1 de fevereiro de 2007

Entrevista com Jean-Marc Vallée, diretor de CRAZY

No curto trajeto entre a sala de imprensa do Festival Internacional de Curta-Metragem de Clermond-Ferran -para o qual o cineasta canadense foi convidado como júri - e o hall do hotel Mercure, onde marcamos encontro, fui repassando algumas perguntas para a entrevista. Todas me pareciam óbvias, imbecis, repetitivas. Pensei, por exemplo, em perguntar se ele achava que o cinema poderia mudar a vida de uma pessoa. Enfim, convenci-me que a pergunta, apesar de pouco original, não é de todo má e uma entrevista não precisa ser tão criativa como um roteiro de filme experimental. Ao final da conversa, coloquei a citada questão ao diretor, que me pareceu bastante feliz em poder respondê-la.

- Se o cinema pode mudar a vida de alguém? SIM! Um grande SIM! Mas claro! Eu sou o maior exemplo disso. O cinema me libertou da miséria em que eu vivia. Se o filme acende uma faísca na alma de uma pessoa, pode provocar um incêndio renovador, mostrando que a vida é linda.

Os grandes olhos azuis sampaku de Valéé brilharam nesse momento, transmitindo uma alegria serena, olhos que se ajustam bem ao diretor de CRAZY, filme comovente, inspirado na história real de um amigo, cujo irmão se suicidou. Uma história, sempre repetindo as palavras do diretor, sobre os altos e baixos da relação entre pai e filho.

Valleé contou que levou dez anos para fazer o filme. Cinco para escrever o roteiro, mais três para realizar as filmagens, outros três para editar e encontrar patrocinadores e, finalmente, mais um ano para promover o filme no Canadá, onde ele foi o grande vencedor, na categoria nacional, do Festival Internacional de Cinema de Toronto, o principal evento do gênero no país. Estou cansado de falar desse filme, confessou, me incentivando a mudar de tema.

Perguntei como estava o cinema canadense. Ele explicou que há dois cinemas no Canadá, o francês e o inglês. O cinema canadense francês vai muito bem, tem público cativo, encontra eco na mídia local, a população francofônica lota as salas onde os filmes são exibidos. O cinema canadense anglofônico, por sua vez, é fortemente ofuscado pelas super-produções americanas, e o público e mídia desta parte do país não são calorosos com a produção nacional.

Ele contou que estreiou no cinema aos 29 anos, com um curta-metragem. Antes disso, estudou cinema na faculdade e trabalhou como operador de câmera, diretor-técnico e outras pequenas funções em filmes de outros autores.

Valée escreve o roteiro de seus filmes, que viram livros no Canadá, o que permite ao cineasta orgulhosamente autointitular-se escritor. Interessante notar que, no exterior, todas as pessoas que lidam profissionalmente com as palavras têm status de escritor, diferentemente do Brasil, onde aparentemente apenas os que concorrem ao Jabuti merecem o rótulo.

Sobre o Festival Internacional de Curta-Metragens de Clermond-Ferrand, Valée comenta que é uma oportunidade de viajar o mundo através dos olhos de seus artistas. Alguns são negativos, diz ele, outros positivos, uns estranhos, enfim há um blend muito rico de trabalhos de todo o planeta. É uma montanha-russa audivisual pelo mundo.

O relógio bateu duas horas da tarde e Valéé teve que correr para seus compromissos de júri. Fiquei com a lembrança de um cara legal, feliz por ter corrido atrás de seus sonhos, por ter conseguido realizá-los e fazer, por sua vez, milhões de pessoas compartilharem, ao menos nas duas horas do filme CRAZY, do entusiasmo e angústias provocados por esses sonhos.

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