrasados, o que só foi possível vendendo o seu único patrimônio, um apartamento.
A política tributária, ensinava Adam Smith, deve ser simples, justa e eficiente. Não há nada mais complicado e nebuloso que o imposto de renda. O imposto deveria recair somente o consumo. Aliás, essa é a visão progressista da esquerda sobre uma reforma tributária que, há anos, está para ser feita no Brasil. Por que o leitor acusa-me de defender uma posição direitista? Por que confunde bandeiras ideológicas com dogmas duvidosos. O mundo hoje caminha para um cenário dominado por corporações gigantescas, de um lado, e uma classe média fragmentada, de outro. O mercado de trabalho se torna mais e mais complexo. A tendência hoje não é mais o acúmulo de propriedades por parte de uma classe média. As novas tecnologias estão fazendo com que a classe média gaste cada vez mais seu dinheiro com produtos tecnológicos (laptop, celular, dvd, tvs, eletrodomésticos) do que com casas de campo e apartamentos. O sonho da classe média, em termos de propriedade, é ter casa própria e carro, e fim. O Estado brasileiro, há séculos, que é draconiano com os remediados, benevolente com os nababos e indiferente para com os pobres. Meu avô era um pequeno fazendeiro do Triângulo Mineiro, que perdeu todas as suas terras para o Banco do Brasil, porque era fiador de um parente, cuja dívida explodiu depois do estouro da bolha especulativa com o boi zebu. Foi tremendamente injusto e meu avô nunca se recuperou desse baque.
O imposto brasileiro deve ser - e isso deveria ser feito urgentemente - unificado. É ridículo que os brasileiros tenham que pagar dezenas de impostos. Isso praticamente inviabiliza muitos empreendimentos e sufoca milhares de pessoas simples. Outra coisa é a irracionalidade de você pagar por uma renda que teve no passado. Um imposto como a CPMF, por exemplo, é justo porque tira o dinheiro que você efetivamente possui.
O imposto concentrado exclusivamente sobre o consumo teria a vantagem ainda de incentivar a moderação no consumismo. O disperdício na sociedade contemporânea é absurdo. Eliminando o imposto de renda, da folha salarial e do rendimento, e focando sobre o consumo, ou seja, sobre a água, luz, gás, alimentos, bebidas, objetos de luxo, brinquedos, combustível, roupas, teria a vantagem de incentivar que os brasileiros economizassem água, luz, combustível, etc, e fossem mais frugais em tudo. Permitiria, sobretudo, uma grande desburocratização. Não haveria formulários a ser preenchidos e o brasileiro poderia calcular seus gastos de maneira mais objetiva e racional.
Essa mudança também permitiria a descriminalização da política tributária. Do jeito que está, somos eternos bandidos tentando ludibriar o Estado, ou fugindo do Estado. Muitas vezes, não por intenções malignas, mas por impossibilidade de pagar. Estou há anos tentando solucionar pequenas dívidas da micro-empresa (falida) da minha família. Já paguei milhares de reais e quando penso que acabou, aparece outra coisa. E olha que é uma empresa mais que micro, é uma empresa átomo, cujo único funcionário sou eu, há anos (antes era meu pai, minha mãe e eu. Agora sou só eu). Quase não existe uma empresa no Brasil sem algum caco tributário. É uma política criminalizante, opressiva, e por fim incompetente, porque sufoca empresas e cidadãos que, ao morrer financeiramente, deixar de contribuir para o Estado.
Temos, por outro lado, grandes instituições financeiras, hiper-mercados, corporações gigantes que pagam pouco imposto, seja por uma legislação frouxa, seja por múltiplos programas de desoneração fiscal de que são beneficiárias.
Os ricos, por outro lado, contratam firmas de contabilidade especializadas em encontrar brechas constitucionais que os permitem pagar quase nenhum imposto. Essas são as razões pelas quais defendo o imposto sobre o consumo e sobre a movimentação financeira. Um imposto único, simples e eficiente, que teria função fiscalizadora e higiênica, que não criminalizaria a renda. Daria a sua mordida básica, sem culpas. Movimentou dinheiro, comprou um carrão, adquiriu uma nova tv de tela plana, viajou à Paris, comprou uma roupa linda, um batom? Pagou imposto. Sem exageros ou extorsão, tudo conforme acordos políticos costurados no Congresso Nacional e com os diversos setores sociais, beneficiando os produtos mais básicos, voltados para a baixa renda, como alimentos simples e remédios e onerando os mais supérfluos, como cerveja (olha como sou desprendido...), cigarros, carros e mercadorias de luxo.
Claro que é uma idéia verdíssima, ainda em estágio utópico, quase uma fantasia. Uma idéia inocente de um leigo cuja ocupação, nos últimos tempos, tem sido justamente a de inventar e pensar de maneira não ortodoxa. Aliás, a esquerda não irá avançar no Brasil e no mundo se não for criativa e se livrar da pecha de anti-classe média. O anti-petismo fortaleceu-se tanto no Brasil por isso. Os republicanos ganharam o poder nos EUA (e quase destruíram o mundo) por isso. É preciso entender o adversário e roubar-lhe as armas. O princípio da esquerda não é ter uma carga tributária assim ou assada, e sim lutar por uma sociedade com menos pobreza, mais segurança social, um Estado mais forte e equânime, com menos poder político para elites financeiras e mais poder democrático para as maiorias.
Bem, são opiniões polêmicas, diria até extravagantes. Mas não vejo graça em vir aqui incomodar vocês com lugares-comuns. Discordo todavia frontalmente do leitor que vê nelas uma visão direitista. Acho até engraçado que ele pense assim. Esclareço que sou completamente leigo em questões tributárias, mas sou um cidadão, pago impostos e, portanto, acho-me no direito de ter uma opinião sobre o tema.
O Brasil já é um país de classe média, segundo o IBGE. Ou seja, ela é maioriano país e, se tudo der certo, será ainda mais representativa ao longo das próximas décadas. Já li estudos indicando que, em vinte anos, o Brasil possuirá uma das classes médias mais numerosas do mundo. Conforme o próprio Lula já argumentou em entrevista recente, as bandeiras da classe média são bastante diferentes daquelas dos pobres. Problemas diferentes, soluções distintas.
Sou contra o imposto de renda por várias razões. A necessidade de preencher longos formulários, especificando tudo que possuo, faço, trabalho, ganho, parece-me invasiva e fomentadora de mentiras. A renda do trabalhador contemporâneo vem se tornando cada vez mais complexa. Eu sou um exemplo. Ganho dinheiro de mil formas diferentes. Todas são honestas, mas a grande maioria são informais e sinto-me extremamente receioso de inserir tudo num formulário da Receita Federal. Este ano, preenchi um formulário que baixei na internet e botei tudo lá, o resultado apresentava um imposto tal que seria totalmente inviável. Ganho meu dinheirinho, sou feliz, mas, confesso a vocês, sou incrivelmente pobre. Apenas a cogitação de pagar alguns milhares de reais por ano em imposto de renda me fez rir, de nervoso e incredulidade. Simplesmente, não tenho condições. Não tenho emprego formal. Não pago INSS. Não pago plano de saúde, nem para mim nem para minha esposa. Nem penso em ter filhos, porque não quero e também porque não tenho pretensão de ganhar dinheiro suficiente para sustentar uma outra pessoa por mais de vinte anos. Com o dinheiro que ganharei agora com três matérias para uma revista, comprarei uma máquina da lavar, pagarei alguns condomínios, a conta atrasada de telefone, renovarei o estoque de café por alguns meses, e pronto. De volta à estaca zero.
O que vejo é a classe alta com mil subterfúgios para não pagar imposto de renda, enquanto minha mãe, funcionária pública aposentada das mais humildes do município do Rio de Janeiro, foi obrigada a pagar quase dez mil reais em impostos atrasados, o que só foi possível vendendo o seu único patrimônio, um apartamento.
A política tributária, ensinava Adam Smith, deve ser simples, justa e eficiente. Não há nada mais complicado e nebuloso que o imposto de renda. O imposto deveria recair somente o consumo. Aliás, essa é a visão progressista da esquerda sobre uma reforma tributária que, há anos, está para ser feita no Brasil. Por que o leitor acusa-me de defender uma posição direitista? Por que confunde bandeiras ideológicas com dogmas duvidosos. O mundo hoje caminha para um cenário dominado por corporações gigantescas, de um lado, e uma classe média fragmentada, de outro. O mercado de trabalho se torna mais e mais complexo. A tendência hoje não é mais o acúmulo de propriedades por parte de uma classe média. As novas tecnologias estão fazendo com que a classe média gaste cada vez mais seu dinheiro com produtos tecnológicos (laptop, celular, dvd, tvs, eletrodomésticos) do que com casas de campo e apartamentos. O sonho da classe média, em termos de propriedade, é ter casa própria e carro, e fim. O Estado brasileiro, há séculos, que é draconiano com os remediados, benevolente com os nababos e indiferente para com os pobres. Meu avô era um pequeno fazendeiro do Triângulo Mineiro, que perdeu todas as suas terras para o Banco do Brasil, porque era fiador de um parente, cuja dívida explodiu depois do estouro da bolha especulativa com o boi zebu. Foi tremendamente injusto e meu avô nunca se recuperou desse baque.
O imposto brasileiro deve ser - e isso deveria ser feito urgentemente - unificado. É ridículo que os brasileiros tenham que pagar dezenas de impostos. Isso praticamente inviabiliza muitos empreendimentos e sufoca milhares de pessoas simples. Outra coisa é a irracionalidade de você pagar por uma renda que teve no passado. Um imposto como a CPMF, por exemplo, é justo porque tira o dinheiro que você efetivamente possui.
O imposto concentrado exclusivamente sobre o consumo teria a vantagem ainda de incentivar a moderação no consumismo. O disperdício na sociedade contemporânea é absurdo. Eliminando o imposto de renda, da folha salarial e do rendimento, e focando sobre o consumo, ou seja, sobre a água, luz, gás, alimentos, bebidas, objetos de luxo, brinquedos, combustível, roupas, teria a vantagem de incentivar que os brasileiros economizassem água, luz, combustível, etc, e fossem mais frugais em tudo. Permitiria, sobretudo, uma grande desburocratização. Não haveria formulários a ser preenchidos e o brasileiro poderia calcular seus gastos de maneira mais objetiva e racional.
Essa mudança também permitiria a descriminalização da política tributária. Do jeito que está, somos eternos bandidos tentando ludibriar o Estado, ou fugindo do Estado. Muitas vezes, não por intenções malignas, mas por impossibilidade de pagar. Estou há anos tentando solucionar pequenas dívidas da micro-empresa (falida) da minha família. Já paguei milhares de reais e quando penso que acabou, aparece outra coisa. E olha que é uma empresa mais que micro, é uma empresa átomo, cujo único funcionário sou eu, há anos (antes era meu pai, minha mãe e eu. Agora sou só eu). Quase não existe uma empresa no Brasil sem algum caco tributário. É uma política criminalizante, opressiva, e por fim incompetente, porque sufoca empresas e cidadãos que, ao morrer financeiramente, deixar de contribuir para o Estado.
Temos, por outro lado, grandes instituições financeiras, hiper-mercados, corporações gigantes que pagam pouco imposto, seja por uma legislação frouxa, seja por múltiplos programas de desoneração fiscal de que são beneficiárias.
Os ricos, por outro lado, contratam firmas de contabilidade especializadas em encontrar brechas constitucionais que os permitem pagar quase nenhum imposto. Essas são as razões pelas quais defendo o imposto sobre o consumo e sobre a movimentação financeira. Um imposto único, simples e eficiente, que teria função fiscalizadora e higiênica, que não criminalizaria a renda. Daria a sua mordida básica, sem culpas. Movimentou dinheiro, comprou um carrão, adquiriu uma nova tv de tela plana, viajou à Paris, comprou uma roupa linda, um batom? Pagou imposto. Sem exageros ou extorsão, tudo conforme acordos políticos costurados no Congresso Nacional e com os diversos setores sociais, beneficiando os produtos mais básicos, voltados para a baixa renda, como alimentos simples e remédios e onerando os mais supérfluos, como cerveja (olha como sou desprendido...), cigarros, carros e mercadorias de luxo.
Claro que é uma idéia verdíssima, ainda em estágio utópico, quase uma fantasia. Uma idéia inocente de um leigo cuja ocupação, nos últimos tempos, tem sido justamente a de inventar e pensar de maneira não ortodoxa. Aliás, a esquerda não irá avançar no Brasil e no mundo se não for criativa e se livrar da pecha de anti-classe média. O anti-petismo fortaleceu-se tanto no Brasil por isso. Os republicanos ganharam o poder nos EUA (e quase destruíram o mundo) por isso. É preciso entender o adversário e roubar-lhe as armas. O princípio da esquerda não é ter uma carga tributária assim ou assada, e sim lutar por uma sociedade com menos pobreza, mais segurança social, um Estado mais forte e equânime, com menos poder político para elites financeiras e mais poder democrático para as maiorias.
# Escrito por
Miguel do Rosário
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segunda-feira, outubro 06, 2008
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