20 de dezembro de 2005

Morales e a contra-informação

"Aquele que não possui nada, não teme nada."
Evo Morales, durante greve de fome
Photo: Al Giordano, D.R. 2002


Enquanto os comentaristas da televisão e da imprensa escrita no Brasil prosseguem babando a mesma ladainha burguesa que existe em toda América Latina, dicotomia barata entre o fascistóide direitismo de salão, com suas estatisticas de google e o esquerdismo raivoso e piolhento, a vitória de Evo Morales nas eleições presidenciais da Bolívia e a aproximação política entre Chávez e Lula merecem ser analisadas com extrema atenção.

O fato é que existe em toda América Latina, uma grande maioria que ainda não tem voz. A disputa ideológica, masturbatória, que observamos em briguinhas de internet, debates partidários e discussões de bar, é ainda, infelizmente, uma guerra intra-social, entre membros da classe média. Como diz um amigo, um conflito entre invejosos e egoístas.

Claro que isso é uma grosseira simplicação. Há grandes e numerosos quadros na política nacional. Quer dizer, não sei se tão numerosos assim, mas enfim... há grandes quadros.

O debate ideológico entre esquerda X direita, capitalismo X socialismo prossegue no mundo, capitaneado sobretudo pelos malas de toda parte. Os alienados dividem-se em talentosos, medíocres e mais ou menos.

Pois bem, enquanto os intelectuais latino-americanos continuam hesitando entre o batom vermelho do trostkismo e o cabelo punk do neoliberalismo, empresários, sindicalistas e trabalhadores tentam governar os países.

Função do intelectual engajado: encher o saco. Perde noites roendo as unhas perguntando-se: se eu escrever isso aqui, serei chamado de direita pelo pessoalzinho tal? Se eu escrever outro tanto ali, serei chamado de radical e terrorista pelo fulano tal? Por fim decidem tendo em vista o brilhante futuro de puxa-sacos que lhes esperam.

A inteligentsia quer vender livros e aparecer na Globo News, no Jô Soares... Vaidade, tudo é vaidade, já dizia o Eclesiastes.

Tá certo, estamos todos no mesmo barco. Raça humana, esse bando de macacos discutir política? Ah ah ah. Que nos resta senão rir, contar piadas, ouvir música e fazer amor? Deixa o Lula afundar! Os empresários tão satisfeitos. Exportaram bem, viram o mercado interno se consolidar e as perspectivas econômicas de long prazo melhorarem extraordinariamente de qualidade.

Agora chega. Os quatros anos do sapo barbudo foram só um gostinho. Um salgadinho para acalmar as massas insatisfeitas. Permitiram um Lula cercado por um Congresso corrupto, um Senado reacionário, e uma mídia devastadoramente critica.

Agora, não esperem nada dos artistas, man. Eles estão em outra. Para o artista talentoso, culto e bem educado, nada melhor que um governo conservador, que valorize a cultura. Governos de esquerda só pensam em índios e pretos...

Há outra forma de pensar, contudo. Governos de esquerda podem ajudar a produzir, no longo prazo, um público mais numeroso para a arte contemporânea. Não é o que falta no Brasil, acusam os artistas, sobretudo os escritores? Não faltam leitores? Nada que vinte anos de governos de esquerda não possam resolver. Depois, mais uns cinco anos de governo de direita, para contra-pesar e lembrar aos trabalhadores que a história continua vivinha da silva e quem não se organiza, não se comunica e não busca sua justa participação no sistema de poder, se trumbica, como diria o Chacrinha.

Esse texto tá ficando tão complicado que daqui a pouco vão me chamar de Paulo Francis ou pior, Jabor.

Enfim, eu caçôo da esquerda, mas também sou “esquerdinha”, como dizem os soldados dos direitismo tupi. Assumo os 100 milhões de mortos do comunismo internacional, de Stalin a Mao, passando por Cuba e tantos outros. Acho que o Fidel faz muito bem em fuzilar de vez em quando uns espiãozinhos da Cia travestidos de jornalista. Os EUA não matam também? Ah não, esqueci. Quando você mata 1 você é um assassino, quando você mata 1 mihão você é um herói. Confome dizia Raskolnikov antes de dar algumas machadadas na velha usurária...

Mesmo assim, vamo lá. É preciso criatividade. Sofro de terríveis dores de cabeça ao ler certos artigos de gente de “esquerda”, que cita a palavra esquerda tantas vezes no texto que fico me perguntando se ele não faria melhor escrevendo relatórios sobre escapamento de gás. “É preciso ser de esquerda”, diz o cara, como se na expressão houvesse informação suficiente para se convencer o jovem brasileiro a ser de esquerda.

Tenho procurando estar atento ao que pensa a juventude da classe média e eu mesmo busco manter acesa minha chama “jovem” com ajuda dos velhos e consagrados combustíveis: cerveja, cachaça, uísque.

E digo: os intelectuais de esquerda estão perdendo terreno na juventude. Por isso eu fundei o Arte & Politica, para tentar salvar, dentro dos modestíssimos horizontes da minha atuação, o que resta de crediblidade estética na esquerda brasileira.

Sim, porque se você vender a idéia de esquerda como aquela da mulher de cabelo no suvaco, mau hálito e sem o mínimo de sex appeal, então meu caro, você vai perder a guerra. Por que a direita está aí, mais forte que nunca, com seu exército de 200 mil filhinhos de papai vitaminados, educados, cabelos cortados, a maioria muito orgulhosa de seu rosto branco e seus belos narizes arianos. Comprar briga com eles, é covardia, eles logo deixariam duzentas ou trezentas mensagens de ódio e vingança, em meio à mirabolantes piadas, além das eternas e descontextualizadas estatísticas que tanto gostam de nos jogar na cara. Cem milhões de mortos! Fora as milhares de criancinhas devoradas vivas por comunistas famintos...

A esquerda, quem defenderá? A meia dúzia de professores aposentados, suavemente esclerosados pelo cigarro, pelo uísque e pela irritante obrigação de trabalhar duro (sem muito tempo para estudos) para pagar a escola particular das filhas?

Respondo: quem defenderá a esquerda não serão os “pensadores” e sim, como ficou claro nos momentos críticos da crise política, os movimentos sociais. Os sindicalistas. Quem esqueceu dos dirigentes dos sindicatos do ABC, do próprio vice-presidente da CUT, que ameaçaram ir às ruas caso as elites ousassem depor o presidente? Quê, chamam a CUT de governista? De petista? Pois fiquem sabendo que a CUT é dez vezes maior que o PT. Não brinquem com a CUT...

Bem, esse artigo era para comemorar a vitória de Evo Morales e destacar a importância do crescente apoio politico de Chávez ao presidente Lula. As lideranças estão fazendo sua parte. Falta os intelectuais fazerem a sua, sobre o que tenho sérias dúvidas.

Por outro lado, enquanto tivermos o Wanderley Guilherme dos Santos, eleito um dos cinco maiores intelectuais da América Latina, defendendo Lula, a democracia e a justiça social, ainda haverá vida inteligente nos meios acadêmicos nacionais. Que venham os ianques, vestidos com plumas tucanóides. Brigaremos sem raiva (ou quase). A democracia é nossa aliada. O povo não pode ser enganado pra sempre. O povo sabe quando está sendo bem tratado e quando não está. Sabe quando a inflação está baixa, a oferta de emprego está aumentando e o salário mínimo crescendo. O povo pode ser ignorante, mas sabe muito bem quando melhora ou piora sua situação.

1 comentário

Anônimo disse...

Yeah!

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