Samuel Johnson escreveu um livro importante de crítica literária, intitulado "Vidas dos mais eminentes poetas ingleses", mas seu nome entrou mesmo para a história por apenas uma frase, a citada por Merval Pereira no texto que publico abaixo. Eu sou um cara bem chato. Não gosto de academicismo, mas também não gosto dessa vulgarização excessiva no jornalismo, porque respeito profundamente o estudo sério das grandes questões políticas, morais e filosóficas. Cientistas políticos, historiadores, filósofos, escrevem volumes e volumes sobre as razões e contrarrazões do patriotismo. Aí chega um jornalista, pega uma frase de um autor inglês do século XVII cujos livros ele sequer leu, uma frase descontextualizada, e faz uma condenação sumária e dogmática de um conceito.
Ora, o patriotismo pode ser uma enorme estupidez, como pode também se converter em bravura, amor, altruísmo. Sem patriotismo, os gregos não teriam vencido os persas e não haveria civilização ocidental como a conhecemos. O que Merval Pereira fez hoje, todavia, é doentio. Ele esculachou Dunga, técnico da seleção brasileira, por defender o patriotismo. Se um jogador de futebol vestindo a camisa da seleção brasileira, cantando o hino nacional antes do início de cada partida, não for patriota, as centenas de milhões de brasileiros que torcem fervorosamente pela vitória de seu país na Copa do Mundo estariam sendo enganados.
Além disso, essa frase se tornou um clichê medíocre. Os leitores sabem que gosto de fazer citações. Mas não se pode embasar um argumento a partir de uma frase descontextualizada. Citações servem como ornamento estético ao texto, só isso, nunca para substituir a construção lógica, baseada na coerência, na dialética, no bom senso, na objetividade, na lucidez. Se quer extirpar o patriotismo da consciência do brasileiro, Merval, o que de forma alguma me surpreende, em virtude de suas preferências ideológicas e partidárias, se quiser fazer isso, enfim, é melhor se esforçar mais.
Abaixo o trecho da coluna de Merval, publicada nesta quarta-feira, no jornal O Globo:
(...) O patriotismo é o último refúgio do canalha, definiu Samuel Johnson, escritor e pensador inglês do século XVII.
Eu me lembrei da frase ontem, ao ver a entrevista do técnico Dunga na convocação dos 23 jogadores que vão disputar a Copa do Mundo na África do Sul.
Não tenho nenhum motivo para considerar Dunga um canalha, coisa que tudo indica ele não é. Mas não digeri bem aquele discurso patrioteiro que ele e seu auxiliar Jorginho fizeram.
Fiquei com receio de que uma certa politicagem equivocada esteja tomando conta da seleção, e que os jogadores estejam levando ao pé da letra a máxima rodrigueana de que a seleção é a pátria de chuteiras.
Mas o que me chamou mais a atenção foi a exagerada dedicação de Dunga ao sofrido povo brasileiro e à exortação ao sacrifício no altar da pátria.
Ele chegou a se referir às lições de patriotismo que recebeu de sua mãe, professora de geografia e história.
Quando começou a falar de apartheid e da ditadura militar no Brasil, não sei exatamente por que, Dunga demonstrou que não é um indivíduo politizado e, portanto, ainda bem, seu apego ao patriotismo não é um escape político. É apenas um equívoco de quem mistura conceitos e tem uma visão deturpada da função de um jogador de futebol numa sociedade como a brasileira.
Achei Dunga rancoroso demais (...)
12 de maio de 2010
Patriotismo de Dunga incomodou Merval
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E porque o Sr. lê Merval Pereira? Tem nada melhor a fazer não?
Você é um troll, né? Mas fez uma boa pergunta.
Merval integra o conselho político das organizações globo, o mais poderoso conglomerado midiático da América Latina.
Suas opiniões tem grande influência na agenda política nacional, sobretudo porque pautam a TV Globo e daí todos os canais de rádio e TV do país.
Ele comenta na Globonews e na CBN, líderes em suas respectivas áreas.
Para participar do debate político, é preciso conhecer os argumentos de quem você discorda.
Por todas essas razões, os textos de Merval são clipados e lidos diariamente pela classe política brasileira.
Em virtude mesmo de todo esse poder, é saudável, é necessário, que a sociedade produza um contrapoder. A blogosfera é esse contrapoder. E a blogosfera são os blogueiros, como este singelo escriba que vos fala.
Não é, portanto, perda de tempo ler Merval. Faz parte do meu trabalho.
Miguel, apesar de ter ojeriza do Merval, eu concordo pontualmente com ele. Nada contra o patriotismo futebolístico em si, mas este patriotismo foi invocado pelo Jorginho para se esquivar de críticas.
A entrevista coletiva vinha num marasmo só, com repórteres fazendo perguntas bajuladoras e sem sal (porque com isso consegue favorecimentos na cobertura da seleção) até que o Cícero Mello, da ESPN Brasil, entrou de sola no Dunga.
Eu até acho os termos da pergunta do Cícero um pouco exageradas, mas é inegável que perguntar sobre a não convocação de Neymar e Ganso era pauta obrigatória das perguntas (dado que havia certo clamor pelas suas convocações) e ninguém o estava fazendo para não contrariar o "professor".
Quando a pergunta surgiu, em tom bastante crítico, o Jorginho apelou (a palavra é essa mesmo) para o patriotismo, num discurso meio "não critiquem, nós somos o Brasil-il-il, a pátria de chuteiras, o país em campo, vamos lá, torçam pela gente... blá blá blá"...
Uma coisa é ser patriota, lutar pelo seu povo. Outra coisa é reivindicar o posto de representante da pátria como salvo-conduto para críticas.
Grande abraço!
Dunga não é só rancoroso, é arrogante;
Sua história passa pela derrota em 90 e a maldosa citação da 'era Dunga', que para a imprensa da época foi uma derrota mais humilhante que a de 1982, pois lá o time jogou bem.
Depois da vitória em 1994, ele tomou para a si a tarefa de provar que o time de 1982 era pior que o de 1994, pelos mesmos motivos os quais ele convoca esse time de 'comprometidos patrióticos'. Quantas vezes eu o vi 'mangando' de Falcão, Zico, Sócrates .. os 'derrotados'. Ademir Menezes e Zizinho tb foram derrotados.
A frase de Samuel Johnson serve como uma luva quando por pura arrogância alguém se acha no direito de ser mais do que alguém em alguma coisa. Patriótico que seja.
O time de 1982, que encantou o mundo, perdeu uma partida impensável, com duas falhas individuais. Uma de Cerezo e depois outra do Leovegildo Junior, conhecido pela gana com que jogava; o time de 1986 foi eliminado nos pênaltis perdidos por Zico e Sócrates. O maestro Platini tb perdeu o seu.
Enquanto o time de 1994, venceu nos pênaltis perdidos por Baggio e Barese, os dois melhores jogadores daquela Itália tão burocrática quando o Brasil. Foi a pior das 11 finais que eu vi em Copas do Mundo.
O que faz Dunga pensar que é mais patriótico que Junior? O que o faz pensar que ele é mais patriótico que Zico, que jogou sua terceira Copa no sacrifício? O Zico que ressurgiu das cinzas após uma complexa operação no joelho, mostyrando uma determinação que emocionava até os vascaínos como eu. Uma das alegrias que eu tive como boleiro foi ver Zico vestindo a camisa do meu time na despedida do Roberto Dinamite.
Somente a arrogância de um canalha, que usa o patriotismo para esconder que futebol numa Copa do Mundo, com partidas eliminatórias, é decidido no acaso, muitas vezes.
Ele pode até ganhar essa Copa. Mas não vai apagar o orgulho patriótico que o Brasil tem daquele time que ele não gosta.
Dunga não leva Neymar, Ganso e Ronaldinho pq eles colocam em risco seu objetivo de provar que é com futebol 'comprometido' que se ganha a Copa.
O repórter da ESPN disse que ele não levaria Pelé em 1958; a confiar no que disse na entrevista, e vem dizendo ao longo desses anos, não levaria o irreverente Garrincha; não escalaria o quarteto de pontas de lança em 1970; não levaria aquele Romário que em 1003 se negou a sentar no banco num amistoso. Parreira, outra porta, queria não levá-lo, mas a eminência de uma desclassificação nas Eliminatórias o fez mudar de idéia.
Dunga não mudaria de idéia para convocar alguém tão 'não comprometido'.
Essa entrevista coletiva de ontem só não desmoralizou Dunga por completo, pq não havia réplica. Foram muitas besteiras em muito pouco tempo.
Em nome do bom futebol eu vou torcer para o Santos, pq o meu time joga hoje igual àquela seleção de 1994. E ainda por cima, não ganha nada. Jogar feio não é sinônimo de vitória Dunga.
O que me incomoda Miguel, não é o patriotismo de Dunga, mas o fato dele achar que é mais patriota que os outros. Pior, ele achar que sabe nos ensinar a ser patriotas.
Vai catar coquinho em Santo Ângelo.
EHEHE, o tema descambou para o futebol. Quem sabe o Merval não tem razão dessa vez? Também não entendi o Dunga convocar o Kleberson em vez do Neymar ou mesmo o Adriano, que poderia ter tempo de perder peso e se recuperar.
Todo brasileiro continua sendo um bom técnico de futebol.
Merval sempre tem as razões dele.
Mas o tema para mim era o patriotismo de Dunga, usado como pretexto para ele fazer o nosso futebol jogar como ele jogava.
Alexandre, você deu uma aula de futebol. Para mim, ao menos. O Dunga é um burocrático, então, né?
Miguel,
O comentário do Knust é muito preciso. Jorginho e Dunga recorreram ao patriotismo como escudo para as críticas à postura burocrática que eles tiveram.
Dá pra fazer uma analogia do Dunga com o Pedro Simon, no seu post sobre o Dornelles. Da mesma maneira que o Simon se considera a encarnação da ética, o Dunga pensa ser a encarnação do patriotismo. Traveste quase sempre a sua arrogância e postura burocrática como patriotismo.
Ser patriota não seria defender as virtudes de nossa pátria, mas também apresentar os seus vícios para que sejam superados.
Os meninos da Vila, capitaneados por Neimar e Ganso, deram as maiores alegrias ao futebol brasileiro nos últimos anos. Todos que amam o futebol brasileiro, bonito e bem jogado, e os queriam na copa, não são menos patriota. São apenas patriotas que queriam ver na copa o que há de melhor no futebol brasileiro: a alegria e a criatividade.
Abraços,
Adriano
p.s.: é a primeira vez que comento aqui, por isso vou aproveitar para parabeniza-lo pelo seu excelente trabalho.
Esse grobo é bastante estranho.
Na primeira página, a manchete: Pra frente, Dunga, me remeteu aos 'gloriosos' tempo de "Pra frente, Brasil" de tão triste lembrança. Aí, vem o Merval e espanca o 'patriotismo' do Dunga et Jorginho.
Dunga é consequência do modelo implantado pelos milicos nos longinquos anos '70.
Perca um minuto de seu precioso tempo e leia o que escrevi sobre esse modelo em (http://gilsonsampaio.blogspot.com/2010/05/cbf-formula-militar-e-dunga.html) ou, se você não achar inconveniente, posso publicar aqui na área de comentários para a apreciação de seus privilegiados leitores.
Esse grobo é bastante estranho.
Na primeira página, a manchete: Pra frente, Dunga, me remeteu aos 'gloriosos' tempo de "Pra frente, Brasil" de tão triste lembrança. Aí, vem o Merval e espanca o 'patriotismo' do Dunga et Jorginho.
Dunga é consequência do modelo implantado pelos milicos nos longinquos anos '70.
Perca um minuto de seu precioso tempo e leia o que escrevi sobre esse modelo em (http://gilsonsampaio.blogspot.com/2010/05/cbf-formula-militar-e-dunga.html) ou, se você não achar inconveniente, posso publicar aqui na área de comentários para a apreciação de seus privilegiados leitores.
A frase foi dita: patriotismo nao pode ser desculpa pra rechaçar criticas. Agora que a seleçao esta formada, quem criticar nao pode ajudar no desempenho do grupo? Ou a cabecinha do Jorginho é Brasil: ame-o ou deixe-o.
Tenho a impressão de que a seleção foi convocada não pelo Dunga, mas pelos patrocinadores. O Robinho, por exemplo. Não mostra um bom futebol faz tempo, mas duas propagandas do Gol da Volks fazem a diferença.
Ah, Adriano, Neymar não é a expressão da 'alegria e criatividade' do futebol brasileiro. É a expressão da sacanagem, da desonestidade em campo, da falta cavada, do 'penalty à brasileira'. É o maior cai-cai dos últimos tempos. O Ganso já é um Jogador com 'J' maiúsculo. Mas Neymar é safado demais da conta.
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