(Pieter Brueghel, o bom pastor)
Enfim, a liberdade.
Tive que me afastar da internet nos últimos dias por motivos pessoais (não é doença, como uma leitora entendeu, ao ler meu post intitulado "Mãos trêmulas"; é um lance acadêmico), mas agora já posso voltar à normalidade blogueira. Daí que no ônibus mesmo em que retornava do último compromisso que me deixou fora daqui, já pensando num post, eu imaginei o seguinte. Que essa coisa de escrever sobre política me angustia porque me sinto como um cara que entra no bar todo pimpão, pronto para relaxar bebendo uma cervejinha, e se dá conta de repente de que ele não é um freguês, mas um barman, e que está ali não para curtir, mas para trabalhar!
É assim que eu me sinto.
Então de vez em quando eu me rebelo, e ajo como um barman que resolvesse beber em serviço. É tão fácil, tão tentador, com todas aquelas garrafas ali na sua frente. Escrevo crônicas amalucadas, cometo poemas, reclamo dos ossos do ofício e resmungo promessas de saltar o balcão e rir junto com todos aqueles universitários que vem aqui beber e divertir-se diariamente.
Só que aí, mal começo a beber, algumas paranóias vem me afligir. Que todos estão me olhando com reprovação, como faríamos se víssemos o pediatra da família tomando um porre e falando palavrão no churrasco para o qual o convidamos. Ou com piedade (ou condescendência), que imagino ser o que sentiríamos ao testemunhar um ótimo barman pôr em risco o seu emprego no restaurante ao beber acintosamente diante dos fregueses.
Já falei alhures que manter um blog por muito tempo, e tratá-lo com um mínimo de seriedade, é um desafio psicológico tremendo. Toda aquela turma que usava o blog apenas como um hobby light, para vazar de vez em quando um pensamentozinho pessoal, ou alguma indignação fugaz, migrou para o Facebook. Os escritores, por sua vez, meio que fugiram da blogosfera por causa do excesso de luz, que atrapalha a atmosfera de penumbra e mistério em que eles preferem viver, por razões nobres ou mesmo por mediocridade. Não é interessante descobrirmos que aquele romancista tão talentoso é um ingênuo, um babaca, ou um calhorda - quando o cara é muito bom, isso até não tem tanta importância, mas quando ele é médio pra baixo, esses defeitos, se descobertos, podem destruir sua carreira.
De qualquer forma, todos, por razões nobres ou não, enfrentam o principal obstáculo para levar adiante um blog: dá trabalho pra cacete e não dá dinheiro. A menos que você tenha talento para fazer um puta site voltado para cultura pop: mas aí também terá de trabalhar muitas horas por dia nisso, e pôr de lado qualquer veleidade intelectual que porventura tenha alimentado. Terá que blogar pensando exclusivamente em termos estatísticos (visitação, comentários) e financeiros (banner, etc).
Mas chega de papo furado e vamos ao que interessa. Hoje testemunhei uma cena interessante. Estava numa sala cheia de gente, esperado começar a prova. Uma senhora vestindo uma camisa onde se lia Amazônia, bem grande, com provavelmente alguma inscrição ecológica embaixo, e também com um adesivo lembrando do acidente do bondinho de Santa Teresa, levantou-se de sua cadeira e pediu a atenção de todos. Conseguiu rapidamente, até pelo inusitado, ou possivelmente porque todos achavam que tinha algo a dizer sobre o que fazíamos ali. Explicou que era uma ativista, e que estava convidando todo mundo para participar da manifestação contra corrupção, na Cinelândia, no dia 20 deste mês.
Vocês sabem que eu não tenho simpatia por essas passeatas insufladas pelos meios de comunicação, e sou contra a corrupção assim como sou contra homicídios. Nem fui com a cara da mulher, que tinha pinta de ser uma tremenda mala sem alça, dessas bem sem-noção que desandam a fazer discurso nas horas mais impróprias.
Mesmo assim, tive a impressão de ser uma boa pessoa, uma dessas mulheres engajadas politicamente, por razões espontâneas ou por ter vivido algum acontecimento doloroso que a fez querer ter mais participação na vida política a seu redor. Não é preciso nem ser um experiente blogueiro, nem leitor de Max Weber, para saber como isso é importante para a democracia - que os cidadãos participem mais da vida política de seu país.
Hoje o site do Globo aparece com uma lista interminável de celebridades que apóiam a mobilização social contra a corrupção. Até criaram uma logo especial para isso:
Do jeito como a questão é colocada, é quase impossível deixar de apoiar. O próprio discurso, que eu também veiculei aqui, de que estaria havendo manipulação de um sentimento legítimo da população, acaba se esvaindo no poder avassalador da mídia. Você é a favor ou contra a corrupção? Então apóie as manifestações! Não há meio termo.
Mas não apoiar porque? Não é uma coisa boa?
A militância de esquerda assiste a tudo com perplexidade, vendo esse bando de "bárbaros", que não entendem nada de política, articularem-se e reunirem-se, e ainda contarem com apoio maciço e entusiástico dos senhores feudais dos mass media. Falam em golpe, lembram das manifestações de 64, mas desta vez não me parecem estar conseguindo muita recepção para suas teses. E, a meu ver, as razões são as seguintes:
- o movimento anti-corrupção teve início como um ato de apoio à "faxina" da presidente; a tese, portanto, de que haveria, por trás das manifestações, uma tentativa de golpe midiático contra Dilma, não colou.
- ao mesmo tempo, ao não se caracterizar como um movimento de oposição ao governo federal, que ainda é muito bem avaliado pela população, ele produziu, ao menos, silêncio por parte das organizações aliadas da situação: UNE, CUT, MST, etc; e mesmo declarações de apoio algo constrangidas, como dos dirigentes partidários e membros do Executivo.
- a própria presidente movimentou-se politicamente, nesses primeiros nove meses de mandato, para desconstruir a polaridade e desfazer o maniqueísmo ideológico que predominou tão intensamente no periodo eleitoral; foram gestos arriscados, custaram um bocado de desgaste junto aos setores mais à esquerda, mas a ajudaram a desconstruir o ódio irracional, quase religioso, que um segmento importante da sociedade desenvolveu contra o PT e contra o governo federal; a alta popularidade de Lula escondeu esse ódio, que veio à tôna quando se desdobrou a terrível espiral do silêncio no segundo turno de 2010.
- algumas denúncias de corrupção divulgadas pela grande imprensa em primeira mão foram certeiras; os jornais derrubaram ministros e ganharam muitos pontos junto à sociedade "letrada", os famosos "formadores de opinião", que na verdade é a classe média das metrópoles, inflada nos últimos anos pelos milhões que ascenderam socialmente.
A meu ver, portanto, não tem sentido polarizar com essas forças. Somos todos contra a corrupção, então vamos todos marchar de mãos dadas. Há um aspecto positivo em toda essa pressão midiática, que é forçar o governo e o congresso a aprovarem portarias e leis que promovam um combate mais severo contra os desvios de dinheiro público. Manipulada ou não, essa é uma bandeira essencial ao futuro do país. Algumas mudanças já estão em curso, conforme se pode ver por essa nota que pesquei hoje no Noblat:
Ao governo, portanto, cabe responder mostrando serviço. Baixando portarias e demonstrando coragem na hora de "limpar" as áreas contaminadas pela chaga da corrupção. O apoio popular (mesmo que inflado midiaticamente) serve como escudo para se proteger dos ataques dos fisiológicos, sobretudo do PMDB. Dilma, conhecedora dos clássicos de política, vem seguindo à risca os ensinamentos de Weber: ética rigorosa, temperada pelo senso de responsabilidade política e pelo sentido de proporção. A tarefa é delicada, mas possível e necessária. Dilma já engoliu e digeriu os hidrófobos antilulistas. O que falta mesmo é acertar os ponteiros com a sua própria militância, cuja belicidade amadurecida em anos de luta na guerra da comunicação ainda não se ajustou à postura conciliadora e pacífica da presidenta.
Os escritores, por sua vez, meio que fugiram da blogosfera por causa do excesso de luz, que atrapalha a atmosfera de penumbra e mistério em que eles preferem viver, por razões nobres ou mesmo por mediocridade.
Fico com a segunda opção. Já em Portugal os escritores estão na blogosfera, há milhões de blogs de escritores, até o Saramago tinha um. Já aqui as palavras dos escritores valem ouro, não lhes convêm escrever nem mesmo sobre futebol. Uma pena mesmo.
Sobre a Marcha Contra a Corrupção, mesmo que se trate de uma reivindicação justa, eu não teria a menor condição de participar de uma passeata dessas por saber quem está por trás e quais são os objetivos dos marchadeiros que, é claro, só estão esperando cavalo do golpe passar pronto para ser montado...
Os progressistas poderiam começar a pensar nisso, por exemplo convocar manifestações para exigir que o Congresso aprove as medidas anti-corrupção, que estão paradas na Casa. Deve ter sido este seu ponto de vista, acho que entendi errado. Neste caso, temos sim, que engrossar a luta contra a corrupção. Seja bem vindo, grande abraço,
Pensando bem, vou multiplicar sua idéia, segue link para artigo da Carta Maior sobre a não votação das leis anti-corrupção, é hora de chamar a UNE, CUT, MST. Com certeza eu participaria se a manifestação fosse convocado por alguma entidade que não este pessoal do Cansei.
http://www.viomundo.com.br/politica/carta-maior-leis-anticorrupcao-empacam-no-congresso.html
exatamente, spin. também quero distância desse pessoa do neocansei. estou pensando numa estratégia para evitar que a mídia faça pose, mais uma vez, de grande paladina da ética na política e de líder de um movimento anti-corrupção que, embora seja em parte manipulado, possivelmente também também tem raízes autênticas.
Muitos estão indo no embalo das redes sociais, é chique ir à manifestação convocada pelo facebook
Rogério
Carta Maior: Esse tipo de multa está previsto no projeto de responsabilização das empresas por crimes contra a administração pública que o governo mandou ao Congresso há 17 meses. Até agora, o projeto não andou. O que é preciso fazer para que ele ande?
Hage: Mobilização da opinião pública, social. Via internet e imprensa, dois grandes instrumentos de mobilização.
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18482
Quem financia o Anonymous?
Esta campanha contra a corrupção irá crescer até o julgamento do Zé Dirceu. Os irão julgá-lo com a faca no pescoço.
Corrigindo: os juízes irão julgá-lo....
Eu estava pensando exatamente nisso, de pegarmos o embalo da mobilização das redes sociais e levarmos adiante uma campanha em defesa do marco regulatório das comunicações. Se fizermos isso estaremos afunilando nossa luta, até agora meio dispersa, isto porque está pulverizada em slogans tais como a democratização da mídia e as denúncias contra a corrupção da mídia golpista, pontos que estão dentro de uma luta maior, ou seja, a defesa do marco regulatório da mídia. Veja só, eu mesmo saí às ruas para fazer uma intervenção pública em defesa da democratização da mídia, adorei fazer o que fiz, as pessoas foram receptivas ao assunto, no entanto, penso eu, a partir de agora poderíamos unificar o discurso e, como você disse, começarmos a mobilização para o marco regulatório. É importante que, ao fazermos isso, coloquemos sempre para a população como é que os barões da mídia reagem uníssonos ao tema que, como sabemos, alardeiam que queremos estatizar a imprensa, que o chavismo está sendo implantado, blá blá blá, quando isso não é verdade, até a Inglaterra está aprovando seu marco regulatório, nos EUA não há propriedade cruzada na área da comunicação. Um outro ponto a ser colocado para a população é que se trata de uma garantia da democracia a aprovação do marco regulatório. Uma outra luta que não podemos deixar de lado é a aprovação, pelo Congresso Nacional, do pacote anti-corrupção, que está parado na casa
Alo Miguel: Já que voce está pensando numa estratégia, que tal participar das marchas contra a corrupção apoiadas pela mídia, mas com faixas de apoio a ley dos médios, abaixo a Rede Globo, Punição aos corruptores, apoio a punição da corrupção a TODOS os partidos sem distinção. etc. Juntar-se a essa marchas com faixas desse tipo de preferencia bem na frente dos cansados.....
Os empresários americanos estão pagando US$ 1 milhão para jantar com o “POSTE”.
Noir
Participar dessas manifestações com grandes faixas denunciando atos de corrupção dos aliados dos organizadores é uma forma de usar a força deles contra eles mesmos. Como é que vão publicar imagens das manifestações se, aqui e ali espalhadas entre os manifestantes, letras garrafais denunciam os seus parceiros? Como é que vão entrevistar dondocas indignadas se, ao fundo na imagem alguém porta um cartaz "Fora Teixeira"?
As artes marciais têm inúmeros golpes que se utilizam da força do adversário!!!
Concordo com a ideia de que a mídia está martelando nesta tecla para influenciar o julgamento do Mensalão. Sabe por quê? Por que se a mídia perder, acho que caberá ação de indenização dos acusados contra a mídia
Discurso de Dilma ao lado de Obama por conta da adesão do Brasil ao Governo Aberto um programa internacional de combate a corrupção
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-discurso-de-dilma-no-lancamento-do-programa-governo-aberto
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