29 de dezembro de 2005

Meu balanço de 2005

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"Em 2005 o futuro veio ao presente, mas, como é seu timbre, não veio para ficar. Em vez de previsões certas, temos imprevisibilidades decisivas." Boaventura de Sousa Santos, da Agência Carta Maior


Foi um ano especial. Hà muito tempo que o Brasil não tomava um bom choque político, no sentido negativo. A crise política mostrou uma ferida aberta. Alguns ingênuos achavam que a chegada de Lula simplesmente aniquilaria de vez com a ferida nacional, uma ferida de séculos de injustiça e miséria social.

Em dado momento do ano, a crise política atingiu uma forte tensão. Donas de casa tiveram pressão elevada. Alguns morreram de infarto. O Chico Alencar chorou copiosamente na Câmara quando ouviu que Duda Mendonça foi pago com uma transação financeira no exterior.

Reinaldo Azevedo, editor de Primeira Leitura, atinge os píncaros do prestígio jornalístico, e substitui Olavo de Carvalho na poderosa seção de Opinião do jornal O Globo.

Arnaldo Jabor também projeta-se no jornalismo político. Ocupando uma seção pretensamente artística no Segundo Caderno, Jabor especializa-se em destilar venenos, numa linguagem pós-lacerdista.

Minha mãe rompe com Lula. Diante da tv, ela faz caretas ao ver o barbudinho falando e diz, aborrecida: "como eu pude acreditar nesse bestalhão? Eu chorei por ele!".

Miriam Leitão ganha prêmio de colunismo político nos EUA, o mesmo prêmio que deram ao Lacerda.

Pra mim, o que ficou claro neste 2005 é uma coisa que a gente já sabia. O cerco midiático à Chávez tinha nos alertado. Cercaram Lula em 2005. Fizeram as donas de casa desconfiarem de Lula, as boas senhoras. Os bêbados amargos dos bares murmuram: todos são safados... Lula também é.

Algumas cenas diferentes também marcaram 2005. Na Lapa, às duas da manhã, num bar onde rolava música ao vivo de graça, conheci um trabalhador, pessoa simples, que me pagou uma cerveja. A certa altura, a música alta rolando, ele bateu no peito e falou: Eu sou Lula!. Tinha o rosto contrito, como se falasse com uma espécie de dor.

Há muitos anos, pra não dizer décadas, não ouvíamos dirigentes sindicais falarem tão grosso como este ano. Lideranças dos poderosos sindicatos do ABC paulista e da CUT ameaçaram ir às ruas.

A poderosa entidade CMS, Conselho dos Movimentos Sociais, que renúne a UNE, o MST e a CUT, os três maiores movimentos sociais do país, demonstrou maturidade e força política, ao realizar diversas manifestações de repúdio à tentativa de desestabilizar o governo.

Os colunistas não acreditaram. As donas de casa não acreditaram nos filhos. A mídia tentou abafar. Mas o fato é que a UNE e a UBES reuniram milhares de estudantes em Brasília, defendendo o mandato do presidente Lula e protestando contra a corrupção.

A outra manifestação, contra o governo, não chegou a agradar a mídia, visto que foi um protesto contra TODOS os políticos e organizada pela ultra-esquerda, cujas palavras de ordem são o oposto do que prega a direita.

Eles sabem. Todos sabem que a corrupção não começou no governo Lula. Os estudantes cantavam: "parece piada de salão / ACM Neto falando de corrupção".

O ano de 2005 projetou a revista Carta Capital, de Mino Carta. O lendário editor mais uma vez faltou à festa dos socialites, não aceitando a champagne da direita. Foi corajoso o Mino Carta, pois certamente haveriam dezenas de grandes empresas querendo patrocinar sua revista. Como sempre, ele conseguiu vender uma revista e não ser vendido.

Uma importante leitura que fiz foi uma entrevista do diretor da Transparência Brasil, Claudio Abramo, na qual ele afirma que todos os estudos jurídicos sobre ética que existem no mundo e todos os avanços éticos derivaram de melhorias institucionais e não de nenhuma revolução ética. Falo isso porque a crise política produziu uma grande histeria moral sobre a ética.

Quem saiu mais chamuscado da crise foi, naturalmente, o PT. Mas foi bom para ele perder a ingenuidade. Entrou dinheiro e poder, entrou corrupção. Não tem jeito. Não tem ideologia que resista a um gordo maço de dólares. Não vêem os cubanos? Até hoje fugindo de barca para Miami? O PT, se quer continuar crescendo e sendo o mais importante partido de esquerda da América Latina, tem que implantar rígidos sistemas de auditoria interna, o que, creio eu, será um passo natural.

Quem eu mais lamentei por se ter enlameado na crise não foi nem o Dirceu, foi o Genoíno, até porque o Dirceu está conseguindo dar a volta por cima. Hoje vejo que Genoíno foi, de fato, um péssimo presidente de partido, péssimo burocrata. Mas foi uma grande liderança política e um exímo articulista e pensador político. As noções do socialismo contemporâneo de Genoíno ainda são as mais avançadas. Segundo a interpretação de Genoíno, que eu considero válidas e concordo com elas, as repúblicas modernas caminham para o equilíbrio dos três capitais: social, governamental e privado. O pensamento tem uma lógica dura e bela: governos que monopolizam o capital tornam-se totalitários; países onde o capital privado monopoliza o poder tornam-se repúblicas de banana; o cooperativismo nunca esteve no poder.

Essa é mais ou menos a noção de anarquismo republicano que venho matutando há algum tempo, um sistema econômico e político que conjugue as liberdades individuais do capitalismo com a segurança social do socialismo. Além de ser um sistema político moderno, que se harmoniza com a comunidade internacional, até porque esse sistema inclui o respeito total às leis internacionais e à soberania das nações.

A crise política produziu sofrimento na esquerda. O sofrimento nos faz mais duros e mais espertos. Eu, que vinha me aproximando da poesia, que é maneira mais concisa e profunda de expressão, mergulhei de cabeça nela em 2005.

Voltei à poesia, que é onde tudo começa, tentando resgatar a densidade política do verbo poético. Nos últimos tempos, a poesia brasileira, a meu ver, adotou o pós-modernismo, esse parnasianismo disfarçado e um pouco mais elaborado, com formas mais livres.

Termino 2005 com um livro de poemas, chamado Antes que chegue a primavera, edição virtual, que pode ser baixada e impressa por aqui.

Feliz 2006 para todos.

28 de dezembro de 2005

Resposta de Osvaldo Bertolino

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Caro Miguel: Agradeço pela carta, uma saudável iniciativa de debate sobre um assunto que vara o país de cima a baixo e vai definindo os rumos para onde devemos caminhar. Concordo contigo que o grau de complexidade do Brasil de hoje é elevadíssimo. Mas a Argentina acaba de dar exemplo de que é possível dispensar os serviços do FMI sem o ministro da economia original — Roberto Lavagna recentemente deixou o governo do presidente Néstor Kirchner. A complexidade argentina não chega perto da brasileira, claro, claro! Mas a definição por esta atitude no Brasil certamente não foi iniciativa do Palocci. Lembra da polêmica que se estabeleceu no país quando o acordo com o FMI caminhava para o seu final, no início deste ano? Palocci deu sinais evidentes de que a opção pela não renovação do acordo não tinha a sua concordância. Recentemente fiz uma retrospectiva da sua chegada e atuação no governo ("Queda do PIB: em casa que falta pão...", publicada dia 03/12 - http://www.vermelho.org.br/diario/2005/1203/1203_queda-do-pib-artigo.asp). Escrevi: "Ele havia despontado como um dos expoentes da transição oito meses antes, quando houve o assassinato do prefeito de Santo André e coordenador do programa de governo, Celso Daniel. Assim que indicado, mexeu no programa de governo, tirou do texto original afirmações como ruptura com o modelo neoliberal e críticas ao capital especulativo, e bateu o pé até convencer o então candidato Lula a fazer o anúncio por escrito dos compromissos da era FHC com o FMI — metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário —, num documento chamado Carta ao Povo Brasileiro." Mais uma vez, obrigado pela carta — muito mais progressista do que a do Palocci.

Grande abraço, Osvaldo Bertolino

21 de dezembro de 2005

Carta ao articulista Osvaldo Bertolino, do Vermelho

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(Fonte: http://www.gutov.ru/portrets/large/Lenin.jpg)

(Acabei escrevendo uma carta tão longa que virou um artigo político,
por isso, movido pelos deveres cívicos, compartilho com todos)


Prezado Osvaldo Bertolino, antes de mais nada quero lhe agradecer pela excelência filosófica de seus artigos publicados no site Vermelho. São um bálsamo no oceano de merda no qual às vezes me sinto rodeado. Eu também milito na causa do jornalismo político e tenho grande admiração pelo PC do B. Atualmente até mais do que pelo PT, que é grande e popular e tal, mas ainda é muito inocente nas lides com as hostes inimigas. Não aprendeu ainda que é necessário estar com o olho no peixe fritando e outro no gato do lado, como diz o Zeca Pagodinho.

Em seu último artigo, tem um ponto que tenho a quase honra de discordar contigo e apontar-lhe o que certamente foi uma distração teórica sua. Em resumo, você fala da excelência da política externa brasileira, que está levantando o turismo, as exportações, a visão que o mundo tem do Brasil. Tudo isso é graças ao governo Lula, que promoveu uma mexida estratégica no Itamaraty, a começar pela nomeação do brilhante Celso Amorim, uma das figuras mais espertas que tivemos nessa área. Graças a Deus ele não se envolveu com a politicagem doméstica, que é sempre a pior parte da política de um governo brasileiro.

Como ia dizendo, o pagamento da última parcela da dívida com o FMI foi muito mal explicado pela imprensa. Em todos os jornais, falou-se: BRASIL VAI PAGAR ADIANTADO 15 BILHÕES AO FMI. Essa era a manchete principal em todos os jornais e também na televisão.

Ora, se eu pago adiantado o meu aluguel, eu sou um imbecil. É o que eles passaram. Não FRISARAM (essa palavra é chave no jornalismo) o fato principal. O ato de independência. Se houve ao menos um jornal de grande circulação que fosse mais.. digamos, progressista, daria a seguinte manchete:

BRASIL DÁ O ÚLTIMO ADEUS AO FMI ou

Brasil reforça independência no cenário internacional ou

Brasil paga dívida com FMI e se fortalece politicamente

Em suma, o pagamento da dívida com o FMI foi uma jogada de mestre. Futeboleiros, videogameiros ou xadrezistas sempre admiram uma boa jogada, seja ela da direita ou da esquerda. Os arautos da mídia não foram educados. Não cumprimentaram. A direita calou-se, rangendo os dentes. E o pior é que, como sempre, grande parcela da esquerda forma seu pensamento lendo Estadão e Globo. Reagem como se houvessem acreditado piamente no que a mdía disse. Não são nem ao menos críticos. Não tem malícia. Ou então é pura malícia, nada mais.

Agora, o que discordo de você é o seguinte:

Você desprezou o zagueiro desse time. Um zagueiro discreto, mas durão.

É, meu chapa, o papel do Palocci é o mais difícil de todos. Eu entendo porque o Lula colocou ele lá. Ele é o cara que sofre mais pressão para soltar uma grana que, no fundo, é pouca.

No entanto, quase dói dizer, mas é a matemática mais pura que você esqueceu, e isso constituiu a única (mas importante) falha teórica no seu artigo. Não fosse Palocci , o Brasil NUNCA pagaria a dívida. Para uma série de outras coisas, o Palocci foi um... desculpe o termo, filho-da-puta. Pra saúde pública e para as obras de infra-estrutura. Mas neste caso específico, fica totalmente contraditório detonar, no mesmo artigo, o Palocci e o pagamento final da dívida externa. Foi genial e vamos tirar o chapéu para o Palocci, pelo menos uma vez na vida.

Agora, eu acho que, com essa cartada final de pagar o FMI, o papel dele no governo está cumprido. Dele e do Meirelles. No segundo mandato do Lula, se houver um, acho que TEM que colocar outro ministro. Um cara verdadeiramente desenvolvimentista. No Banco Central então, nem se fala. Ou então enquadrá-los. Agora que o Brasil está realmente livre, pelo menos do ponto-de-vista jurídico internacional, agora é hora de começar a apertar o acelerador. Tenho a impressão que é isso que o Lula tá começando a fazer. Ele está pressionando pesadamente os ministros a executarem seus orçamentos e estimulando a Dilma Roussef nas pauladas contra o Palocci e o superávit.

O superávit não vai acabar em 2006, mas tenho quase a certeza que vai diminuir bastante. Ainda mais que o ano é eleitoral. Por mais que a Miriam Leitão vocifere contra qualquer ousadia de Lula como "estratégia eleitoral", não tem jeito, mêu. O governo Lula vai ter que usar todas as cartas que tem nas mangas em 2006. Por isso, acho muito precipitado o que setores da mídia e da direita estão fazendo: cantando vitória. Ah, claro, isso também é estratégia. Diga que vai vencer e vença! Garotinho já teve a arrogância de afirmar que o segundo turno de 2006 será ele, pelo PMDB e alguém do PSDB.

Tem outro fator ainda mais importante que a mídia e "os pensadores midiáticos" nunca lembram. Lula foi eleito com 52,8 milhões de votos, equivalente a 61% dos votos válidos. Foram 20 milhões de votos a mais que o segundo colocado, José Serra, que teve 33,3 milhões de votos. Tenho sérias dúvidas se o Arnaldo Jabor vai dar conta de tanta gente.

Cordialmente, Miguel do Rosário
oleododiabo.blogspot.com

20 de dezembro de 2005

Morales e a contra-informação

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"Aquele que não possui nada, não teme nada."
Evo Morales, durante greve de fome
Photo: Al Giordano, D.R. 2002


Enquanto os comentaristas da televisão e da imprensa escrita no Brasil prosseguem babando a mesma ladainha burguesa que existe em toda América Latina, dicotomia barata entre o fascistóide direitismo de salão, com suas estatisticas de google e o esquerdismo raivoso e piolhento, a vitória de Evo Morales nas eleições presidenciais da Bolívia e a aproximação política entre Chávez e Lula merecem ser analisadas com extrema atenção.

O fato é que existe em toda América Latina, uma grande maioria que ainda não tem voz. A disputa ideológica, masturbatória, que observamos em briguinhas de internet, debates partidários e discussões de bar, é ainda, infelizmente, uma guerra intra-social, entre membros da classe média. Como diz um amigo, um conflito entre invejosos e egoístas.

Claro que isso é uma grosseira simplicação. Há grandes e numerosos quadros na política nacional. Quer dizer, não sei se tão numerosos assim, mas enfim... há grandes quadros.

O debate ideológico entre esquerda X direita, capitalismo X socialismo prossegue no mundo, capitaneado sobretudo pelos malas de toda parte. Os alienados dividem-se em talentosos, medíocres e mais ou menos.

Pois bem, enquanto os intelectuais latino-americanos continuam hesitando entre o batom vermelho do trostkismo e o cabelo punk do neoliberalismo, empresários, sindicalistas e trabalhadores tentam governar os países.

Função do intelectual engajado: encher o saco. Perde noites roendo as unhas perguntando-se: se eu escrever isso aqui, serei chamado de direita pelo pessoalzinho tal? Se eu escrever outro tanto ali, serei chamado de radical e terrorista pelo fulano tal? Por fim decidem tendo em vista o brilhante futuro de puxa-sacos que lhes esperam.

A inteligentsia quer vender livros e aparecer na Globo News, no Jô Soares... Vaidade, tudo é vaidade, já dizia o Eclesiastes.

Tá certo, estamos todos no mesmo barco. Raça humana, esse bando de macacos discutir política? Ah ah ah. Que nos resta senão rir, contar piadas, ouvir música e fazer amor? Deixa o Lula afundar! Os empresários tão satisfeitos. Exportaram bem, viram o mercado interno se consolidar e as perspectivas econômicas de long prazo melhorarem extraordinariamente de qualidade.

Agora chega. Os quatros anos do sapo barbudo foram só um gostinho. Um salgadinho para acalmar as massas insatisfeitas. Permitiram um Lula cercado por um Congresso corrupto, um Senado reacionário, e uma mídia devastadoramente critica.

Agora, não esperem nada dos artistas, man. Eles estão em outra. Para o artista talentoso, culto e bem educado, nada melhor que um governo conservador, que valorize a cultura. Governos de esquerda só pensam em índios e pretos...

Há outra forma de pensar, contudo. Governos de esquerda podem ajudar a produzir, no longo prazo, um público mais numeroso para a arte contemporânea. Não é o que falta no Brasil, acusam os artistas, sobretudo os escritores? Não faltam leitores? Nada que vinte anos de governos de esquerda não possam resolver. Depois, mais uns cinco anos de governo de direita, para contra-pesar e lembrar aos trabalhadores que a história continua vivinha da silva e quem não se organiza, não se comunica e não busca sua justa participação no sistema de poder, se trumbica, como diria o Chacrinha.

Esse texto tá ficando tão complicado que daqui a pouco vão me chamar de Paulo Francis ou pior, Jabor.

Enfim, eu caçôo da esquerda, mas também sou “esquerdinha”, como dizem os soldados dos direitismo tupi. Assumo os 100 milhões de mortos do comunismo internacional, de Stalin a Mao, passando por Cuba e tantos outros. Acho que o Fidel faz muito bem em fuzilar de vez em quando uns espiãozinhos da Cia travestidos de jornalista. Os EUA não matam também? Ah não, esqueci. Quando você mata 1 você é um assassino, quando você mata 1 mihão você é um herói. Confome dizia Raskolnikov antes de dar algumas machadadas na velha usurária...

Mesmo assim, vamo lá. É preciso criatividade. Sofro de terríveis dores de cabeça ao ler certos artigos de gente de “esquerda”, que cita a palavra esquerda tantas vezes no texto que fico me perguntando se ele não faria melhor escrevendo relatórios sobre escapamento de gás. “É preciso ser de esquerda”, diz o cara, como se na expressão houvesse informação suficiente para se convencer o jovem brasileiro a ser de esquerda.

Tenho procurando estar atento ao que pensa a juventude da classe média e eu mesmo busco manter acesa minha chama “jovem” com ajuda dos velhos e consagrados combustíveis: cerveja, cachaça, uísque.

E digo: os intelectuais de esquerda estão perdendo terreno na juventude. Por isso eu fundei o Arte & Politica, para tentar salvar, dentro dos modestíssimos horizontes da minha atuação, o que resta de crediblidade estética na esquerda brasileira.

Sim, porque se você vender a idéia de esquerda como aquela da mulher de cabelo no suvaco, mau hálito e sem o mínimo de sex appeal, então meu caro, você vai perder a guerra. Por que a direita está aí, mais forte que nunca, com seu exército de 200 mil filhinhos de papai vitaminados, educados, cabelos cortados, a maioria muito orgulhosa de seu rosto branco e seus belos narizes arianos. Comprar briga com eles, é covardia, eles logo deixariam duzentas ou trezentas mensagens de ódio e vingança, em meio à mirabolantes piadas, além das eternas e descontextualizadas estatísticas que tanto gostam de nos jogar na cara. Cem milhões de mortos! Fora as milhares de criancinhas devoradas vivas por comunistas famintos...

A esquerda, quem defenderá? A meia dúzia de professores aposentados, suavemente esclerosados pelo cigarro, pelo uísque e pela irritante obrigação de trabalhar duro (sem muito tempo para estudos) para pagar a escola particular das filhas?

Respondo: quem defenderá a esquerda não serão os “pensadores” e sim, como ficou claro nos momentos críticos da crise política, os movimentos sociais. Os sindicalistas. Quem esqueceu dos dirigentes dos sindicatos do ABC, do próprio vice-presidente da CUT, que ameaçaram ir às ruas caso as elites ousassem depor o presidente? Quê, chamam a CUT de governista? De petista? Pois fiquem sabendo que a CUT é dez vezes maior que o PT. Não brinquem com a CUT...

Bem, esse artigo era para comemorar a vitória de Evo Morales e destacar a importância do crescente apoio politico de Chávez ao presidente Lula. As lideranças estão fazendo sua parte. Falta os intelectuais fazerem a sua, sobre o que tenho sérias dúvidas.

Por outro lado, enquanto tivermos o Wanderley Guilherme dos Santos, eleito um dos cinco maiores intelectuais da América Latina, defendendo Lula, a democracia e a justiça social, ainda haverá vida inteligente nos meios acadêmicos nacionais. Que venham os ianques, vestidos com plumas tucanóides. Brigaremos sem raiva (ou quase). A democracia é nossa aliada. O povo não pode ser enganado pra sempre. O povo sabe quando está sendo bem tratado e quando não está. Sabe quando a inflação está baixa, a oferta de emprego está aumentando e o salário mínimo crescendo. O povo pode ser ignorante, mas sabe muito bem quando melhora ou piora sua situação.

19 de dezembro de 2005

Bem é isso...

1 comentário

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Viva a triste Bolívia!
Que sua dor se transforme em força.
Que seu luto se converta em herança.
Que sua solidão
e pobreza
sejam a experiência necessária
de uma grande nação.

16 de dezembro de 2005

Espero a chuva

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O Saramago escreveu um texto aguinha com açúcar sobre o Chê Guevara (ver lá embaixo). Palavras bonitas e sebosas que não trazem nada de novo. Muito superficial, blasé e descolado da realidade dura do mundo e suas dolorosas contradições.

Tenho um livro aqui em casa, editado por uma editora cubana, com vários artigos sobre como o mito Chê Guevara foi criado e diluído por uma série de preconceitos. O filme do Walter Sallers consolidou essa visão, ao mostrar aquele Chê bonzinho, chorão e babaquinha. Apagou-se o Chê humano, agressivo, alto pensador, dialético, o Chê presidente do Banco Central, o Chê que também tinha seu lado explosivo e mau. O Chê que não era um santo. O Chê que pensava o mundo. O Chê que errou grosseiramente ao fugir do confronto de idéias para ir lutar como soldado raso numa guerra perdida.

Quero falar, porém, de outro assunto. Quero falar dos artigos com palavras bonitas, ou com expressões dramáticas, mas que não dizem nada sobre nosso programa de ação. É muito fácil ter bonitas palavras, o difícil é confrontar-se com os dilemas. Difícil é ter coragem de agir sabendo das altas probabilidades de erro. Lutar e fracassar. Reerguer-se. O difícil é ter compreensão sobre os riscos de se confiar nas pessoas e suas fraquezas, decepcionar-se, frustrar-se, ser traído. Mesmo assim nunca deixar de amar o ser humano, com todas a suas faltas. Aqueles que não amam os seres humanos mesmo com suas fraquezas, na verdade não amam o ser humano, porque todos têm fraquezas. Em geral, só vemos as fraqueza alheias. Raros são capazes de identificar os próprios defeitos. Não os pequenos defeitos, mas os terríveis defeitos que todos nós carregamos dentro de si.

Perder a esperança? Somente a classe média pode se dar ao luxo de perder a esperança, porque pensa sempre no risco de descer a ladeira social, ou antes, a ladeira emocional, que as crises se lhe antepõem. As classes populares não podem perder a esperança, porque só podem pensar em vencer ou vencer. O estudo, o trabalho, os sofrimentos terríveis do dia a dia não poderiam ser suportados não houvesse a perspectiva de melhorar. Esse é um fato registrado e comprovado antropologicamente. É o que observamos em inúmeros documentários sobre os milhões de trabalhadores, a grande maioria do país, a maioria esmagadora, que atravessa a existência com uma força e uma dignidade que nunca será compreendida pelos nervosos e pequenos leitores do Jornal Globo, Estadão e Folha, pelos descerebrados e acríticos ouvintes de um Arnaldo Jabor, João Ubaldo, Jô Soares e todos os primeiros-tenentes de um exército intelectual pago para definir que tipo de opinião pública devemos ter.

É muito fácil amar um ser puro, bom e perfeito. Difícil, humanista, cristão e democrático, é amar o ser humano como ele é: pecador. Spinoza já denunciava, no início de sua Política, todos aqueles "pensadores" que louvavam um homem ideal inexistente, mostrando desprezo pelos homens como o são na verdade, com seus defeitos e pecados. Mais uma vez, a classe alta engana a classe média para dominar o povão. Lei histórica que se repete há séculos.

Na idade média, torturavam-se os criminosos, enquanto reis e corte chafurdavam num mundo à parte. Hoje há quem defenda a execução de traficantes de dezesseis anos, e a polícia mata inocentes. A polícia mata inocentes todos os dias. Ano passado, tivemos a maior chacina da história do Rio, executada por policiais! As pessoas agora se espantam de que um punhado de traficantes, inclusive divergindo do tipo de ação tradicional que eles fazem, queimam um ônibus com pessoas dentro?

Vem o Reinaldo Azevedo e fala, com o tom zombeteiro que todos os filisteus sempre apreciaram usar, sobre Comitê Internacional das Vítimas? Ah, muito fácil escarnecer das vítimas... como se fosse tudo uma maneira de pensar... como se fosse pose. Eu não poso de vítima. Considero-me um privilegiado, um vencedor, um guerreiro. Agora, que me diz dos miseráveis, das crianças de rua, dos doentes no hospital? Eles não são vítimas? Eles escolheram esse caminho?

Em artigo, Azevedo louva a entrevista de Seu Jorge ao programa Roda Viva, pelo fato do cantor ter atacado o Comitê Internacional das Vítimas. Não assisti à entrevista, mas parece que Seu Jorge, que eu conheci pessoalmente na UERJ, atacou os árabes que se revoltaram e, meio que sem querer, algumas posições da esquerda.

Entretanto, achei muitíssimo curioso um (pseudo) intelectual, com tanto apreço pela sua cultura como demonstra ter o editor da revista Primeira Leitura e ocasional articulista do Globo, apreço inclusive que soa enjoativo, com suas citações pedantes e desnecessárias, enfim, como ele pode agora usar uma entrevista informal de um cantor popular, ignorante e sem formação política nenhuma, para referendar posições políticas de enorme complexidade. E não venham falar do Lula, lembrando que ele é ignorante. Ele o é, mas tem formação política e foi um dos maiores sindicalistas do país.

Não confundamos as coisas. Seu Jorge é um negro de beleza incrível, alto, dono de uma voz de ouro. Foi amparado pelo Estado, por uma extraordinária oficina de teatro e música da UERJ, e pela bondade e carinho de grandes músicos como Paulo Moura e seu filho, Gabriel Moura, o que nos mostra a importância das instituições e do humanismo.

Não, o Brasil não é pior que nenhum outro país, moralmente. Somos um povo jovem, uma democracia jovem, fomos violentados por uma ditadura terrível. Temos um futuro pela frente. Não digo nem que seja um grande futuro, ou um futuro brilhante. Mas é nosso futuro, porra!

Quem são os velhos tristes que agora querem usurpar nosso futuro, usando como argumento o seu moralismo de merda? O quê? O que vocês querem? Querem vender a Petrobrás para expiar os pecados do Caixa 2? Não nos façam rir! Não bastou vender a Vale do Rio Doce? Esse não foi o maior Caixa 2 da história do mundo? Não bastou afundar o país numa dívida pública nunca dantes vista na história dos países em desenvolvimento? Esse também não foi outro Caixa 2 do FHC, que estabilizou o país com dinheiro do FMI?

Muito discutível essa história da continuidade da política econômica do Pallocci. Continuidade seria se o governo não apostasse na agricultura familiar, se não apostasse no Bolsa Família, se não tivesse uma política cambial livre. FHC não investiu na agricultura familiar, o Bolsa Escola era mínimo, chegava a pouca gente e o valor irrisório, a política cambial foi um fiasco que causou rombos de dezenas de bilhões de dólares ao Tesouro Nacional. Já esqueceram dos fiascos tucanos na macro-economia? Já esqueceram que FHC manteve o dólar fixo até pouco depois da eleição? Isso não foi o maior de todos os crimes? Brincar com a moeda de um país para se eleger? Ou pior, se reeleger?

A recente pesquisa do IBGE mostrou a grande queda que tivemos na pobreza do Brasil, nos últimos anos, até 2004. A renda do trabalhador está aumentando significativamente. O salário mínimo ano que vem deverá ser ampliado para 350 reais, o que, no câmbio de hoje, equivale a 155 dólares, um recorde dos últimos 50 anos! Lembram-se que durante muitos anos, políticos de esquerda lutavam para que o salário minimo atingisse a marca de 100 dólares?

Este ano, estaremos pagando adiantado a última parcela de nossa dívida com o FMI. Não renovamos o acordo. Poderemos agora olhar o mundo de frente e dizer: agora "é nós" que manda. Nossa política econômica, externa, será totalmente autônoma. Podemos errar, mas será erro nosso.

Estamos crescendo 2,5 ou 3% esse ano. É pouco? É menos que outros países latinos? É. Mas vejam cada caso. Como podemos nos comparar com países que emergiram de crises terríveis nos últimos anos, como Argentina e Venezuela? Como podem nos comparar com países com população minúscula? Além do mais, o que importa não é crescer. É crescer com inflação baixa. Crescer com distribuição de renda. Isso estamos fazendo.

Temos muitos problemas ainda a resolver. A época da esperança, porém, já passou. O país consolidou sua democracia e cresceu. É hora de trabalhar, de cada um dar sua contribuição, por mínima que seja, ao país. E a melhor contribuição é aperfeiçoando-se no que faz, é especializando-se em alguma coisa. Mao dizia: sejamos revolucionários, e técnicos! Ou então artistas!

Agora, se continuarmos eternamente achando tudo uma merda, achando o país todo uma merda, aí é que não vamos chegar a lugar algum.

O mundo inteiro está em lua-de-mel com o Brasil: na França, na Alemanha, nos EUA, na África, na América Latina, estão todos maravilhados com os avanços sociais e com a mestria macro-econômica do governo Lula. Só aqui é que domina esse preconceito, essa hostilidade, esse ambiente golpista, essa atmosfera carregada de veneno e mentira.

O procurador-geral da República declarou hoje: todos os partidos têm irregularidades de Caixa 2 nas últimas campanhas. O PT tem também. Por que o mundo acaba? Até parece que vocês, que nós, éramos petistas fanáticos!

Nunca fomos petistas, essa é a verdade! Eu nunca fui, pelo menos. Nem nunca acreditamos em monopólio da ética pelo PT! Se o PT tinha esse discurso, é mais que normal, é propaganda, porra. Queria que o PT dissesse o quê ao eleitor? "Olha, nós somos safados também, mas somos mais legais, votem na gente!" É claro que o PT tinha discurso da ética. Mas, diferentemente dos arrazoados maquiavélicos da mídia, isso não quer dizer nada. O PT era um partido com seus quadros bons e seus quadros ruins, como todos. O que importa não é isso, e sim o significado político de determinado partido em determinado momento da história.

Em 2002 e agora, o PT representava, e ainda representa, forças progressistas e populares e sua permanência no poder, senão é brilhante, genial ou isenta de problemas e erros, ainda é melhor do que o descalabro que foi a administração tucana, que não gerou emprego, vendeu importantes estatais de forma açodada e suspeita e aumentou nossa dívida pública em dez vezes.

Estabilidade com dinheiro emprestado é fácil. Queria ver os tucanos conseguirem estabilidade com câmbio livre, inflação baixa e tudo isso sem pegar dinheiro emprestado. Ou antes, reduzindo o endividamento!

Ah, tenham santa paciência! Votamos no Lula porque queríamos ele como presidente, e só, e não porque tínhamos a esperança nefelibata de que ele, como demiurgo divino, transformasse o país num coletivo de anjos.

O país precisa de instituições fortes. Que saibam fazer justiça sem se deixar influenciar por uma suposta opinião pública atiçada pela mídia. Só isso vai reduzir a corrupção.

São muitos assuntos que tem se acumulado e não tenho tido paciência para colocar tudo no papel, para racionalizar tudo. Mas vai chegar o dia. Espero as chuvas da história limparem a lama das ruas.

PS: Abaixo o texto do Saramago sobre o Chê.



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Breve meditação sobre um retrato de Che Guevara

José Saramago

Não importa que retrato. Qualquer um: sério, sorrindo, de arma em punho, com Fidel ou sem Fidel, discursando nas Nações Unidas, ou morto, com o dorso nu e olhos entreabertos, como se do outro lado da vida ainda quisesse acompanhar o rastro do mundo que teve de deixar, como se não se resignasse a ignorar para sempre os caminhos das infinitas crianças que estavam por nascer.

Sobre cada uma dessas imagens poder-se-ia discorrer profusamente, de um modo lírico ou de um modo dramático, com a objetividade prosaica do historiador ou simplesmente como quem se dispôs a falar do amigo que percebe ter perdido porque o não chegou a conhecer.

Ao Portugal infeliz e amordaçado de Salazar e de Caetano chegou um dia o retrato clandestino de Ernesto Che Guevara, o mais célebre de todos, aquele feito com manchas fortes de negro e de vermelho, que se converteu em imagem universal dos sonhos revolucionários do mundo, promessa de vitórias a tal ponto fértéis que nunca poderiam se degenerar em rotinas nem em cepticismos, antes dariam lugar a outros muitos triunfos, o do bem sobre o mal, o do justo sobre o injusto, o da liberdade sobre a necessidade. Emoldurado ou fixo na parede por meios precários, esse retrato assistiu a debates políticos apaixonados na terra portuguesa, exaltou argumentos, atenuou desânimos, acalentou esperanças. Foi visto como um Cristo que tivesse descido da cruz para descrucificar a humanidade, como um ser dotado de poderes absolutos que fosse capaz de extrair de uma pedra a água com que se mataria toda
a sede, e de transformar essa mesma água no vinho com que se beberia ao esplendor da vida. E tudo isto era certo porque o retrato de Che Guevara foi, aos olhos de milhões de pessoas, o retrato da dignidade suprema do ser humano.

Mas foi também usado como adorno incongruente em muitas casas da pequena e da média burguesia intelectual portuguesa, para cujos integrantes as ideologias políticas de afirmação socialista não passavam de um mero capricho conjuntural, forma supostamente arriscada de ocupar ócios mentais, frivolidade mundana que não pôde resistir ao primeiro choque da realidade, quando os fatos vieram exigir o cumprimento das palavras. Então, o retrato do Che Guevara, testemunha, primeiro, de tantos inflamados anúncios de compromisso e de ação futura, juiz, agora, do medo encoberto, da renúncia covarde ou da traição aberta, foi retirado das paredes, escondido, na melhor hipótese, no fundo de um armário, ou radicalmente destruído, como se fosse motivo de vergonha.

Uma das lições políticas mais instrutivas, nos tempos de hoje, seria saber o que pensam de si próprios esses milhares e milhares de homens e mulheres que em todo o mundo tiveram algum dia o retrato de Che Guevara na cabeceira da cama, ou na frente da mesa de trabalho, ou na sala onde recebiam os amigos, e que agora sorriem de terem acreditado ou fingido acreditar.

Alguns diriam que a vida mudou, que Che Guevara, ao perder sua guerra, nos fez perder a nossa, e portanto era inútil ficar a chorar, como uma criança, o leite derramado. Outros confessariam que se deixaram envolver por uma moda da época, a mesma que fez crescer barbas e alargar as melenas, como se a revolução fosse uma questão de cabeleireiro. Os mais honestos reconheceriam que lhes dói o coração, que sentem nele o movimento perpétuo de um remorso, como se a sua verdadeira vida tivesse suspendido o curso e agora lhes perguntasse, obsessivamente, aonde pensam ir sem ideais nem esperança, sem uma idéia de futuro que dê algum sentido ao presente.

Che Guevara, se tal se pode dizer, já existia antes de ter nascido.

Che Guevara, se tal se pode afirmar, continuou a existir depois de ter morrido.

Porque Che Guevara é só o outro nome do que há de mais justo e digno no espírito humano. O que tantas vezes vive adormecido dentro de nós. O que devemos acordar para conhecer e conhecer-nos, para acrescentar o passo humilde de cada um ao caminho de todos.

21 de novembro de 2005

Esse comentário no Manifesto da Novae tá bom

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Por Jorge Duarte ( jorgeduarte1975@yahoo.com.br / sem homepage) escreveu:

A crise política serviu pelo menos para uma coisa: para despertar o espírito combativo que andava adormecido na esquerda séria e nos movimentos sociais. De início perplexa e paralisada com as acusações gravíssimas que o ex-deputado federal Roberto Jefferson lançava sobre o então ministro José Dirceu e, portanto, sobre todo governo, a esquerda brasileira, em conformidade com sua fé inabalável na democracia e nos princípios constitucionais, não quis se comprometer com a defesa de nenhum dos envolvidos, nem do próprio Lula.

Foram montadas CPIs, ações da Polícia Federal, do Ministério Público, a imprensa se mobilizou, a opinião pública correu para jornais e televisão, atenta a tudo.

O tempo foi passando, e uma situação paradoxal foi se produzindo: ao mesmo tempo em que não se ia encontrando nada de extraordinário, os formadores de opinião, os pit-mídia assalariados, em conluio descarado com atores políticos, foram elevando o tom dos ataques, tentando criar uma atmosfera apocalíptica. O fato da economia seguir sólida ficou cada vez mais constrangedor. Miriam Leitão anunciava grandes debacles econômicos para o futuro próximo, em função da crise (logo depois, foi aos EUA, ganhar uma medalha de jornalismo, a mesma que Lacerda ganhou por suas mentiras), até que se rendeu ao óbvio e hoje tenta conciliar suas sofríveis incursões na política com razoáveis análises econômicas.

As crises políticas sempre fizeram parte da luta de classes. A atual serviu para mostrar à sociedade, principalmente a seus segmentos mais politizados, que a luta politica no país entrou, definitivamente, no século XXI, com todos seus instrumentos de comoção psicológica, o uso de credibildades jornalísticas e artísticas acumuladas ao longo de anos, a fragilidade conceitual das velhas ideologias e o caráter manipulável das classes médias brasileiras.

Não se poupou nem a esperança, que foi a primeira a ser impiedosamente brutalizada logo nos primeiros dias da crise. O experiente Aristóteles escreveu sobre o caráter dos velhos: não gostam da esperança, porque esta é, sobretudo, uma expectativa de alegria futura; tendo apenas a morte como futuro, os velhos desprezam a esperança. Os velhos de espírito poderíamos acrescentar ao texto do mestre.

A manipulação das consciências havia começado desde o início do governo Lula. Sua prudência em evitar aventurismos econômicos foi logo taxada de continuísmo. Parte da esquerda não conseguiu suportar a violência de estar no poder, e arcar com os riscos inevitáveis: erros administrativos, corrupção, necessidade de alianças políticas, exposição constante na mídia não como acusador mas como acusado, enfim todos os percalços já tão conhecidos pelas classes dominantes, que tiveram muitos séculos de experiência.

Lendo Casa Grande & Senzala, do Gilberto Freyre, observo como perduram até hoje antigos preconceitos senhoriais, segundo os quais os chefes políticos devem exercer autoridade com mão-de-ferro. Chama-se Lula de indeciso porque ele evita esse autoritarismo chauvinista idiota que parte da classe média tanto idolatra; prefere dialogar incansavelmente com a sociedade civil, com políticos, ministros, assessores, em busca da melhor alternativa; e está sempre disposto a voltar atrás e tomar outra direção.

Aliás, esse é o grande receio das classes dominantes do Brasil: que Lula acumule capital político suficiente para acelerar a democratização econômica no país. A politica tem um tempo próprio. Não podemos esquecer que a democracia foi uma invenção burguesa, e que sua estrutura e constituição muitas vezes são usadas contra o trabalhador, sobretudo porque os operadores da lei pertencem, em sua maioria, no Brasil, a oligarquias nacionais.

A crise serviu ainda para projetar um holofote sobre a mesquinharia de setores da esquerda nacional. Há um segmento totalmente niilista, que considera todos os políticos farinha do mesmo saco. É o Fora Todos. A depender deles, nosso presidente seria a Hebe Camargo. Esses não gostam de nada que seja vivo, que por ser vivo é sempre contraditório. Não sabem o que querem: não gostam de Lula, de Fidel, de Chávez, da mãe, do pai, não gostam da vida. Querem o socialismo mas não comemoram quando um comunista é eleito presidente do Congresso Nacional. Acham que o Brasil é um grande centro acadêmico.

Outro segmento social a receber grande luz foram colunistas e escritores políticos. Elio Gaspari e sua eterna ladainha sobre a patuléia... Porque ele não entrega metade de seu salário à patuléia? Jabor e seu cinismo tucano aditivado com dinheiro global. Recebeu milhões de recursos públicos para fazer um filme, comprou um apartamento e esquecer do filme. Virou garoto-propaganda da Globo e cabo eleitoral de FHC. Sabe porque a Globo não fala mal do FHC? Porque FHC deu bilhões ao Globo.

FHC deu, de presente, 20 bilhões de reais, do Tesouro Nacional aos bancos. E vem o Globo dizer que os bancos lucram mais no governo Lula que no governo FHC... Graças a Deus! A desgraça seria ver o Lula sendo obrigado a dar nosso precioso dinheirinho aos banqueiros de novo, para evitar que o sistema financeiro nacional entrasse em colapso, como ocorreu na Argentina, e todos perdessem suas contas bancárias. Quer dizer, tem os juros e a dívida pública. Mas estamos pagando e reduzindo. Aqui não é Argentina, não dá para dar calote.

Entrou um novo ator no cenário político: o jovem Reinaldo Azevedo, sucessor de Olavo de Carvalho no machartismo tupiniquim, mas ainda não totalmente esquizóide e paranóico como o ex-colunista do Globo. É um imbecil completo, mas tem ganhado enorme espaço e aprendeu alguns macetes com o Mainardi sobre como chamar a atenção.

A crise despertou os movimentos sociais. Os sindicalistas estão de olho aberto. Prometeram botar fogo no país caso a oposição ouse depor o presidente. Querem vencer Lula? Que o façam nas urnas.

6 de novembro de 2005

Tão enrolando a classe média direitinho

1 comentário

(Song dong - arte chinesa contemporânea)

Recebi um email com um artigo do escritor João Ubaldo Ribeiro, que ultimamente publica todo domingo um petardo anti-Lula no Globo. Assim garante seu emprego. Os primeiros artigos do Ubaldo no Globo eram geniais. Engraçados, irônicos. Mas há tempos, desde antes da crise, tornaram-se absurdamente enfadonhos e repetitivos. Dá a impressão que ele tá de saco cheio do serviço, mas precisa desesperadamente da grana. Aliás, ele já andou até admitindo isso...

Com a crise, ele vem se excedendo no besteirol político. O último que recebi é intitulado: "Precisamos de nova matéria-prima". É de um moralismo tão metido a besta, tão cacete, tão óbvio, que naturalmente cai como uma luva no discurso global para engambelar a classe média.

O artigo fala, em resumo, que todo brasileiro é safado, rouba de um jeito ou de outro, e que, portanto, com FHC, Collor ou Lula, o país sempre terá seus problemas éticos. A solução, portanto, é mudar a matéria-prima do país, ou seja, o povo.

O enganador da questão é que, se você analisar a coisa sem refletir, vai concordar com isso. Ele cita como exemplo o empregado que leva pra casa os clipes, papéis e canetas da empresa, achando que tem direito a isso. De fato, há uma corrupção disseminada em todo corpo social brasileiro. A gente nem se dá conta disso. Até aí tudo bem. Agora, falar em trocar a matéria-prima? Falar em trocar o povo? Seria melhor se o Ubaldo aconselhasse seus patrões a elevar o nível das novelas, que só ensinam porcaria e desonestidade. É sempre todo mundo traindo todo mundo.

Esse tipo de raciocínio do Ubaldo é o que produz todo moralismo fundamentalista, e tem como máxima o seguinte: a virtude e o pecado estão no homem.

Bem, o assunto é complexo e isso aqui não é uma tese de pós-gradução em antropologia cultural. Então vamos direto ao meu ponto-de-vista: não concordo com isso.

Para mim, a virtude e o pecado estão na história.

Ninguém vai me convencer que o brasileiro é safado por natureza. Quer dizer, não mais que outro cidadão de outro país. Assim como acho a máxima de Rousseau, todo homem nasce bom, a sociedade que o corrompe, uma babaquice já totalmente desmoralizada desde que Voltaire publicou "Candido, o otimista", também acho equivocada e mesmo má-intencionada a consideração de que o homem nasce mau, sobretudo quando o sujeito tem a desgraça de nascer no Brasil.

Peralá. Ubaldo, com todo respeito, não adianta nem você disfarçar dizendo que, ao chegar em casa, vai encontrar o culpado no espelho. Esse catolicismozinho culpado no final do artigo só serve para explicitar a falsidade e a torpeza de seu raciocínio: todos os brasileiros são safados, inclusive eu, e ponto final.

Ah, peraí. Trata-se de uma simplificação tão grosseira que um bom escolástico medieval iria cuspir na sua cara. Quer ser moralista, então o seja com classe e sofisticação. Esse moralismo telenovela não resolve nada.

Os problemas éticos no Brasil estão ligados à sua história. Vá ler o livro do Gaspari (grande historiador e péssimo jornalista) sobre a ditadura, e veja como ela destruiu as instituições responsáveis pela vigilância ética do país. Qualquer policial corrupto, quando acuado, batia a mão no peito e dizia: eu sou anti-comunista! E a imprensa se calava sob a mira do fuzil. Não tinha mais Ministério Público, Tribunal de Contas, Corregedoria, não tinha mais nada. Ficou tudo nas mãos dos milicos e sua revoluçãozinha de merda

Além disso, outros fatores desmoralizaram o país: a miséria, a inflação, o desmantelamento do ensino público.

Depois veio o Fernando Henrique e fez a dívida externa e interna multiplicar por dez. E entregou a conta pro Lula pagar. O que eles não aceitam, é que o Lula pagou! Lula decidiu não dar calote nenhum e conseguiu melhorar a imagem do Brasil no exterior. Claro que tudo isso é complicado demais. Os mais inteligentes se confundem.

Que tem muito safado no Brasil, a gente sabe que tem. Nas ruas, em casa, nas repartições, nos escritórios. Agora generalizar? Isso não aceito. Quem é honesto: o americano, o francês, o inglês, o holandês, o suíço? Ah ah ah. É muito fácil ser honesto com cem mil dólares na conta de cada um, casa própria, depois de duzentos ou trezentos anos de exploração econômica do terceiro mundo.

Você acha, Ubaldo, que tenho inveja da França porque tem aquelas maquininhas automáticas de venda de jornal, onde o sujeito pega o seu exemplar e põe o dinheiro, sem ninguém vigiando?

Não tenho nenhuma. Eu amo o país do jeito que ele é. Cheio de malandragem, assim mesmo. Estamos na luta para melhorar tudo isso, mas prefiro o sol escaldante do meu Rio a pisar em cocô de cachorro em Paris. Eles lá, os franceses, lutaram para melhorar. Não foi fácil pra eles, não, seu Ubaldo. Guerras, fome, peste. Séculos de opressão.

Eu adoro Paris, Ubaldo, apesar de nunca ter visitado a cidade-luz. Sou poeta, gosto de qualquer lugar do mundo onde a bebida não seja proibida. Mas aqui eu sou gente, lá serei mais um emigrante lavador de prato e discriminado pelas autoridades.

Não tem que trocar matéria-prima nenhuma. Temos é que ir aperfeiçoando nossa democracia traumatizada por séculos de oligarquias corruptas, ditaduras, preconceitos de classe. É um processo lento, mas é seguro. Assim caminha a humanidade. O Brasil vai melhorando aos poucos. Diz que não quem é cego, analisa a história lendo a Veja ou Globo. E se não melhorar, foda-se, a gente vai tentar ser feliz do mesmo jeito, indo à praia, bebendo cerveja, amando, lendo e escrevendo livros e, de vez em quando, usando os jornais como papel higiênico.

O Brasil não precisa de moralismo, Ubaldo. Precisa sim de emprego, melhores salários, presídios menos fascistas, inflação baixa, professores mais interessados, sindicatos atuantes, escritores mais inteligentes, instituições respeitadas e vigilantes, imprensa mais múltipla, mais música, mais turismo, mais agricultura, mais cuidado com o meio ambiente. Aí sim, Ubaldo, o brasileiro será mais honesto. Ou então mais feliz, o que é a melhor maneira de transmitir a idéia do bem. Até cachorro agora se adestra com carinho, não com porrada.

1 de novembro de 2005

Hell Bar

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Só para lembrar que meu Blog oficial é o Hell Bar

9 de setembro de 2005

Alguns comentários sobre a crise

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Recentemente, a midia caiu de pau em cima do Lula, entrevistando historiadores de baixo calibre, pelo fato dele ter se comparado a Vargas, à Jango, e à JK, que viveram crises políticas terríveis em seus respectivos mandatos. Repetiu-se à larga que era um absurdo Lula comparar-se a esses "grandes". Peralá. Ninguém nega a importância desses três para a história nacional, mas Vargas foi um ditador que por pouco não se aliou à Alemanha nazista e prendeu, torturou e matou milhares de militantes políticos, inclusive o doce e sereno Graciliano Ramos.

JK vendeu o país às petrolíferas americanas, ao desmantelar todo o sistema ferroviário nacional, fator até hoje considero um dos maiores desastres históricos do país, porque nos amarrou a um modelo absurdo de infra-estrutura para um país continental como o Brasil. Lula, quando entrou, prometeu construir ferrovias, mas viu que fazer trem e linhas férreas, começando quase do zero, requeria investimentos enormes que simplesmente o Brasil não tem condições de fazer no momento. Eu também sempre achei que constuir trem era relativamente barato e fácil, mas fiz umas pesquisas e constatei que, de fato, cada metro de linha férrea custa milhares de dólares. Por isso, será a China quem vai bancar o nosso trem, a partir de 2006 ou 2007, através das PPPs.

Outra do JK: foi ele que deu início à nova fase de endividamento externo do país. Brasília foi uma beleza, disso ninguém duvida. Mas na época, ele era amaldiçoado pelas esquerdas por torrar todo o Tesouro Nacional ali, e ainda pedir emprestado lá fora, deixando o resto do país à míngua.

Jango também foi importante, quis fazer as reformas e tal, mas todo mundo sabe que ele era muito mais de falar do que fazer. Mesmo o Darcy Ribeiro e Paulo Freire ficaram amarrados, sem conseguir deslanchar seus projetos. Além disso, foi bobo, irrresponsável, não soube enxergar o golpe que se tramava debaixo de seu nariz, e que iria lançar o país nas trevas por 20 anos. A única coisa que Jango fez de "grandioso" foi casar com a filha de um latifundiário.

Outra coisa, nunca votei no PT por causa de ética. Votei porque sabia que o Serra ia implantar a Alca, privatizar a Petrobrás a preço de banana (assim como fizeram com nossa saudosa Vale do Rio Doce). Sempre soube que o PT não era partido de santo, e já alertava para o fato de que, subindo ao poder, o deslumbre era inevitável.

Com o PSDB no poder, nunca teríamos a oportunidade de vivenciarmos essa crise de agora, nunca teríamos acesso aos bastidores sombrios do poder, nunca o processo eleitoral seria questionado. Essa crise é importante, porque toca no nervo principal da democracia: a eleição. Sim, porque é preciso ganhar a eleição, porra! Agora, que apareceu esse lado podre da eleição, tem gente achando que o PT se vendeu por um "projeto de poder". Ora, se não é para atingir o poder, para que serve a merda de um partido? Para fazer reuniãozinha na sexta-feira no Buraco do Lume, ouvindo o Chico Alencar protestar contra as privatizações? Critica-se a estratégica "eleitoreira" do PT, e cai-se no mesmo erro: qual o sentido de um partido senão o de ganhar eleições para representar o povo que o elegeu?

Parte da esquerda mostra uma grande nostalgia do tempo em que era apenas festiva, e ser do PT significava dançar e fumar um baseado em festinhas do Jardim Botânico. Agora, que ser do PT é assumir responsabilidades, agir e, naturalmente, também errar, agora que chegou o tempo "dos fortes", como bem disse Tarso Genro, eles não querem mais ser do PT, e saem correndo com o rabo entre as pernas; tornam-se "petistas arrependidos"; e praguejam contra o PT por todos os brochinhos que comprou.

É risível a comparação da Veja e do Globo de Lula com Collor, esquecendo que foram eles os maiores apoiadores da quadrilha de PC Farias. O Marcos Valério fez escola dentro do PSDB, arrecadando dinheiro para o Eduardo Azeredo na campanha de Minas Gerais, tá provado e assumido pelo próprio Azeredo. Valério era sócio dum figurão do PFL, também tá provado, documentado e assumido. Os contratos de Valério com o governo federal têm quase 20 anos, tendo se ampliado muito no governo FHC. Continuou crescendo com Lula, até que estourou a crise. Ou seja, essa mamata de 20 anos vai finalmente terminar. Quando? No governo Lula, cujos órgãos de investigação vinham farejando os rastros de Jefferson até que, este, percebendo o fim próximo e aproveitando-se da grande mancada de Lula (falar que dava um cheque em branco pra ele), resolveu partir pro ataque. Jefferson está desmoralizado. Descobriram que a corrupção que havia nos Correios era mesmo para o PTB. O erro principal de Lula e do PT foi achar que ainda corria um pouco de sangue político no PTB, e não apenas sangue verde de cobra viciada em dinheiro.

Sobre os críticos da esquerda que atacam Lula agora são os mesmos que sempre o atacaram. Só deixaram de atacá-lo na época de eleição, em que havia um irresistível clamor popular pela eleição de Lula, e depois em 2004 e início de 2005, quando o crescimento econômico e a geração de emprego foi um tremendo cala-boca.

Merval Pereira só fala em impeachment. Agora, encontrou uma tal de professora norte-americana que fala de impeachment na América Latina, e fica transcrevendo trechos do livro dela. A tentativa de produzir manifestação popular contra Lula é patética. No jogo do Brasil, havia lá uma família, com três ou quatro crianças segurando as letras "Fora Lula" e foi capa de todos os jornais. No 7 de setembro, falou-se Lula foi vaiado: e mostra a cena na qual, curiosamente, não se escuta vaia nenhuma. Apurei o ouvido e nada: talvez um uuuuh baixinho lá no fundo, provavelmente de algum furioso do PSTU.

Falam que o governo Lula não tem projeto: ora, não tem porque eles não querem, porque não querem ver nada. Queriam Lula no alto de um palanque praguejando contra os Estados Unidos, como Chávez? Isso seria projeto? Ora, a Venezuela só tem petróleo e o Tio Sam é obrigado a engolir o Chávez porque precisa do petróleo deles, ainda mais nesse momento, em que brinca de guerra no Oriente Médio. O Brasil vende os mais diversos produtos para mais de cem países, o que o obriga a seguir um certo padrão internacional, em termos macro-econômicos(leia-se política fiscal austera), ou melhor, faz com que seja mais interessante para nós agirmos assim do que não. Ah, sim, se Lula decidisse prosseguir o desmonte do Estado iniciado por FHC, isso seria "projeto de governo'.

E o software livre, não é projeto? Aliás, sobre isso, com alívio leio notícia na Agência Brasil que a Ministra Dilma Roussef enquadrou o Hélio Costa, que andou fazendo algumas declarações que causaram temor na comunidade do software livre. Os funcionários responsáveis já declararam que o software livre continua sendo uma prioridade do governo. Oxalá continue assim. Pressionemos. Vigiemos.

A campanha pelo desarmamento, tão criticada pela direita, não é projeto? O Estatuto do Idoso, não é projeto? O aumento real do salário minimo, não é projeto? A parceria com a China, Ìndia e países da África e oriente médio, não é projeto? A integração latino-americana, não é projeto?

E o apoio à agricultura familiar, não é projeto? Isso sim é reforma agrária: dar financiamento aos pequenos produtores, comprar a produção deles, garantir o preço mínimo, coisa que os grandes sempre tiveram, e que somente agora, depois de 500 anos, está chegando aos pequenos agricultores, os quais respondem por 70% da produção de alimentos no país. Só isso, se o governo Lula não tivesse feito mais nada, já valia o seu governo.

Afinal, que porra de PROJETO de governo que tanto cobram? Ah, já sei, queriam que o Lula lançasse um decreto assim: "a partir de hoje todos os brasileiros terão direito a um salário três vezes superior ao que ganham hoje; ninguém mais ficará doente ou deprimido; os bares serão desapropriados pelo governo e a cerveja será gratuita; os hospitais públicos serão reformados em 48 horas. Prefeituras e estados não precisam mais fazer nada, podem roubar à vontade, o governo federal se encarregará de tudo. Os impostos para classe média e empresários serão zerados. Os bancos serão atacados pelo governo, quebrarão, afinal ninguém suporta mais saber que os bancos têm lucros recordes. Então, falência neles! O governo, através do Tesouro Nacional, restituirá cada centavo depositado a cada cidadão, mais mil reais de brinde". Todo mundo ia ficar feliz, ainda mais depois que for aprovada a legalização e distribuição gratuita de maconha. Todos em casa, sem trabalhar, fumando um e vendo o William Bonner anunciar essas notícias maravilhosas.

Chega o Jô Soares e suas piruas da quarta-feira e elogiam o trabalho do Ministro da Justiça e do Pallocci, como se eles não fizessem parte do governo Lula. É assim: tudo que é bom, para eles, não faz parte do governo Lula.

O triste é que, desde 2003, após a posse de Lula, colocaram a pecha de neo-liberal no Pallocci e na política econômica, como forma de desconstruir Lula junto à esquerda. Quase conseguiram. E agora, com a crise, colhem os louros da estratégia. Os mesmos que criticaram a política econômica em 2003 mas calaram a boca em 2004 e início de 2005, com a retomada vigorosa do crescimento e do emprego, voltam agora a atacar a política econômica. O PSTU chega ao cúmulo de continuar gritando "Fora FMI", mais de um ano depois que o governo Lula RASGAR (com toda elegância) o contrato com o FMI. Continua o superávit primário e os juros altos, tudo bem, também sou contra. Todo mundo é contra juro alto: até o Lula e o José de Alencar são contra. Mais dia menos dia, aqueles "retardadados" do Banco Central (conforme expressão de Maria da Conceiçao Tavares) vão tomar vergonha na cara e baixar os juros. Sobre o superávit, o culpado não é o Lula, o culpado é o FHC, que decuplicou a dívida interna, entregando pro Lula um abacaxi que está chegando a 1 trilhão de reais. C'est la vie, mon amie. Os caras tão fazendo o possível: reduziram a divída externa a um mínimo; voltaram a captar emitir títulos públicos no exterior, a juros menores e prazos longos, de forma que o governo está conseguindo, pela primeira vez, financiamentos não-extorsivos lá fora. A tendência é aumentar, essa seria uma das lógicas para manter o superávit: ter credibilidade para pegar dinheiro lá fora.

Falta falar do Gabeira, que virou papagaio de madame, xodó do Jô e da Hebe Camargo, ídolo das lourinhas turbinadas da Mackenzie de São Paulo. Aqui no Rio, apoiou o César Maia, da ala mais reacionária do PFL, que só pensa em espancar camelô, escrever em seu blog contra o governo federal e sonhar com a presidência e o momento glorioso de transformar o Brasil num bordel luxuoso de um Estados Unidos decadente. Se pelo menos tivesse uma política voltada para o turismo, mas o pior é que nem isso... Borhausen fala que o Lula não gosta de trabalhar, mas quem não gosta é o César Maia.

Tem outras coisas ainda que não entendo: por que a missão brasileira no Haiti é tão criticada? Trata-se de uma missão da ONU, votada por toda a comunidade internacional, com o objetivo de evitar uma guerra civil no país. Quem viu o filme Hotel Ruanda ou acompanhou as guerras civis na África sabe como é terrível uma guerra civil. Foi muito importante o Brasil chefiar a missão, quebrando a tradição de ser sempre os Estados Unidos a liderarem intervenção militar na América Central. O exército brasileiro sabe respeitar o povo haitiano e foi crucial durante as inundações que o país sofreu, ajudando a manter a ordem e a distribuir os alimentos. Não importa que o presidente tenha sido deposto por segmentos aliados ou não aos EUA, o que interessa é que o país precisava de apoio internacional para manter a ordem social, evitando o risco de genocídios. Sem contar que o Brasil é o maior defensor de que a comunidade internacional ponha dinheiro no Haiti para fomentar o desenvolvimento econômico do país. Lula em pessoa, em conferência internacional, pediu dinheiro para o Haiti.

Voltam até a falar no gasto com o Aerolula. Aí é demais. A própria Força Aérea já divulgou que a compra do Aerolula representou na verdade uma economia, pois aquela lata velha de antes gastava tanta gasolina que, em alguns anos, consumiria o equivalente ao preço de um avião novo. Além do mais, era uma lata velha perigosa: queriam ver uma comitiva de presidente, parlamentares, jornalistas, diplomatas, caindo no Atlântico? Seria uma ótima notícia para a imagem internacional do Brasil, sobretudo se considerarmos que somos um dos maiores exportadores mundiais de aviões... É muita mesquinhez.

A hora é de apoiar Lula e colaborar com a reconstrução do PT, único partido com força política suficiente para fazer frente ao PSDB e PFL. Depois que o PSTU conseguir eleger pelo menos um vereador em algum lugar do país, obtendo assim um mínimo de reconhecimento político e respaldo popular, pode querer apitar em alguma coisa. Sobre revolução, acho que, diante da atual conjuntura brasileira, a única revolução que presta é ler um bom livro, apoiar o software livre e agricultura familiar, produzir (e anunciar em) sites como a Novae e ter dez reais no bolso para tomar uma cerveja e comer um PF. O Brasil precisa de boas escolas públicas e melhores hospitais, isso sim, coisa que o PSDB de São Paulo, Geraldo Alckmin, está longe de fazer. O resto é totalitarismo já tentado e fracassado. Votarei em Lula novamente em 2006 e espero que os projetos importantes de educação e saúde sejam finalmente implantados em seu segundo governo; se não forem, ai sim ingressarei na oposição e vamos procurar um cara melhor para 2010. Agora, não sou eu que vou entregar o ouro para ACM Neto ser o novo ministro do Planejamento e o Borhausen, ministro da Saúde, coisa que, pelo jeito, a extrema-esquerda quer com todas as suas forças, visando produzir uma saudável (a seu ver) turbulência social, que é o mais próximo de um ambiente revolucionário que a extrema esquerda tem condições de provocar. Turbulência essa que, naturalmente, seria feita às custas da fome do povo, que não é funcionário público e não pode filar uma bóia na casa da mãe (até porque é ele quem sustenta a mãe).

Do outro lado do espelho, os espectros direitistas dessa extrema-esquerda são o movimento Basta e outros, liderados pelas distintas madames dos bairros nobres. São os sucedâneos da obsoleta TFP, que já estão botando suas asinhas de fora... como fizeram tão bem naquele fatídico abril de 64, quando as boas famílias do Rio e São Paulo fizeram passeatas contra Jango e a favor do golpe militar. Não se esqueçam que um dos lemas do golpe era "acabar com a corrupção".

10 de agosto de 2005

Tudo no Hell Bar

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Decidi: estou concentrando agora todos os meus textos lá no hellbar.blogspot.com

Esse blog fica vivo, mas apenas para casos excepcionais, de qualquer forma avisarei no hellbar.

4 de agosto de 2005

Minhas idiotices

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É impressionante como a gente escreve bobagem. Quero ser o primeiro colunista a dizer isso. No afã de defendermos um ponto-de-vista, produzimos associações estapafúrdias e chegamos a conclusões ainda mais esdrúxulas. Convenhamos, compreender o processo político nacional, a poderosa rede de tramas armada para confundir a opinião pública, é uma tarefa hercúlea. Nesses momentos, a inteligência e a força mental de políticos e analistas é posta a toda prova.

Eu mesmo escrevo por aqui besteiras inomináveis, mas são besteiras que me pertencem e das quais não abro mão. Opa, taí outra besteira da grossa.

O negócio é que sou teimoso. Por exemplo, vou dizer a vocês qual é a minha teoria sobre a atual crise política. Para mim, José Dirceu sabia sim do esquema de Caixa 2 do PT. Ele e o Genoíno. Lula tinha uma idéia, mas todo mundo meio que deixava ele de fora disso, até porque ele era o candidato, a pressão era forte, ele tinha que ficar viajando pelo país, gravando, etc.

Em relação ao mensalão, não acho que tenha existido, pelo menos não assim, dessa forma explícita, nem coordenado por José Dirceu. O mensalão era, na verdade, dinheiro que empresários e políticos pagavam a Marcos Valério, para ele, por sua vez, pagar deputados, para que aprovassem, ou vetassem, determinada lei.

Está provado que Valério era lobbista de Daniel Dantas, do grupo Opportunity, o garoto de ouro do governo FHC, que o tornou um dos homens mais ricos do país. Dantas, por exemplo, dava dinheiro para Valério fazer agrados a deputados e gente ligado, de alguma forma, ao governo, para conseguir, aos poucos, ou nem tão aos poucos assim, ganhar apoio oficial.

O caso de Valério arrumar o emprego para a ex-mulher de Dirceu, por exemplo. Minha suposição é que Valério arrumou um jeito de, na última hora, ser ele o fiador do apartamento; e arrumou o emprego para a moça, de forma a ter cartas na manga para obter "benevolência" de Dirceu no futuro. Ou então, para manter um rabo preso de Dirceu.

Mas é certo que houve, em algum momento, a infiltração de alguma coisa má no PT. Isso aí era uma coisa inevitável. Se até o Paraíso, protegido pelos anjos e por Deus, foi secretamente invadido por Satanás, porque o PT não o seria?

Genoíno, a meu ver, entrou meio que de gaiato nessa história. É uma figura importantíssima na esquerda nacional, mas se omitiu de maneira imperdoável, deixou que o PT afundasse. Como que deixou o partido se endividar dessa maneira? Mesmo assim, acho que os erros de Genoíno foram erros humanos. O problema é que, quando uma pessoa erra, é só um erro sem grandes consequências. Quando um grande homem erra, esse erro muda a história de uma nação.

Por outro lado, somente através da escuridão é que podemos compreender o que é a luz. Os erros nos permitem ver com mais clareza o que é, realmente, errado e certo nesse país. Essa crise política trouxe uma luz brutal, que nos cegou a todos, mas que iluminou a podridão em volta do Congresso, das empresas públicas e do Estado brasileiro em geral. A corrupção ainda grassa no país, vide as polícias estaduais.

Hoje uma senhora muito minha amiga me pôs contra a parede: deixe de ser sectário, Miguel, ninguém pode defender o PT ou o Lula assim. É indefensável. Dirceu é indefensável. Genoíno é indefensável.

Eu respondi imediatamente: não sou sectário, não defendo PT e Lula fanaticamente. O negócio é que a Polícia Federal está prendendo corruptos. O Ministério Público está prendendo. As CPIS estão fazendo um trabalho fantástico de apuração. Isso só poderia acontecer no governo Lula.

Ademais, em termos econômicos, a administração Lula tem sido impecável. Essa crise veio bem a calhar, para obrigar o governo fazer uma guinada radical à esquerda, à procura de apoio popular. A mídia critica tanto o assistencialismo, mas esquece que todos os países ricos tem programas assistencialistas que chegam à quase totalidade da população carente.

O principal problema, aí sim eu concordo, é a educação. Mas sem comida, não dá pra educar ninguém. Por mais duro que seja imaginar isso, o negócio é que, nesse primeiro mandato, Lula tinha que se dedicar a implantar os programais sociais e fazer uma gestão para gerar empregos. Para mim, essa é a função primordial de um governo: criar um ambiente de estabilidade econômica que permita o desenvolvimento da nação, com algumas interferências para realizar a distribuição de renda.

Quanto à educação, não acredito muito no governo, em qualquer governo. Minha idéia, conforme já apresentei em artigos no jornal impresso Arte & Política, é criar uma autarquia nacional para gerir a educação. Gosto muito da idéia das autarquias, mas gostaria de vê-las independentes dos governos, apenas ligadas, é claro, pela Constituição e pelo interesse nacional. Seria algo como um Instituto Nacional de Educação, com uma diretoria vinda do próprio sindicato, com fundo de pensão próprio, o qual seria usado para construir mais escolas e por aí vai. A diretoria do Instituto seria composta apenas por funcionários de carreira, concursados.

E a solução para os escritores desesperados, a meu ver, estaria também ligada à educação. Os escritores, esses pobres humanos adoecidos pela paixão pela literatura, poderiam ganhar a vida dando aulas de português e (adivinha!) literatura para os jovens, sendo que o Instituto ajudaria o sujeito a encontrar uma editora para seus livros.

Acho que existem soluções criativas para o problema Brasil, mas algumas precisam ser mais ousadas, mais corajosas. A idéia do Instituto fica aí, de graça, para qualquer um pegar e usar. Não cobro nada. São essas coisas que, pra mim, formam o que chamo de anarquismo moderno, ou anarquismo republicano.

Viva o anarquismo republicano! Viva as autarquias!

Perigosas atitudes

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Merval Pereira diz hoje que a crise recrudesce. Certo, mas deveria dizer também que recrudesce o clima de confronto. Os movimentos sociais ganham terreno. As elites, ao iniciarem um ataque maciço à Lula, obrigam-no a procurar o povo que o elege.

Chega a ser irônico os colunistas afirmarem, como grande coisa, a perda de apoio de Lula junto às classes A e B, e a sua popularidade crescente junto às outras classes.

Parecem desconhecer a pirâmide social brasileira. Não aprenderam que as classes C, D e E representam 80% da população brasileira?

Revelam também certo preconceito, como se as pessoas pobres não fossem inteligentes ou informadas sobre o processo político.

Todos os esquemas de corrupção que agora explodem iniciaram-se no governo FHC. O valerioduto começou na milionária campanha de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, em 1998, e os depósitos chegaram a todos os partidos. Na época de FHC, não havia COAF, não havia Polícia Federal competente, e as CPIS que não interessavam ao governo eram todas abafadas.

3 de agosto de 2005

Dirceu no Conselho de Ética

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A avaliação geral é que o ex-ministro José Dirceu saiu-se muito bem em seu depoimento no Conselho de Ética. A opinião pública brasileira parece ter ficado tocada pela defesa intransigente que ele fez de sua honra e de sua dignidade.

Os colunistas da grande imprensa, que até então vinham participando do processo de crucifixação de Dirceu, reduziram o ataque e cumprimentaram o desempenho do agora parlamentar. Entretanto, como não podia deixar de ser, procuraram descontruir a aura de sinceridade carregando nos adjetivos "frio", "calculista", quando, na verdade Dirceu não foi tão frio, chegando a emocionar-se (embora sem ir às lágrimas, o que o ridicularizaria, por levar a comparação com Delúbio e Silvinho) em diversos momentos.

O comportamento de Dirceu galvanizou parlamentares petistas e da base aliada presentes na sala e houve momentos de apaixonada defesa do governo e do presidente Lula.

Roberto Jefferson, por outro lado, perdeu sua compostura. Diante de Dirceu, sua máscara caiu, e o personagem que montou não foi convincente. Suas artimanhas teatrais ficaram todas à mostra, como um ator que colocasse a peruca do lado contrário.

A denúncia que fez envolvendo o presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva, com a Portugal Telecom e eventuais empréstimos para PT e PTB, não colou. Primeiro porque entra em contradição com a afirmação reiterada diversas vezes, inclusive ontem, pelo próprio Jefferson de que Lula é um homem inocente e correto. Segundo porque é inverossímel. E terceiro porque não se concretizou. A Portugal Telecom não emprestou um centavo a nenhum dos dois partidos.

Por último, a denúncia de Jefferson foi um tiro para a culatra. Marcos Valério foi à Portugal não como emissário do PT, mas como acompanhante do tesoureiro do PTB, de maneria que é o PTB, partido de Jefferson, que fica mal nessa história.

A citação do nome do presidente, porém, atiçou os instintos mais primitivos da imprensa, que tentará, nem que seja por alguns dias, colar mais essa história no subconsciente da opinião pública, fazendo sangrar mais um pouco o presidente, conforme é tática assumida do PSDB.

2 de agosto de 2005

Mercadante no Jô

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Foi boa a participação de Aloisio Mercadante no Jô nesta segunda-feira. Escaldado nas lides brutais que acontecem em Brasília, o senador chegou com a língua rápida, afiada e se portou com uma nobre e necessária agressividade, sem deixar de ser absolutamente elegante, frio e controlado, ao defender o governo Lula e explicar à opinião pública todas as cagadas monumentais do PT.

Foi histórica sua declaração sobre Genoíno. Sábio e leal da parte dele continuar tendo afeição por Genoíno. Seria interpretado como falsidade se fizesse o contrário. Ao mesmo tempo, não hesitou em culpar Genoíno por ter se omitido diante dos desvios de conduta de Delúbio e Silvio.

Também foi muito lúcido e incisivo sobre Dirceu. Explicou que muita coisa que estão dizendo sobre Dirceu não são verdades, que está se jogando nas costas dele muita coisa que não é sua culpa, mas afirmou que ele terá que se explicar.

Fez ainda um libelo pela verdade. Argumentou que cada repórter político do país está correndo atrás da crise; Ministério Público, Polícia Federal, CPIs, enfim, é muito melhor que a opinião pública saiba da boca do próprio Dirceu do que ler no jornal. Ou pior: ler na Veja!

Aloisio Mercadante, o senador mais votado da história do país, com mais de 10 milhões de votos, mostrou-se franco, claro, ágil, gesticulou e falou com confiança e transmitiu a impressão de honestidade, que é o que parece estar mais em falta entre alguns segmentos da classe política brasileira.

Esperamos que, pelo bem da estabilidade brasileira, José Dirceu saiba também ter um comportamento digno, esclarecendo a nação sobre o que realmente aconteceu. Ninguém aguenta mais essa crise. O país quer voltar ao trabalho! Eu quero voltar à escrever poesia, ô meu!

28 de julho de 2005

Comentário no Fórum da Novae

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Prezados, reproduzo aqui o meu último comentário no Fórum da Novae, referente ao artigo de Luciano Martins, publicado nessa revista.


Excelente o artigo de Luciano Martins Costa, A inexorável descontrução de Lula. Realista ao ponto mesmo de beirar um pessimismo brutal. Mas subestima um pouco a inteligência do povo brasileiro, como se todo ele ainda fosse submisso à influência da mídia paulista. Lula tem grande força nos rincões esquecidos do país, muita força no nordeste, muita força sobretudo onde os programas sociais estão operando. Lula elegeu-se com 53 milhões de votos, e pelo menos há aí uns 30 milhões que são diretamente beneficiados diretamente pelos programas sociais e estão garantidos. Com esta crise, as forças conservadoras querem impor Ciro Gomes ou Alckmin, e tem grande chance de consegui-lo. Agora, fácil não vai ser. A grande imprensa terá que queimar cartuchos. Outro fator esquecido pelo articulista. Lula não vai ficar parado. Como ele próprio já demonstrou em seus recentes discursos direcionados ao proletariado, existe um outro Lula, combativo, indignado, dentro do Lula paz e amor criado por Duda Mendonça. Ao descontruir o Lula atual, as elites vão encontrar, debaixo da casca, o Lula antigo, com linguagem incendiária de luta de classes. Finalmente, o articulista esqueceu uma coisa. Lula não é mais uma ameaça da esquerda. Ele é uma realidade, ocupa o poder. Tem acesso a informações e possui conexões com outros setores econômicos tão poderosos quanto os setores econômicos que o combatem. O articulista trabalha com a hipótese das elites econômicas agirem sob a mesma bandeira, e sabemos que isso é muito difícil. As elites também combatem entre si. Desta vez, será difícil. Lula tem um orçamento de 200 bilhões de reais nas mãos. Diante da possibilidade de perder as eleições, a vontade de poder falará mais alto que o desejo de estabilizar os mercados, e Lula será tentado (e torço para que caia nessa tentação) pelo populismo, por ações mais grandiosas que melhorem efetivamente a situação do povo.

Enfim, o articulista fez uma projeção muito lúcida sobre as ações da mídia e das forças econômicas para descontruir Lula, mas esqueceu o fator fundamental: faltou combinar com os russos, ou seja, com o time adversário, com os movimentos sociais e grandes sindicatos, os quais, diante da iminente queda de seu líder (e Lula, há que se admitir, permanece um grande líder de massas), já prometeram se manifestar com vigor inquietante para as elites. "Ousem depor! Ousem apear Lula do Planalto! Vamos pra rua protestar!", já repetiram lideranças de poderosos sindicatos. Os próprios movimentos sociais, agora organizados numa frente única, já divulgaram manifesto condenando as intenções golpistas da direita. Já vi esse filme antes. A imprensa, no afã de descontruir Lula, acaba por iludir-se a si própria. O articulista mesmo disse: irão pipocar estatísticas distorcidas sobre a queda de popularidade de Lula. Moçoilas bem vestidas e lindas correrão os condomínios de luxo de São Paulo perguntando aos membros da corte se Lula deve ser enxotado. É sabido que a massa não tem voz. Ela só se manifesta mesmo nos grandes momentos. Existem incógnitas na História. Na verdade, ninguém sabe o que vai acontecer. Mas agora ninguém pode dizer que a história está morta. Quando a luta de classes se acende, é porque o país conseguiu reviver sua dinâmica e está novamente se desenvolvendo. Lula pode até perder ou ser deposto, mas a paixão e o desejo de mudança que o elegeram não morrerão, porque não são reflexos do capricho de uma classe média sempre hesitante, mas sim do estrondoso clamor das massas por um país melhor. Clamor esse que, embora silenciado, pode explodir a qualquer momento, principalmente se estas massas virem seu líder estiolar sob golpes traiçoeiros da direita brasileira. Lula poderia, por exemplo, morrer agora num acidente doméstico. As massas não morrem. A cada trabalhador morto, nascem cinco, dez outros com mais fome e mais ambição. E a mídia não vai conseguir mentir eternamente. Viva a democracia.

23 de julho de 2005

Lá no Hell Bar

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Postei um texto político lá no hellbar.blogspot.com.
Acho que vou começar a concentrar meus textos todos lá. Acho que vai ficar mais prático.
Leiam o hellbar.blogspot.com

Nova edição semanal do AP

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Está no ar a nova edição semanal do AP, vale conferir.
www.arteepolitica.com.br

22 de julho de 2005

Ainda sobre a crise

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Abaixo, meu último comentário no Manifeste-se da Novae.

Agradeço o companheiro Fernando Soares por ter lido e apreciado meu artigo "A crise não é de hoje" e aproveito esse fórum para fazer mais alguns comentários sobre a crise política. O comentário 1482, do Gilson, por exemplo, é exemplar de um segmento numeroso da opinião pública nacional, e mesmo sendo mal educado, merece ser respondido por causa justamente de seu caráter exemplar. Se você entrar no blog do Ricardo Noblat, encontrará milhares como ele. Considero-os vítimas mentais de uma confusão criada, por um lado, pela mídia, e de outro pelos (já citados em meu comentário 1479) dilemas do próprio socialismo contemporâneo, o qual está sendo, ou deveria ser, representado pelo governo Lula.

Gilson afirma, e esta é opinião quase geral, e todos estão corretos, que as elites se beneficiam da política econômica do governo Lula.

No entanto, o erro não está aí. O erro está em se esquecer de que essas elites, por serem detentoras do capital, se beneficiariam também de qualquer outra política econômica. Se o Banco Central aumenta os juros, eles ganham, porque são detentores de títulos públicos, cujos juros, pagos pelo governo, aumentam sua riqueza. Se o Banco Central baixa os juros, eles ganham também, porque, como grandes proprietários, serão certamente os primeiros a conseguir bilionários empréstimos a juros baixos, que usarão para aumentar mais ainda o latifúndio urbano e rural. Ou seja, as elites ganham de qualquer jeito. Ganham quando o país se desenvolve e ganham quando o país afunda.

O capital compra tudo. Nem próprio Marx preveria que o capital, em mãos do Partido Comunista Soviético, acabaria por perverter a cabeça dos próprios dirigentes comunistas.

O lucro das elites, portanto, não tem a ver com o governo Lula, mas com a dinâmica do próprio capitalismo mundial, que é concentrador.

O processo político é, como todo processo complexo, contraditório. Ao repor o Brasil nos trilhos do desenvolvimento, fazendo o PIB nacional crescer vigorosamente, estabilizar a moeda, controlar a inflação e reduzir o desemprego, Lula acabou dando mais força ao capitalismo nacional.

Gilson se engana ao achar que as elites apóiam Lula. Elas se beneficiam da política econômica, mas, apesar de tudo, ainda sim querem um tucano na presidência. Sabe porquê? Porque querem ganhar ainda mais.

Além disso, Gilson esquece dum fator crucial para se entender o processo político. O fator ideológico. Existem grandes capitalistas que seriam capazes de sacrificar parcela de seu patrimônio apenas para satisfazer sua ideologia. Não pense que apenas os pobres e classe média são capazes de se sacrificarem por ideais. Os ricos também estão dispostos a perderem agora para ganharem lá na frente.

O processo político venezuelano, que se mostra bem semelhante ao que vem ocorrendo no Brasil, mostrou isso de forma bem clara. As elites venezuelanas quase cometeram suicídio econômico. Os pequenas e médios empresários, os alto executivos da Pdveza, apostaram numa greve suicida, que fez o PIB da Venezuela recuar 30% em 2003, por conta de seu ódio de classe contra aquele que representava um ideal de mudança na América Latina.

Lula optou por uma política conservadora porque, como bom nordestino e ex-operário, sabe que a prudência é sempre bem vinda, ainda mais para um povo que não suporta mais sofrer.

É claro que o governo Lula tem contradições. Seria impossível não tê-las. Mao Tsé Tung escreveu um livro maravilhoso entitulado "Sobre a contradição", em que ele explica ao povo chinês, aos intelectuais e aos dirigentes de seu partido, que o princípio da contradição é inerente a todo ente político, e que a existência da contradição é uma evidência de vida e de dinamismo. Governos, partidos e organizações políticas sempre carregam, em seu bojo, contradições que, apesar de nunca se resolverem, evoluem de acordo com as forças com as quais elas interagem.

A crise política foi importante para todos. O governo Lula, mesmo prejudicado em sua imagem, conseguiu livrar-se da proximidade de figuras indesejáveis, tanto de partidos aliados como do próprio PT.

Mas o mais importante da crise foi preparar o país, a imprensa, as instituições, os intelectuais, para as eleições do ano que vem. Não houvesse a crise, a sociedade entraria em 2006 inocente e despreparada para combater a caixa 2. Os empresários que planejavam apoiar candidatos em 2006 pensarão duas vezes antes de aceitarem um Caixa 2 que pode comprometer a imagem de sua firma.

Quanto ao papel da imprensa, fica mais uma vez evidente que a sociedade brasileira precisa construir defesas contra exageros da mídia. Se os colunistas cobram, com razão, ao governo respeito pelas instituições democráticas, eles devem respeitar aquela que é uma das mais importantes e representativas da democracia, a instituição da presidência da república, que deve ser respeitada por representar a a vontade de 63 milhões de brasileiros, a maioria dos quais não assina a Veja e não lê o Estado de São Paulo, quanto mais manda email ou participa de Fòrum.

OBS: Momento histórico, desemprego atinge 1 dígito, 9.5%, segundo o IBGE, um dos menores índices dos últimos 10 anos. Polícia Federal nunca prendeu tantos corruptos. Por que será que a crise política não atingiu a economia? Porque não é uma crise, é um saudável expurgo de corruptos.

21 de julho de 2005

Carta a um leitor

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Um leitor de um de meus artigos publicados na Novae espalhou um email bem crítico. Não foi vulgar, contudo, e por isso achei que merecia uma resposta inteligente, com o fim de contribuir para o debate político que é a própria essência da democracia, o próprio exercício da liberdade.

Como minha carta ficou longa e detalhada, achei que valia a pena compartilha-la com os leitores deste blog.


Prezado Daniel de Souza Falkemberg,

Obrigado por comentar meu texto. Creio que temos mais idéias afins do que imaginas. Acredito que ambos desejamos o melhor para o país e que as diferenças se resumem na interpretação dos fatos políticos e, sobretudo, da crise ora em curso. Em primeiro lugar, não sou fanático em nada. As idéias que apresento são fruto do meu precário discernimento, lastreado na leitura que faço da história e dos acontecimentos; mas nunca me pretendi dono da verdade ou deixei de estar aberto à mudanças em minha forma de pensar.

Entendo que o momento histórico em que vivemos, com suas paixões políticas subitamente acesas pela crise, não nos permite ter uma visão totalmente lúcida e isenta do processo. Tanto os artigos que defendem quanto os que atacam o governo Lula são eivados de adjetivos, são emocionados, desencantados, raivosos; e a interpretação que deles se faz ainda é mais apaixonada.

Você mesmo falha em sua crítica, informal eu sei, mas mesmo assim uma crítica, ao admitir que nem leu o artigo inteiro, o que lhe tira a credibilidade para atacar o texto como um todo.

Sou um polemista e gosto quando algum artigo meu é lido por pessoas que pensam diferente. Se quiser ver outros artigos mais atualizados, e talvez até mais elucidativos da minha forma de pensar, confira no oleododiabo.blogspot.com.

Não sou e nunca fui petista, apesar de sempre ter nutrido grande respeito por esse partido. Agora, acho que você incorre em muitas contradições, como ao atacar o uso de termos como "direita e esquerda" e depois dizer que "esquerda sou eu, esquerda é o povo". Desculpe-me, mas isso é uma tremenda bobagem. Se você é de esquerda, isso vamos ver se você tem disposição, altruísmo e educação para realizar um debate em alto nível; se tiveres preguiça para isso, não és realmente de esqueda, como dizes, e sim de direita, que se caracteriza nos dias de hoje justamente por isso, pelo egoísmo, pela arrogância na posse da verdade e, agora com essa crise, pela explosão de ressentimento e ódio que solta sobre o governo Lula.

Existe ilegalidade e ela está sendo investigada e punida. Agora, acho que é infantil você misturar isso com a competência notória do governo Lula na condução administrativa do país, que nunca viu um crescimento tão vigoroso, sustentado, nos últimos 20 anos, nunca viu uma política externa tão bem sucedida.

Controle da inflação, moeda estável, dívida pública em declínio, rompimento com o FMI, investimento recorde na agricultura familiar, e combate à corrupção, esse é o diferencial do governo Lula.

Não existe governo perfeito. Em política, a comparação é feita com outros políticos. Se Lula está sendo melhor que FHC, o que é minha opinião, inclusive no combate à corrupção, então ele está fazendo um bom governo, o que é inclusive a opinião de quase 60% dos brasileiros, segundo as últimas pesquisas de opinião. Esse grau de aprovação é muito difícil para um governante em meio de mandato, ainda mais num país que herdou 500 anos de injustiça social e mais especificamente 8 anos de desmandos privatizantes e endividantes do governo tucano.

A corrupção que grassou no governo anterior, e que chegou até o governo Lula, mas que agora, finalmente, está sendo implodida por uma conjuntura mais transparente e por uma atitude corajosa do presidente, foi infinitamente superior ao que ocorre hoje. "Nunca se viu tanta corrupção", diz Merval Pereira, do Globo, querendo atiçar - e conseguindo - a classe média contra Lula.

O que significa o dinheiro que está em jogo, entre Valério e Delúbio, em relação aos processos de privatização do governo FHC, da Telebrás, da Vale do Rio Doce, só para citar dois monstruosos exemplos.

Ah, mas a Vale hoje está muito melhor, dirá você. Está porque está colhendo agora os frutos de 20 anos de pesquisa patrocinada por dinheiro público. Está porque o preço do minério de ferro está 2000% mais alto do que na época em que ela pertencia ao povo. Hoje a Vale pertence à Antonio Ermirio de Moraes. Se estivesse em mãos do poder público, talvez não estivesse tão moderna, tudo bem, mas estaria em mãos do povo, e estaria, juntamente com a Petrobrás, patrocinando a cultura e projetos sociais. Estaria contribuindo para o bem estar do brasileiro.

Além disso, o que se aponta de grave, além da própria privatização, contra a vontade popular, foi o preço pago. Moedas podres, 1 bilhão de reais em títulos podres. O Brasil entregou de graça uma das jóias da coroa. Além disso, a Vale tem importância estratégica na geopolítica mundial, na medida em que o Brasil detém as maiores jazidas mundiais de ferro.

Enfim, solicito a você que acompanhe os noticiários com a cabeça mais fria. Concordo com você inteiramente que o mais importante são as instituições democráticas. Muito mais importante que Lula e qualquer outro governante, é o respeito às instituições democráticos. Então peço à você que observe como as instituições democráticas estão resolvendo a crise, investigando culpados e inocentando os inocentes.
E peço a você que observe que, da mesma forma que existe corrupção, também existe mentira. E se você é tão enfático, com razão, em condenar a corrupção, também deve ser na condenação da mentira e do uso político de uma crise para desestabilizar um país que conta com instituições tão sólidas e tentar se derrubar um presidente com inédito respaldo popular.

Quem conhece a história de Lula sabe que é completamente desvairada a teoria de que ele sabia do que estava acontecendo. É claro que ele sabia que existia corrupção no país. Mas, conforme seus próprios argumentos, o país tem suas instituições, tem uma Procudadoria Geral da União, tem Ministério Público, tem Tribunal de Contas, Polícia Federal, Justiça, e não cabia à Lula, nem ele tinha instrumentos para isso, para descobrir corrupção, e sim às instituições.

Agora, deixe Lula em paz. Se não gosta dele, vote em outro em 2006. Agora não entre nessa onda golpista. A maioria esmagadora da esquerda brasileira nunca desejou o impeachment de FHC. Eu sempre achei odioso esses Fora FHC Fora FMI. Para mim, as coisas se resolvem institucionalmente e democraticamente. E assim continuará sendo.
Então, por favor, não colabore com essa onda que pode tirar o Brasil de seus trilhos pacíficos. Que se prendam os culpados, mas que se respeitem as instituições, sobretudo uma das mais importantes, que é a instituição da Presidência da República, que é o símbolo máximo da democracia.

A crise não é de hoje

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Arte Contemporânea Chinesa

A atual crise brasileira insere-se numa crise maior do moderno socialismo mundial. Esse socialismo democrático que decidiu não romper com as regras jurídicas globais sobre questões chave como o direito à propriedade privada e às liberdades individuais.

A liberdade de expressão, outro princípio fundamental das democracias modernas, também é aceita e defendida incondicionalmente pelo socialismo contemporâneo que pregam os partidos de esquerda da atualidade. No entanto, vemos como a liberdade de imprensa se volta contra as próprias instituições democráticas, visto que a imprensa é privada e representa interesses de seus próprios donos mais do que os interesses da nação.

O problema é que, após a queda dos regimes comunistas do Leste Europeu e da Rússia, e da avalanche teórica produzida pelos economistas neo-liberais, a esquerda ficou realmente desamparada do ponto-de-vista conceitual.

Após o fracasso econômico, social e político de diversos regimes neo-liberais na América Latina, os partidos de esquerda começam a tomar o poder. No entanto, o mesmo vazio conceitual, a mesma perplexidade teórica, que tinham enquanto oposição aos regimes conservadores, eles demonstram no poder.

Chávez, Kirchnner, Lula, e qualquer outro governante de "esquerda", enfrenta e enfrentará esse tipo de problema.

Naturalmente, o exercício do poder pelas esquerdas é que, somente agora, possibilitará aos intelectuais contemporâneos, escreverem as novas receitas, lastreados em experiências reais, em crises reais, e não mais em abstratas teses acadêmicas sobre como seriam governos de esquerda na América Latina.

Kant já dizia que todo e qualquer conhecimento só começa pela experiência. Isso porque, apesar de existirem juízos puros, que não são dependentes da experiência para serem demonstrados, somente a experiência nos toca os sentidos e nos faz pensar sobre o ser e o mundo.

Se este processo é doloroso e angustiante, isso só corrobora sua dignidade e sua necessidade, pois as grandes descobertas conceituais costumam sempre ser acompanhadas de algum tipo de sofrimento.

A deficiência da esquerda estava ligada justamente à distância que estava do poder. Na medida em que ela atinge o poder, todos os seus dilemas e crises internas são extraordinariamente amplificados, porque são expostos à sociedade, porque são cobrados diretamente pelos outros poderes da democracia, o legislativo e o judiciário, instâncias que, dependendo do momento histórico, atuam do lado conservador ou do lado progressista.

Com os erros de Lula e do partido dos trabalhadores, poderemos construir, para o futuro próximo, uma nova esquerda, que seja lastreada em sólidos fundamentos econômicos, políticos e éticos. Não estou dizendo que o governo Lula e o PT acabaram. Pelo contrário, caso tenham musculatura política para vencer a oposição golpista, Lula e o PT sairão da crise mais experientes. Todos saíremos mais experientes.

Os políticos de esquerda no Brasil estão desorientados diante da crise porque é o próprio socialismo que ainda não foi devidamente modernizado, enriquecido, conformado às realidades complexas das sociedades contemporâneas. É impressionante como a direita consegue, às vezes, ser bem sucedida em seus ataques conceituais, e ainda mais impressionante como a extrema esquerda se junta no mesmo palanque dessa direita para enfiar, sem dó, o dedo na ferida que também é dela, visto que a extrema-esquerda também não sabe como vencer, por exemplo, o imperialismo americano. A extrema-esquerda não consegue nem eleger vereador, como saberá enfrentar o poderio das classes conservadoras no Brasil?

Marx foi um grande pensador, o maior filósofo de todos os tempos, segundo pesquisa recente feita por uma respeitada instituição inglesa. No entanto, creio que até Marx enfrentaria muitas crises se ele tivesse tido a oportunidade de exercer o poder. Creio que muitos dos dilemas enfrentados por Lênin, Mao, Stálin e Fidel, seriam também vividos por Marx e ele seria obrigado a responder da mesma forma.

Outro pensamento importante que tive em relação à crise atual é que a história é feita pela força e pelo pensamento. Mas é a força o elemento preponderante quando se vive, no calor do momento, a história. Vale o sangue frio, o cálculo, a capacidade de argumentação, a força militar, a força física mesmo.

O pensamento não é afeito às correrias do momento. É por isso que a sociedade brasileira, no momento em que se atacava Getúlio, apoiou o ataque. Mas após a morte do líder trabalhista, que possibilitou uma profunda reflexão, a opinião pública mudou de lado. È por isso que a sociedade brasileira, sobretudo grande parte da classe média e a quase totalidade da classe alta, apoiou o golpe militar; mas mudou de opinião após pensar melhor sobre a questão. É por isso que tanta gente no Brasil, envolvido pela atmosfera opressiva de confusão, adere ao discurso "forte" da direita e da extrema-esquerda, como sempre subitamente "fortalecida" pela grande mídia, que a usa, como sempre usou, para seus próprios interesses.

Às classes conservadoras sempre interessou a existência de uma esquerda de fachada, histéria, inofensiva, insignicante eleitoralmente, para transmitir ao mundo a imagem de que vivemos uma democracia real.

A ironia disso tudo é que os trabalhadores nunca obtiveram avanços expressivos enquanto foram respeitadores do Estado de Direito. Até porque o Estado de Direito sempre foi um instrumento usado pelas classes dominantes para conservar o poder.

Vargas fez uma revolução porque o processo eleitoral no qual venceu seu adversário foi uma farsa, uma grande corrupção. Usou a força física. O PT, enquanto integrante de uma frente maior pela democracia e inimigo visceral de estratégias de força física, dificilmente conseguiria chegar ao poder enquanto não usasse das mesmas regras usadas por seu adversários.

O erro foi interpretar esse advérbio "dificilmente" em sua pior acepção. O erro foi cair na tentação de optar pelo caminho mais fácil.

Errou sim, e feio. Mas não morreu. Todos nós erramos. Aprendemos com nossos erros. O PT ainda é o principal partido de esquerda da América Latina. Seu fim seria uma derrota terrível não apenas para os trabalhadores brasileiros, mas de todo mundo. É notório que os olhos dos trabalhadores do mundo inteiro estão, desde a vitória de Lula, voltados para o Brasil.

A luta pela justiça social não nasceu com Lula ou PT. É uma luta muito antiga, que talvez tenha nascido junto com a espécie humana, e desta fonte, estou seguro, é que jorram todas as coisas boas da humanidade: poesia, filosofia e teorias políticas.

Não subestimemos a importância do Estado para as artes e para a felicidade social. É interessante reler a Razão na História, de Hegel, para entendermos como as artes, a filosofia, a religião, dependem da existência do Estado, assim como o Estado depende da existência da arte, da filosofia e da religião. Sim, também da religião, pois esta é que nos ensina a produzir mentalmente algo superior à nós mesmos. As leis humanas são transcrições modernas das leis religiosas. Nas profundezas do espírito humano é o respeito às leis divinas que respeitamos mais. Não matamos porque temos medo de sermos presos, mas porque possuímos uma moral universal.

O que estamos vivendo agora servirá como injeção de adrenalina em toda pessoa politizada. Para a esquerda, vale o alerta para seus intelectuais e artistas. As populações pobres da América Latina não merecem outra decepção histórica. Elas não suportam mais sofrimento.

Quero ainda advertir as classes altas no Brasil: a criminalidade nas grandes metrópoles chegou a um nível insuportável e somente o desenvolvimento social irá trazer paz às cidades. Que não tentem depor um líder carismático como Lula. Isso acarretaria um terrível risco de convulsão social. Os pobres não lêem o Globo. Eles amam Lula e acreditam nele, porque Lula simboliza o povo. Que achem então alguém melhor que Lula, mas não tentem tirá-lo para colocar Alckmin no lugar. Não vai dar certo. Também não acredito no Garotinho, com sua política de segurança pública violenta e seu menosprezo pelas instituições.

É hora de voltar aos livros, de lermos e relermos os clássicos e, principalmente, de escrevermos os clássicos politicos da modernidade. Não esqueçamos de que o domínio do conhecimento é a única coisa que, no longo prazo, garante o poder. A fragilidade das esquerdas ainda é essa: falta-lhe solidez conceitual para superar os conservadores. A classe dominante sabe escrever, sabe falar, sabe manipular mentes e corações, sabe exatamente onde atacar o governo Lula, como destruir suas bases sociais. Muitos políticos e intelectuais de esquerda ainda não sabem como se defender. A própria fragilidade conceitual do socialismo moderno os deixa desamparados. Não vale mais citar Marx. O momento é de produzirmos novos pensamentos, novas respostas a um mundo cujos modos de produção se desenvolvem febrilmente, produzindo novas classes, novos dilemas e, felizmente, novas soluções a cada instante.

Intelectuais: chega de desencanto, chega de covardia, chega de melancolia. É hora de botar a cachola pra funcionar e produzirmos os livros que embasarão os governos progressistas latino-americanos dos próximos cem anos.

Nesse momento, é necessária uma união firme e combativa de trabalhadores e intelectuais contra o sofisticado, discreto e perigoso golpismo das elites e da mídia. No curto prazo, a história é escrita pela força, então mostremos, sindicatos, movimentos sociais, estudantes, intelectuais e povo em geral, nossos músculos. Mas não resolveremos os dilemas atuais do socialismo apenas atacando a direita brasileira e seu braço midiático. A esquerda, desde que optou pela democracia, pelo respeito as leis e pela convivência com a liberdade da imprensa, estará sempre vulnerável a crises desse tipo enquanto não tiver produzido uma bibliografia sólida que permita, assim como permitiu pessoas como Lênin e Mao, elaborar programas de ação que eletrizem as massas com uma esperança que não se dissolva na primeira crise, mas que seja dura como o diamante; duradoura e firme como o anseio milenar dos homens por justiça e liberdade.