8 de janeiro de 2010

Destrinchando o eleitorado

Nem sempre os números são frios. Se olharmos para eles com um pouco de imaginação, podemos enxergar também emoções; isso é imprescindível para compreender fenômenos sociais. Historiadores astutos procuram reconstruir o pensamento e o modo de sentir de sociedades antiquíssimas através de pequenos vestígios arqueológicos, como um pedacinho de vaso ou fragmento de um poema. A maior parte dos textos do Egito antigo, por exemplo, referem-se a contas de Estado: número de habitantes, volume da colheita, esse tipo de coisa. Com isso os acadêmicos procuram, usando muita sensibilidade, reconstituir, em detalhes, como era a vida de gente que viveu há milhares de anos.

Já citei por aqui uma frase de Flaubert, dizendo que era preciso muita imaginação para poder compreender a tristeza pela destruição de Cartago, uma das belas cidades do Mundo Antigo, arrasada inteiramente pelo exército romano, que chegou a lançar sal sobre o solo, para que nenhuma vegetação voltasse a crescer na área.

É preciso também amor, claro. O historiador deve amar o que faz, porque de outra maneira não encontrará a colossal energia e determinação necessárias para dedicar uma inteira existência à pesquisa de um tema específico, correndo sempre o risco de perder o trabalho de uma vida por causa de uma interpretação equivocada.

Digo tudo isso porque voltei às pesquisas do Datafolha divulgadas em dezembro do ano passado, e procurei analisar os números com um pouco mais de atenção. Vamos falar, de início, dessa tabela aqui (clique para ampliar), que eu editei para simplificá-la:




Duas coisas me chamaram a atenção. Entre as pessoas que ganham até 2 salários mínimos, 40% deram nota 10 ao desempenho do governo Lula. Qual o significado disso? Os historiadores frequentemente falam da enorme popularidade de que gozavam Júlio César, Napoleão, Oliver Cromwell, e outras grandes lideranças populares que se tornaram legendárias. Mas nunca tivemos uma base de dados realmente confiável para confirmar tal suposição, de maneira que os cientistas são obrigados a usar a imaginação para juntar os cacos dispersos dos vestígios históricos, e montar, com um máximo de objetividade, a realidade política de cada época.

A conclusão a que me arrisco é que o governo Lula conseguiu obter, junto às camadas mais pobres da população, não apenas uma aprovação invejável, mas uma verdadeiro entusiasmo. Os números do Datafolha indicam claramente que o povo ainda tem esperança.

Por isso é tão odioso, tão triste, quando vemos que o próprio jornal que apura essa realidade decide apelar não para uma crítica honesta, o que será sempre necessário, ao desempenho do presidente, e sim para baixarias nojentas, despolitizadas, e que visam atingir justamente as mentes mais simplórias, como a desferida por César Benjamin, que acusou Lula de tentar estuprar um colega de cadeia. A Folha, incompetente para fazer uma crítica séria e objetiva às ações do governo, comprou um traidor que lhe indicasse uma trilha para atacar os espartanos pelas costas. Para atacar por trás, desonestamente, a própria esperança dos brasileiros.

A mesma tabela traz outro número curioso. A faixa etária que mais gosta de Lula são as pessoas com mais de 60 anos. E a que gosta menos são os jovens entre 16 e 24 anos. Quer dizer, vamos deixar bem claro. Lula é um fenônemo de popularidade em todas as faixas etárias, de jovens aos velhos. A comparação aqui é sobre o nível de entusiasmo de cada um. Mais da metade (56%) dos jovens até 24 anos dão nota 8 a 10 para Lula.  Na terceira idade, todavia, esse percentual pula para 66%, sendo que 39% dão nota 10. A turma de cabelo branco é outra que está fortemente entusiasmada com o desempenho do presidente.

Esse é um dado interessantíssimo. Não tanto pelo lado eleitoral, porque sabemos que os jovens são muito independentes nessas coisas: raramente se deixam influenciar pela opinião de seus avós, mas pelo aspecto humano e político. Com mais de 60, temos as pessoas que viveram a história recente, inclusive a ditadura militar. Alguém com 65 anos, tinha 30 anos em 1974, auge dos anos de chumbo. Com 40 anos acompanhou a redemocratização. Com 50 anos, idade que, segundo muitos cientistas, é o auge intelectual do homem, assistiu a posse de Fernando Henrique Cardoso.

Para mim está evidente que esse entusiasmo, visível em todas as classes, começará a arder com mais força na medida em que as pessoas perceberem que a gestão de Lula está encerrando. A campanha de Dilma capitalizará essa energia monstruosa, essa euforia, essa esperança.

*

Dou destaque também a outra pesquisa do Datafolha, essa sobre as intenções de voto em 2010, que explica em grande parte a desistência de Aécio Neves. Confrontado com Dilma Rousseff num segundo turno, Aécio teria 28% dos votos, contra 44% da Dilma, uma diferença de 18 pontos percentuais. Aécio perde de Dilma inclusive em São Paulo, ninho tucano, de 41% a 31%.

5 comentarios

Blog Tudo disse...

Por isso a Globo, do alto do seu pedestal, age fora da linha, como ontem, quando colocou Kátia Abreu para aterrorizar a população ao afirmar que o Programa Nacional de Direitos Humanos iria expropriar terras.
Estes barões criminosos da mídia vão aprontar coisas do arco da velha para fazer com o povo se decepcione com Lula, daí este tipo de coisa que às vezes até nos leva a nos setirmos mal ao darmos conta de que há enúrgemenos do porte de César Benjamim a serviço da direita.

Blog Tudo disse...

Tudo bem, até é um direito da Kátia Abreu, uma notória escravocrata, grileira e latinfudiaria, não concordar com o PNDH.
Tudo bem que a Globo também faça ferrenha oposição ao programa.
O problema, o crime contra a opinião pública, é a Globo dar espaço apenas paras Kátias da vida, eliminando a opinião contrária, a versão do governo, outros pontos de vista.

Carlos disse...

Mais curioso ainda se torna a aprovação dos mais idosos ao Lula, levando-se em consideração o achatamento das aposentadorias...

Ricardo Mello disse...

talvez ou mesmo com certeza um dos caciques dos demos (dem) bonhausen tenha se inspirado nos romanos para lançar o grito dos opressores "delenda esse PT", tal qual o "delenda esse Cartago" lançado pelos romanos. que o PT seja destruido e eles possam retomar o feudo, retomar o caciquismo. mas...os numeros conforme analisados por você nos confortam da impossibilidade de retorno pelo voto a não ser que continuem a tramar nos porões uma derrubada de poder. acabo de ler em determinado blog que Boris Casoy era integrante do CCC-comando de caças aos comunistas e costumava andar armado. muita coisa a história nos ensina e nos explica.

Hugo Albuquerque disse...

Miguel,

No Brasil, existe uma parcela da população progressista que desde os fins da Ditadura equivalem a 30%/33% do eleitorado. Some a votação de todos os candidatos de esquerda de 89 até 06 e ela nunca foi inferior a isso. Estamos falando em algo como 25% de esquerda pró-PT e o resto da esquerda não petista.

Levando em consideração que o Governo Lula, mesmo que sofra desgastes em 2010 ainda terminará com uma popularidade absurda, esse eleitorado consolidado há 21 anos atrás não estará desmobilizado na eleição.

Quando ficar claro para o eleitor - que neste momento está mais precupado em avaliar o Governo atual do que em se preocupar com uma votação que acontecerá daqui a quase um ano - que a candidata de esquerda é Dilma, ela terá essa votação - perdendo um pouco dela para Marina, mas muito menos do que Lula perdeu para HH em 06.

Quando estiver claro para o eleitorado que ela é a candidata de Lula, um poderoso eleitorado centrista migrará para ela. Por ora, o que vemos é o crescimento de sua candidatura, em um cenário onde ainda não está claro o que será para o futuro. O eleitorado mobilizado é a oposição, especialmente, a parcela direitista dela.

Nesse sentido, Serra sabe do enorme problema que é aparecer com apenas 38% das intenções de voto porque essa é a votação que Alckmin teve em 06 e que ele teve no segundo turno de 02: O eleitorado consolidado de direita mais os setores centristas que rejeitam Lula. Para um candidato nacionalmente conhecido, não estar com intenções de voto superiores ao teto de seu grupo político nas últimas duas eleições no momento em que seu eleitorado é o mais mobilizado, trata-se de um problema grave.

O fato é que a candidatura Serra se encontra dentro do conceito de liderança fraca neste momento: Em suma, ele lidera as pesquisas mesmo, mas essa liderança não tem ainda a coesão necessária para lhe conduzir à vitória. Um exemplo desse fenômeno foi a candidatura Marta Suplicy para a prefeitura de São Paulo em 08. Lider até poucos meses antes do pleito, ela viu sua vantagem virar vapor pouco a pouco porque não conseguiu "resolver" a eleição. Serra está no mesmo barco, mas com mais empecilhos do que Marta em 08. Ao meu ver, esse é o quadro.

abraços

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