1 de setembro de 2011

Anti-imperialismo tropical

Termino a última matéria do dia junto com o primeiro chop, num barzinho de Lisboa. O chop custa menos que na terra do sabiá. Passeando pela cidade, paramos diante de uns anúncios de imóveis e constatamos que um apartamento em Lisboa custa menos da metade que um similar no Rio. O hotel e a alimentação aqui são igualmente mais baratos que na minha cidade. Imagino que, não fosse as leis protecionistas da União Européia, o Brasil poderia engolir sua antiga colônia. O antigo sonho imperial lusitano terminou com um brasileiro bebendo e escrevendo no Bairro Alto.

Penso nisso enquanto medito sobre os imperialismos de hoje e ontem. Acabo de ler mais uma matéria do Pepe Escobar na qual ele faz diversas menções positivas ao Kadafi, o que me fez sentir mais remorso por ter me posicionado tão duramente contra o velho ditador líbio.

Evidentemente, eu me deixei levar pela onda de entusiasmo que varreu a intelectualidade ocidental ao ver os árabes derrubando tiranos e pedindo democracia e liberdade. Afinal, esses valores não são bandeiras da direita americana, como às vezes parece. São valores que fundamentam a nossa própria espiritualidade, para usar uma palavra bem forte.

Pepe Escobar e todos os analistas apontam a grande hipocrisia ocidental, que consiste em dar apoio às ultra totalitárias dinastias sauditas. De fato. O Ocidente vem destruindo os melhores países do norte da África, em prol de valores absolutamente filisteus. Primeiro foi o Iraque, um dos poucos regimes verdadeiramente laicos da região. Agora a Líbia, o único país árabe que fazia alguma coisa em prol da miserável África subsaariana. Enquanto os europeus se limitam a dar esmolas que, em última instância, apenas devastam ainda mais os últimos vestígios industriais do continente negro, Kadafi articulava o fortalecimento da União Africana e a criação de uma moeda única.

Bem, isso é o que agora falam os defensores de Kadafi, e me sinto inclinado a acreditar neles, por causa do meu remorso diante da guerra, mas é evidente que a ditadura líbia cometeu um erro fundamental, que é subestimar o valor da liberdade política. Tudo bem, a Arábia Saudita, o Barhein, etc, também cometem os mesmos erros e não são destruídos pela Otan. Mas a ditadura é um erro em toda parte: e uma hora ou outra, esse erro converte-se em alguma forma de tragédia, além de ser uma tragédia em si.

Há algum tempo que venho meditando sobre esse novo imperialismo e suas conexões com os antigas edições do mesmo fenômeno. São muito parecidos, por mais que as tecnologias tenham avançado. Quando vejo Hillary Clinton na tv falar que o governo da Síria tem de mudar, e que os sírios merecem isso e aquilo, tenho a sensação estranha de que aquilo é uma ficção bizarra. A diplomacia americana é incrivelmente tosca e agressiva. Com que direito os EUA se arrogam donos do futuro da Síria? Que visão de democracia imbecil é esta segunda a qual os povos não tem direito de decidir por si mesmos o seu futuro?

Por outro lado, é tão interessante observar como esses imperialismos, sem exceções, declinam e desaparecem. Da mesma forma, tento ver um lado positivo em tudo isso. Já li Voltarei e sei quando o otimismo pode ser idiota, mas é que eu penso nos imperialismos grego e romano. Eles também espalharam morte, devastação e injustiça. Destruíram culturas, sistemas políticos e formas originais de organização social. Moldaram a nossa história mesclando lições de arquitetura, filosofia e membros decepados.

Eram outros tempos, todavia. Ou supõe-se que eram outros tempos. Ao ver as matanças na Líbia, humanidade não parece ter mudado tanto. Enfim, nós brasileiros, assistimos Portugal quase exterminar toda uma raça de índios. E hoje, eu, bisneto de índios do Planalto Central, bebo um chop em Lisboa com um sensação algo vingativa de que sou mais bonito e mais rico de que todos esses portugueses a meu redor. O tempo passou, o imperialismo lusitano caducou e a história das injustiças encerra-se, como sempre, com alguém sentado num bar, divagando pacifica e melancolicamente, sobre as violências do passado e as loucuras do presente.

PS: prezados, terei que reduzir o ritmo dos trabalhos aqui até o dia 17 ou 18 de setembro, porque tenho uma prova para qual preciso ler toneladas de texto num curto espaço de tempo. Depois disso, volto com força total.

15 comentarios

Dani Tristão disse...

Erra é humano Miguelito, saber reconhecer um erro só demonstra sua grandeza, humildade e inteligência.
E por falar na sua inteligência...queria muito ler um artigo seu sobre a invasão da Veja.
bjs
ps: sempre que leio um texto seu me da vontade de beber chop...não sei porque!!! rsrs

André disse...

Ô Miguel,
mais uma vez, parabéns pelo ótimo texto. Meu comentário, no entanto, é por uma razão mais prática: estarei em Lisboa (que não conheço) em 2 semanas e gostaria de saber qual é o boteco e o endereço! Valeu!

PASSEANDO disse...

E assim caminha a humanidade...

P. P. P. disse...

Agora, é a vez da Síria...


http://www.voltairenet.org/It-is-going-to-be-Syria-s-turn

Gustavo Lisboa disse...

Síria, Iran, a IV Guerra Mundial em seu apogeu. O seculo XXI terminarah em 2040.

Quem sobreviver, verah.

@Limarco disse...

Prezado Miguel, isso estava nos óleos da cara !
O "povo" do levante gerou uma impagável conta para o povo líbio.
Boa viagem meu caro.

PERNAMBUCANO FALANDO PARA E COM O MUNDO disse...

Parabéns Miguel!!!

Há muito não vejo tanta lucidez num artigo seu, com toda certeza foram os ares lusitanos e sua mídia plural que lhe abriram os olhos.

Lembre-se sempre: QUANDO TODOS QUEREM, A TODO CUSTO, IMPLANTAR "DEMOCRACIA" NUM PAÍS, DESCONFIE DAS REAIS INTENÇÕES!

Por que será que permitem que Israel faça o que faz?

Miguel do Rosário disse...

Oi Andre, eh um boteco na rua das rosas, bairro alto. um que tem logotipos pretos, estantes com livros e logos de wifi na porta. so tem um assim e a rua nao e longa. vai achar. lisboa eh otima, animada, barata e poetica.

Unknown disse...

Toma uma por mim. :)



Documentário - Dividocracia
Revela a crise econômico-social pela qual passam os países periféricos da União Europeia
http://fwd4.me/0ATN

Marcelo de Matos disse...

Sobre Kadafi, o noticiário de hoje: "Os serviços de inteligência americanos e britânicos cooperaram estreitamente com os do coronel Muamar Kadafi, e a CIA chegou inclusive a entregar prisioneiros para que fossem interrogados, afirmaram diversos jornais neste sábado.

O jornal britânico The Independent e o americano Wall Street Journal tiveram acesso a arquivos encontrados em um edifício dos serviços secretos líbios em Trípoli pela organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW).

Durante o governo do ex-presidente George W. Bush, a CIA entregou supostos terroristas ao regime de Kadafi, aconselhando as perguntas que os líbios deveriam fazer a eles, escreve o Wall Street Journal, citando documentos encontrados na sede da agência de segurança exterior líbia.

Em 2004, a CIA tinha inclusive uma "presença permanente" na Líbia, segundo uma nota de um funcionário de alto escalão da agência de inteligência americana, Stephen Kappes, enviada ao chefe dos serviços secretos líbios na época, Mussa Kussa. A nota começa com um "Querido Mussa" e está assinada com o nome "Steve", o que permite deduzir as estreitas relações mantidas pelos dois serviços, afirma o Wall Street Journal".

Miguel do Rosário disse...

Pois é, Marcelo. Tô falando que essa história tem enredo para holliwood ganhar muito dinheiro fazendo filmes...

Anônimo disse...

Falou, Miguel. Estamos no aguardo aqui de sua volta. Abraço.

Cristina K.

Anônimo disse...

André.

Desculpe-me por palpitar na conversa de voces, mas tenho uma sugestão: vá ao café-bar "A Brasileira", localizado no bairro do Chiado. Ele se localiza na Rua Garret, Baixo Chiado, bairro que fica colado ao Bairro Alto.

Além do A Brasileira ser ele mesmo imperdível (bebidas e salgadinhos típicos e deliciosos), ainda tem uma história muito legal: Fernando Pessoa era frequntador tão assíduo que ganhou uma cadeira em sua homenagem no bar. E na calçada defronte a ele tem uma escultura em bronze do Poeta, mais ou menos do mesmo estilo da do Carlos Drummond de Andrade em Copacabana. É imperdível.

Cláudio Freire

Miguel do Rosário disse...

Claudio, a Brasileira é um lugar clássico, mas é totalmente turístico (inclusive os preços). Vale a pena apenas sentar uns segundos na mesa da estátua do fernando pessoa e tirar uma foto. Mas valeu pela dica! Abs

Anônimo disse...

lisboa 'tem' terremoto, deve ser por isso que é mais barato, tudo pode cair na nossa cabeça a qq momento... rsrsrsrs maria

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