É... o mundo mudou. Os EUA cogitam estatizar seus principais bancos. A Islândia, referência mundial em qualidade de vida e democracia, já o fez. A Inglaterra também, na prática, ao comprar mais de US$ 800 bilhões em títulos de instituições financeiras, impondo uma série de exigências. Esta crise colocou em questão os dogmas mais caros do capitalismo neo-con e, portanto, pode-se afirmar que ela causou irreparáveis danos ideológicos ao capitalismo em si. Fez-me pensar, então, no valor de uma ideologia. Quanto vale uma ideologia? Um trilhão, dois trilhões, dez trilhões de dólares? Quanto será necessário para a civilização entender que a humanidade não pode ficar à mercê do cassino das bolsas? Que grandes corporações privadas não podem subsitituir o Estado e as organizações internacionais coordenadas entre Estados.
Há tempos que venho observando similitudes entre a realidade contemporânea e a época medieval. Os senhores feudais dominavam o mundo – hoje são grandes corporações. Eles tinham moeda própria – as empresas de hoje têm ações. Os senhores feudais articulavam-se contra a formação do Estado moderno, inclusive ideologicamente. O pensamento corporativo, neocon e direitista de hoje também mobiliza-se, com muito êxito, contra o Estado. Os novos ventos ideológicos que sopravam ao fim da idade média não significaram o fim do capitalismo, assim como as mudanças que se discutem atualmente também não o significarão – ao contrário, a revolução francesa representou a verdadeira fundação do capitalismo moderno, baseado em leis igualitárias que salvaguardavam não apenas a propriedade mas sobretudo o direito universal dos homens à liberdade e à dignidade. Está certo que nem tudo que está no papel corresponde à prática, mas seria desonesto negar o tremendo avanço que as constituições pós-revolucionárias trouxeram para o mundo moderno. Elas trouxeram, em primeiro lugar, a própria modernidade.
A história não se move com passinhos curtos. Analisando-a atentamente, observamos que a civilização humana, desde seus primórdios, evolui através de fatos grandiosos: guerras monstruosas; impérios erguidos quase que subitamente, e que depois desabam também de forma brusca; pestes devastadoras que dizimam milhões; e crises econômicas. Aliás, as crises econômicas, de longe, sempre foram os principais motores da história. Todas as ideologias foram concebidas e desenvolvidas a partir de reflexões, ponderadas ou desesperadas, sobre crises econômicas.
Creio que esta crise que vivemos é a que poderá ser enfrentada com mais sabedoria pela humanidade, pois as novas tecnologias permitem uma articulação entre países e entre diversos segmentos econômicos que nunca existiu antes. Mais: hoje existe uma interação informacional com as massas. A internet produziu uma grande rede, que é como um grande cérebro mundial, ainda não acostumado a pensar, ainda caótico, mas que pensa, articula, reage e influencia as decisões globais.
O Brasil, nesse contexto, é um país altamente privilegiado. A crise financeira tem levado desespero a países que, efetivamente, viviam de crédito, como os EUA. Em outras palavras, viviam de ostentação, de riquezas que não mais possuíam. Agora terão que mudar seus hábitos, simplificarem suas vidas. Andar mais de bicicleta, por exemplo. Comer menos. Talvez seja bom para a saúde. Já o Brasil... tem uma produção industrial e agrícola pujante e crescente, uma economia literalmente baseado no ferro, no aço, nos alimentos e, agora, no petróleo, ou seja, uma economia real que só tem a ganhar com o estouro das bolhas financeiras, que geram otimismo falso para economias decadentes.
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As eleições municipais em Rio e São Paulo merecem ser objeto de minunciosa reflexão. São as duas maiores cidades do país, com eleitores relativamente politizados (embora não necessariamente bem informados), cuja opinião e votos devem ser respeitados. Não adianta simplesmente menosprezar o voto paulistano, taxando-o de conservador, malufista, tucano, mal-informado. É preciso compreender em profundidade porque o paulistano é conservador e rejeita particularmente o PT.
Tenho achado as explicações aventadas pela esquerda para o sucesso tucano no estado de São Paulo (não esquecer que o partido manteve o controle da maioria dos municípios paulistas) bastante simplórias e auto-defensivas. Concordo, por exemplo, que o discurso de "vamos conquistar a classe média", levantado pelo PT paulista, em especial por Marta Suplicy, tem sido ingênuo e contra- producente. Soa, em verdade, direcionado apenas à classe média alta, uma infima embora barulhenta minoria. A classe média média e classe média baixa, esmagadora maioria, podem até votar em conjunto com seus pares mais ricos, mas suas demandas são completamente distintas.
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A dialética e o dilema de Gabeira
Sobre o Gabeira, uma reviravolta. Apóio o Gabeira. Tenho razões ideológicas, partidárias, municipais e culturais. Gabeira está ligado às grandes demandas cariocas, ecologia, drogas, a loucura. É forte. Prefeito é um agente político, existe o aspecto universal. O Rio guarda relações profundas com Gabeira. Primeiro, o aspecto ecológico. Há um elo selvagem fundamental entre o carioca e a natureza. Mesmo com toda a destruição verificada nas últimas décadas, o Rio é uma das metrópoles que mais convive com o verde, a floresta, além da baía, os rios, as belíssimas montanhas cobertas de mata atlântica que rodeiam e atravessam o município. Cidade de índios guerreiros, quilombos, abolicionistas, republicanos radicais, o Rio tem vocação para metrópole cosmopolita artística vanguarda cultural política. Por isso também é elitista. No sentido cultural e espontâneo de elite, que é desvinculado diretamente (embora indiretamente, claro, está ligado à questão de classe) do financeiro. Tanto que Gabeira ganhou não só na Zona Sul, mas também Zona Norte, ou seja, mostra que Gabeira invadiu o lado mais intelectual do subúrbio, que é Vila Isabel, Tijuca, Andaraí, Méier, Madureira, etc. A Zona Norte é imensa. Se Gabeira ganhou na Zona Norte, ele rompeu com o estigma de ser elitista.
Oscar Niemayer apóia Gabeira. O governador da Bahia, Jaques Wagner, do PT, torce pelo Gabeira. A juventude carioca torce pelo Gabeira. A mesma lógica que leva PT e PcdoB a não apoiarem Gabeira é a que os leva a terem representação insignificante no estado. Não compreendem (e diga-se de passagem, se fossem legítimos comunistas, compreenderiam) a dialética local do Rio de Janeiro. Gabeira é um símbolo, e símbolos são essenciais na política, especialmente na política brasileira, que é personalista. E daí que Gabeira aliou-se aos tucanos? O PV é um partido não-ideológico. Isso que é importante entender, tanto que o partido compõe a base governista, a nível nacional, com Gilberto Gil, por exemplo, ministro da Cultura até poucas semanas atrás, e ao mesmo tempo alia-se a partidos de oposição em diversos estados.
De qualquer forma, é preciso entender que o candidato é Fernando Gabeira, defensor da liberação das drogas, gays, aborto, e não somente um aliado dos tucanos. No frigir do bife, Gabeira tem muito mais história, tem muito mais a doar, e a perder, do que Eduardo Paes, almofadinha recém-convertido, oportunisticamente, ao lulismo. Vocês sabem que apóio o Lula, mas hoje em dia qualquer safado se pendura, despudoradamente, no cangote de Lula, sem ter o mínimo de bagagem ideológica, política ou moral, e Paes é um deles; melhor, é o rei deles, é o maior de todos os caras-de-pau que se penduram no prestígio do presidente para ganhar votos e apoio político. Por isso voto no Gabeira. Lula – nem o Brasil, e muito menos o Rio - não precisa de mais um puxa-saco corrupto. Não deve criar mais uma cobra para lhe morder depois – já chega o Roberto Jefferson. Isso que Eduardo Paes é: X9, desleal, corrupto. É bobagem jogar Gabeira no colo da direita. A esquerda deve atrair o Gabeira para si; afinal, ele, obviamente, se identifica com as bandeiras da esquerda, no que toca às drogas, aborto, gays. Seu lado privatista, mercadológico, deslumbrado com o capitalismo, é uma ideologia, coitado, que acaba de ser desmoralizada pela crise financeira mundial, que está obrigando governos (leia-se Estadeo) do mundo inteiro a ampliarem o seu espaço e soberania e poder sobre as economias privadas locais. Gabeira, naturalmente, observará isso. O mundo, o Rio de Janeiro, precisa hoje de bicicletas, preservação da natureza (limpar a baía de guanabara, etc) e cultural. Gabeira pode estar do nosso lado, desde que estejamos do lado dele. É idiotice a esquerda carioca isolar o Gabeira. É isolar-se de si mesma. A esquerda carioca tem que, humildemente, compreender a opinião de seu eleitor, que está votando no Gabeira, sob o risco de desrespeitá-lo e perdê-lo. O apoio oficial e partidário da esquerda à Eduardo Paes e, do outro lado, os votos maciços que ele terá na esquerda, com possível vitória, ou derrota em margem apertada, podem representar um prejuízo político enorme à esquerda fluminense, tendo como causa os mesmos erros que levaram-na à estagnação e decadência dos últimos anos. A esquerda fluminense tem muitos defeitos: é sectária, ingênua, elitista, mal-informada, comercial, fragmentada, radical, intolerante, retrógrada, ignorante, anacrônica. Em todos os outros estados, a esquerda reformou-se. No Rio, não. Ao contrário, os radicalóides todos vieram pra cá, tentar a sorte. Aqui é sede do PSTU, PSOL e onde os brizolistas resistem heroicamente à derrocada do socialismo internacional. Todos votarão em Gabeira. Sua posição crítica ao Lula, e a dignidade com que lida com isso agora, sem a hipocrisia (como fez Alckmin, Kassab, Paes, e tantos outros candidatos) de se pendurar nas costas do Lula., procurando, ele Gabeira, notabilizar-se por suas próprias idéias, por sua trajetória particular, também ganham pontos junto a esquerda, direita, traseira e diagonal norte de todos os cariocas.
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Entrei no prédio e o porteiro estendeu-me um envelope. Era uma cortesia da editora Abril, uma revista Veja, acompanhada de carta informando-me que eu (na verdade, minha esposa) fora especialmente escolhido para receber, gratuitamente, seis edições da renomada publicação. Imaginem minha alegria. Não, sério. Imaginem minha expressão facial, dentro do elevador, segurando nas mãos, um exemplar da revista Veja. A primeira coisa que pensei, naturalmente, foi: safados! É assim que eles mantém os números de tiragem no IVC (Instituto Verificador de Circulação). Eles mandam de graça. Assim mantém o número místico de 1 milhão. Agora... falando sério, analisando friamente. A Veja é uma merda. Claro que sou suspeito, mas a qualidade jornalística da Veja caiu abaixo de qualquer padrão imaginável. A coluna do Diogo Marnardi, que tristeza, que previsível. Sabe o que ele fala? Mal do Brasil, que novidade. Aliás, pensando bem, é prova de lealdade à seu jeito traíra de ser. Lealdade à traição. Democracia é isso, respeita seus traidores. Mas despreza-os. Sempre soube disso: a melhor forma de reagir ao desprezível, é desprezá-lo. Sejamos mais altivos e confiantes. Desprezemos os desprezíveis, e só. Se fulaninho despreza o Brasil, então que seja desprezado pelo Brasil. Sejamos independentes. O lema de Oiticica, Seja Marginal, Seja Herói, deve ser atualizado para Seja Independente, Seja Feliz. Herói o caralho. Temos que ser independentes, felizes se possível, ricos se possível. Somente assim a arte, o jornalismo, a filosofia, o futebol, a ciência, irão adiante, evoluirão, no Brasil. E viva Antônio Conselheiro, Luiz Gonzaga, Lampião, Zumbi, Bezerra da Silva, Raul Seixas, Chacrinha, Sganzerla, Glauber, Dylan Thomas, Dylan, Rimbaud, Cezanne, Van Gogh, El Greco, Josué de Castro e Cartola.
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Propostas revolucionárias: acabar com os impostos sobre pessoa física e jurídica (incluindo imposto de renda), criando apenas 2 impostos: um sobre o consumo e outro sobre a movimentação financeira. Depois explano mais essa idéia. Outra: extingir as câmaras de vereadores e o Senado, medidas que implicariam na economia de bilhões de reais ao Estado brasileiro, sem trazer nenhum dano, ao contrário, à democracia brasileira. Vereador e senador não servem, com perdão da palavra, para porra nenhuma.