9 de maio de 2010

Delgado posa de amiguinho do urso

Deparei-me, neste domingo, com um artigo que me irritou. Acho que é pertinente falar dele, no entanto, porque me pareceu uma insinuação pornográfica que não desejo ver prosperar no partido da candidata que eu apóio. Desculpas pela expressão chula, mas não pensei em nada mais exato: Paulo Delgado, deputado federal pelo PT de Minas Gerais, argumenta que a política deve mostrar o traseiro à imprensa.

A bem da verdade, não sei se entendi direito, porque Delgado escreveu em código. O nobre parlamentar deve ser um admirador de ensaios estruturalistas, esses que ninguém entende, e por isso mesmo servem maravilhosamente aos interesses dos gabinetes de pósgraduação.

Mas eu fiquei sabendo que Immanuel Kant também não entendia nem tinha paciência para a escolástica medieval, então inventou a filosofia moderna. Isso me deu coragem, porque eu sempre vislumbro, nesses textos misteriosos do pósmodernismo, um ar gótico de monges murmurando.

O artigo de Delgado não é tão difícil quanto Deleuze. Talvez o francês realmente tivesse algo novo e importante a dizer por trás de suas metáforas psicodélicas. O deputado lembrou-me mais aquele norte-americano doido que tentou viver em sociedade com ursos selvagens. Os animais o suportaram por algum tempo, até que se encheram. E o comeram.

O deputado mantem uma relativa (e vulgar) pose acadêmica enquanto diz platitudes pseudoprofundas, mas escorrega assim que pronuncia algumas palavras em linguagem inteligível. Como isso:

No Brasil as leis comerciais estão mais avançadas do que as leis políticas: se posso devolver uma geladeira com defeito porque não posso devolver um político estragado?

Perdoem-me novamente, isso é estupidez. As leis políticas do Brasil, até onde eu sei, são tão modernas quanto de qualquer outro país democrático. Ou ainda: são melhores que a de nações mais ricas, visto que na Inglaterra, por exemplo, perdura a tradição ridícula de esperar a rainha entregar o poder ao primeiro-ministro.

Comparar um político a uma geladeira não me parece científico e creio que nem o mais alucinado mestrando da Uniban ousaria escrever algo assim. Poderia explicar ao deputado que eu não posso devolver um politico estragado porque, entre outras coisas, não se trata de uma escolha individual (se assim o fosse, eu, sendo mineiro, declararia agora que ele, Paulo Delgado, já perdeu a validade), mas creio que ele mesmo já saiba disso.

Mas se ele sabe, o que o motivou a escrever o texto? A falta de clareza, a desarmonia entre as frases, sugere uma consciência torturada, em luta consigo mesmo, equilibrando-se desajeitadamente entre a defesa da liberdade e o medo da imprensa. Aquela algaravia confusa, contudo, tem um objetivo. Provavelmente se trata de uma manifestação espontânea e ingênua, uma tentativa canhestra de se mostrar prestativo e bem comportado. Voltamos portanto à expressão chula. Delgado mostrou um pedacinho de bunda para os latifundiários da mídia, particularmente para o jornal O Globo, onde a coluna foi publicada.

Abaixo o texto mencionado, intercalado com algumas observações minhas em vermelho.

Propaganda ou notícia :: Paulo Delgado

Os bons políticos são como os bons jornalistas: têm seu maior teste de caráter quando decidem não chutar a cabeça dos que já estão no chão. Pois quem busca a verdade não precisa triunfar sobre ela. Mas o código de desmascaramento da realidade sob o qual se orienta a imprensa está mais próximo da democracia do que os códigos de mascaramento da política.

Noticiar é informar de forma objetiva, imparcial e independente, e assim também contribuir para deter ou mudar o rumo das coisas. Há um quê de missão na atividade jornalística que concorre com a política. É aí que a política se irrita e passa a ver como partidária a imprensa. Não é por outro motivo que a cobertura de guerra — onde a política fracassa e muitas nações colocam seus destinos e sua honra — ainda é a fonte das grandes reportagens e do grande repórter.

Quando faltam relevantes questões políticas imediatas — fruto até da evolução da sociedade — a verdade é tratada como o êxito de uma ideia de quem detém um produto, o poder ou a autoridade. Fato constatado tanto na relação entre imprensa e publicidade existente nas empresas de comunicação quanto no elo entre política e propaganda que prospera nos palácios. Na indústria da política, a mercadoria nem sempre é a verdade e a justiça, mas a uniformização da opinião sobre as duas.

Em um mundo de superabundância na concorrência das mercadorias, muitas vezes a profusão da publicidade é inversamente proporcional à qualidade dos produtos anunciados.

Há mais propaganda de carro ruim do que de bom, não por acaso. Mas ali, a defesa dos consumidores, cada vez mais cidadãos com direitos, cuida de se autorregular e deter a propaganda enganosa, abusiva, desleal, bem como a formação de monopólios ou práticas de dumping, em busca de uma superioridade moral para a velha e necessária atividade comercial.

Ouso mesmo vislumbrar a abertura democrática na China vindo mais pelas mãos da concorrência comercial do que pelo fim da censura à imprensa.

Até agora, coisa impossível em Cuba que não tem nenhuma das duas. No Brasil as leis comerciais estão mais avançadas do que as leis políticas: se posso devolver uma geladeira com defeito porque não posso devolver um político estragado? O princípio organizatório da troca invadiu a política quando cresceu a dissociação entre política e ideal, e o exercício do poder perdeu a universalidade, transformando-se em administração de pressões e recursos para aliados. Com isso, alargou a distância entre a opinião pública, os partidos e a gestão do Estado, de um lado, e as organizações civis independentes, do outro. Por instinto de liberdade e autonomia, e fiel ao seu código fonte, aumentou ao mesmo tempo a afinidade entre a imprensa e a sociedade civil, suas redes. Isso acendeu um alerta nos agentes do Estado, sempre desejosos de capturar e colonizar a sociedade. Primeiro nasceram as mídias dos poderes em profusão e autoelogio. Mas o poder é insaciável — em qualquer tempo e lugar — e o que se viu a partir de então foi o avanço da cooptação das ONGs e o enfrentamento com a imprensa, agravando o provincianismo, a intervenção reguladora sobre todas as esferas e a defesa estridente de interesses específicos; deu na democratização fragmentada por agendas grupais e não negociáveis, o que nem sempre significa melhoria da democracia, combate à desigualdade, diminuição da violência.

O melhor da liberdade são seus excessos, desde que mediados pela criação de regras de autorregulação e responsabilização, considerando a lógica da ordem jurídica e o interesse de cidadãos livres. Mas dispensada a ordem unida que vem do Estado.

Autorregulação... tá vendo? Isso é uma mensagem cifrada de apoio ao Globo ou o quê? Na verdade, faria mais sentido se esse artigo fosse publicado no site do instituto Millenium. Falou mal de Cuba, comparou política a geladeiras estragadas... Faltou só defender sanções contra o Irã e pregar o voto em Marina Silva...  Quanto a "o melhor da liberdade são seus excessos", a frase ficaria melhor na boca de Sid Vicious, baixista do Sex Pistols. Isso é o quê? Elogio ao crack?

Pois o estatal pela sua força e influência precisa também ser regulado. É preciso rejeitar a ideia de uma sociedade homogênea e continuar a avançar pelas contradições e complexidades, especialmente em países de democracia tardia como a nossa.

Ah, o estatal precisa também ser regulado? Pensei que o sufrágio universal, os tribunais de contas e a Constituição tivessem essa função. Delgado defende, todavia, que Ali Kamel, ele sim, seja o supremo juiz do Leviatã estatal.

Se a notícia constrói ou desconstrói poderes essa é a medida mesma da liberdade da imprensa e da qualidade da democracia — sempre oposta ao poder e sua indústria da euforia movimentada segundo conveniências políticas.

Tá certo. A notícia, mesmo mentirosa, pode tranquilamente destruir governantes eleitos. Isso é muito democrático. Dêem logo uma arma para o Otavinho e mandem ele plantar-se, com aval da Justiça, na porta do Palácio da Alvorada.

PAULO DELGADO é deputado federal (PTMG).

7 comentarios

Anônimo disse...

Bom dia meu caro , sou de JF e conheço bem esse senhor , se já não bastasse ser empregado da FIESP e deputado pelo do partido dos trabalhadores esse sujeito faz qualquer coisa para aparecer na mídia , só que ele se esquece que os eleitores dele estão em MG e o Globo é um jornal carioca , portanto ele não vai chegar á lugar nenhum com esses artigozinhos .

GilsonSampaio disse...

Desculpe-me pela trapaiada, é que comentei sobre o Paulo Delgado no tópico errado. Agora, vai.

Miguel,
Paulo Delgado era o interlocutor do PT junto a FHC. Isto explica muita coisa mas não explica tudo.
No tempo fernandino, era voz corrente que o deputado 'cavava' um embaixada para si.
Isto explica tudo.
É a volta dos áulicos mortos-vivos.

jozahfa disse...

Eu já estou desconfiado é de tudo que é PT aqui em Minas. Vou direcionar minhas atenções e corações ao PCdoB da Jô que, como diz a moçada, é o que tá tendo de melhor.

Adriano Matos disse...

Atenção mineiros, vamos gravar esse nome: Paulo Delgado.

Esse é um artigo quase de encomenda!
Acho que o deputado não apenas se abaixa prá lhe deixar verem, propositadamente, os fundos mas, também, os coloca à venda no mercado da mídia.

Carlos Augusto disse...

Com a saida dos militares e a volta da eleição de representantes, votava no PT. Acreditava no que pregavam. Via retidão em seus representantes. Paulatinamente fui desencantando e me distanciando devido notar que se pareciam demais com os que eu tinha desprezo. Agiam como reflexo. O texto mostra as incoerencias. O tal deputado baixa-se às idéias mais retrogradas. Esquece quem são seus eleitores. Nojo!

IV Avatar disse...

Nem se parece com o Delgado da luta antimanicomial, autor deste texto
http://www.paulodelgado.com.br/revista-cidadania/abaixo-a-barbarie/

Galvão disse...

É mais um serviço que o Deputado Delgado presta ao Partido da Imprensa Golpista (PIG). Não é novidade. Nas décadas de 80/90, ele era a menina dos olhos do "Informe JB" e Painel (FSP), sempre pronto a “vazar” para a imprensa, informações reservadas do partido. Conheço o Paulo Delgado desde 1980: estivemos juntos na fundação do PT e posso afirmar: mais tucano do que ele é impossível. Aliás, apesar de sucessivos mandatos, ele nunca foi cogitado para qualquer cargo no governo do PT. Só no governo do FHC é que ele foi convidado para uma embaixada do Brasil na África e só não foi por ter sido vetado pelo partido. Paulo Delgado foi deputado do Partido dos Trabalhadores por vários mandatos e quando perdeu a eleição, não retornou ao seu emprego de professor na UFJF - foi prestar consultoria à FIESP É ou não é coisa de tucano?

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