29 de outubro de 2007

Parabéns Argentina

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Tenho lido, nos últimos meses, muitas matérias negativas sobre o governo Kirchner. Entretanto, quem tem um mínimo de informação e lê criticamente os dados que chegam até aqui sobre a economia argentina, sabe que Nestor Kirchner operou um verdadeiro milagre. Ele, literalmente, salvou a pátria. A Argentina vem crescendo a taxas quase chinesas, de mais de 8% ao ano, com ênfase no aumento do poder aquisitivo da classe trabalhadora. Tem um problema grave de inflação, certo, mas é um problema oriundo de um crescimento muito acelerado.

Divulgaram ainda que a campanha foi apática e os argentinos estão desmotivados com a classe política. A Globo e outros órgãos afirmaram isso. Desconfio dessa apatia. Nem sempre sair gritando pelas ruas é sinal de saúde política. O fato do país estar pacificado, e as pessoas tranquilas, sem manifestar-se nas ruas, pode ser também um sinal de confiança. Uma coisa é óbvia e a própria eleição deste domingo confirmou. A população está muito confiante na continuidade do governo Kirchner, através da eleição de Cristina, esposa do atual presidente. Esta confiança na vitória traduziu-se em serenidade, confundida com apatia. A partir do momento em que as pessoas estão absolutamente seguras de quem será o vencedor numa eleição, é natural que o ambiente fique distendido e que estas pessoas voltem sua preocupação para outros assuntos. Faltou esse entendimento. O Globo, de forma geral, tem feito uma cobertura muito negativa dos governos latino-americanos, de forma geral. A nossa mídia não engole a amizade firme entre Kirchner e Chávez, nem a popularidade gozada por Chávez na Argentina.

Chávez comprou títulos públicos argentinos para ajudar o país a sair de uma crise financeira. Essa ajuda foi lida com muito sarcasmo por nossos analistas, que nunca haviam assistido antes um país latino-americano prestar uma assistência corajosa a outro país. Entendam bem. Chávez comprou títulos, não doou dinheiro e, eventualmente, o governo venezuelano pode lucrar com isso, casos os mesmos se valorizem. Se o Brasil tivesse ajudado a Argentina, lá atrás, em tempos do reinado fernandista, talvez a Argentina não tivesse quebrado tão feio e nossos hermanos poderiam estar numa melhor situação hoje.

A imprensa tucanizada odeia a Argentina, isso é notório. E burro, já que a Argentina recuperada tem sido uma das maioras compradoras de produtos brasileiros, superando os Estados Unidos e a China em diversos setores.

A vitória de Cristina, portanto, é outra vitória dos povos latino-americanos contra mídias direitistas e burras e retrógradas e anti-populares que ainda infestam o continente. Viva Cristina. Viva a Argentina.

PS: Tem mais. O Globo hoje vem falando em Argentina dividida. Fala que Cristina ganhou com votos do interior e de pobres. Hum? Dividida? Cristina ganhou no primeiro turno com a maior diferença de votos jamais vista em eleições no país. Que divisão é essa? O Globo tenta desqualificar de várias formas a legitimidade e a incrível força política de Cristina e o que ela representa para toda América Latina. A vitória de Cristina também foi uma vitória sobre o jornal conservador La Nación. E novamente vem com essa história de votos de pobres. Ora, Cristina obteve vitória esmagadora. Se os pobres são maioria num país, então é seu direito democrático exercer o poder que emana de seu número. Um ser humano não vale mais do que outro só por causa de sua conta bancária. E tem muito pobre mais inteligente e mais honesto que muito rico.

O Globo ainda tem a cara de pau de dar a "receita de bolo" para resolver alguns problemas da Argentina: juros altos, recessão e arrocho. Ou seja, a mesma receita fracassada dos governos neoliberais anteriores. Há setores poderosos da imprensa que se tornaram refúgio das viúvas histéricas do neoliberalismo cucaracho. Um neoliberalismo anti-nacionalista e estúpido, que só levou ao endividamento, à miséria e ao colapso financeiro dos países que o adotaram. Como diria o Bussunda, fala sério!


*

Eu sabia que o Marco Aurélio Mello, aquele soltador de bandido de colarinho branco, fazia oposição explícita ao governo Lula, mas faltavam-me elementos. O PHA traz hoje excelente entrevista com um pesquisador, que fala sobre o assunto. Naturalmente, você não lerá isso publicado nos órgãos da PIG (Partido da Imprensa Golpista, para quem não sabe, o partido de oposição mais forte no país), que só entrevista ou dá preferência a pesquisadores e acadêmicos alinhados com seus interesses.

25 de outubro de 2007

Livros recebidos

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Hoje recebi, pelo correio, Ainda Orangotangos, do Paulo Scott. Valeu Paulo!

Aproveito para registrar o recebimento de outros livros, que não tenho acusado por pura displicência. Recebi um livro de poemas do Romerio Romulo, um leitor de Ouro Preto e os Sonetos Políticos do lendário Glauco Matoso.




Selecionado para o top 10 do BOBs2007

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Fiquei entre os 10 finalistas do Bobs, um importante prêmio internacional de blogs. Agora, estamos na fase de votação popular. Se tiver um tempo, passe lá e dê o seu voto. Eis os passos:



2 - Encontre a secção "melhor weblog em português"

3 - Coloque um bolinha do lado esquerdo do meu blog

4 - Desça com o mouse

5 - No quadro final coloque o seu nome, email e o código da imagem

6 - Clique X na opção "eu li as condições de participação"

7 - Envie o voto. Agradeço também se deixar um comentário lá.


Agradeço a todos pela participação.

24 de outubro de 2007

Ruas alagadas no Rio

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A chuva de hoje deixou o centro do Rio completamente alagado. A rua do Rezende onde eu moro parecia um afluente do Amazonas.

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Dica de hotel barato em São Paulo. Hotel Jardim América, rua Teodoro Sampaio 1075, Pinheiros, praça Benedito Calixto. Tel: 11 3085 7588. Preço: R$ 45. É um hotel/motel, com luz vermelha e painel ao lado da cama para ligar/desligar luzes e tv, canal de sexo, serviço 24 horas. Qual o problema?

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Dias de mudança de apartamento. Tenho que escrever 3 contos em 1 semana para uma revista. Sem tempo, portanto, para o blog. Depois eu volto com força total.

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Fiquem com Sonny Boy Williamson e Muddy Waters.

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Pesquei no blog do Chacal. Vídeo do Roberto Piva recitando poemas. Ele é um dos meus mestres:

http://br.youtube.com/watch?v=FAS4PciP35k

19 de outubro de 2007

Sampa lá vou eu

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E a Pri descolou umas passagens para São Paulo. Estarei por lá neste final de semana, curtindo uma birinight.

*

Escrevi, por esses dias, um conto engraçado. Quem estiver a fim de ler, clica aqui.

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Pérola catada no blog do Ale Porto. Adoniran Barbosa e Elis cantando samba num bar do Bexiga. http://www.youtube.com/watch?v=bzX6UGU5iwc

18 de outubro de 2007

rua do rezende

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(basquiat)




coleção barata
de infortúnios e
flores dissipadas

necessariamente um senhor
pagando a conta
enquanto o escravo dança

necessariamente desterrado, a lua
sem plumas, ossos
do poeta sóbrio, roendo
um discurso incoerente, sem
beijos, fluido como um sorriso
falso, belo como um sonho
morto, necessariamente
feliz como um cachorro
bem alimentado

mas não é livre
enquanto espera
a cerveja fazer efeito
a maconha fazer efeito
o amor fazer efeito
enfim solto, como um
caralho sem plumas, ereto
e de braços abertos - cristo
redentor sem manto,
sem camisinha, saltando
no abismo azul
desta solidão desmesurada
e reacionária

necessariamente infeliz
ou entediado - peru louco
ruim como groselha
cocaína malhada
- sem graça, sem olhar nos
olhos de ninguém, triste e orgulhoso
de existir apenas para si mesmo,
uma imagem fugidia, conservada
em desespero e vodka

necessariamente eufórico
perante a música que
emana do fundo negro e
desolado da história
do fundo de suas pupilas venéreas
e omissas.

desconcertante
como utopias mortas,
pombas esmagadas na
rua do rezende e
mulheres que passam
rebolando, tremulando
os seios - prelúdio
de um verão sujo
de traições e
carros enguiçados
algo assim: um táxi
grátis para
o inferno das ressacas,
contas não pagas
- sorrisos devastados
úmidos de tanta angústia
tanta que é melhor
esquecer e pedir
mais uma






16 de outubro de 2007

Da série estudos de literatura

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(William Turner)


Um pouco de poesia inglesa para a gente estudar poesia e inglês ao mesmo tempo. Este é considerado um dos mais belos poemas do século XIX. Confira as palavras neste dicionário aqui.


Dover Beach

The sea is calm to-night,
The tide is full, the moon lies fair
Upon the straits; -- on the French coast the light
Gleams and is gone; the cliffs of England stand,
Glimmering and vast, out in the tranquil bay.
Come to the window, sweet is the night-air!
Only, from the long line of spray
Where the sea meets the moon-blanch'd land,
Listen! you hear the grating roar
Of pebbles which the waves draw back, and fling,
At their return, up the high strand,
Begin, and cease, and then again begin,
With tremulous cadence slow, and bring
The eternal note of sadness in.

Sophocles long ago
Heard it on the Aegean, and it brought
Into his mind the turbid ebb and flow
Of human misery; we
Find also in the sound a thought,
Hearing it by this distant northern sea.
The sea of faith
Was once, too, at the full, and round earth's shore
Lay like the folds of a bright girdle furl'd.
But now I only hear
Its melancholy, long, withdrawing roar,
Retreating, to the breath
Of the night-wind, down the vast edges drear
And naked shingles of the world.

Ah, love, let us be true
To one another! for the world which seems
To lie before us like a land of dreams,
So various, so beautiful, so new,
Hath really neither joy, nor love, nor light,
Nor certitude, nor peace, nor help for pain;
And we are here as on a darkling plain
Swept with confused alarms of struggle and flight,
Where ignorant armies clash by night.

-- Matthew Arnold

12 de outubro de 2007

Fim da novela?

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A imprensa respirou aliviada. Renan Calheiros, o ciclope aético, o minotauro da corrupção, pediu licença. Já era tempo, pois alguns parlamentares, entre eles Chico Alencar (Psol), vinham organizando uma campanha Fora Renan. Agora é assim. Esqueçam eleições, esqueçam processos legais, esqueçam provas. Ganha-se no grito. Com ajuda da mídia, é claro. Os bonzinhos, os éticos, os justos da vida pública nacional falam mal do Renan. E aparecem nas páginas dos jornais. Chico Alencar sabe disso e, nos últimos dias, só aparece na mídia para falar mal do Renan. Até na Parada Gay, diz o jornal, ele irá participar com manifestação contra o Renan! Mesmo depois do olho do Ciclope ter sido furado. O show tem que continuar. A imprensa cerca qualquer um que queira ajudar Renan. Uma pesquisa recente disse que 70% dos senadores têm processos no Supremo Tribunal Federal, mas a imprensa escolhe quem receberá os holofotes. O irônico é que a imprensa e o judiciário, as duas instâncias republicanas que não possuem processos democráticos em sua hierarquia interna, parecem se dar um abraço corporativo, auto-elogiando-se continuamente.

Eu queria fazer uma denúncia grave. A seção de cartas dos jornais tornou-se um apêndice editorial. Com o aumento exponencial do envio de cartas aos jornais, devido à facilidade proporcionada pelo email, o processo de seleção de cartas vem sendo manipulado. O jornal tende a publicar as cartas que corroboram a sua própria opinião. Claro que nem sempre isso acontece. De qualquer forma, os jornais deveriam adotar regras de transparência, para que suas páginas interativas refletissem de maneira mais justa o pensamento da sociedade. O resultado final pode até ser pior do que é, mas será mais transparente, mais honesto, incentivando as partes incomodadas a também se manifestarem. Haveria mais confiança da sociedade sobre o valor desses espaços.

Interessante observar a influência da mídia sobre os jovens de 13 a 16 anos da classe média das grandes cidades, estudantes da rede particular, que vem organizando algumas passeatas contra o Renan e pela ética na política. Lembro do famoso ensinamento dos editores do New York Times a seus jornalistas, de escreverem textos visando sempre a compreensão de um adolescente de 13 anos.

Eu penso o seguinte. Se a imprensa americana, na época da guerra no Iraque, conseguiu manipular uma sociedade altamente desenvolvida sobre as motivações para a invasão, o que não conseguirá no Brasil, com seus argumentos éticos? Em 1964, a imprensa brasileira conseguiu levar 100 mil pessoas, em São Paulo, a protestar contra o governo Jango e defender um golpe militar. Porque não conseguiria o mesmo com alguns estudantes de escola particular, irritados com as políticas de cotas nas universidades, que separam vagas para estudantes das escolas públicas? É natural que a sociedade tenha seus conflitos internos. Mas aí temos um conflito de classes disfarçado de luta pela ética. Por que esses estudantes não foram às ruas quando o governo FHC nomeou Renan para Ministro da Justiça? Há tempos que a mídia percebeu que pode fomentar manifestações públicas contra seus desafetos. E não hesita em deslegitimar manifestações contrárias a seus interesses.

Recentemente, FHC deu entrevista a um programa de entrevistas inglês. O jovem repórter, diante das goiabadas éticas do ex-presidente - que havia falado em malaise de setores da classe média, olha só o nível de charlatanismo lacerdista - perguntou porque o procurador-geral de seu governo havia engavetado todos os 600 processos de suspeita de corrupção que havia recebido.

FHC guaguejou e respondeu que a imprensa - sim, ela mesma, a velhinha virgem da sociedade tupi - também não havia encontrado muita coisa. AHAHa! FHC não respondeu. Auto-denunciou-se e a seus amigos, a imprensa. O fato é que somente agora alguns colunistas encontraram sua divina vocação de paladinos da ética no Brasil. Certo que houve o caso dos Anões, o Jader, o Collor, mas desde a chegada do rei Fernando, impôs-se a mordaça. O Jader era adversário de ACM e a imprensa e o governo haviam se se alinhado caninamente a este último.

O Partido da Imprensa Golpista (PIG - roylaties para o PHA) tem candidatos e adversários. Tem poder eleitoral. Alguns candidatos dependem, particularmente, da imprensa para conseguir votos. Outros precisam menos, mas todos dependem, ao menos em parte, de ficar bem na foto.

O licenciamento de Renan é uma vitória do partido da imprensa. A tal pressão insuportável da opinião pública nada mais é que a pressão midiática. O caso Renan foi um teste de forças, um exercício de poder. A sua permanência na presidência do Senado era uma afronta ao poder da imprensa. Tirá-lo dali passou a ser uma questão de honra. Esperemos para ver qual será a próxima vítima.

O interessante neste caso foi que, pela primeira vez em anos, políticos de diversas tendências ideológicas tiveram consciência da arbitrariedade com que a imprensa escolhe seus alvos. A imprensa saiu um tanto desmoralizada das eleições presidenciais, não somente por causa da eleição de Lula, mas também pelo desempenho vigoroso dos partidos progressistas. O PT foi o partido com maior número de votos em 2006, e foi o PFL, cujo presidente, Borháááusssenn, havia predicado um ostracismo de 20 anos para a esquerda, foi o PFL que minguou. Tanto que o Borháááusssen se afastou, envergonhado, da política partidária e o PFL mudou de nome.

Alguns políticos do centro e da direita, como o próprio Renan, viram-se compelidos a aliar-se ao governo Lula, pressionados por seus eleitorados. Neste momento, a máquina midiática se volta contra eles. Sem o apoio da esquerda, por razões ideológicas, e sem o apoio da mídia, Renan Calheiros ficou isolado. Mas Renan surpreendeu. Ele não é um político de centro qualquer. Um de seus irmãos é comunista. Tem amigos poderosos, tanto na esquerda quanto na direita, por razões afetivas, mais que ideológicas. Uma parte importante da elite política nordestina, incluindo caciques do PSDB, tem antiga relação de amizade com Renan. Interessante observar como esses laços afetivos também influenciam a vida política nacional. E não estou convencido de que isso é totalmente negativo. Tem um lado ruim, que é proteger maus amigos, mas tem um lado bom, que é defender amigos acima dos interesses políticos partidários.

Parte importante da classe política (a maioria no senado e no congresso, como se viu), além disso, enxergou no linchamento midiático de Renan um precedente perigoso para a vida pública brasileira. Afinal, todos estariam vulneráveis aos humores de meia-dúzia de nababos da comunicação e seus cães de aluguel.

Entretanto, o fato de que a imprensa precisou de cinco meses de linchamento para fazer Renan se licenciar e de que, após tanto tempo, o máximo que conseguiu foi fomentar passeatas de garotos de 13 anos que estudam em escolas particulares de bairros nobres de BH e Rio, isso mostra que o poder midiático está em declínio. E justamente por estar em declínio, é tão perigoso, tão agressivo, tão sem escrúpulos.

Num daqueles boxs de opinião que se multiplicam como fungo ideológico por suas páginas, o Globo responde ao deputado José Genoíno, que acusou, da tribuna do Congresso, a imprensa de criminalizar o PT. No box, em editorial não assinado (o que acho sempre covardia), o Globo lembra que uma das chapas do PT inclui petistas "mensaleiros". Então é isso. O jornal não tem obrigação com nenhum tipo de coerência. O que seria o mensalão? O governo pagar mesadas (mensalão vem de mensal, portanto, de pagamentos mensais, ou ao menos periódicos) para que parlamentares votassem medidas favoráveis a ele. Ora, o governo petista precisaria pagar mesada a deputados petistas? Não tem lógica. Segundo, não foram pagamentos periódicos. Os parlamentares teriam recebido apenas um depósito, em dinheiro supostamente de caixa 2. O deputado Luizinho recebeu 15 ou 20 mil reais. Isso é mensalão? Ora, vão para a puta-que-os-pariu!

Enquanto isso, o caixa 2 tucano, que conta com muito mais provas de uso de recursos púlicos, que tem documentos, que foi confessado pelo ex-presidente do PSDB, Eduardo Azeredo, que envolve valores muito maiores, que envolve mais deputados, este continua sendo abafado pela mídia. Existem documentos provando caixa 2 em 1998 e em 2002, sendo que, em 2002, os valores são gigantescos. Por que a imprensa não faz gráficos e não publica fotos? Por que não escreve editoriais contra a hipocrisia de parlamentares exigindo a ética que não possuem?

A novela não terminou. Um de seus personagem saiu de cena. Outros assumirão o papel. Mas o que eu gostaria de ver mesmo é que um dos autores desta novela, a imprensa, também se transformasse em personagem. Muita gente boa ou ingênua veria que não é um personagem tão bonzinho como ele (esse narrador-personagem) se auto-retrata. Ao contrário. Em alguns momentos é o principal vilão da história.

(Pintura: Jackson Pollock)

11 de outubro de 2007

Sobre a fidelidade partidária

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Vocês devem ter notado que a imprensa anda exultante com as interferências do judiciário em assuntos de competência do legislativo.






Mauro Santayanna, que não joga no time dos bois de rebanho, vai contra a corrente e explica, com clareza e erudição, que isso é extremamente perigoso e que o judiciário não devia meter o nariz no Congresso. No caso, está em jogo a fidelidade partidária. Alguns partidos decadentes querem sustar seu declínio através de medidas judiciais. Esquecem que um partido cresce vencendo eleições, não fazendo lobby na mídia junto ao Supremo Tribunal Federal.

Link para o artigo:

http://jbonline.terra.com.br/editorias/pais/papel/2007/10/11/pais20071011002.html
(Imagem: Morning Sun, de Edward Hooper)

10 de outubro de 2007

Baby please dont go

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Edward Hooper

PSDB e DEM entraram com outra representação contra Renan. A mídia, naturalmente, teve ejaculação preococe. Merval Pereira escreveu hoje que Renan não é mais o presidente do Senado. Ou seja, não é mais preciso o Senado votar cassação ou esperar Renan licenciar-se. Merval já decretou.

O Mercadante, do PT, resolveu beber no pratinho de leite que a mídia lhe serviu e, acuado diante da tal opinião pública que ele lê nos jornais e encontra na ponte aérea SP-Brasília, agora também quer o Renan fora da presidência do Senado.

Mas reparem só na acusação que fazem contra Renan: de que um assessor do Senado teria conversado com um advogado sobre a possibilidade de instalar câmeras num aeroporto. Vejam só: teria conversado. A acusação nem é de que houve efetivamente espionagem, conforme está provado que Daniel Dantas fez. Como está provado que o ACM fez. É acusação de uma suposta conversa para fazer uma suposta espionagem. E uma espionagem das mais vagabundas, diga-se de passagem. Câmera em aeroporto lá é espionagem que preste?

Ninguém teve faniquito ético contra Dantas. Nem contra ACM. E agora essa. Desde quando conversar é crime? Trata-se de um não-fato. Uma denúncia absolutamente apócrifa. Inflada artificialmente pela mídia. RI-DÍ-CU-LO.

O maior problema do Renan é que, por suas antigas ligações com a direita, agora não tem o apoio da esquerda, cuja grande parte assiste com pose blasé as garantias constitucionais de presunção de inocência serem rasgadas e o tribunal de exceção midiático entrar novamente em ação impondo seus nomes e sua agenda. Espanta-me ver gente do PT participar do mesmo coro que procura qualquer pretexto para tentar lhe destruir. Será a Síndrome de Estocolmo? De tanto levar porrada, o PT está se apaixonando pelo carrasco?

9 de outubro de 2007

Bomba anti-Global

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Esse vídeo, Muito Além do Cidadão Kane, produzido pela BBC de Londres, conta (ou melhor, denuncia) a trajetória da Rede Globo. Apoiadora de primeira hora da ditadura militar, a Globo constituiu o suporte comunicacional do regime, que soube retribuir magnificamente, dando-lhe concessões e financiamentos públicos. Com a redemocratização, a Globo torna-se ainda mais poderosa, devido à debilidade do governo Sarney. O ministro de Comunicação era Antonio Carlos Magalhães, que baixou leis nocivas a empresas concorrentes da Globo e praticou nova rodada de concessões para aliados conservadores que também beneficiaram a emissora.

Na eleição seguinte, a Globo aposta todas as suas fichas em Collor, promovendo vergonhosa edição do último debate das eleições presidenciais. Lula havia saído na frente no primeiro turno, mas estava empatado com Collor nas pesquisas. O longo debate entre os dois candidatos foi resumido em 6 minutos e fortemente editado em prol de Collor. Analistas explicam que não é possível saber se a edição foi determinante para a derrota de Lula, mas todos afirmam que ajudou neste sentido.

Há tempos que ouço falar deste vídeo, mas nunca havia assistido. Vejam com atenção. O vídeo está no final do post, depois dos comentários de Mello sobre a briga entre a Globo e a Record. Ele nunca foi exibido no Brasil, por motivos nem tão misteriosos assim. Na Itália, a tv pública conseguiu exibir documentário fortemente anti-papal, mas a Globo, pelo jeito, é mais forte que o Papa por essas plagas. Esperemos que Tereza Cruvinel tenha colhões para enfrentar a onça. Carece coragem, nega.

Link para o vídeo:

Chamem o capitão Nascimento!

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Só agora entendi direito a nova acusação contra Renan, aceita febril e jubilosamente por toda a mídia nacional, que está conseguindo inclusive cercar o próprio PT. Um de seus assessores teria conversado com um advogado para instalar câmeras num aeroporto, com o objetivo de espionar adversários políticos. HUM? Não há testemunhas, claro. A que havia voltou atrás.

Estamos novamente diante de acusações peremptórias extraídas de um fundo misterioso apenas controlado pela Revista Veja. Agora vem cá. Essa é a acusação mais surreal de todas. Instalar câmera em aeroporto? Por que não instalar logo na casa da pessoa, grampear os telefones, ou mesmo enfiar a câmera pela fresta de janelas, como fazem os repórteres do Globo? Ah ah ah, o Globo espiona até tela de computador de ministro do Supremo Tribunal Federal e isso DURANTE UMA VOTAÇÃO IMPORTANTE e agora faz coro à esta acusação insossa de que assessor do Renan (vi a foto dele, um barnabezinho bocó sem a mínima pinta do espião perigoso que pintaram) "negociava" a instalação de câmeras num aeroporto?

Derrubar o presidente do Senado tornou-se questão de honra para a mídia. Não importa a razão. Colunistas carregam nas tintas sobre a degradação moral do Senado. O Noblat exercita xingamentos variados. Ontem o Estadão publicou cartinha de leitor que dizia o seguinte: "Jovens, imigrem. O Brasil não tem saída. Não há lugar para gente honesta." Nunca vi nada tão ridículo, absurdo, patético. A economia brasileira nunca esteve tão bem. Gente ganhando dinheiro. Gente subindo a escada social. E, dentre milhares de emails que recebe, o Estadão escolhe esse tipo de mensagem para publicar no ínfimo espaço que dedica à seção Opinião dos Leitores? Só falta publicarem alguém que chame o capitão Nascimento para "passar o rodo" no Senado... O que não seria má idéia... eheh, tô brincando.

O Globo segue na mesma linha, só publicando cartas ofensivas ao Senado. As pobres donas de casa e os simplórios acreditam piamente na teoria lacerdista de que a moral brasileira está indo para o ralo. Como se a moral brasileira tivesse tido "anos dourados" algum dia.

Vejam essa entrevista de FHC a um repórter inglês. O rapaz espreme o presidente contra a parede como nenhum, NENHUM, jornalista brasileiro jamais o fez. Quando FHC começa com aquela ladainha ética, o repórter indaga porque o procurador-geral indicado por ele (que cita em inglês o apelido Engavetador-Geral da Republica) mandou arquivar todos os 600 processos de corrupção que chegaram a sua mesa. FHC gagueja e não responde patavinas, apenas tenta se esquivar dizendo que, se houvesse qualquer denúncia, ele demitiria a pessoa no ato. Assim é FHC. Demite a pessoa imediatamente após uma denúncia, independentemente se a denúncia é falsa e se foi feita com interesse político. É um idiota completo.

E tem gente que ainda acha que o Tropa de Elite é fascista? Nada disso, Tropa de Elite é só um excelente filme. Fascismo é essa midiatização da política, essa volúpia lacerdista sem escrúpulos de debilitar governos e impor as agendas que foram derrotadas nas eleições.

Quem é Jarbas Vasconcelos para dar lição de moral em Renan Calheiros? Eu gosto tanto do Renan quanto do mosquito da dengue, mas se os senadores não gostam dele porque o elegeram? Por que o absolveram? Quanto à oposição, é muito engraçado: quando estavam no poder, nomearam-no MINISTRO DA JUSTIÇA e agora vem com esses faniquitos éticos. A mesma coisa vale para a imprensa.

*

Ancelmo Goes ontem reproduziu um post da Luana Piovani em que ela diz que odeia políticos corruptos e tem ojeriza do Renan Calheiros. Ó que notícia importante para o país! E eu que pensava que a nação afundava na lama ética! Agora sim, sei que existem pessoas interessadas na recuperação moral da pátria!

Sem brincadeira, só faltava essa: o Globo reproduzir posts de celebridades falando de política. Então publica aí um post da Britney Spears falando do Brasil, ô Ancelmo! Fica combinado assim: os jornais levantam a bola, as celebridades cortam e os jornais marcam o ponto no dia seguinte.

Outra dica musical

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Para ouvir bebendo um uisquinho

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6 de outubro de 2007

Outro ataque contra-informativo

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(Cangaceiro, de Candido Portinari)


Há tempos que o Globo comprou guerra contra o PMDB. Nos últimos meses, com a entrada do PMDB na coalizão governista, a guerra global aprofundou-se. Minha diversão é encontrar contradições nos ataques midiáticos à maior sigla nacional. Por exemplo, repararam que o Globo, e a mídia de forma geral (falo do Globo porque é o único que compro e leio diariamente, esperando receber meu justo salário de ombudsman um dia), louvaram como decisões oraculares o julgamento sofre fidelidade partidária?

Repararam quem é o ministro do STF mais fanaticamente alinhado às posições midiáticas? Marco Aurélio de Mello. O mesmo que manda soltar todos os ladrões de colarinho branco. Mas isso não vem ao caso.

O que eu queria comentar é que o PMDB tirou a vaga do Pedro Simon e Jarbas Vasconcelos da CCJ, Comissão de Constituição e Justiça, alegando que eles vinham votando sistematicamente contra o partido.

Eu me pergunto o seguinte: ora, se o Globo aprovou de maneira tão canina a decisão do STF, inspirada no princípio de que os mandatos pertencem aos partidos, porque ataca a decisão do PMDB, legítima, legal, soberana, de afastar Simon e Vasconcelos, dois parlamentares que vem jogando muito mais ao lado da oposição do que do PMDB? Os mandatos não pertencem aos partidos?

Respondo: porque a mídia é hipócrita e interesseira. A decisão do STF só foi tão ardentemente comemorada (e defendida através da agora conhecida tática da "faca-no-pescoço") porque poderia prejudicar o governo Lula, estacando o processo de rápido declínio e perda de parlamentares dos partidos oposicionistas. Repare que os melhores ministros (na minha humilde opinião) do STF votaram contra a fidelidade partidária, alegando que os deputados são representantes do povo e não de partidos.

A decisão do STF pode ter sua lógica, mas a meu ver foi autoritária, invasiva e, sobretudo, desestabilizadora, ao mudar as regras no meio do caminho. Os parlamentares que mudaram de partido o fizeram dentro da lei. E agora serão constrangidos a defenderem-se como infratores. Esse tipo de coisa cria instabilidade política, como já criou, atrapalha votações importantes no Congresso e, portanto, prejudica a economia brasileira.

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Outra manipulação grosseira do Globo foi quanto à frase da ministra Dilma Roussef, que declarou, em sabatina à Folha de São Paulo, que nomeação técnica é "ingenuidade tupiniquim". Eu assisti à sabatina pela TV UOL. O que a ministra disse não foi nada disso. O Globo descontextualizou completamente a frase e hoje volta a carga descontextualizando ainda mais, num desses pequenos boxs de opinião que, nos últimos tempos, vem se proliferando por todas as páginas do jornal. A ministra explicou que, em diversas nomeações, os partidos brigam pela indicação de técnicos de carreira das estatais. O mais importante de sua explanação, contudo, foi de que os dirigentes das estatais precisam ser pessoas de conhecimentos universalistas e comprometidas com o crescimento do país, não técnicos especializados. Ela cita os conceitos de governança corporativa e planejamento estratégico. Cita o que ocorre em outros países. A ministra, aliás, deu um verdadeiro show de inteligência e cultura política nos repórteres que procuravam, a todo momento, criar-lhe embaraços. A Cantanhede, num ato quase desesperado (e covarde), abordou o assunto da tortura, tentando desestabilizar a ministra emocionalmente, pois se sabe que ela foi torturada e presa por 3 anos no Dops de São Paulo, com apenas 19 anos de idade.

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Merval Pereira continua manipulando grosseiramente alguns dados. Citando estudo de pesquisadora, diz que a prova do aparelhamento político do Estado está no fato de 20% dos cargos do alto funcionalismo federal serem ocupados por petistas. Não cita, porém, quantos estão ali por concurso e por mérito próprio, que são a maioria absoluta. Ele acusa ainda o fato de que grande parte desses funcionários serem também sindicalistas. Aí é um absurdo surreal. Merval Pereira agora quer criminalizar o sindicalismo brasileiro. Depois de criminalizarem os movimentos sociais, de criminalizarem os partidos de esquerda, agora querem criminalizar os sindicatos e seus dirigentes. Sem contar que o estudo é manipulado politicamente, porque não diz quantos foram indicados pelo governo atual, quantos estavam ali desde antes, além do preconceito elitista de que um governo eleito com 54 milhões de votos não teria o direito legítimo, democrático (e até o dever, eu diria) de mudar a máquina pública, adaptando-a à opção popular ao partido vencedor. Quando os tucanos ocupam o poder, eles simplesmente ocupam o poder, quando é a vez do PT, é aparelhar? Não tem lógica.
*

A imprensa vem distorcendo de maneira idiota o debate sobre a carga tributária brasileira. Está denunciando como negativo o aumento da arrecadação fiscal, confundindo os leitores, porque não informa o quanto este aumento advém do crescimento econômico, quanto advém da melhoria da fiscalização e o quanto advém do faturamento maior das próprias estatais, três fatores que explicam boa parte deste aumento e que não impactam no bolso do pobre, nem da classe média, muito menos da classe alta, constituída pelos donos e altos executivos das empresas em crescimento. O Merval Pereira colabora com a farsa, ao dizer que a carga tributária brasileira é a maior do mundo. Mentira grosseira. É maior sim que a de outros países latino-americanos, como El Salvador e Bolívia, que, a meu ver, não são modelo econômico e social para ninguém. Em comparação com as economias desenvolvidas, a carga tributária brasileira é infinitamente menor. Os ricos desses países pagam verdadeiros nababos aos governos, muito diferente do que acontece com aqui.

Outro ponto contraditório é o seguinte. O Ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo vai regulamentar as tarifas bancárias. Aí ficamos sabendo o que já sabíamos, que os bancos usam subterfúgios para cobrar taxas dos clientes. Ficamos também sabendo (o que também sabíamos, mas os jornais não dão a devida importância) que o spread brasileiro, esse sim, é o maior do mundo. Todas essas taxas geraram um custo, ao bolso do consumidor, sobretudo da classe média, de dezenas de bilhões de reais. Mais que a CPMF, talvez, e sem ir um tostão para Saúde ou para a estabilidade econômica. Apenas para o bolso dos banqueiros. Por que a oposição não fala disso? Por que os colunistas não escrevem sobre isso? Por que ninguém fala do spread alto no Brasil? Por essas e outras que os partidos da direita vem perdendo eleições e parlamentares e não é com liminares judiciais que vão recuperar terreno. A direita brasileira bochecha um capitalismo imbecil, depressivo e bananeiro, que não enxerga a importância da criação de um grande mercado de massa, como está sendo feito pelo governo Lula, não reclama dos spreads bancários e faz coro ao chororô midiático contra o aumento da arrecadação fiscal, fato a ser comemorado em qualquer país quando é resultado de crescimento econômico e não do aumento da carga tributária, pois possibilita investimentos estatais em infra-estrutura, políticas sociais e educação.

5 de outubro de 2007

Crônica de um Popular carioca

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(Joca e namorada, Marcelino e Xico Sá, e um chapa lá trás que esqueci o nome)


(Marcelino, Xico Sá e eu)




A reportagem está um pouco atrasada, mas vale a intenção. O Paulo Scott desembarcou no Rio de Janeiro para produzir o Primeiro Popular na cidade. Conseguiu reunir dezenas de figuraças da cena literária local e nacional. Uma galera forte passou pela Cinematheque: Xico Sá, Marcelino Freire, Chacal, Joca Terron, Omar Salomão, Michel Melamed, Cecilia Giannetti, Fernanda D'Umbra, João Paulo Cuenca e muitos outros.

O Cinematheque é um bar sofisticado de Botafogo, situado no coração cinematográfico do Rio, que é a área compreendida entre os cinemas do grupo Estação, aos quais somam-se as 8 salas do ArtPlex da praia de Botafogo. Os shows acontecem no segundo andar, um espaço intimista, com excelente serviço de bar.

Scott produziu um recital dinâmico, descontraído, apaixonante, com música, fotografia, leituras e palhaçadas.

Depois do evento, naturalmente, rolou aquela celebração, no próprio Cinematheque, depois transferida para o botequim mais próximo, cujo dono foi convencido de que valia a pena adiar o horário de fechamento. Bebemos dezenas de cervejas enquanto Xico Sá fazia discursos anti-lacerdistas sobre Renan Calheiros.

Algumas horas mais tarde, uma nave espacial pousou ao lado e abduziu o grupo inteiro. Não me lembro do que aconteceu enquanto estive sequestrado. Felizmente não voltei com nenhuma dor na região lombar. Quando dei por mim estava no Lamas, com alguns membros do grupo. Os outros não sei se voltaram à Terra ou continuam lá. O Paulo Scott eu sei que está bem.

O Xico Sá continuou destilando sua ironia renanzista e eu, apesar de concordar com seus argumentos, mandei-o se foder diversas vezes, na maior amizade, como é de praxe nessas circunstâncias. Até porque depois da trigésima cerveja, o meu vocabulário se restringe a alguns palavrões, vociferados em diferentes tonalidades. Sei transformar um vá tomar no cu, ou vá se foder em uma declaração de amor. A linguagem é o que a gente faz dela, ou nas palavras de Xico Sá: "Não diga: Não é nada disso que você está pensando. Diga: Junte-se a nós e sejamos felizes!"*

* Do livro Catecismo de Devoções, Intimidades & Pornografias, Editora do Bispo.

2 de outubro de 2007

A volta do testador de hipóteses

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(Saturno devorando seus filhos, Francisco Goya)

O caçador de comunistas, o paladino do capitalismo, o combatente neoliberal, está de volta. Nesta terça-feira de sol e frio no Rio de Janeiro, o Globo estampa na primeira página: livro didático faz propaganda do PT. Corro à página 7 para assistir a esse terrível atentado contra a República brasileira. Um livro didático fundamental que fala do PT! Imaginem! Leio o artigo do Kamel, contemplo as montanhas de Santa Teresa pela janela e penso que, no Brasil, os livros didáticos deveriam falar sobre o partido republicano e democrata, sobre os jacobinos e gerondinos, sobre conservadores e liberais britânicos. Nunca sobre os partidos brasileiros.

Agora falando sério. Com a democracia de volta, esses histéricos macarthistas de plantão deveriam se acostumar com o fato de livros didáticos discorrerem sobre a história política recente com mais desenvoltura e, porque não?, com opinião. São historiadores, são acadêmicos especializados. Os livros são aprovados por conselhos universitários plurais. Se há petistas nesses conselhos, se há tucanos, se há pmdebistas, e daí? Os partidos fazem parte da vida republicana nacional. Não é saudável omitir sua existência nos livros de história.

Outra. Os professores escolhem entre um leque de diversas obras e autores. Naturalmente, os livros não são perfeitos. Mas o Globo também não é. Os artigos de Kamel também não são perfeitos; ao contrário, traduzem uma boçalidade gigante.

Kamel quer revolucionar o pensamento didático brasileiro. Quer que nossos autores passem a fazer grandes elogios ao capitalismo e a demonizar o comunismo. Faltou combinar com os russos (ahah, a metáfora ficou boa!). Os estudiosos da história, à luz de tantos milhões de mortos, de tantos milhares de anos de opressão e miséria, sabem que o comunismo não foi o pior dos males da humanidade.

Estou assistindo filmes chineses da década 40, exibidos dentro do circuito do Festival de Cinema do Rio. Veja os filmes, Kamel e verá que totalitarismo, censura, prisão política, existiam na China bem antes de Mao, com o agravante de que o país era um pedaço de carne devorado avidamente pelo Ocidente, de um lado e pelo Japão, de outro. Era um país sem dignidade, em declínio econômico, humilhado moralmente, devastado por uma corrupção sem limites. Enquanto soldados do império ou da república de fachada torturavam e matavam estudantes chineses, militares japoneses sequestravam mulheres chinesas para usar como escravas sexuais.

A ditadura não foi inventada pelo comunismo, senhor Kamel. Os reis eram ditadores. Porque você tem tanta raiva de Mao e não tem a mesma raiva de Henrique III? De Júlio César? É preciso olhar a história com mais isenção. O capitalismo industrial, quando surgiu na Inglaterra no século XVIII ou XIX, foi um sistema que comportava uma exploração humana brutal. Leia os livros de Dickens. As grandes conquistas dos trabalhadores sempre caminharam juntas com a construção da filosofia socialista. Os países mais ricos do mundo, hoje, foram os que contemplaram amplamente direitos trabalhistas, não por bondade patronal, mas pelo profundo respeito à força que o trabalhador conquistou após o advento do comunismo. O irônico é que, desde que os patrões passaram a respeitar mais o trabalhador, a economia desses países cresceu de maneira extraordinária.

É o mesmo que acontece no Brasil. Enquanto Kamel se agarra a picuinhas didáticas, o país vem crescendo justamente devido à inclusão de enorme massa, antes excluída, no mercado consumidor. O debate democrático inclui uma discussão ampla sobre a educação e sobre o que se ensina às crianças. Mas não é por ser empregado do Globo que a opinião de Kamel vale mais. Ao contrário, Kamel. Também tenho minhas críticas aos livros didáticos brasileiros. Mas elas vão no sentido inverso das suas.

Para mim, nossas crianças deveriam ser conscientizadas, desde cedo, sobre os perigos da manipulação midiática e sobre o histórico golpista de nossa imprensa. Deveriam ser conscientizadas, sim, sobre a luta dos trabalhadores brasileiros, desde Quilombo dos Palmares, Guerra dos Canudos, as grandes greves do início do século XX, até a luta contra a ditadura, a criação do novo sindicalismo, as Diretas Já e eleições contemporâneas, pelo simples fato de que a maioria esmagadora dessas crianças é pobre, pertence a classe trabalhadora e, como tal, só terá dignidade enquanto tiver consciência de faz parte de uma classe que ainda precisa lutar muito para consolidar seus direitos no Estado Brasileiro.

Essas crianças, Kamel, precisam aprender que deverão, um dia, lutar contra pessoas como você, representantes do velho reacionarismo terceiro-mundista e seu capitalismo de segunda-mão.

A verdade é que a nossa direita é particularmente rancorosa e totalitária. Vejam o caso de Sarkozy, o novo presidente de direita na França. Chamou um socialista para ser Ministro de Relações Exteriores. Indicou um socialista para a vaga do FMI. Enfim, fez uma política de aproximação e respeito pela esquerda, porque representa uma direita que não vê o mundo com esse maniqueísmo vulgar com que gente como Kamel vê.

No fundo, o conflito central das economias modernas nunca foi exatamente capitalismo X socialismo. Foi sobretudo o conflito entre trabalhadores X elite, por razões estritamente econômicas, não ideológicas. Daí nasceram ideologias, claro. O triste é ver boçais como Kamel endeusando somente as ideologias nascidas da elite, em detrimento daquelas criadas para defender o direito dos trabalhadores. O socialismo cometeu grandes erros, mas a sua matriz é nobre: todos os movimentos socialistas nasceram em contextos de luta contra terríveis injustiças e sistemas opressores e totalitários. Se o socialismo descambou para o totalitarismo, também foi porque seus adversários eram totalitários: czares na Rússia, imperialistas chineses, ditadores latino-americanos.

Enfim, Kamel, a política faz parte de nossa vida e as crianças precisam ser incluídas no debate. Aprenda uma coisa: livro didático não é manual ideológico. É somente uma referência para o debate. O professor usa o livro para debater, para criticar, inclusive para criticar negativamente o conteúdo da obra. Quem faz a aula é o professor, Kamel. É o professor que escolhe o livro e que faz a interpretação.

Seu patrulhamento é absurdo, histérico e paranóico. Evidentemente, cada autor tem sua posição. Querer um historiador completamente isento ideologicamente é ridículo. Os grandes historiadores têm posições ideológicas claras. Se a maioria deles não vêem o socialismo com o seu maniqueísmo e rancor, então, meu caro, vá fundo na sua cruzada, mas lute com decência, apresentando argumentos menos surrados, menos clichês. O seu temor descabido sobre o que se ensina a nossas crianças me faz pensar do que eu aprendia na escola: de que às elites brasileiras não interessava que o povo se educasse, porque aí aprenderia a votar com independência e seriam menos manipuláveis.

Seus artigos, Kamel, revelam o medo profundo de que nossos brasileirinhos, expostos ao debate político desde cedo, ganhem uma independência de pensamento tão grande que, heresia das heresias, decidam não mais ir à Igreja Global, comungar nos escândalos globais e votar nos candidatos globais. Mentalidades como a sua, então, seriam empurradas para os extremos fétidos da história.