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1 de outubro de 2011

A guerra entre Íblis e Lúcifer

1 comentário

Reproduzo abaixo a matéria que foi publicada na última edição da Fórum, que foi uma edição comemorativa de 10 anos.



Eu liberto a terra e aprisiono os céus. Eu me jogo ao chão para permanecer fiel à luz, para fazer do mundo um lugar ambíguo, fascinante, dinâmico e perigoso. Para anunciar que irei além dele. O sangue dos deuses continua fresco em minhas roupas. O grito de uma gaivota ecoa em minhas páginas. Deixem-me simplesmente empacotar minhas palavras, e partir.

Essas palavras dramáticas, excerto de um poema intitulado No limite do Mundo,  foram escritas por Adonis, um dos maiores poetas árabes vivos. Servem de mote para este breve ensaio sobre as mudanças no mundo árabe ocorridas na última década.

Que mudanças são dignas de nota? Podemos começar observando que não foram exatamente os céus que foram aprisionados, mas sim quatro aviões; nem a terra alguma foi libertada; um portão se abriu, todavia, dando fuga aos piores demônios do inferno cristão e do inferno islâmico.

O céu terrivelmente belo em Nova York, pronto para receber 2.996 almas, a maioria das quais não dirigiu-se ao paraíso - eram infiéis.

O demônio do Islã se chama Íblis, é o correlato do Lúcifer cristão. Nesses últimos dez anos, ambos travaram uma sangrenta disputa para saber quem receberia mais condenados. É com orgulho que nós cristãos podemos afirmar que vencemos. Se Íblis recebeu 3 mil infiéis naquele fatídico ano, Lúcifer arrebanhou quase um milhão de almas de 2001 aos dias de hoje - isso considerando apenas as vítimas diretas e indiretas da última guerra no Golfo Pérsico.

E desde Dante sabemos muito bem o que acontece aos muçulmanos depois da morte. A diferença é que hoje acontece em vida mesmo.

Chi poria mai pur con parole sciolte
dicer del sangue e de le piaghe a pieno
ch'i' ora vidi, per narrar più volte?

Quem, mesmo em prosa, poderia
falar do sangue, e das feridas
horripilantes que eu ali via?

Dante descreve então a tortura inflingida a Maomé, levado para o oitavo círculo do inferno (dos semeadores de intriga e discórdia), cujo corpo é sistematicamente mutilado por um demônio. A cena, presente no capítulo 28 do Inferno, parece descrever o cenário de um café em Bagdá após um atentado terrorista:

Às pernas o intestino lhe escorria;
a mostra estavam nele, o coração
e a bolsa que o alimento recebia.

Depois da mutilação, porém, as feridas se fecham, preparando o corpo do condenado para receber outro golpe. Não parece a história recente do Iraque?

Não se pode falar de árabes, e da visão que temos de sua cultura, sem mencionar Edward Said, sobretudo a sua obra Orientalismo, clássico dos clássicos sobre o imperialismo cultural do ocidente. É realmente muito triste que o grande intelectual palestino, que estudou e lecionou nas maiores universidades americanas (Harvard, Yale e Columbia) tenha morrido antes de assistir a queda de Mubarak!

Said faz um levantamento minucioso e erudito de tudo que o Ocidente escreveu sobre os árabes nos últimos mil anos. E constata que o imperialismo europeu e depois o americano fundamentou-se também no domínio da cultura, sobretudo a partir da chegada de Napoleão ao Egito. O ditador francês entra em Cairo levando um comitê de “sábios”, encarregados de registrar e estudar tudo que encontravam. Desde então, surge na Europa a figura do “orientalista”, com ênfase durante muito tempo no oriente próximo, ou seja, no mundo árabe muçulmano.

No prefácio para a edição de 2003 de Orientalismo, Said lamenta que o debate internacional sobre o mundo árabe tenha se empobrecido assustadoramente nos últimos anos; o mais grave é que ele parece ter sido empobrecido deliberadamente pelos falcões de guerra. “Parece-me inteiramente expressivo do momento em que estamos vivendo o fato de que, ao pronunciar seu discurso linha-dura de 26 de agosto de 2002, sobre a necessidade imperativa de atacar o Iraque, o vice-presidente Cheney tenha citado, como seu único “especialista” em Oriente Médio – favorável à intervenção militar no Iraque -, um acadêmico árabe que, como consultor remunerado pela mídia de massas, repete todas as noites pela televisão seu ódio pelo próprio povo e sua renúncia ao próprio passado”.

Said, todavia, também faz algumas críticas aos árabes: “Nos países árabes e muçulmanos, a situação não chega a ser muito melhor. (…) a região escorregou para um antiamericanismo fácil que mostra pouco entendimento do que os Estados Unidos efetivamente são como sociedade.”

A conclusão de Said é que, “o humanismo é a única possibilidade de resistência”, sendo que “somos favorecidos pelo campo democrático fantasticamente animador do ciberespaço, aberto para todos os usuários de maneiras jamais sonhadas pelas gerações anteriores”.

O intelectual, portanto, meio que prevê a “primavera árabe”, a qual, aliás, parece ter se convertido num  verão infernal, a julgar pelos acontecimentos recentes na Líbia e na Síria.

Lendo o blog Syria Comment, de Joshua Landis, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio e professor na Universidade de Oklahoma, não há como deixar de pensar naqueles orientalistas citados por Said em seu livro, com suas sociedades, centros, fundações, voltadas para o estudo das coisas árabes, e que foram todas, sem exceção, instrumentalizadas para servir ao imperialismo europeu.

Entrevistado por uma TV americana, Landis afirma que os árabes, “num certo sentido, abraçaram as ideias de George Bush sobre liberdade e democracia”. O blog de Landis é o mais lido nos EUA sobre o oriente médio; como reagir a esse tipo de sofisma idiota? Folheando o livro de Said, encontro uma citação de Shakeaspare (é uma fala do Bobo, no Rei Lear) que pode nos trazer um pouco de humor: “Eles mandam que eu seja açoitado por falar a verdade, tu mandas que eu seja açoitado por mentir; e às vezes sou açoitado por ficar calado”.

Os árabes, por vezes, vivem o pior dos mundos. Se apoiam a ditadura, sofrem com sua brutalidade; se apoiam a democracia, são acusados de conspirar ao lado dos americanos; e às vezes apanham simplesmente porque não apoiam nenhuma coisa nem outra.

Enfim, falar dos árabes é algo extremamente arriscado, sobretudo após ler Orientalismo, de Said, porque somos expostos a nossos próprios preconceitos e manias. A pior das manias é a arrogância de achar que conhecemos muito bem o Oriente Médio apenas porque lemos os artigos de Pepe Escobar.

Voltemos, portanto, a poesia de Adonis. “Eu convoco anjos e ambulâncias – eu me transformo em água e escorro para a piscina de minhas tristezas, ou me torno num horizonte e escalo os cimos do desejo. Eu sei que nós morremos apenas uma vez – e renascemos a toda hora. E sei que a morte somente é útil, se a gente a atravessar. Eu sei que o imediato é esta rosa, essa mulher, e que uma face humana está do outro lado do céu.”

Esta “face humana do outro lado do céu” é justamente o que procurava Said nos compêndios eruditos que os europeus escreviam sobre o oriente médio ao longo dos últimos duzentos anos. Said sonda centenas de livros tentando encontrar quem visse os árabes não mais como árabes, mas como seres humanos. Quem visse a cultura árabe não como um objeto de estudo que, como tal, deva permanecer estática, como um modelo vivo a quem ordenamos que não se mexa para que possamos retratá-lo à perfeição. Said defende a cultura árabe enquanto uma entidade viva, dinâmica, em movimento constante. Evoluindo às vezes, regredindo, pausando aqui e avançando enlouquecidamente acolá. Said defende a individualidade única de cada árabe, na contramão das generalizações esquemáticas e simplórias que as mentes mais brilhantes e eruditas costumavam fazer.

É interessante observar como Said não questiona a genialidade, o esforço e o talento dos estudiosos europeus que souberam apreender e decifrar linguas mortas, realizar escavações arqueológicas, e pesquisar a história do oriente desde seus primórdios, além da competência inegável na construção de ferrovias, portos, canais, pontes, indústrias e lavouras. A sua acusação é contra o tratamento frio e esquemático a uma cultura tão viva.  Ele percebe então que às potências imperialistas não interessava que essas culturas adquirissem consciência de sua força, dinamismo e vivacidade.

Não havia nada de errado com os árabes. Ao contrário, eles haviam constituído, na Alta Idade Média (séculos VIII e IX), um dos maiores impérios do mundo, estentendo-se da Espanha à China. Houve um momento em que o mundo árabe formou um crescente ameaçador ao redor da Europa, prestes a sorvê-la com a sua força militar e cultural. As primeiras universidades européias, em Córdoba, foram fundadas por árabes, os quais durante séculos protegeram os tesouros da civilização helênica, entre eles a obra de Aristóteles.

Nos últimos dez anos, os árabes viveram as revoluções tecnológicas com o mesmo entusiasmo e interesse demonstrado por qualquer outro povo. Os egípcios criaram blogs, alguns passaram a fazer ativismo político na rede, e todos usaram a internet para ampliar seu conhecimento sobre o mundo. O ocidente, por sua vez, pode conhecer melhor os árabes.

Podemos, por exemplo, conhecer a poesia do palestino Mahmoud Darwish, outro que Said aponta como um dos dois maiores poetas árabes contemporâneos :

Meu céu está cinza. Coce minhas costas. E desfaça meus cachos, você mesmo, estranho. E me diga o que se passa em sua cabeça. Diga-me coisas simples, diga-me o que uma mulher gostaria de ouvir. (…) Diga-me o que Adão disse em segredo para si mesmo. (…) Fale que duas pessoas, como eu e você, podem suportar toda essa semelhança entre a névoa e a miragem, e retornar em segurança. Meu céu está cinza; o que você pensa quando o céu se acinzenta?

(Trecho do poema “Dois pássaros estranhos no mesmo gallho”).

Nos últimos dez anos, portanto, os árabes não passaram todo o tempo voltados para Meca, rezando. Eles também escreveram poemas, amadureceram ideais democráticos, derrubaram torres gêmeas, derrubaram ditadores – e se tornaram os maiores compradores mundiais de frango brasileiro.

De qualquer forma, devemos ficar de olho aberto, pois há trechos no Alcorão que mais parecem memorandos do Pentágono, “se eles lutarem contigo, mate-os de uma vez. Essa é recompensa para aqueles de pouca fé.” (2.191 ).

(Imagem: Gustave Doré, ilustração do Inferno de Dante)

18 de maio de 2011

Arquivo: A luz irrompe onde nenhum sol brilha

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Tô resgatando uns posts (nem tão) antigos, publicados no meu outro blog, o Hell Bar. Faço isso de vez em quando para concentrar todos os textos no Óleo. Esse aí, de 2006, recebeu um comentário hoje, então me lembrei dele e resolvi publicá-lo aqui. Naquela época, eu tinha dois blogs, um mais literário, o Hell, e outro mais político, o Óleo. Mas foi ficando meio esquizofrênico, como se eu tivesse duas personalidades, então resolvi focar num blog só, mesmo sabendo que poderia perder alguns leitores, que estranhariam os textos políticos.


Esse cara é o Dylan Thomas, poeta britânico nascido em 1914. Não me lembro direito como o conheci. Acho que foi através do conto O Perseguidor, de Cortázar, no qual o personagem principal, o saxofonista Johnny Walker - inspirado no músico realíssimo Charlie Parker - é leitor assíduo de Dylan. Ou então foi através de alguma biografia de Robert Allen Zimmerman, nosso querido Bob Dylan, que homenageou seu ídolo tomando-lhe emprestado o sobrenome. Vale dizer que o músico Dylan fez jus ao empréstimo. Quem sabe um dia eu, enchendo o saco do meu próprio sobrenome, não resolvo me chamar Miguel Dylan? Não, melhor não.

Na época em que eu lia Dylan pela primeira vez, no início dos 90's, aconteceu uma coisa chata. Meu pai teve um infarte e foi hospitalizado. Eu estava fora de casa, acho que em outra cidade. Voltando ao Rio, peguei um ônibus para visitá-lo no CTI. Consegui a proeza de escrever um poema no próprio ônibus. Um poema inspirado em Dylan Thomas, no texto intitulado A morte perderá seu domínio. Lembro que foi uma poesia muito forte, ou pelo menos me pareceu assim (infelizmente, perdi esse poema), que tinha o objetivo bem ambicioso de salvar a vida do meu pai. Minha poesia falava algo como não se deixar levar pelo caminho mais fácil, não se deixar seduzir pelo canto sedutor da morte. Não pude vê-lo naquele dia, mas entreguei o poema ao médico, para que repassasse a meu pai após a operação de safena. Quando retornei ao hospital, no dia seguinte, seus olhos brilhavam, febris, vivíssimos. Disse-me que tinha amado o poema. Aquilo foi importante pra mim. Tive a impressão de que o poema ajudou-lhe num momento difícil. Ele viveu, depois disso, muitos anos. Ainda pôde trabalhar muito e consumir muitos litros de uísque.

José Barbosa do Rosário, meu pai, foi um grande sujeito. Exagerava na bebida, mas sempre foi muito trabalhador e absolutamente íntegro. Chegou do sertão mineiro com 21 anos de idade e algumas notas escondidas na cueca. Nada ver com aquele infeliz assessor do irmão do Genoíno, pego com cem mil dólares no cuecão. Meu pai carregava seus parcos recursos num bolso costurado na roupa de baixo porque minha avó achava - com razão - que o Rio tava cheio de ladrão.

O velho teve dois grandes sofrimentos na vida. Um foi a destruição mental do irmão Cirilo, internado aos vinte anos numa clínica psiquiátrica obscurantista que torrou seus neurônios de tanto choque elétrico. O tio Cirilo ainda está vivo. Eu e meu pai fomos visitá-lo em vários hospícios dos arredores do Rio.

O segundo trauma foi a morte bárbara de seu outro irmão, Francisco, torturado medievalmente por policiais da nona DP do Rio de Janeiro, no finalzinho da ditadura, 1981, o que motivou meu pai a escrever seu único livro, Quando a polícia mata.

Dia desses conto mais histórias do meu pai e dos meus famíliares do Triângulo Mineiro. Adianto só que um tio avô meu era jagunço autônomo, cobrava para matar e colecionava orelhas de suas vítimas numa bolsa de couro que levava sempre consigo, à guisa de curriculum vitae.

É isso, deixo vocês agora, com 2 poemas do Dylan Thomas, tirados de um site com excelentes traduções de Ivan Junqueira e Fernando Guimarães. Para os feras do inglês, pode-se ler originais do poeta por aqui.
**

A luz irrompe onde nenhum sol brilha;
onde não se agita qualquer mar, as águas do coração
impelem as suas marés;
e, destruídos fantasmas com o fulgor dos vermes nos cabelos,
os objectos da luz
atravessam a carne onde nenhuma carne reveste os ossos.

Nas coxas, uma candeia
aquece as sementes da juventude e queima as da velhice;
onde não vibra qualquer semente,
arredonda-se com o seu esplendor e junto das estrelas
o fruto do homem;
onde a cera já não existe, apenas vemos o pavio de uma candeia.

A manhã irrompe atrás dos olhos;
e da cabeça aos pés desliza tempestuoso o sangue
como se fosse um mar;
sem ter defesa ou protecção, as nascentes do céu
ultrapassam os seus limites
ao pressagiar num sorriso o óleo das lágrimas.

A noite, como uma lua de asfalto,
cerca na sua órbita os limites dos mundos;
o dia brilha nos ossos;
onde não existe o frio, vem a tempestade desoladora abrir
as vestes do inverno;
a teia da primavera desprende-se nas pálpebras.

A luz irrompe em lugares estranhos,
nos espinhos do pensamento onde o seu aroma paira sob a chuva;
quando a lógica morre,
o segredo da terra cresce em cada olhar
e o sangue precipita-se no sol;
sobre os campos mais desolados, detém-se o amanhecer.

( tradução: Fernando Guimarães)

**

E A MORTE PERDERÁ O SEU DOMÍNIO

E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.

E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.

E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio.


( tradução: Fernando Guimarães)



PS: Por último, pero not least, dêem um chego no site do Claudinei, para ler o texto do Mirisola sobre a Flip.

2 de janeiro de 2011

Outro poeminha grego: velhice e gôzo

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Vamos  continuar nossas brincadeiras com línguas mortas. Fiz outro exercício poético com um poeminha irreverente e singelo de Anacreonte, poeta grego que viveu cinco séculos antes de Cristo, na Grécia Clássica. Aproveito para indicar um site que permite a conversão do alfabeto ocidental para o grego. Mas preste atenção que letra vira o que por aqui. Vou dizer a verdade: sou apenas um diletante, um curioso, não sei grego. Estou estudando por prazer, sonhando vagamente poder um dia ler a Ilíada ou algum texto de Platão, no original. Blogando por aqui, eu partilho o sonho e o exercício com vocês, e ainda recebo umas dicas. Especialsitas, fiquem à vontade para me corrigir.

Segue um versinho de Anacreonte, em grego: 1) no original; 2) transcrição fonética; 3) tradução literária; 4) tradução literal.

1) Original:
ΕΙΣ ΕΑΥΤΟΝ

λεγουσιν αι γυναιχες

Αναχρεων, γερον ει

Δαβω εσοπρον, αθρει

Κομας μεν ουχ ετ ουσας,

Ψιλον δé σευ μετωπον.

Εγω δε τας χομας μεν,

Ειτ εισιν, ειτ απηλθον,

Ουχ οιδα τουτο δ' οιδα

Ως τω γεροντι μαλλον

Πρεπει το τερπνα παιζειν

Οσω πελας τα Μοιρεης.


2) Transcrição fonética:

Eis Eauton
Légussin ai gunaikes
Anacreon, guéon ei
Dabon esopron, athrei
Komas men oux et oussas,
Psilon dé seu metopon.
Ego dé tas komas men
Eit eissin, eit apelton
Ouk oida touto d' oida,
Os tô geronti mallon
Prepei to terpna paidzein,
Osso pélas tá Móires.

3) Tradução literária:

Velhice e gôzo
As mulheres me dizem: - Anacreonte,
Toma um espelho e olha-te!
Velho! Nem tens cabelos nessa fronte!...
Vês? O tempo desfolha-te.
Se eu tenho ou não a fronte encalvecida,
Não sei. Velho, porém
sei que, ao fim do destino, mais a vida
Deve gozar-se - e bem!

Tradução: Almeida Cousin

4) Tradução literal:

Sobre si mesmo
Dizem as mulheres
Anacreonte, velho és
Pega o espelho, olhas
os cabelos faltando na testa,
[o tempo] desbastou-lhes por trás.
Eu, se [tenho] cabelos, porém,
seja uma coisa ou outra,
não sei...
Mas quanto mais velho,
deve-se a vida gozar,
pois é próximo o fim.

Glossário:

λεγουσιν = Dizem.
αι = se.
γυναιχες = mulheres.

Αναχρεων = Anacreon.
γερον = velho.
ει = és.
Δαβω = segura.
εσοπρον = espelho.
αθρει = olhas.
Κομας = cabeleira.
μεν = de fato.
ουχ = sem.
ετ = ainda.
ουσας = vento, tempo
Ψιλον = desbasta-lhe
δé = e
σευ = chacoalha
μετωπον = por trás.
Εγω = Eu.
δε = e
τας = arranjar, ter (?)
χομας = cabelos.
μεν = pois.
Ειτ - Eit - Seja isso, seja aquilo.
εισιν - acontecer.
Ουχ - Não.
οιδα = sei.
τουτο = tudo ?
δ' οιδα = e saber.
Ως - que, quanto.
τω = artigo masculino.
γεροντι = velho.
μαλλον = mais.
Πρεπει = tornarse
το = artigo definido.
τερπνα = prazeiroso.
παιζειν = o viver.
Οσω = a medida em que.
πελας = mais próxima.
τα = artigo definido.
Μοιρεης = a morte, destino.

18 de dezembro de 2010

Poema em grego antigo

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Vê só que legal que o blogueiro traz pra vocês. Um poeminha adorável em grego clássico antigo, o original, a tradução e uma descrição fonética para vocês curtirem a deliciosa melodia do famoso "koiné", a língua internacional que vigiu no mundo por séculos e séculos, e que europeus aprendiam na escola pública até a década de 30 ou 40.



A terra preta bebe [a chuva],
As árvores a bebem [absorvem a água da chuva],
O mar bebe os rios,
O sol bebe o mar.
A lua bebe o sol.
Porque vocês ralham comigo, meus camaradas,
quando eu também quero beber?

Confira aqui como se pronuncia as palavras:

Hé gué melaina pinei,
Pinei de dendre auten,
Pinei Talassa crunus,
Hó d'élios talassan,
Ton d'élion selene.
Pi moi makest' hetairoi,
Kautoô telonti pinein?

Vocabulário:
Hé - A
gué - Terra
melaina - negra
pinei - bebe
de - e
dendre - árvore
auten - a [água da chuva]
talassa - mar
crunus - rio
ó - o
d' - e
élios - sol
talassan - rio [como objeto direto]
ton - o
élion - sol [como objeito direto]
selene - lua
ti - então
moi - me, comigo
makest - ralham
hetairoi - amigos
kautoô - também + eu mesmo
telonti - quero
pinei - beber

; = ?

30 de novembro de 2010

girassóis

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Às vezes eu não tenho vontade de escrever nada. A cabeça, um emaranhado confuso, infértil, de ideias. Um poema bem vagabundo e sofrido ajuda a passar o tempo.


por trás
de suas virtudes,
você imagina as asas
cortadas,
e renascidas
e cortadas novamente,
todo aquele sangue
disperdiçado

como se observasse
a vida,
do alto, sozinho
como um cão

ou peixe frito
numa bela praia de niterói

não vale nada, essa dor
não vale nada

a lâmina que cortou-lhe as asas
ela sim,
tem um valor incomernsurável,

mas você não tem nada ver com isso

digo, você, que perdeu as asas
você não recebe nada por elas

o mundo não te paga

você se corta
e não é pago

ao contrário

é você que paga
pela própria dor


os azuis inflamam-se
antes do fim
antes da chuva
antes da bomba

azuis e impávidos
gélidos
esquálidos?

telecinéticos qual
sorrisos estapafúrdios?

tristes e moles
acenderam-se de lava
música, escorregando-me pelo beiço

das nuvens - atropelamentos e fugas,
diamantes,
mulheres,

voluptuosas

e o grito mudo do louco
diante do espelho


Miguel do Rosário

1 de dezembro de 2008

Sideral: bizarrice e poesia na TV Gonzum

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E agora uma novidade. Apresento-lhes Sideral, um velho amigo, desses dos quais temos que nos precaver, por motivos que vocês entenderão, e que são cativantes e corajosos à sua maneira. Sideral, um cara bizarro, um cara original, um desses "loucos que nunca bocejam", do qual falava Kerouac. Um sujeito que vive sua própria época e criou seu próprio seu estilo, a sua própria estranha e singular sanidade. Neste vídeo, Sideral improvisa o texto na hora.

24 de novembro de 2008

Nota de falecimento: Leonardo Martinelli, 37 anos

6 comentarios



Acho que qualquer texto ou discurso sobre a morte é um clichê. Pouparei-vos, portanto, disto. Anuncio aqui o falecimento de um grande amigo, Leonardo Martinelli, aos 37 anos, neste fim de semana. A causa da morte ainda não foi esclarecida, mas ao que parece foi consequência de sua vida desregrada & excessos. Leo era um grande poeta e um ser humano fascinante. Abaixo alguns links de artigos, poemas, dele e sobre ele.

1) http://www.jornaldepoesia.jor.br/lmartinelli1.html
2) http://www.germinaliteratura.com.br/livros_scomum_por_lmartinelli.htm
3) http://revistamododeusar.blogspot.com/2008/11/leonardo-martinelli-1971-2008.html
4) http://www.portalliteral.com.br/artigos/lu-menezes-indica-leonardo-martinelli
5) http://incomunidade.blogspot.com/2007/05/leonardo-martinelli.html
6) http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/livros/0034.html
7) http://www.cosacnaify.com.br/noticias/verdadedapoesia.asp

Por fim, o blog do Leo era este:
http://maformacao.blogspot.com/

Outras informações sobre Leo:
Nasceu, estudou e morreu no Rio de Janeiro.
Formou-se em Letras/Literatura na UERJ.
Publicou um livro de poemas intitulado Dedo no Ventilador.

28 de outubro de 2008

Entrevista com Glauco Matoso

1 comentário

Uma entrevista que eu fiz há uns anos para o jornal Arte & Política. Vale a pena ler de novo.

12 de setembro de 2008

Converzacioni

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Passei quatro meses na Itália no ano passado, em Florença. Minha mulher arrumou um emprego num restaurante e eu não fazia nada. Quer dizer, eu tinha meu trabalho burocrático, que me consumia algumas horas diárias de internet. O resto do tempo eu matava passeando pela cidade, e logo descobri várias bibliotecas. Resolvi usar meu tempo livre para ler a Divina Comédia, do Dante Alighieri, no original. Lia os jornais, La Reppublica e Corriere de la Sera, constatando, um pouco divertido, que a Itália conseguia ter ainda mais crises politicas que o Brasil. Na época do Romano Prodi, que havia conseguido vencer o indefectível Silvio Berlusconi, as crises eram diárias, sempre dramáticas, sempre ameaçando derrubar o governo. O sorriso triunfante de Berlusconi era presença obrigatória nas páginas políticas. Pouco tempo depois que eu saí de lá, o governo de Prodi caiu, e Berlusconi reassumiu o poder.

Eu lia Dante numa das bibliotecas comunales próximas à Piazza della Reppublica. Li todo o Inferno e comprei uma edição usada que trouxe para o Brasil, para ler a obra na íntegra, um dia desses.

Outro lugar que eu costumava ir era a Biblioteca Isolotto. Comprei uma bicicleta e pedalava até lá, passando por um belo parque às margens do rio Arno, atrás do hipódromo La Cascine. Fazia quase sempre sol e era um passeio muito agradável. Também costumava correr por lá e quando voltei ao Brasil, havia perdido uns cinco quilos e aprendido a fazer todo tipo de macarrão, que era o alimento mais acessível para um brasileiro ganhando em reais e gastando em euros. Descobri outros autores também. Li vários livros do Alberto Moravia e gostava de consultar autores latinos, sobretudo o elegante Sêneca, tentando me transplantar para os tempos do império.

Por fim, descobri Giacomo Leopardi, considerado o maior poeta italiano moderno. É uma poesia diferente, despretensiosa, culta, simples e enigmática. Sua grandiosidade é deliberadamente modesta, como um Beethoven tocado por uma flauta doce. O poema transcrito abaixo, e traduzido adiante, é um dos mais famosos, e um dos mais fáceis de serem assimilados em seu singelo mistério.

É um poema que me lembra muito a canção É doce morrer no mar, de Dorival Caymmi, até porque o poema encerra justamente quase repetindo o verso de nosso saudoso baiano.

*

Como chegamos na Itália? Um dia explico. Adianto apenas que não pagamos passagem. E nosso tempo estorou, ficamos ilegais, e não podíamos voltar antes de juntar dinheiro suficiente. Maior aventura. Não a repetiria hoje, porque a Itália endureceu severamente as leis contra imigrantes (que não era nosso caso, enfim, mas vá explicar isso para um carabinieri). Na verdade, na Itália, o turista pode ficar apenas 8 dias! Para ficar mais tempo, deve registrar-se na polícia. O tempo máximo de permanência é de 3 meses, válido para toda Europa. Quer dizer, se você ficar 2 meses na França, só pode ficar 1 mês na Itália.

A gente pensou, inicialmente, que os três meses valiam para cada país da Europa. Ou seja, podíamos ficar 3 meses na França, 3 meses na Itália, 3 meses na Alemanha, assim por diante, e quando, em Florença, visitamos o cônsul honorário para pedir maiores explicações, ele apenas nos olhou espantado e disse: agora é rezar para a polícia não pegar vocês!

A colônia brasileira em Florença é enorme. São os imigrantes mais tranquilos e trabalhadores. Há muita gente do sul do país por lá, trabalhando sobretudo nas feiras de rua. Ganha-se mais de mil euros por mês em qualquer trabalho que se faça. Apesar das coisas serem caras, há sempre opções bastante econômicas. A massa, o molho de tomate e o queijo, por exemplo, são mais baratos que no Brasil. A cerveja, bastante cara se comprada na rua, é barata no supermercado. Depois que a Priscila começou a trabalhar no restaurante e nossa situação financeira ficou um pouco mais folgada, eu comprava cerveja de vez em quando, geralmente a marca Moretti, ou então a Heineken, que era apenas 50 cents mais cara, mas era minha preferida. Aliás, de forma geral, a Heineken é minha cerveja preferida.

O imigrante brasileiro, como quase todo imigrante, é extremamente ligado às suas raízes e vive morrendo de saudades da terrinha. A grande maioria são pessoas simples, classe média baixa, que optam por viver na Itália pelas facilidades da língua (é muito mais fácil que o francês, o alemão e mesmo o inglês), de família (muita gente tem cidadania italiana, por possuir descendentes no país) e pela oportunidade de ganhar dinheiro com serviços que não dariam quase nada no Brasil. Por exemplo, passamos em dia em Roma, para resolver um negócio no consulado brasileiro, e conhecemos um rapaz que vendia coxinhas de galinha diariamente no local. Seu público-alvo era justamente os muitos brasileiros que procuram o consulado. Ele vendia muito e ganhava bastante dinheiro. Que jovem, no Brasil, pode ganhar a vida decentemente apenas vendendo coxinha de galinha? Não estou dizendo que o Brasil é pior que a Itália, mas simplesmente que na Itália é mais fácil ganhar dinheiro. Quer dizer, era. A coisa tá ficando feia por lá. Testemunhei centenas de perseguições a imigrantes africanos, o alvo principal das autoridades italianas. Os africanos são os que mais sofrem, porque poucos dão emprego a eles, que vão trabalhar então no comércio ambulante ilegal. Vendem produtos pirata de todos os tipos. Muito comuns são as bolsas imitação de marcas européias famosas, como Louis Vitton, Victor Hugo, etc. Essas bolsas, mesmo piratas, são caras e os africanos estão sempre correndo daqui para lá com elas, fugindo da polícia.

*

Sempre caro mi fu quest'ermo colle,
e questa siepe, che da tanta parte
dell'ultimo orizzonte il guardo esclude.
Ma sedendo e mirando, interminati
spazi di là da quela, e sovrumani
silenzi, e profondissima quiete
io nel pienser mi fingo; ove per poco
il cor non si spaura. E come il vento
odo stormir tra queste plante, io quello
infinito silenzio a questa voce
vo comparando: e mi sovvien l'eterno
e le morte stagioni, e la presente
e viva, e il suon di lei. Cosí tra questa
immensità s'annega il pienser mio:
e il naufragar m'é dolce in questo mare.

Giacomo Leopardi

*

Sempre me foi caro esse monte solitário
e estas árvores, que de vários pontos
escondem o horizonte.
Sentado e contemplando os intermináveis
espaços desde lá até as árvores, e os sobrehumanos
silêncios, e sua profunda calma,
eu mergulho em fantasia; e por pouco
o coração não pára. E ouvindo o vento
bramir entre as plantas, eu
comparo o infinito silêncio a esta voz (do vento)
e me sobrevêm o eterno
e as mortas estações e a presente
e viva, e o som delas. Assim, em meio a esta
imensidade se afunda meu pensamento:
e naufragar é doce neste mar.

(Tradução: Miguel do Rosário)

5 de setembro de 2008

Um soneto & fotos da Lapa

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As quatro primeiros fotos são da festa de abertura do Barracão Maravilha, um ateliê galeria na Gomes Freire, Lapa, mais um desses que estão fazendo do bairro uma Soho carioca. Na terceira foto, o maluco de cabelos vermelhos é o Telha, anarco-punk gente-boa, e eu do lado. A última foto é um trabalho do Alexandre Alves, um amigo, radicado na galeria Clarabóia, na rua do Rezende, também Lapa.

*

Abaixo um soneto desgarrado.






engano de outroras
levamos embora
com outras histórias

engano de hoje
sufoca e ultraja
a nossa cerveja

sequestram a paz
remorsos amenos
lascivos venenos
nos mesmos jornais

engano amanhã
só se o tolo Tupã
morder a maçã

5 de julho de 2008

efervescência

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Esse frenesi, angustiado, eufórico, desesperado, apoteótico, duvido que exista, com tanta intensidade, em outro país, em outra cidade. Acompanhem a vibração dessa rapaziada e me digam. O legal também é a volúpia e a inteligência com que a galera está usando a rede para divulgar sua arte, sua força, suas idéias. É uma galera que não faz arte para aparecer, mas para extravasar, deixar rolar, desembaçar o mundo.

http://www.myspace.com/verboscurtos

23 de junho de 2008

Outros silêncios: anti-terapias

"Tomai-me a mim, tomai-me a mim. Sou apenas um entrelaçamento de loucura e dor", versos do Antigo Testamento, lidos no livro de Maurice Blanchot sobre Kafka.


Não desisti. O bloqueio continua, mas o ser permanece vivo. Em coma, talvez. Mas vivo. Por baixo da pele fria e da expressão impassível, o sangue circula. O coração bate, silenciosamente. Algo importante morreu. Está sempre morrendo. Infância, adolescência, juventude, madurez, passam boiando tristemente. Os olhos baços, melancólicos, ocultam turbulências sinistras, ódios múltiplos e o eterno, insuportável desespero. À morte sucedem mortes. Não há renascimento. A vida é o consumo da energia que se desprende da dor.


Renego justificativas e renuncio à beleza. Negocio diretamente com os deuses hipócritas do pesar. Os invejosos da felicidade alheia, que me prendem à esta rocha, a esse romantismo decadente. Espesso. Esquizo. Inofensivo ao resto do mundo e letal à pátria-mãe. Eu.


Permaneçam os loucos. Os sofredores. A eles me junto, sem orgulho ou modéstia. Os palhaços, os funcionários, os platônicos, os covardes sociais. Brindemos à morte, ao amor, nos botequins jesuíticos, nas ágoras suburbanas, nas plataformas da dissidência.