23 de maio de 2010

Tampem o nariz: Serra fala sobre o Irã

O ex-governador José Serra finalmente abriu a boca sobre o Irã. Como era de se esperar, pôs em dúvida o acordo obtido. Disse que "o fato de o Irã desrespeitar os direitos humanos coloca em dúvida a credibilidade dos compromissos assumidos por Teerã".

É uma afirmação estapafúrdia e preconceituosa. Os Estados Unidos desrespeitaram e desrespeitam os direitos humanos no Iraque e no Afeganistão, e nem por isso o mundo deixa de negociar com o governo americano. A China também desrespeita os direitos humanos e o mundo negocia com ela. Só porque o Irã não é rico como EUA e China, não merece nosso respeito e não tem credibilidade?

Uma coisa não tem relação com a outra. O desrespeito aos direitos humanos no Irã são um problema gravíssimo, mas a aplicação de sanções apenas irá agravá-los e ademais se relacionam a dilemas políticos e morais ligados exclusivamente à história e à psicologia dos iranianos. Eles têm que ser resolvidos pelos próprios. Não devemos julgar arrogantemente o problema interno de outros países. Olha teu rabo, macaco. Que eu saiba, o Brasil tem um dos maiores índices de violência do planeta. Milhares de pessoas morrem todos os anos vítimas de homicídios muitas vezes praticados por autoridades policiais, ou seja, pelo Estado; temos índices altíssimos de prostituição infantil e uso de drogas pesadas entre crianças e adolescentes; temos quadrilhas de crime organizado que o Estado não consegue controlar; então tentemos cuidar de nossas chagas, antes de meter o dedo na ferida dos outros.

O tucano mostra mais uma vez que ele usa qualquer pretexto para não dialogar com seu interlocutor. Lideranças sindicais são filiadas ao PT? Sem papo. Porrada. Jornalistas trabalham em TV estatal? Sem papo. Porrada. Fez uma pergunta incômoda? Porrada. A exigência de perfeição no interlocutor como condição para o diálogo é sinal de intolerância e hipocrisia.

Serra faz outra afirmação grotesca: "O Irã é uma ditadura muito feia, que aliás, condena jornalistas". Diz ainda: "É um país que, quando você vai protestar contra o governo, é condenado à forca".

O Irã é um país com representação diplomática no Brasil, e o Brasil tem representação diplomática no Irã. Temos relações comerciais muito importantes. Essa não é uma declaração digna de alguém com ambição de ser chefe de Estado. Em primeiro lugar, não é conceitualmente correta, porque o Irã tem eleições. A acusação de que houve fraude é justamente para desmerecer essa característica democrática. Todos os países do oriente médio enfrentam problemas políticos graves, sobretudo aqueles que possuem grandes quantidades de petróleo. As potências ocidentais sempre articularam para interferir nos processos políticos domésticos dessa parte do mundo. Inclusive, caso não se lembrem, acabaram de invadir o país vizinho ao Irã, matando mais de um milhão de pessoas e devastando completamente a economia iraquiana. Não creio que isso tenha contribuído para que persas e árabes nutrissem grandes amores pela democracia ocidental.

É preciso compreender, portanto, que os problemas políticos do Irã tem um histórico no qual a interferência agressiva dos EUA e outras nações ocidentais desempenha um papel importante. Não é possível que Serra, uma político experiente, que já exerceu funções proeminentes no governo federal, desconheça isso.

Mesmo que se considerasse o Irã uma ditadura, isso não é razão para taxar-lhe, levianamente, de "feia", e ofender a honra do Estado iraniano dizendo que ele não é digno de confiança. O Brasil exporta bilhões de dólares para o Irã. É um dos maiores compradores da carne brasileira. A China também é uma ditadura mas Serra nunca diria nada parecido da China (ou diria? talvez dissesse sim, mas só se a Casa Branca dissesse antes e lhe pedisse para dizer também), porque isso poderia implicar em prejuízo de dezenas de bilhões de dólares para o Brasil. Por que falar assim do Irã?

O Brasil exporta para centenas de países, dentre os quais há dezenas de ditaduras, muitas delas "feias". Mas pagam em dia, e respeitam o Brasil. Serra não age como um estadista, e sim como um militante neocon do Washington Post, com o agravante de que o colunista do Post está sempre pensando nos interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos. Serra não pensa nos interesses brasileiros. Se pensasse, teria observado que a iniciativa do Brasil e Turquia abre novas perspectivas de poder para as nações emergentes, e constituem um divisor de águas na geopolítica mundial. Ontem o Le Monde publicou um editorial em que afirma que os "livros de história guardarão essa data", referindo-se ao Acordo de Teerã como um marco na ascensão do "sul emergente" no cenário internacional. Ou seja, os fatos extrapolaram a questão específica do Irã e ganharam uma dimensão política maior. Serra não enxerga isso, pois está cego por sua ambição de alcançar o poder. O alinhamento canino de Serra às posições norte-americanas mais conservadoras revela sua pequenez e seu despreparo para o cargo que almeja.

Além do mais, Serra peca pelo exagero. A forma mais eficiente de mentir é dizer uma verdade distorcendo-a ou exagerando. É verdade que o Irã reprime protestos contra o governo, mas assistimos pela TV milhões de pessoas se manifestando e sabe-se muito bem que nem todos foram enforcados. Setores da oposição são notoriamente patrocinados pelo governo americano e, em virtude do histórico de interferências externas da CIA na política persa, há uma linha às vezes tênue entre o protesto legítimo e a traição. É trágico porque nessa luta morrem inocentes. Mas é a realidade. Os EUA também não matam inocentes?

Quanto a prender jornalistas, a resposta visou apenas apavorar os repórteres que o entrevistavam. Serra usou a velha tática do medo, tão conhecida pelos norte-americanos, bombardeados incessantemente com ameaças externas, enquanto o governo desvia seus impostos para criar um arsenal bélico monstruoso, que precisa de guerras ou ameaças de guerras para justificar para o americano porque o país mais rico do mundo tem um sistema público de saúde tão capenga.

Também é verdade, todavia. O Irã prende jornalistas. Mas sabe-se que a Colômbia, por exemplo, registra um dos maiores índices de homicídio de jornalistas do mundo, e não deixamos de respeitar o governo colombiano por causa disso.

Abaixo o trecho da matéria, publicada no Globo de hoje, em que Serra fala sobre o Irã.

Ontem, o impasse diplomático acerca da questão iraniana provocou comentários do précandidato do PSDB à Presidência, José Serra. Em visita a Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, Serra afirmou que a solução negociada pelo Brasil deve ser tratada com desconfiança.

Mas, apesar disso, o tucano disse reconhecer boas intenções do governo brasileiro.

— Tem muitas interrogantes a respeito da eficácia disso.

Reconheço boas intenções na ação brasileira. O que precisa ver é se isso vai ser efetivo — afirmou. — O Irã é uma ditadura muito feia, que aliás, condena jornalistas — ponderou.

Para Serra, o fato de o Irã desrespeitar os direitos humanos coloca em dúvida a credibilidade dos compromissos assumidos por Teerã: — É um país que, quando você vai protestar contra o governo, é condenado à forca. Nesse sentido, o Irã desperta muitas desconfianças.

4 comentarios

Unknown disse...

Tá a mil por hora hoje!
Bebeu Bardhal?? :D
Perfeito o texto.

abs

Mario Oliveira disse...

E ainda dizem que esse cara é o "mais preparado". Quanto asneira, quanta inverdade, como é que um cara cuja PM matou de pancadas na frente da mãe um cidadão indefeso como vimos recentemente, vem querer deitar falação sobre direitos humanos, é patético. O que está patente em tudo isso é a ânsia dele de se apresentar como o candidato confiável para o governo americano e a influente parcela pró-Israel do establishment político daquele país. Nenhum vestígio de originalidade ou independência, em suma, uma lástima.

Luiz Monteiro de Barros disse...

Estou sempre aqui. Parabens. Fico feliz de estar usando o oleo.

Anônimo disse...

Parafraseando Jesus "o Cristo" do alto da cruz:
Pai, perdoai-o, ele não sabe o que diz!

Esse é o "mais preparado"???
Poupe-me!

"...ditadura muito feia..." Isso é frase de energúmeno professoral, não de um aspirante a Presidente da República.

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