29 de dezembro de 2005

Meu balanço de 2005

"Em 2005 o futuro veio ao presente, mas, como é seu timbre, não veio para ficar. Em vez de previsões certas, temos imprevisibilidades decisivas." Boaventura de Sousa Santos, da Agência Carta Maior


Foi um ano especial. Hà muito tempo que o Brasil não tomava um bom choque político, no sentido negativo. A crise política mostrou uma ferida aberta. Alguns ingênuos achavam que a chegada de Lula simplesmente aniquilaria de vez com a ferida nacional, uma ferida de séculos de injustiça e miséria social.

Em dado momento do ano, a crise política atingiu uma forte tensão. Donas de casa tiveram pressão elevada. Alguns morreram de infarto. O Chico Alencar chorou copiosamente na Câmara quando ouviu que Duda Mendonça foi pago com uma transação financeira no exterior.

Reinaldo Azevedo, editor de Primeira Leitura, atinge os píncaros do prestígio jornalístico, e substitui Olavo de Carvalho na poderosa seção de Opinião do jornal O Globo.

Arnaldo Jabor também projeta-se no jornalismo político. Ocupando uma seção pretensamente artística no Segundo Caderno, Jabor especializa-se em destilar venenos, numa linguagem pós-lacerdista.

Minha mãe rompe com Lula. Diante da tv, ela faz caretas ao ver o barbudinho falando e diz, aborrecida: "como eu pude acreditar nesse bestalhão? Eu chorei por ele!".

Miriam Leitão ganha prêmio de colunismo político nos EUA, o mesmo prêmio que deram ao Lacerda.

Pra mim, o que ficou claro neste 2005 é uma coisa que a gente já sabia. O cerco midiático à Chávez tinha nos alertado. Cercaram Lula em 2005. Fizeram as donas de casa desconfiarem de Lula, as boas senhoras. Os bêbados amargos dos bares murmuram: todos são safados... Lula também é.

Algumas cenas diferentes também marcaram 2005. Na Lapa, às duas da manhã, num bar onde rolava música ao vivo de graça, conheci um trabalhador, pessoa simples, que me pagou uma cerveja. A certa altura, a música alta rolando, ele bateu no peito e falou: Eu sou Lula!. Tinha o rosto contrito, como se falasse com uma espécie de dor.

Há muitos anos, pra não dizer décadas, não ouvíamos dirigentes sindicais falarem tão grosso como este ano. Lideranças dos poderosos sindicatos do ABC paulista e da CUT ameaçaram ir às ruas.

A poderosa entidade CMS, Conselho dos Movimentos Sociais, que renúne a UNE, o MST e a CUT, os três maiores movimentos sociais do país, demonstrou maturidade e força política, ao realizar diversas manifestações de repúdio à tentativa de desestabilizar o governo.

Os colunistas não acreditaram. As donas de casa não acreditaram nos filhos. A mídia tentou abafar. Mas o fato é que a UNE e a UBES reuniram milhares de estudantes em Brasília, defendendo o mandato do presidente Lula e protestando contra a corrupção.

A outra manifestação, contra o governo, não chegou a agradar a mídia, visto que foi um protesto contra TODOS os políticos e organizada pela ultra-esquerda, cujas palavras de ordem são o oposto do que prega a direita.

Eles sabem. Todos sabem que a corrupção não começou no governo Lula. Os estudantes cantavam: "parece piada de salão / ACM Neto falando de corrupção".

O ano de 2005 projetou a revista Carta Capital, de Mino Carta. O lendário editor mais uma vez faltou à festa dos socialites, não aceitando a champagne da direita. Foi corajoso o Mino Carta, pois certamente haveriam dezenas de grandes empresas querendo patrocinar sua revista. Como sempre, ele conseguiu vender uma revista e não ser vendido.

Uma importante leitura que fiz foi uma entrevista do diretor da Transparência Brasil, Claudio Abramo, na qual ele afirma que todos os estudos jurídicos sobre ética que existem no mundo e todos os avanços éticos derivaram de melhorias institucionais e não de nenhuma revolução ética. Falo isso porque a crise política produziu uma grande histeria moral sobre a ética.

Quem saiu mais chamuscado da crise foi, naturalmente, o PT. Mas foi bom para ele perder a ingenuidade. Entrou dinheiro e poder, entrou corrupção. Não tem jeito. Não tem ideologia que resista a um gordo maço de dólares. Não vêem os cubanos? Até hoje fugindo de barca para Miami? O PT, se quer continuar crescendo e sendo o mais importante partido de esquerda da América Latina, tem que implantar rígidos sistemas de auditoria interna, o que, creio eu, será um passo natural.

Quem eu mais lamentei por se ter enlameado na crise não foi nem o Dirceu, foi o Genoíno, até porque o Dirceu está conseguindo dar a volta por cima. Hoje vejo que Genoíno foi, de fato, um péssimo presidente de partido, péssimo burocrata. Mas foi uma grande liderança política e um exímo articulista e pensador político. As noções do socialismo contemporâneo de Genoíno ainda são as mais avançadas. Segundo a interpretação de Genoíno, que eu considero válidas e concordo com elas, as repúblicas modernas caminham para o equilíbrio dos três capitais: social, governamental e privado. O pensamento tem uma lógica dura e bela: governos que monopolizam o capital tornam-se totalitários; países onde o capital privado monopoliza o poder tornam-se repúblicas de banana; o cooperativismo nunca esteve no poder.

Essa é mais ou menos a noção de anarquismo republicano que venho matutando há algum tempo, um sistema econômico e político que conjugue as liberdades individuais do capitalismo com a segurança social do socialismo. Além de ser um sistema político moderno, que se harmoniza com a comunidade internacional, até porque esse sistema inclui o respeito total às leis internacionais e à soberania das nações.

A crise política produziu sofrimento na esquerda. O sofrimento nos faz mais duros e mais espertos. Eu, que vinha me aproximando da poesia, que é maneira mais concisa e profunda de expressão, mergulhei de cabeça nela em 2005.

Voltei à poesia, que é onde tudo começa, tentando resgatar a densidade política do verbo poético. Nos últimos tempos, a poesia brasileira, a meu ver, adotou o pós-modernismo, esse parnasianismo disfarçado e um pouco mais elaborado, com formas mais livres.

Termino 2005 com um livro de poemas, chamado Antes que chegue a primavera, edição virtual, que pode ser baixada e impressa por aqui.

Feliz 2006 para todos.

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