Dessa vez Lula perdeu. A mídia aproveitou o fato do presidente estar de férias para se esbaldar. O governo ficou totalmente encurralado. Tipo se fugir o bicho pega se ficar o bicho come. E a blogosfera não pode ter a ilusão de achar que já tem força suficiente para se contrapor à avalanche de calúnias da grande imprensa. A blogosfera é fundamental no combate às mentiras da mídia, mas quando todos jornais e revistas e portais se unem numa só frente, a briga fica muito desigual.
Hoje Roberto Damatta, num exercício de desonestidade intelectual incrível, bota uma bala de prata em seu revólver antropológico e dispara. O Programa Nacional de Direitos Humanos, chamado por ele de "decreto cultural centralizador", reflete (segundo ele) uma crise institucional que vem desde que Dom João VI abandonou Portugal em 1808, fugindo de Napoleão, e se refugiou no Brasil. Damatta, naturalmente, ressalva que ainda há cachorros de raça no mundo: os Estados Unidos. Os vira-latas brasileiros ainda tem muito a aprender.
A mídia oposicionista meteu um gol bonito, não há como negar. Conseguiu acuar toda a base do governo no Parlamento, que reagiu negativamente ao PNDH 3. É isso que a blogosfera e a esquerda não compreendem. As escaramuças virtuais não refletem a correlação de forças nas altas esferas institucionais. A influência mais poderosa da mídia se dá sobre os próprios políticos. Há uma ala de centro, conservadora, que é peça-chave na sustentação parlamentar do governo. Afinal Lula conseguiu operar uma delicada alquimia. Não foi apenas o governo de esquerda que se inclinou ao centro e à direita. Alguns próceres de centro e da direita também caminharam para esquerda. Lembro que Francisco Dornelles, senador fluminense conhecido por suas posições conservadoras, fez uma comovente defesa da CPMF e da necessidade de se financiar a saúde pública, e tem sido um valioso paladino dos aumentos do salário mínimo e das aposentadorias. Assim ocorre com diversos outros parlamentares. O próprio Sarney, outro conservador famoso, tem sido um dos maiores apoiadores de programas sociais do governo e um sólido partidário de manter o pré-sal sob controle do Estado.
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Em outras frentes, a oposição obteve vitórias importantes. O PV de Marina Silva aproxima-se cada vez mais de José Serra. O PSDB conseguiu convencer Gabeira a se candidatar ao governo do estado do Rio, para dar um palanque a Serra em território fluminense.
Marina Silva, aliás, também criticou o PNDH 3, apesar de saber que se trata de um documento valiosíssimo para o meio ambiente e para os índios, que tem seus direitos regulamentados e ampliados. Sua crítica é leviana. "Num governo de 8 anos, porque não foi feito antes?" Que declaração estúpida! Se o Programa é bom (e ela não tem coragem de afirmar o contrário), a reação nunca poderia ser essa, e sim: "finalmente!"
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A balbúrdia golpista em torno do PNDH 3 representou uma derrota para o governo, que sai chamuscado à direita e à esquerda. A direita, cujo porta-voz maior é a grande mídia, encontrou a prova de um governo com viés autoritário, uma acusação que ganha muita força num continente em plena combustão ideológica, dividido entre chavismos e antichavismos. A esquerda, por seu lado, não reconhece no governo um aliado confiável. Não perdoa recuos - apesar de que, tantas vezes, é necessário recuar para avançar adiante.
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Qual a lição disso tudo? A lição é não subestimar o Leviatã midiático. Ele conseguiu converter um programa de direitos humanos não vinculante, cheio de propostas bem intencionadas, mas vagas, que busca dar mais dignidade aos cidadãos brasileiros, que busca progredir na forma como se entende a ditadura, e que ainda será discutido exaustivamente no Congresso Nacional, conseguiu convertê-lo numa carta de intenções golpistas. E com isso deram um contra-golpe, pegando um governo desprevenido, com sua equipe ainda de férias, com sua base parlamentar em recesso.
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Enquanto isso, José Serra permanece quietinho, sem dar opinião sobre nada. E ninguém cobra nada também. Sua estratégia será sempre essa: assistir a grande mídia vir com toda a força contra o governo, desmantelando-o peça por peça, para só no último momento, quando Lula e Dilma estiverem agonizando no meio do descampado, aproximar-se, costeando o alambrado, e disparar o tiro de misericórdia: algum escândalo de última hora, que já deve estar sendo devidamente articulado.
13 de janeiro de 2010
Mídia 1 X 0 Lula
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É brabo...uma parada dessas pode botar a Dilma em risco.
Se bem que, da mesma forma que não se pode se subestimar o poder da mídia, tambpem não se pode subestimar a capacidade do Lula de devolver a paga.
Acho que você pintou com cores fortes este round contra o PIG. Tá, eles estão se esbaldando nas suas falas, mas eles têm credibilidade? Acho que não. Só convence que quer ser convencido.
Acho que realmente temos que ter muito cuidado daqui para frente, no ano eleitoral, pois eles estão só de tocaia, mas não acho que eles produziram este rombo todo que você alega.
Quanto a um post que você colocou sobre o estrago, mostrando a coluna de leitores, nada mais conduzido. Esta coluna foi escrita pelos próprios. O povo mesmo que conta (a classe média para baixo) não tá nem aí para este assunto.
Mas, no final de contas, quem levou foi o Lula. Já leu o novo decreto? Tira "repressão política" e substitui por "examinar as violações de direitos humanos praticadas no período fixado no Artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição (regime militar), a fim de efetivar o direito à memória e à verdade história e promover a reconciliação nacional”. "
O resto fica tudo igual, inclusive os pontos polêmicos.
Exato, Vera. Ainda é cedo. O Jornal Nacional continua a campanha. Mas ao que parece, o Lula peitou a mídia. Vamos esperar um pouco para ver o que acontece.
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