24 de maio de 2010

Para Globo, fofoca vale mais que declarações oficiais

O pasquim de Ali Kamel, a bem da verdade, atacou desde o ínicio o acordo de Teerã, mas ficou, aparentemente, sob choque por alguns dias, em função do impacto positivo que a iniciativa brasileira causou em setores poderosos da opinião pública mundial. Editoriais no Financial Times, Le Monde, declarações de chefes de Estado, da ONU, os elogios vieram de toda a parte. O núcleo das críticas, por sua vez, partiram dos segmentos mais reacionários dos Estados Unidos, partes interessadas num possível conflito porque ligadas à indústria armamentista.

No Brasil, a opinião pública, a verdadeira, não a dos três ou quatro colunistas mais obedientes aos capos, tendeu firmemente em favor de Lula. A própria mídia se dividiu. A Istoé dessa semana vem com matérias cheias de orgulho pela ação brasileira. O JB deu manchete: Brasil se impõe à ONU e publicou editorial criticando os que se posicionam contra o acordo.

O Globo mesmo publicou manifestações contundentes de leitores defendendo o acordo.

Entretanto, hoje, segunda-feira 24 de maio, o jornal explicita sua posição crítica e se alinha, decididamente, aos que consideram a iniciativa brasileira um desastre diplomático.

O jornal dá mostras, mais uma vez, que não cederá um milímetro em sua missão editorial mais importante, que é derrotar Lula.

Em seu editorial, porém, o Globo omite um fato que derruba toda sua argumentação, que foi a revelação de uma carta de Obama solicitando a Lula que levasse adiante o acordo exatamente nos termos obtidos em Teerã. Inclusive na quantidade: 1.200 quilos.

Quando o Globo diz que para o governo Lula "tudo vale para atingir um alvo estratégico: contrapor-se a interesses dos Estados Unidos e aliados do Primeiro Mundo", ele tenta passar uma imagem caricatural e primitiva dos formuladores da política externa brasileira. É mentira, claro. O Brasil mantém uma relação extremamente positiva com os Estados Unidos. O que o Globo critica é, porém, a independência do Brasil em relação a seu vizinho do norte. Afirmar que a diplomacia brasileira age apenas buscando um confronto gratuito, ideológico, com os EUA, é uma ofensa a inteligência de seus leitores, e representa uma  calúnia ridícula, que só não parece tão grave porque a sociedadade já se acostumou a essas manifestações infantis, pirracentas e exageradas da mídia nacional.

A única alternativa ao Globo agora é persistir na desinformação, até o fim, com omissões de todos os tamanhos, e torcer contra o Brasil e pela guerra.

Triste constatar que o Globo continua se radicalizando políticamente, e se torne cada vez mais obcecado em fazer oposição ao presidente, mesmo que para isso tenha que se opor aos interesses maiores do Estado brasileiro.

Seus argumentos são totalmente risíveis. Vejam esse trecho:

Nas declarações oficiais na ONU, a tentativa de Brasil e Turquia foi considerada positiva.Nas conversas francas, off the record, entre auxiliares de Barack Obama na Casa Branca e repórteres, não se escondeu a irritação com Brasília e Ancara. Com razão, pois postergar os trabalhos no CS é dar tempo para Ahmadinejad obter mais urânio das suas centrífugas, cujo número tem sido ampliado para elevar a taxa de enriquecimento do urânio.

Como a ONU declara-se oficialmente em favor do acordo, o Globo apela para conversas "off the record", como se essas fossem mais importantes que as declarações formais, escritas e documentadas das autoridades. É uma argumentação simplesmente desesperada. O que importa é o que a ONU diz oficialmente, não fofoquinhas de corredor, sem fonte e sem registro, e que provavelmente nem existem. O que importa, cacete, o que pensam "auxiliares de Barack Obama" e "repórteres"? Importa o que pensa o presidente do Conselho de Segurança da ONU, que ligou para Lula parabenizando-o. Importa o que pensa o secretário-geral da ONU, que fez o mesmo. Importa a opinião dos chefes de Estado. Está em jogo a paz mundial, e também alguns trilhões de dólares para a indústria de armas. O Globo, em vez de se ater aos princípios que norteiam a Constituição Brasileira, que é buscar a paz e a harmonia entre os povos, serve de correia de transmissão a lobbies obscuros, que só opinam em "off".

Abaixo a íntegra do texto mencionado. Volto em seguida.

Editorial do Globo, Segunda-Feira 24 de maio de 2010

Suicídio diplomático

Manobra desastrosa do governo afeta interesses do Estado

A temerária operação diplomática empreendida pelo governo Lula para salvar o mundo no Irã terminou como cena de contos em que tapetes persas voam e magos saídos de garrafas curam todos os males: esfumaçou-se no ar.

Infelizmente, ao contrário das fábulas, há previsíveis desdobramentos objetivos contra os interesses do Estado brasileiro — instituição perene, ao contrário de governos.

Ao menos a descuidada operação feita em aliança com a Turquia, levada à frente apesar dos alertas sobre a baixa ou nenhuma confiabilidade do regime iraniano em conversações sobre o programa nuclear do país, ajudou a se concluir de vez que, na diplomacia brasileira, tudo vale para atingir um alvo estratégico: contrapor-se a interesses dos Estados Unidos e aliados do Primeiro Mundo, o “Norte”.

No mesmo balaio, encontra-se a preocupação quase obsessiva — embora legítima — de aumento da influência mundial do Brasil, alvo também perseguido pela sócia Turquia, desde o pósguerra candidata frustrada a entrar no bloco europeu.

Apenas muita convicção ideológica podia levar o governo a ir adiante numa empreitada com todas as condições de dar errado. E deu, no melhor estilo das frases cômicas do Barão de Itararé. Recolocar sobre a mesa, em Teerã, os mesmos termos do acordo proposto aos iranianos, em outubro do ano passado, pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), era infrutífero.

Naquela época, considerando-se os estoques de urânio do Irã, as quantidades de material a ser enriquecido fora do país representavam cerca de 2/3 do total. Agora, pouco mais da metade. Ou seja, se levado a sério pela comunidade internacional, o acerto seria muito menos eficaz como instrumento para reduzir a margem de manobra de Ahmadinejad e aiatolás no seu pouco disfarçável projeto de dotar a ditadura teocrática de armamentos nucleares.

Em 2009, o Irã aceitou as condições encaminhadas pela AIEA — com os Estados Unidos, é claro, por trás, apoiados por Rússia e China —, para logo depois recuar. Na semana passada, a cúpula de Ahmadinejad patrocinou uma festa em Teerã, com direito a braços erguidos de Lula e Erdogan (Turquia), em comemoração ao fechamento do acordo de outubro do ano passado.

A indiscutível manobra para adiar a decisão do Conselho de Segurança da ONU — em que Brasil e Turquia têm assentos não permanentes — sobre novas sanções durou apenas horas. Os Estados Unidos aceleraram as conversas com a reticente China e, logo na manhã seguinte àquela festa — pelos fusos de Brasília e Nova York —, a secretária Hillary Clinton anunciava o consenso com chineses e russos para apertar torniquetes das sanções para obrigar Teerã a negociar a sério.

Nas declarações oficiais na ONU, a tentativa de Brasil e Turquia foi considerada positiva.

Nas conversas francas, off the record, entre auxiliares de Barack Obama na Casa Branca e repórteres, não se escondeu a irritação com Brasília e Ancara. Com razão, pois postergar os trabalhos no CS é dar tempo para Ahmadinejad obter mais urânio das suas centrífugas, cujo número tem sido ampliado para elevar a taxa de enriquecimento do urânio.

Ao ter ajudado, na prática, o Irã a buscar a bomba nuclear, Brasília perdeu parte da credibilidade nos principais centros da diplomacia mundial. Ficou mais longe do assento de titular no CS — entre outros prejuízos, inclusive para a pessoa de Lula, visto agora com menos daquele glamour de simpático metalúrgico que venceu na vida.


*

O que me revolta é essa linguagem ofensiva à diplomacia brasileira, na contramão dos principais especialistas em relações internacionais, inclusive alguns entrevistados pelo próprio Globo. Agora mesmo, acabo de ver, na sessão de Opinião do Financial Times, em destaque, uma manifestação de elogio e respeito à iniciativa brasileira, por parte de um veterano em relações internacionais da Casa Branca e do Senado dos Estados Unidos, que traduzo abaixo:

Crítica de Hillary Clinton não ajuda à causa americana

Publicado em: 24 de maio de 2010 03:00 | Última actualização: 24 de maio de 2010 03:00

Do Sr. Fariborz S. Fatemi.

Senhor, no que se refere a seu artigo "Clinton ataca acordo de Brasil e Turquia com Teerã" (19 de maio): Por que o fantasma da política da administração Bush / Cheney para o Irã ainda assusta tanto? Afinal, o atual presidente dos EUA, muito a seu crédito, disse em várias ocasiões "a nossa oferta global de contatos diplomáticos e diálogo ainda está de pé".

No entanto, o antagonismo que tem sido a marca da política para o Irã durante os últimos 30 anos continua inabalável.

Em vez de criticar a Turquia e o Brasil, o secretário de Estado deveria agradecer a eles pelo uso de uma diplomacia inteligente e objetiva (smart diplomacy). Por que ela está tão determinada a continuar com as acções que perpetuam a desconfiança e o ódio? A que interesses isso serve?Certamente não da América.

Imagine os resultados se todos os seus esforços fossem para obter compromissos, em vez de punir. Agora que a Turquia e Brasil deram aos EUA uma abertura, é no interesse da segurança nacional e da economia americana tirar vantagem desse trabalho.

O senso comum e a urgência de ações exigem ações e não apenas palavras da administração Obama. A Casa Branca deve dar início ao diálogo prometido, baseado no respeito mútuo, e pôr fim à hostilidade que separa Irã e Estados Unidos.

Fariborz S. Fatemi,

McLean, VA, E.U.

(Ex-membro da Comissão dos Assuntos Externos da Casa Branca e da Comissão de Relações Exteriores do Senado)

*

Observem bem! Segundo Fatemi, a postura negativa de Hillary Clinton não beneficia sequer os interesses dos próprios americanos e se pergunta a quem interessa o não-diálogo com o Irã. Podemos então nos perguntar: se o acordo beneficia os interesses geopolíticos do Brasil, porque o jornal se posiciona de forma tão radicalmente negativa em relação a ele? A quem interessa que o acordo não dê certo? O Globo, mais uma vez, marca posição contra o Brasil.

*

Abaixo, nota publicada na coluna de Nelson de Sá, na Folha desta segunda-feira:

No canal France 24, o ex-diretor da agência de energia da ONU, Mohamed El Baradei, saudou o "bom acordo", que deu como "único modo de avançar". No canal C-Span, a ex-secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright declarou que "estamos vendo um mundo muito diferente", em que "outros países tentam mostrar que têm um papel a interpretar. O Brasil claramente tem". Em análise, a CNN avaliou que o país expõe "a crescente insatisfação com a ordem mundial datada e injusta". E o canadense "Globe and Mail", em coluna, disse que Brasil e Turquia estão "redesenhando as linhas que dividem as nações do mundo" e cobrou o Canadá por ficar para trás nesta "corrida ao centro".

O Globo está se recusando a ver o que é um marco histórico, não apenas para o Brasil, mas para todas as nações emergentes. Não sou eu que estou falando. É o mundo inteiro.

3 comentarios

jozahfa disse...

Miguel, peso grande terá a própria opinião pública norte-americana sobre a questão Irã. No dia do editorial do New York Times dei uma olhada nos comentários dos leitores e não vi ali nem uma posição a favor das sanções. Quase todos eram veementes em condenar a postura agressiva da Casa Branca. Pode não parecer, já que continuam com a mesma política externa de Bush, que é comandada pelos lobbies do petróleo e sionista, mas não foi à toa que Obama foi eleito.
Mas ainda assim fica a pergunta: Podemos esperar mais do povo americano?

Anônimo disse...

Que bagulho é esses que os caras andam fumando!?

Juliano Guilherme disse...

Miguel, não preciso ler o editorial, mesmo porque dá azia, para saber que o Globo defende que o Brasil fique de quatro para os EUA. O jornaleco se alinha às viúvas do falcões do Bush que inclui a pseudo-democrata Hilary. Sem o menor pudor, pois o principal para eles é que o Brasil e o "cabeça chata metido" saibam seu lugar, ou seja, a da subserviência. Um país tropical que produz novelas para videotas do mundo inteiro, e comodities para os "países superiore". Por isso que o Mainardi é uma figura que serve a um bom propósito. Escancara sem menor vergonha na cara esse sentimento anti-Brasil que é de todo o pig

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