Eu respeito profundamente o Zuenir Ventura. Li seus livros na adolescência. Tenho certeza que é um jornalista sério. Não posso confiar, contudo, em quem trabalha n'O Globo. A atmosfera de golpismo não perdoa ninguém. O mais isento, honesto, e bem intencionado dos profissionais acaba sendo vítima do reacionarismo que tomou conta das redações. Não só jornalistas, todo mundo entra nessa. Até a esquerda, por ingenuidade, falta de informação, ou oportunismo.
Hoje Zuenir comenta sobre o caso de Romeu Tuma Jr. Diz não entender porque o governo ainda não o demitiu [atualização: nesta manhã, Estadão informa que o governo o afastou por 30 dias]. Verdade, Zuenir. Até pouco tempo nunca um funcionário do Executivo resistiria tanto. O governo Lula parece ter aprendido que mutilação é coisa séria. Não se pode amputar um dedo toda vez que a imprensa acusar uma gangrena.
Não sei porque, eu não gosto desse Romeu Tuma Jr. Deve ser o nome dele. Não gosto do Romeu Tuma pai, então não gosto do Júnior. Mas essa é uma razão leviana e procuro controlar isso. Por outro lado, suspeito que a mesma razão que não me leva a gostar dele é também um motivo de Tuma ser uma vítima perfeita para o famigerado "assassinato" de reputação. Ele não tem carisma junto à militância de esquerda. A direita quer mais é ver o governo Lula sangrar. Ele está sozinho.
Há vários fatores, todavia, que me levam a não entrar na onda midiática. Eu li as transcrições de conversas telefônicas, e a primeira coisa que me espantou foi publicarem inclusive os trechos mais inocentes, em que o único "crime" era um palavrão ou uma gíria. Esse tipo de exposição midiática gera enorme desgaste da autoridade junto à opinião pública. A pessoa é vista como um bandido pela população apenas por que disse "caralho".
Outra coisa que me surpreende é essa contínua promiscuidade entre setores da Polícia Federal e imprensa, com vazamentos seletivos de conversas. Isso não promete coisa boa... Estraga-se investigações importantes para se criar sensacionalismo de oposição.
Em entrevista, Tuma explicou que os jornais cortaram trechos que contextualizavam o que ele disse. Referia-se especificamente a esta observação de Zuenir:
Em um, o coordenador das ações de combate à lavagem de dinheiro aparece tentando relaxar o flagrante da apreensão de US$ 160 mil que estavam sendo levados ilegalmente na bagagem de uma deputada, do Aeroporto de Guarulhos para Dubai.Enfim, reitero o que vivo dizendo aqui: não boto a mão no fogo por ninguém. Quase todo ser humano é corruptível. Mas também não a ponho no freezer. Não gosto desse clima de linchamento. O importante é termos instituições com autonomia para investigar inclusive a si mesmas.
Não estou aqui a defender Tuma Jr., e sim, mais uma vez, o princípio de presunção de inocência. Falar palavrão ao telefone não é motivo para demitir ninguém. Até onde eu entendi, as conversas entre Tuma Jr. e o chinês não constituem provas suficientes. Em entrevista recente ao Globo, Tuma falou uma coisa certa: a prova de que eu não protegia esse chinês é que ele está preso.
A única instituição que pode julgar Tuma, que pode afirmar que ele é culpado, é a Justiça. E se ele não é culpado, não há porque ser demitido.
Outra coisa, porém, são as condições políticas. A imprensa produz uma situação em que a pessoa fica impossibilitada, inclusive psicologicamente, de continuar seu trabalho. Aí o funcionário é afastado, e a medida é vista como admissão de culpa, quando, muitas vezes, nada mais é do que o resultado da tensão gerada pela mídia. É novamente o caso aqui. A mídia deflagra um processo de satanização de Romeu Tuma Jr. e aí aponta o dedo para ele e começa a berrar, como um pastor evangélico, que aquele homem é um diabo e o governo lhe protege porque integra as forças do mal.
Em virtude das eleições, é possível ainda que a guerra interna da Polícia Federal esteja ganhando intensidade. O grupo que vaza as conversas de Tuma Jr. deve estar interessado, por alguma razão, em derrubá-lo. As pessoas, mesmo se considerando espertas, são sempre ingênuas. Mesmo o Zuenir.
Por exemplo: é bem possível que Tuma Jr. não seja um santo. E pode ser também que haja uma trama para derrubá-lo movida por interesses muito mais escusos e perigosos do que qualquer coisa que Tuma Jr. jamais tenha feito.
O chato nessas situações é que, nós, simples mortais, não temos acesso às informações mais importantes.
Por isso, a única atitude sensata, a meu ver, é deixar que as investigações se aprofundem. O Brasil tem um sistema judiciário caríssimo. Os juízes e seus técnicos ganham bons salários justamente para fazer esse trabalho.
O Comitê de Ética da Presidência da República entrou em cena para investigar Tuma.
A Controladoria Geral da União também foi acionada.
A PF está analisando o caso.
O ministro pediu que ele saia do cargo. Ele não quer sair. Quer lutar por sua inocência. Não sabemos se por malícia ou por justiça. E o ministro não queria demiti-lo sem estar amparado em algum memorando institucional que afirme claramente a culpabilidade do funcionário. (Atualização: já o afastou).
A imprensa, claro, já encara a questão como mais uma guerrinha de nervos contra o governo Lula. Ninguém valoriza a independência da PF em poder investigar, com toda a liberdade, um alto funcionário do ministério que, teoricamente, controla a própria PF.
Daí porque eu acho que Zuenir Ventura, quando escreve assim, não está sendo Zuenir Ventura. Está sendo apenas um colunista do Globo, escrevendo coisas previsíveis e reverberando acriticamente o eco dos gritos que a própria empresa para a qual ele escreve espalha pelas ruas.
Zuenir entra na dança de roda junto com outros empregados para transmitir sentimentos derrotistas. Um verdadeiro clichê global. "Antigamente, os de colarinho branco que se viam às voltas com a polícia eram menos arrogantes. Hoje, são engomados e afrontam." Não é verdade, Zuenir. Antigamente, eles não eram presos. Hoje são. Maluf foi preso. Arruda foi preso. Cacciola foi preso. Centenas de figuras importantes foram presas nos últimos anos: juízes, desembargadores, altos servidores públicos, advogados. Um dos homens mais ricos e poderosos do país, Daniel Dantas, apenas não foi preso porque Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu-lhe dois habeas corpus no espaço de poucas horas. Mas ele foi condenado, ao menos.
Perante o histórico de acusações afoitas e injustas, por parte da imprensa, a qualquer um ligado ao governo Lula, é preciso ser moderado na sanha por castigo. Está todo mundo na cola de Tuma. Se ele for culpado, vai cair, vai pagar. Mas sem linchamento, por favor.
E não vejo razão em usar esse caso para atiçar nosso complexo de viralata. Para isso, há coisas mais graves acontecendo. Problemas na saúde, na educação, violência. A tortura e a morte de inocentes pela polícia de um grande estado brasileiro, por exemplo, me parece um caso muito mais gritante do que esse. Ah, esqueci, a mídia brasileira se importa apenas com presos cubanos. O Brasil tortura e mata inocentes e o Clovis Rossi quer que o Lula reclame dos direitos humanos no... Irã.
Abaixo a íntegra da crônica de Zuenir.
Colarinhos engomados
Anteontem em Sampa, no cruzamento da Ipiranga com a Avenida São João, não se falava de outra coisa: ou o Tuma Jr. é muito forte ou o governo, muito fraco. Ou as duas coisas. Diante do que foi revelado contra o secretário nacional de Justiça, era para ele ter caído logo. Em vez disso, como mostrou Luiz Garcia, ele lançou o desafio: Tirem o cavalo da chuva. Não vou sair. Falou como se o cargo fosse seu e não de quem o nomeou, e como se servidor público não devesse satisfação à sociedade. Enquanto isso, continuavam pipocando transcrições de escutas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal.
Os diálogos mostram as ligações perigosas de Tuma com o chefe da máfia chinesa paulista. Foram vários telefonemas.
Em um, o coordenador das ações de combate à lavagem de dinheiro aparece tentando relaxar o flagrante da apreensão de US$ 160 mil que estavam sendo levados ilegalmente na bagagem de uma deputada, do Aeroporto de Guarulhos para Dubai.
Apesar dos indícios, Tuma recebeu palavras de confiança até do presidente Lula, e prosseguiu falando grosso. Quando o ministro da Justiça pediu que ele deixasse o cargo, ele não atendeu. Só depois, numa segunda reunião e após muito desgaste político para o governo, o secretário concordou em tirar alguns dias de férias, como alegou. Pode ter sido uma saída honrosa, se coubesse o adjetivo. Antigamente, os de colarinho branco que se viam às voltas com a polícia eram menos arrogantes. Hoje, são engomados e afrontam.
Vejam outro exemplo, esse, hediondo, o da procuradora denunciada por torturar uma menina de 2 anos. Foragida, mandou recado desaforado para a Justiça: só vai se entregar quando for julgado o mérito do habeas corpus. Só faltou dizer: Tirem o cavalo da chuva.
Eu estava entre os milhares de velhinhos que se vacinaram contra a gripe no sábado passado. Pena que no meu posto, em Ipanema, tenha reinado a maior bagunça. Na fila de duas horas na calçada, um sol de 50°. Lá dentro um ar mais fresco, mas não havia senha, tinham acabado. Vocês não podem imaginar a confusão. Um dos voluntários, nervoso, tentava impor a ordem, alegando que estava ali sem café da manhã, sem almoço e faltou dizer sem paciência. No desespero, passou a gritar: A senha acabou, agora a senha sou eu! Como era um só, quis lhe perguntar se ia se sortear. Mas calei porque ele não estava pra brincadeira: Não quero perguntas! Quando eu saía, aliviado, uma senhora disparou: Tá com a crônica pronta, né?
Prezado Miguel.
Desconfio que Romeu Tuma Jr. arrumou inimigos dentro e fora da PF quando conseguiu, a pedido do Ministério da Justiça, bloquear bens de Daniel Dantas nos EUA. Lembremo-nos que DD é o queridinho dos demotucanos, herói da privataria de FHC.
Não sabia dessa, Roberto. Quer dizer que o Tuminha rosnou pro Daniel Dantas, hein? Então ele serviu para alguma coisa!
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